O destino manifesto do comunismo vulgar.

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O título desse texto podia ser a respeito do marxismo vulgar, mas até o marxismo vulgar possui uma vibração menos hegeliana e antidialética que o comunismo vulgar, exposto em lamentáveis linearidades, messianismos e crença não materialista e quase metafísica numa revolução que é menos processo e mais uma inevitável exposição de um destino manifesto.

A revolução que é de uma inevitabilidade que faz dela um ente: a Revolução, que é quase um evento escatológico. No princípio era o verbo, no fim A Revolução.

Essa linha produz consigo um revival do stalinismo com o que parecia quase impossível: seu louvor acrítico às dinastias soviéticas que se seguiram na defesa do socialismo em um só país, e menos teórico ainda que o produzido a partir das garras do georgiano bigodudo.

Se o stalinismo já trazia consigo uma deterioração do marxismo com seu socialismo em um só país, o etapismo, a guinada que levava consigo uma retomada do hegelianismo e da inevitabilidade do progresso e da razão na libertação da classe trabalhadora como se a realização histórica a partir do mundo ideal, o neo stalinismo engraçado faz do produto dos partidos comunistas do século XX um pastiche que piora ainda mais a teoria em torno do socialismo a partir dos olhos de Stálin, produz uma ideia de que o comunismo tem uma tribo em torno de si que tem o destino manifesto da libertação do homem.

A Revolução virá, sabe? Ao ler os escritos stalinistas atuais, e não só, ao ver seus vídeos a gente percebe uma ideia de esquerda, de luta, de produção revolucionária que traz consigo não a dialética marxista e tudo o que a envolve, a investigação sobre o cotidiano, o dia a dia da classe trabalhadora e da própria classe enquanto relações ou ente, mas seu inverso, sua categorização em espaços estanques.

E essa linha traz da obra e vida de Marx, Engels, Rosa, Lênin, não elementos teóricos que permitem uma ideia metodológica sobre o real e a produção de meios que permitam à esquerda atuar como indutora para que uma revolução ocorra, que dialogue com a classe a procurar sua realização e que enxergue o momento histórico de sua eclosão, para lidar com as questões da classe de forma a liderá-la, mas verbetes, versículos, ditos, apontamentos messiânicos sobre como lidar com o hoje a partir das palavras de poder do antigo sábio comunista que aponta nosso destino manifesto.

Isso sequer é novo. Benjamin apontava essa tendência nos anos 1930, e Hobsbawn fala disso explicitamente em sua obra “Sobre a História” (Capítulo 15, página 206).

A ideia de uma inevitabilidade histórica do comunismo/socialismo, a leitura estanque de uma relação torta entre superestrutura e infraestrutura colocando o econômico como uma base que produz a cultura, ignorando as circularidades das relações entre cultura e economia, e outros tantos fatores, assim como entre as classes e no interior delas, tudo isso é uma herança do revisionismo marxista ou marxiano dos primeiros anos do século XX e continua até hoje a partir de bases teóricas definidas ainda antes da Primeira Guerra Mundial.

E à revelia da superficial antítese entre os revisionistas da social-democracia alemã com o comunismo de Lênin que posteriormente foi tomado, relido e abraçado por Stálin defendendo-o como Marxismo-Leninismo, essa tendência teórica, por vias tortas, saiu do revisionismo pequeno burguês eleitoreiro para o discurso dos defensores do socialismo em um só país, combatentes contra a revolução permanente.

A própria crítica à transformação, por Kautsky por exemplo, das ideias de Marx em um rearranjo teórico que incluía evolucionismos e positivismo à revelia de releitura modernizante ou a ideia da data de validade de análises sobre a história, como a ideia de Bernestein da necessidade de atualização das ideias de Marx para novos contextos históricos, uma atualização que incorporou o idealismo hegeliano anterior à própria dialética marxista, ignorando que o processo dialético e a própria ideia de Marx das características de sua análise obrigar a uma rediscussão cotidiana das condições objetivas e subjetivas dos processos históricos, saiu de um discurso que confrontava a ideia de revolucionários como Rosa Luxemburgo e Lênin para o interior, para a alma da teoria marxista que virou o eixo do que os PCs produziram como teoria a respeito da revolução via normas do comitê central do PC da URSS.

A própria ideia do etapismo, que pensava as alianças com as burguesias nacionais como etapa para uma revolução burguesa e posteriormente produzindo uma revolução socialista tá ali na ideia de Bernstein, na releitura de Kautsky e depois na produção teórica dos PCs pós Stálin.

Isso renascer nos anos 2010 do século XXI é uma espécie de retorno como farsa, assim como a eleição de Bolsonaro.

Não há a necessidade de falsa simetria pra discutir as proximidades entre o Bonapartismo do neopresidente ex-capitão e o sonho molhado de um Comunismo hegeliano com amores autoritários e releitura torta do combate ao imperialismo e saudades de Gulags e Stálin, fingindo que é bacana pra caralho campos de concentração que mandavam pra morte gente que era tão comunista ou mais que o senhor Georgiano, mas ameaçava sua obsessão messiânica que faria existir um culto à personalidade que quase tinha a face de uma religiosidade marxista, por mais contraditória que seja (Leiam Benjamin a respeito).

Marx já sacava a batata quente da idolatria de sua teoria antes de morrer, Engels tretou com a edição de seus escritos pela social-democracia alemã com o intuito de dar a distorções do que ele escreveu um sentido de endosso histórico de um dos totens tabu humanos do comunismo.

A questão é que tem teoria a rodo pra deixarmos de trazer pro coração de uma luta/teoria em si internacionalista, que se rediscute e se refaz a cada novo tipo de transformações de processos históricos e que produz novas percepções à exaustão a partir de Marx em torno de todas as suas descobertas relativas às ciências humanas ou até mais que isso, da economia à história, passando pela ecologia.

Fica bastante incompreensível pra quem lê Marx preocupado com as transformações ambientais a partir do capitalismo provocando queras metabólicas ver que neo-stalinistas reproduzem um discurso anti-ambiental em prol de um desenvolvimento econômico que rima mais com a UDR do que com o velho Karl.

Mais ainda ver reprodutores de uma ideia de classe como algo dado que ignora todas as descobertas a partir da categoria formulada pro Marx da classe como fenômeno histórico, ou seja, fruto de contextos que são diferentes em lugares diferentes, e que é um processo de determinação relacional, ou seja, uma classe existe no tempo, espaço e em relação a outras classes e não como algo que brota a partir do advento do capitalismo.

Piora quando vemos os stalinistas autoproclamados marxistas ignorando que o que Marx entendia como uma aplicação do que ele produziu como teoria não eram as formas autoritárias que ele combatia a partir das visões platônicas e positivistas de parte do socialismo que ele chamava de utópico, mas a Comuna de Paris.

Outra coisa é a ideia de uma superação do Capital como algo que virá, impávido que nem Muhamad Ali, e não fruto de um desgastante, longo e tenaz combate diário das forças socialistas e comunistas para produzir uma base organizativa das classes trabalhadoras que produzam a revolução ou aproveitem as ondas de sua eclosão nos momentos em que os processos históricos a tornarem inevitável em sua diversidade de tempos, lugares e características específicas da classe trabalhadora em seus contextos.

O fato da história ser movida pela luta de classes, considerando que Marx quando criou o conceito não tinha ideia da possibilidade e classe ser um fenômeno histórico (O cara produziu uma cacetada de coisas, mas não era Deus), não faz com que essa luta tenha uma linearidade e um destino manifesto da classe operária na superação do que a oprime por inércia. Da mesma forma toda a teoria que permite à classe a posse de ferramentas de análise do real que a empoderem para o combate pela sua libertação não é um conjunto de normas dogmáticas sagradas que recitamos enquanto abatemos carneiros em holocausto ao Deus da Dialética.

A teoria é ferramenta, não dogma. O cara que chega com a teoria é alguém que atua COM a classe, não por ela, menos ainda como líder dela. É na classe que surgem as lideranças que com ela encaminham o processo de sua libertação, afinal.

Ter a ideia do socialismo/comunismo como destino manifesto; a distorção da própria ideia de nossa necessária internacionalização para um nacionalismo supostamente anti-imperialista, mas fã de se tornar um “imperialismo do bem”; a negação das necessárias percepções do real que nos expõe que a contradição entre Capital e Natureza superam até as contradições entre Capital e Trabalho, na prática, no encaminhamento de extinções em massa, inclusive a nossa, e no efeito que o ataque do Capital à natureza causa à classe trabalhadora, tudo isso tem uma característica em comum que torna o marxismo vulgar um hegelianismo que nega o que Marx produziu: a ideia e a ação que tornam seus defensores reprodutores de linhas genericamente modificadas da base teórica marxiana e repetidores das falas de grandes marxistas como mantra.

É fundamental que atuemos como protagonistas de discussões que exponha que não há uma revolução no horizonte pro haver horizonte, mas que para que a produzamos precisamos de organização e ação cotidiana, não colonizadora ou messiânica, mais produtora de uma práxis libertadora que dialogue com o real a partir de bases teóricas marxistas.

Ter uma mente onde exista um destino manifesto é um entrave, não uma necessidade de militante que busca em Marx um caminho teórico de melhor compreensão do real e ferramentas para o empoderamento próprio e coletivo na luta de classes.

A redução do marxismo a seu aspecto teológico e ao comunismo como uma reprodução como farsa de um stalinismo que já era um problema em 1956, se tornando um marxismo vulgar que remete a Hegel, só produz revoluções no estômago.

Das Revoluções e dos ventos de golpe

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Há algum tempo me incomodam as falas que misturam o ser revolucionário a um tipo ideal de produtor de revoluções. Da mesma forma as Cassandras do mal maior, dos ventos devastadores das tragédias golpistas, cansam o observador com suas proclamas diárias da volta do Planeta dos Macacos.

Porque via de regra o que une os grupos é a tomada da História como um terreno dado, já lido, e cuja função eterna é produzir um mito do eterno retorno, como se a humanidade fosse uma espécie de Sísifo que no terreno da História se movesse apenas para carregar a pesada pedra da conjuntura até o topo para vê-la cair.

As revoluções nunca me parecerem produzíveis ou reproduzíveis de acordo com fórmulas estritas. E aqui tem uma não sistemática junção de leituras diversas da história e da teoria política pela esquerda.

De Marx a Thompson, de Ginzburg a Bookchin, de Natalie Davis a Michael Lowy, de Giovanni Levi a Daniel Bensaid, de Lênin a Trotsky, nunca consegui ler em nenhum dos que me influenciaram alguma forma de entendimento da revolução como uma obra passível de ser produzida, mas entendi-a como uma onda na qual quem estiver mais acurado na observação tende a possuir o caminho para liderar a navegação nela até o quebra-mar.

Claro, o problema pode ser o leitor, mas é um caminho de análise que sinceramente não consegue entender o tipo de dogmatismo que cita de cabeça trechos inteiros de Lênin, Trotsky e Marx e se recusa a analisar o processo dialético que faz com que seja impossível que a História se repita.

Não adianta citar o 18 Brumário de Luiz Bonaparte de Marx e depois ignorar o sentido da afirmação dele da História se repetir como farsa, ou seja, como uma falsificação histórica de um outro fato com fins simbólicos ou teatrais.

Neste texto ele constrói o significado de bonapartismo que nos leva a Bolsonaros e que tais como elementos que surfam em uma onda de popularidade organizada com específicos trejeitos de tragicomédia ou melodrama, e que tendem a tentar uma aproximação com o aspecto mitológico das relações políticas, mas sem jamais ser exatamente alguém do tamanho do mito que tentam reproduzir.

As revoluções, assim, são uma complexa junção de processos históricos que confluem em um tipo de transformação social, do estado às práticas cotidianas, que mudam de maneira global a sociedade em que ocorrem.

Essa junção de processos, pelas diversidades conjunturais e contextuais em que ocorrem, não tem jamais a mesma face em países, cidades e contextos diferentes. Sequer tem como condição sinequanon a vitória do movimento que a liderar.

Os elementos que as tornam possíveis, e que as definem, são as tempestades perfeitas que as fazem ocorrer entre a mobilização de uma ou mais classes contra o poder estabelecido. A explosão do processo revolucionário em si, as condições históricas que fazem com que as movimentações contra o sistema ganhem as ruas e as organizações dos enfrentamentos que a fazem tomar uma face transformadora visível são os elementos que fazem com que a tempestade perfeita exista e que a definem como portadora de um legado de processos anteriores, como a tomada de consciência por uma classe a partir do compartilhamento de experiências, a paulatina chegada de experiências comuns de mobilização, as transformações de valores que fazem com que a população se entenda como partícipe de uma determinada forma de ver e sentir o mundo.

Um exemplo? As ocupações de escolas, o crescimento da auto identificação populacional como negra, a maior aceitação da população LGBT(a partir de sua luta por visibilidade e direitos), o crescimento da identidade feminista entre mulheres pobres, a consciência de uma maioria negra de mulheres liderando famílias pobres, a maior presença nas universidades de negros e pobres, quase pretos de tão pobres e a identificação do sistema como inimigo (Para o mal e para o bem) são, todos, processos que fazem com que a classe operária, ou as classes operárias (incluindo a pequena burguesia, e sim isso é uma provocação), paulatinamente tomem para si o dever de fazer um estado que as inclua.

O próprio crescimento da extrema-direita como reação aos processos que incluem uma maior identificação de negros, LGBT, mulheres, trans,etc, como atores protagonistas de uma transformação do Brasil, e não só, é um elemento que indica o tamanho da transformação em curso.

Nesse sentido se encaixam as leituras sobre a conjuntura atual onde Jair Bolsonaro se coloca como impedido de governar e onde o congresso se impõe sobre ele barrando seus avanços, ao mesmo tempo em que as ruas demonstram que os limites da reação conservadora chegaram.

Porque se há erros na leitura das manifestações como vitórias exclusivas da esquerda, não há equívocos em tê-las como uma vitória de um tipo de percepção democrática que abre caminho para, ai sim, um avanço da esquerda sobre consciências que se perceberam compartilhando um terreno comum de experiências com quem antes era visto como inimigo.

Ao mesmo tempo outros indício como a movimentação do congresso, dos tribunais, ministério público, a guerra aberta no PSL, demonstram que mesmo no campo da direita há uma percepção dos limites do bonapartismo de Bolsonaro.

Essa movimentação não é fã da esquerda, e abre caminho para outra análise sobre a conjuntura futura, mas não é, e nem pode ser, insensível às ruas.

A trajetória do texto da Revolução á conjuntura não é à toa e é intencionalmente compartilhadora de uma noção geral para elementos conjunturais.

Estou dizendo com isso que há uma contextualização histórica revolucionária? Não, mas que existem elementos que podem vir a se tornar uma revolução, inclusive com as digitais das táticas, a meu ver equivocadas, do governo em confrontar mais do que o sistema, mas as ruas, não negociando sequer com quem lhes tem simpatia e negociava participação no projeto político mais que as filigranas do erário.

Não se pode tentar um golpe organizando um confronto aberto com as forças armadas como Bolsonaro faz e dilapidando o capital eleitoral com meses de inatividade e incompetência para apenas em Maio lançar mão do chamado às ruas para a resistência.

Bolsonaro aqui comete os mesmos erros do PT na reação ao impeachment em 2016. Lançaram mão de uma tentativa de mobilização nas ruas quando era tarde demais e quando perderam até a simpatia de quem poderia estar com eles na defesa do sistema porque construíram um governo que traiu as bases que os elegeu.

Dilma ainda tinha, via PT, uma base social forte que manteve um núcleo de resistência que quase atrapalhou os planos da elite aventureira e do Bolsonarismo que surfou na onda falsificada que culminou em sua vitória. Qual a base social do Bolsonarismo que o defenderá nas ruas?

Se nem a base social do PT foi suficiente para segurar as pontas de Dilma, terá Bolsonaro uma base que nas ruas tenha tamanho para impedir sua derrubada por um congresso que desistiu do governo e negocia direto com guedes, para a sobrevivência deste?

O teste dia 26 de Maio pode ser mais um insuflar das resistências ao governo Bolsonaro na dilapidação da educação e que marcaram atos para dia 30 de Maio, além de ser uma demonstração do real tamanho do inimigo para as forças que já estão abandonando o barco (De militares ao centrão, passando por MBL, Vem pra rua, Novo,etc).

As conjunturas são diferentes, mas os caminhos comparativos entre as inabilidades de Jânio, Collor, Dilma e Bolsonaro transformam a conjuntura atual na tempestade perfeita contra o Bolsonarismo e sequer chegamos em Flávio Bolsonaro e sua organização criminosa no gabinete (O termo escolhido pelo MP-RJ não foi à toa).

E as revoluções? Na conjuntura atual o que se impõe como dado é que os quadros são de paulatino compartilhamento de experiências nas classes trabalhadoras, de identificação de elementos caros à ela (educação e saúde) com um salto organizativo e de percepção do peso destes campos na economia, na cultura, na vida cotidiana.

Isso gera uma percepção do público (roubando um dado de observação do companheiro Célio da Comuna e do PSOL de São Leopoldo) não só nova, como identificável e, mais ainda, disputável.

A culminação narrativa do uber liberalismo como hegemonia cultural a partir das lógicas do empreendedorismo e redução do estado esbarra numa resistência firme e frontal pela primeira vez em, ouso dizer, décadas.

As ruas estão dizendo: Não mexam nas estruturas do estado, elas pesam pro meu cotidiano!

Esta estrutura cultural no entorno das mobilizações e dos atos são um dos elementos fundamentais para a compreensão de qualquer revolução.

As revoluções silenciosas nos comportamentos, nas construções culturais e percepções pela experiência tendem a se tornar explosivas quando passam pro passo seguinte das mobilizações, que é a ocupação das ruas e da política.

E neste sentido o caminho escolhido por Bolsonaro expande o cenário político para a conflagração, não necessariamente violenta, de percepções políticas. Põe pra jogo, como a gíria carioca, uma disputa política outrora dada como livre da esquerda pelo falecimento desta.

A esquerda diria que as noticias sobre sua morte foram manifestamente exageradas.

Não que a esquerda seja a vitoriosa nas mobilizações, mas pelo menos é uma das vitoriosas e se posiciona como elemento disputante do compartilhamento de experiências que explodiu no 15M.

A estética do 15M foi de esquerda, os gritos idem, a defesa do público também. Mas isso não torna nada disso como um ganho definitivo se a esquerda não se reaglutinar de forma radicalmente democrática para receber os novos participantes dos atos que manifestadamente resistem a formatos avesso à oxigenação das ruas.

O mesmo pode-se dizer do conclamação às ruas por Bolsonaro. Seu governo foi flagrantemente contrário ao que defendeu em campanha.

A liberação de armas e outras promessas de campanha não foram nada diante da ausência de uma postura que pelo menos uniria a direita, que respeitaria militares, que faria uma luta para mudar o país. O que se viu, todos viram, foi um caos movido por recalque e que atingiu as chances de crescimento social de pobres, as chances de ganho da elite, a própria ideia de corpo unido dos militares.

E isso diante de uma conjuntura de crise econômica de aumento do desemprego e do desespero, do trabalhador ao pequeno comerciante, que ainda viu a faculdade do seu filho atingida no coração, e seu filho sendo chamado de idiota útil.

Seria um contrassenso entender as resistências do congresso ao governo como dadas apenas pela fome de propina, seria uma negação da própria defesa pela esquerda da política como algo que via além do ganho pequeno e menor.

A resistência veio pela desconfiança de que o governo e seus chefes não iriam compartilhar nada do poder com as demais forças da própria direita. Que inclusive não havia, e não há, plano algum de nada além de destruir tudo o que foi organizado de 1988 em diante. E essa destruição significa a destruição de elementos fundamentais também para a própria elite que os sustenta.

A irresponsabilidade das apostas em Bolsonaro, de parte da elite econômica aos militares, se baseava na possibilidade de doma dele pelos grupamentos da extrema-direita com alguma ideia na cabeça. Não deu.

Primeiro que Bolsonaro e filhos tem uma visão imperial da presidência; segundo que os planos deles nunca foram o de viver na democracia, mas destruí-la qual Orban (Isso vem dos escritos do Celso Barros na Folha com os quais concordo); terceiro que o grupo, que é tido como olavista (à revelia do próprio oportunismo de Olavo que já pulou do barco),tem uma ideia que acreditam real que são majoritários na sociedade, embora tudo, pesquisas, votos e ruas, demonstrem o contrário.

Somem a isso a incompetência geral do governo em governar, pela ausência de qualquer noção a respeito do que significa a máquina pública, e que gerou uma enorme resistência da burocracia de estado, algo que de 1988 para cá ganhou uma faceta própria que nunca se viu na República.

Bolsonaro assim chama as ruas para defendê-lo tendo como base uma minoria com um tom flagrantemente golpista, algo que ele projeta sem uma base real, e que não teria, segundo jornalistas com proximidade com o mundo militar, apoio das casernas, ressentidas pelo confronto aberto e insuflado pelo presidente contra militares da ativa e da reserva que consideram líderes e que também atingem um corporativismo forjado há pelo menos cento e cinquenta anos.

A base de Bolsonaro voltou ao normal e ele se recusa a acreditar, perdido no mundo pessoal em que é fundamental gastar mundos e fundos para receber um prêmio imaginário numa cidade do Texas que não o acolheu, apenas para responder a um prefeito democrata de Nova York e à zoeira das redes sociais que ele ainda acha que domina.

Ao chamar sua defesa no dia 26, quatro dias antes da mobilização chamada antes por uma série de organizações e pela esquerda, Bolsonaro se obriga a ter uma maioria nas ruas que tende a não ter, diante do fracasso numérico das últimas manifestações chamadas por eles e pelo flagrante racha no que o elegeu (Do MBL ao Lobão). E se obriga numa aposta em que se perder só lhe resta a renúncia, saída honrosa, ou apostar a fundo contra um congresso que não vai demorar muito tempo em aceitar pedidos de impeachment.

E as revoluções? Bem, elas se produzem em processos complexos de danças e contra danças, pesos e contrapesos.

1917 só foi possível por 1905. 2013 produziu dos ocupa escola à ascensão de uma direita das ruas. 2019 aponta para uma nova faceta de processos mais complexos e que envolvem uma dinâmica de consolidação de transformações culturais de longo prazo.

Quando índios e padres e bichas, negros e mulheres e adolescentes fazem o carnaval é preciso entender que o que se contrapõe a eles são os homens exercendo seus podres poderes.

Invariavelmente nessa dança as bases carnavalescas se impõem.

Sobre não dar descanso a Temer, as diferenças, distinções e imobilidade eleitoreira

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Quando Dilma sofreu o impeachment na câmara parte da esquerda partidária e de movimentos sociais declarou que não daria um segundo de paz a Temer.

Pois é, mas deu.

Deu inclusive mais que um segundo em paz, deu dias, semanas, meses.

Manifestações até ocorrem, mas pingadas, poucas e pouco representativas.

Ações, como as que ocuparam o MinC, foram pouquíssimas e pararam há semanas, mesmo obtendo vitórias diante deste governo apalermado, ilegítimo e fraco.

E o governo ilegítimo prossegue com suas ameaças asneiras não só à classe trabalhadora, mas à democracia, ao bom senso, ao futuro da produção científica e à educação laica e de qualidade.

Mas a esquerda partidária prossegue sem tirar a paz de Temer, a não ser que entenda que tirar a paz seja xingar muito no Twitter.

Nesse meio tempo a esquerda partidária redescobriu o PMDB vilão de desenho animado, mesmo que o PT, que se aliou ao PMDB feliz em 2010, tivesse se construído denunciando o PMDB coo parte da direita coronelista brasileira desde seu nascimento nos anos 1980.

Todo santo dia parte dessa esquerda chora lágrimas de esguicho porque Cunha, Temer, etc são “ladrões” e “golpistas”, chega a ser meigo, doce e dramático, mas tem a função social do furúnculo na bunda como processo civilizador, com a devida vênia pela utilização terminológica.

Enquanto isso se não fosse índios, padres e bichas, negros e mulheres e adolescentes fazendo o carnaval à revelia da política institucional poderíamos dizer que a esquerda morreu enforcada nas tripas do último burocrata.

Sim, não há esquerda nas ruas, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê.

Tá, vá lá. Não sejamos injustos!
Profissionais estão em greve em vários estados, especialmente professores, e especialmente no Rio e RS, mas a vida da esquerda é mais que greve, por enorme importância que elas tenham.

E a vida política das greves é mais que elas mesmas e suas categorias.

Nem às greves o apoio coletivo da esquerda, o enorme peso necessário pra disputa hegemônica e contra hegemônica das consciências, a gente vê com a ênfase necessária.

Greve Geral? Sonha!

Vemos sim a esquerda tartamudear lamentos grandiloquentes sobre a maldade do mundo contemporâneo gritando o inócuo e babaquara grito “Primeiramente Fora Temer”.

Como se essa fraseologia amestrada fosse um abracadabra da libertação dos cães capetóides da revolução pra cima da direita, que ri, de lacrimejar na gravata, dessa bobagem.

A esquerda partidária definitivamente abraçou a teleologia da revolução enquanto evento escatológico e apocalíptico.

Sua religiosidade “racional”, seus mantras, signos, sinais, santos e demônios travestido de figuras públicas e burguesia, e segue na procissão candente dos ignaros rumo ao nada.

Tem avanço fascista que mata alunos da UFRJ, amplia crimes de ódio, ameaça professores, ganha DCEs, apoia bolsonaros, etc?

Lutaremos contra isso, mas vamos tentar canonizar nosso santo da vez elegendo-o prefeito primeiro?

E às diferenças e distinções entre nós da esquerda, como são tratadas? Com a velha e boa desqualificação dos que não são convertidos à fé dos mosteiros vermelhos de São Lênin, São Marx, São Trotski e Reverendo Stálin, na borrachada.

A nova é o racha do PSTU provocando grandiloquentes debates sobre a razão ou desrazão de gente adulto optar por tomar outro caminho organizativo.
Como se isso fosse sequer da conta coletiva ou elemento fundamental de qualquer mudança dramática na conjuntura ou tivesse efeito daninho à organização política coletiva.

Sim, a esquerda partidária ainda se ressente de gente adulta definindo que não quer mais fazer parte de grupo A e se deslocando pra fazer parte de grupo B ou vender sua arte na praia.

Como se o cara ao migrar sua militância pra anarquia ou sair do partido A pra fundar outro ou ir pro B, ou mudando seu nome pra Chupeta de Baleia e fazer performances acrobáticas na praça XV mudasse um cacete de elemento prático na conjuntura e tornasse a vida coletiva mais ou menos dura no enfrentamento político contra a direita.

Mas reparem que a cada racha ou a cada crítica soltam-se as balalaicas argumentativas dos xóvens do mosteiro vermelho falando da necessidade de “um partido da classe”.

Vejam bem, não falam da necessidade da classe trabalhadora se organizar ao máximo, mas dela ter “um partido”, reparem no numeral “um”, isso mesmo, apenas um, unzinho.

E as diferenças, as dissonâncias, a diversidade, as distinções? Fodam-se elas, só pode existir um.

Tá certo que parte boa da esquerda de hoje cresceu com Highlander no imaginário, mas desde os anos 1960 ao menos temos elementos teóricos pra discutir essa obsessão pela uniformidade na esquerda que dão um novo gás à nossa própria percepção do mundo e rediscutem a obsessão marxista-leninista pelo partido único, centralizadaço, supostamente democrático, não?

A diversidade, as distinções, as diferenças produzem mais diversidade, mais distinções e mais diferenças, e isso tá longe de ser negativo diante da óbvia complexidade da composição da realidade e das classes operárias, dos mundos e fundos que são feitos de gente que luta, se organiza, sobrevive, produz suas próprias pautas e lutas.

E o que isso tem a ver com dar descanso a Temer?

Tudo.

Até porque enquanto a esquerda partidária ignora o mundo externo a ela e o aumento dos crimes de ódio, da sanha bolsonarísta de se impor na porrada sobre mulheres, negros, LGBT, a coletividade transformadora da esquerda não partidária tá por ai enfrentando essa direita sem precisar gritar “Primeiramente Fora Temer”.

E segue a esquerda ignorando essas lutas, tratando-as como “problematização que desvia o foco da luta de classes”, atacando mulheres, atacando indígenas, atacando LGBT que gritam, em grandiloquente razão, sua fome de mudanças e conseguem cercear a direita, emparedar a direita, tornar a vida da direita um inferno enquanto a esquerda partidária agenda uma nova apresentação do Papai Noel de Montevidéu numa tour inútil de louvação tosca a figuras públicas burocratizadas, mas pop.

Ou isso ou lendo um Stalinista pop como Zizek falar bobagens reaças, mas de esquerda, enquanto Temer agenda matar a CLT a pauladas.

Vão esperar perder direitos pra agir? Não é a lição que secundaristas, índios, LGBT e mulheres estão dando.

Mas uma esquerda que ainda acha que só há um caminho pra transformação, e portanto um tipo de conhecimento supostamente racional e organizado pra compreender a realidade, consegue aprender algo que fuja do adestramento?

Difícil.

Da diversidade da subversão e do ethos transformador

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Primeiramente #Molotov .

Os caminhos ideológicos da esquerda traduzem as contradições próprias do campo contra hegemônico a partir de sua miríade de campos dentro e fora do marxismo tradicional.

Quando coloco campo contra hegemônico é proposital pra fugir da terminologia “Progressista” onde são encaixados uma outra miríade de grupos que nem sempre são participantes de qualquer noção ética de transformação social ou ruptura ao status quo, entre eles liberais democratas, capitalistas desenvolvimentista de linha keynesiana, etc.

Por que os caminhos da esquerda hoje, tida como dispersa e fragmentada, traduzem as contradições inerentes a este campo contra hegemônico? Porque a esquerda jamais foi esse monólito vivo em torno do ideário marxista.

E isso se tornou mais eloquente pós-crise do estruturalismo decorrente dos efeitos da segunda guerra mundial e da racionalização do genocídio a partir do nazifascismo provocando uma crise na própria narrativa moderna da razão como libertadora e mãe do progresso.

Inclusive esse é mais um motivo pra crítica do uso do termo “progressista” para definir quem atua no campo contra-hegemônico, mais conhecido como esquerda. Porque a lógica moderna do progresso traduz uma percepção de avanço das forças produtivas que despenca na ideia do domínio antropocêntrico da Terra com desprezo absoluto ao meio ambiente, e também a um etnocentrismo que põe na frente a concepção moderna do progresso industrial e científico branco ocidental como medida de todas as coisas e culturas.

Dessa crise “da razão” emergiram muitas formas novas de transformação contra-hegemônica, mas também ressurgiram formas antigas e que estavam em campo desde muito tempo antes, como a própria ideia de anarquia que por muitos anos foi submersa pelo marxismo-leninismo, nem sempre apenas com a hegemonia ideológica e cultural, mas com violência (vide 1936 na Espanha).

Além do ressurgimento de campos ideológicos antigos como a anarquia e o autonomismo, surgem novas formas de debate contra-hegemônico como as que nascem a partir do feminismo e da luta LGBT, como a teoria Queer; A própria ideia de organização política dos povos originários, com seus paradigmas teóricos próprios que compreendem o mundo, a sociedade e as formas de transformação para além do que as teorias ocidentais propõe, mesmo que dialoguem com elas em algum momento; As construções ideológicas das populações africanas e do Oriente médio e Ásia a partir do caudal cultural e teórico produzido na descolonização, com ações que incluem o pan-africanismo e o marxismo, mas também releituras de ambos e transformações que traduzem valores próprios como a filosofia Ubuntu.

Para além disso as teorias produzidas na História, Filosofia e nas Ciências sociais apontam para novas saídas teóricas passíveis de serem utilizadas, como de fato o foram, por movimentos.

Pensadores como Ginzburg, Foucault, Thompsom, etc, fogem dos paradigmas centrais ao marxismo-leninismo e apontam para novas interpretações possíveis da vida humana e das organizações sociais que não eram contempladas quando Marx produziu suas teorias no século XIX ou quando Lênin se organizou misturando a teoria marxista a uma percepção fordista da política. Ou se eram contempladas o eram de forma absolutamente embrionária.

Se já haviam esses movimentos nos anos 1920 ou 1930, com críticos como Walter Benjamin tanto trabalhando com a crítica à construção marxista-leninista como mecânica quanto apontando o progresso, e a própria noção de História como irmã do progresso, como um processo de inevitável libertação da humanidade a partir do desenvolvimento técnico, como se a sociedade e a tecnologia fatalmente se abraçassem um dia numa era de ouro do humano, eles triplicaram em participação, peso e vivência no pós-segunda guerra e produziram tantas transformações quanto possível na própria ética da transformação no campo contra-hegemônico.

E desde os anos 1960 em especial esses movimentos e caminhos se tornaram cada vez mais diversificados e mais contundentes na ampla raiz de uma crítica complexa, completa e permanente de todos por todos e da própria ideia de transformação social.

E o que isso nos mostra? Nos mostra muitas possibilidades de análise e entre elas está desde a própria percepção das transformações como parte fundamental para o avanço das ideologias de transformação, com resultados práticos, até a própria reação de parte da esquerda outrora absolutamente hegemônica a esta diversidade e à própria crise de estabelecimento de sua ideia de unidade como hegemônica entre o diversificado plano de consciência dos movimentos de transformação.

Além disso, esse confronto entre a miríade de movimentos de transformações e os outrora campos hegemônicos do ideário de transformação põe também em confronto a própria ética da transformação, ou seja, o ethos que permite a compreensão da moral deles (Dos opressores) e da nossa (quem busca as transformações).

Não é incomum que nos embates e nas lutas pela representação do ideário da transformação o amplo espectro da ética inerente aos mais diversos movimentos seja mandado pro espaço em nome da punição daquele que disputa com o outro o papel de representante da transformação social e política (Seja ela a revolução, a anarquia, a igualdade de gêneros ou o fim do racismo ou tudo isso junto). Não é incomum as acusações mútuas entre os campos de serem traidores de uma causa em especial ou de uma bandeira ou de um campo de significados que simbolizam a revolução. E não é incomum todos estarem certos.

A diversidade da subversão por vezes é tomada como panaceia ou como veneno, quando não é nem um nem outro e sequer deveria também significar diversidade do ethos transformador.

A diversidade da subversão é um fenômeno histórico que traduz uma nova percepção do real como multifacetado e intraduzível de forma única pelas mais diversas ciências e teorias (incluídas ai as ditas exatas), algo que se não é consenso é cada vez mais perceptível nos debates ocorridos no interior das ciências humanas, e não só.

A diversidade no ethos transformador é que é um problema e dos grandes.

Porque a diversidade da subversão é filha dileta da expansão das formas de luta e dos campos de embate contra a opressão, que produzem amplos espectros de vitórias e de exposição das forças conservadores e do Estado a uma miríade de táticas e demandas que não os permitem muitas saídas simplificadoras.

Prendem anarquistas? Autonomistas atuam. Prendem comunistas? Grupos feministas estão nas ruas. Universitários reprimidos? Secundaristas ocupam escolas.

Entre todos esses existem comunistas ortodoxos e não ortodoxos, autonomistas tradicionais e novos, black blocks, feministas interseccionais e radfem, movimento negro unificado ou que inclui brancos, movimento indígena com raízes partidárias e autonomistas, entre todos existem foucaultianos, confederalistas libertários, anarquistas, autonomistas, malucos, etc.

E todos participam da enorme tarefa de transformação do mundo com o estabelecimento de uma polifonia onde vários mundos acabam se tocando e dialogando, na marra.

Isso é o estado da arte da diversidade teórica e da liberdade de ação política conquistada pela contestação, dentro e fora da academia, e que permite de tudo um pouco nas ruas, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê.

Essa diversidade teórica e liberdade de ação política nasce da própria crítica às amarras teóricas e políticas produzidas no campo contra-hegemônico pela ascensão do marxismo-leninismo como resposta única a todas as questões produzidas no espectro contra-hegemônico que contemplassem as transformações necessárias nas sociedades contra toda forma de opressão.

Essas amarras nasceram e cresceram desde a ascensão de Lênin ao poder na URSS com silenciamento de todas as contradições internas e externas aos bolcheviques, muitas vezes com uso do exército vermelho de Trotski, e viraram um Leviatã sob Stálin e com o crescimento do peso geopolítico da URSS e seu controle sobre os partidos comunistas mundo afora.

Não à toa dois dos momentos de explosão da miríade de movimentos e concepções de luta nascem na e da explosão teórica pós-1960, período onde também ocorre o primeiro rompimento coletivo com o Stalinismo partindo da própria URSS e tendo reflexos na saída da China do estado de parte do Komintern, e após a queda da URSS nos anos 1990.

O resultado das reações à diversidade teórica e liberdade de ação política pós-1960 vem sendo, primeiro pelos PCs e agora pelos partidos da esquerda tradicional (em geral trotkistas) mundo afora, bem similares: Descrédito a tudo o que foge da ideia de “unidade”, que no fundo é busca de uniformidade; desqualificação das teorias contra hegemônicas não partidárias como “pós-modernas” , mesmo que a maioria ainda compartilhe de boa parte dos paradigmas da modernidade e o pior dos casos, o desvio ético que contempla o abandono do ethos da transformação em nome da garantia de espaços de poder, em geral burocráticos, que permitam o confronto com vantagens operacionais contra as mobilizações diversificadas, ou mais gerais e autônomas. Essas vantagens nos confrontos incluem uso do aparato policial de governos, processos judiciais e sim, tem muito a ver com a concepção fordista e até militarizada (Trotski defendia inclusive a ideia de militarização de sindicatos na revolução russa) de movimentos sociais e organizações políticas.

E ai é que está parte do problema do rompimento com o ethos transformador.

Porque o ethos transformador inclui na práxis cotidiana a ideias de reprodução ética de valores aos quais se deseja espalhar para toda a sociedade, ou seja, não adianta defender igualdade de direitos entre gêneros e etnia e incorrer em racismo ou machismo.

Não adianta ser contra transfobia e ser transfóbico, homofóbico, etc. Não adianta querer a liberdade da sociedade via revolução e encarcerar quem diverge de você, ou desejar que alguém morra de forma brutal por ser seu adversário, mesmo ele sendo um torturador ou defensor de torturadores.

A diversidade de meios de luta contra hegemônica é positiva, a flexibilização ética do ethos transformador não.

Há uma bela diferença entre pacifismo e contraposição à barbárie com barbárie.

Precisamos manter a lógica de ampliar a diversidade de percepções, interações, construções contra hegemônicas, a diversidade não nos enfraquece, fortalece e “pira” o poder.

Se nesse meio tempo essa diversidade também enfraquece as forças políticas organizadas em torno das burocracias, paciência e problemas deles.

Enfrentemos os resultados disso, pensemos e construamos a resistências à opressão com ou sem essas forças, com ou sem parlamentares, mas não esqueçamos da necessária manutenção do ethos transformador.

Parte da diferença entre nós e Bolsonaro é saber a nossa ética. Quem esqueceu ainda dá tempo de lembrar.

A própria ideia da catalogação ideológica em caixinhas determinantes e limitadoras é parte de um processo redutor do outro ao limite ideológico imposto. Por isso limites como “anarquistas não podem votar” ou “marxistas tem de ser centralistas democráticos” são parte da redução e da simplificação, que contém uma boa dose de autoritarismo.

O limite do pertencimento ao campo contra-hegemônico deveria ser menos doutrinário e mais ético, menos autoritário e mais libertário, menos redutor e mais amplificador e pode ser resumido na luta contra a opressão e contra o capital como porto seguro de todas as opressões a partir das opressões de classe.

Precisamos ir além do sistema e pensar pra fora dele. Ir além do voto, ir além das caixas, mas sem desgrudar de nossa ética fundamental: Não podemos ser como quem combatemos.

 

Do Impeachment ao stalinismo: A ampliação do silenciamento de mulheres, LGBT, Negros e índios

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O Brasil passa por milhares de problemas hoje.

Pós-impeachment de Dilma ele acrescentou a uma crise econômica gravíssima dentro de um contexto mundial, um nível de ruptura institucional complicadíssimo pra quem vive a luta institucional.

Acrescente a ampla descrença no sistema político brasileiro que vem em um crescendo ao menos desde 2013 um avanço de conservadores, amplifique com desconfiança tácita em todos os partidos, um judiciário ativista com flexibilidade ética, um governo interino ilegítimo e uma esquerda imobilizada, voilá, temos um caldeirão pronto pra requentar o caos.

Pra piorar o governo ilegítimo acha que o impeachment os legitima pra uma guinada de 180º na linha política já tímida do governo anterior em relação a direitos e a esquerda partidária pira na batatinha endossando o que o Governo Dilma e o PT mais querem: A irreflexão sobre os anos de concessões que pavimentaram o golpe transformada em apoio acrítico, recheado de pânico, ao Partido dos Trabalhadores como se um golpe fosse uma espécie de morte, que a tudo santifica.

É de um lado Alexandre de Moraes afirmando que usará a lei antiterrorismo pra meter a porrada em manifestante e quem criou a lei antiterrorismo e foi cúmplice de violência contra manifestante na copa e sócio do agronegócio no ataque a indígenas dizendo que são lados opostos, porque Dilma foi apenas péssima em DH, enquanto Temer é o horror.

Só que tudo fica mais pantanoso e até leviano quando nos pegamos lendo atitudes que envergonharia a esquerda se essa não tivesse perdido a noção de ética e do que é nossa moral em relação à da burguesia faz tempo, nessa marcha de naturalização do Stalinismo como se fosse pragmatismo e da secundarização de lutas como se fosse “foco na Luta de Classes”.

Bem, o PT e parte da esquerda partidária não satisfeitos em mimetizar a mídia corporativa para atacar Temer, como se precisasse, também está utilizando o momento crítico pra fazer uma caça às bruxas a toda a esquerda que atuava nos movimentos ampliando as pautas e exigindo mais direitos, especialmente os movimentos calo pro PT e governo como LGBT, Mulheres, Negros, Índios, Trans, etc.

Além do clássico “Não é hora de criticar o PT” temos agora o “Essa galera que problematizava turbante, essas ‘‘feminazis’’ são também participantes do golpe!” e variações da ladainha numa ressurreição do movimento de criminalização de ativistas produzido em 2013 que chegou ao ponto dos MAV do PT espalharem fotos fake de anarquistas empunhando bandeira nazista, foto manipulada por Photoshop que apagou o A anarquista e pôs a suástica.

Pra completar ninguém da esquerda partidária faz a mínima autocrítica sobre sua participação na criminalização de anarquistas e autonomistas feitas de 2013 pra cá, e não só, atua pra aparelhar as ocupações de escolas e transformar todo movimento de resistência a Temer em parte da “Frente Povo sem Medo”.

Se juntarmos o avanço de silenciadores secundarizadores de luta tentando silenciar mulheres e negros com o aparelhamento da indignação não é difícil entender o que temos pela frente: além da luta antifascista, que não recebe um pingo de ajuda dos partidos da ordem como PT, PSOL e PSTU, ainda temos um avanço de uma concepção stalinista de esquerda que é um avanço autoritário terrível para a esquerda.

E sim, esse momento contém mais perigos do que podemos imaginar. O avanço do Stalinismo dentro do campo das esquerdas naturaliza o autoritarismo como solução.

Some a contaminação autoritária da esquerda à ampliação do caudal autoritário na sociedade como um todo e o resultado não é exatamente cheiroso.

Se a esquerda é autoritária e a sociedade também é não há Chapolin Colorado que nos salve.

Em tempos onde escolas ocupadas sofrem ataques violentos de estudantes financiados pela direita para agredir quem as ocupa é perigosíssimo transformar quem deveria resistir a isso em espelho.

A complexidade dos problemas e da conjuntura exige mais do que uma reação dura aos ataques conservadores, ela exige uma reação qualitativa ao avanço do conservadorismo.

Não precisamos e nem podemos responder autoritarismo com flores, mas também não precisamos ou podemos responder ao conservadorismo com autoritarismo centralizador, silenciador e até misógino e racista.

É nessa hora que precisamos entender a diferença entre nós e eles. E ela não é só de um suposto lado que ocupamos e arbitrariamente definimos como se fossem uma manifestação binária maniqueísta.

A diferença entre nós e eles é também de valores, de busca de abolição de hierarquias, classes, fronteiras, opressões.

E não, isso não é sonhador, isso é identitário, estruturante.

Não podemos manipular manchetes pra desqualificar Temer, não precisamos disso, temos a defesa dos DH e a luta contra sua violação como tarefa, e isso já dá um enorme caldo pra batermos no governo ilegítimo.

Não, não precisamos sacanear movimentos autônomos ou a luta contra o silenciamento, debatedora do lugar de fala, e contra a apropriação cultural racista pra supostamente focar na luta de classes sufocando “desvios”, porque a luta anti racista e contra privilégios,misoginia, machismo e homofobia SÃO A LUTA DE CLASSES.

E também não precisamos fantasiar o governo Dilma pra chamar Temer de um horror.

Essa é inclusive a hora de E-XI-GIR do PT uma plataforma de real guinada à esquerda, uma reversão programática do que vinha fazendo, concretizando promessas jamais cumpridas, isso pra começar, e não para agirmos como esquerda domesticada pronta a servir o tutor do Campo da esquerda na hora em que ele precisa, mesmo sem merecer uma linha de confiança.

Precisamos inclusive entender que as fragilidades do governo Temer tem tudo pra miná-lo mais cedo do que a imprensa encantada com o governo reaça deseja e sequer percebe. E que essas fragilidades fatalmente porão de novo o PT no governo, ou ao fim de 180 dias ou em 2018,mas que recebendo endosso ao que foi Dilma baseado numa espécie de amnésia causada pelo pânico teremos a continuidade de governos terríveis pra DH, meio ambiente, indígenas, favelados, etc..

Não basta, portanto, resistir a Temer, derrubá-lo, precisamos também derrubar no PT o que levou Temer a ser presidente ilegítimo.

E não faremos isso com silenciamento e adesão acrítica, precisamos de mais e um bom começo é saber que nossa moral e a deles não é a mesma.

Da Revolução

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A esquerda é useira e vezeira da tautologia de achar que a revolução acontecerá, só não se sabe como. A revolução é.

Pra mim, pessoalmente, a revolução não é. Ela ocorre muitas vezes, ela ocorre à nossa revelia, ou produzida por nós, porém não se mantém, pois ao se manter deixa de ser revolução.

A ideia de um evento que supera a estrutura, o passado, a cultura e projeta o novo, mesmo com todas as considerações culturais, políticas e organizacionais a respeito de transições e seus programas, é a negação do evento em si como transformador.

Por isso enxergo na anarquia da produção de transformações a partir do estabelecimento da experiência e ali em si revolucionar, pra produzir construção paulatina ou pra produzir fissuras no tecido histórico-estrutural que permita a permanência ideológica, a percepção ideológica maus acurada sobre a transformação.

A revolução sendo em si mesma um evento dado é inclusive uma percepção política de cariz autoritário, pois nega ao coletivo a transformação a partir de sua diversidade.

Revolucionar é mexer-se é transformar-se, é mudar, permanecer não é revolucionário.

O novo precisa vagar, reler, reconstruir, refazer-se, deglutir canibalisticamente o hoje pra ser amanhã enquanto hoje.

Esperar o amanhã como se o novo se constituísse como uma muralha de estruturas erguidas dos entulhos das estruturas anteriores é efetivamente fazer da transformação um trabalho de Sísifo da remontagem do fracasso como se sucesso fosse.

Prender-se no amanhã como se não existisse hoje e o ontem e como se a construção do novo não fosse também uma remontagem, uma releitura do ontem como uma nova arte, com um novo olhar também é transformar o ato histórico de rebelião e transformação num salto sem chão, numa ilusão também autoritária.

O novo é também antigo, o novo é também reconstrução.

É contraditório? Pode ser,mas a questão é sempre a de entender que o estabelecimento de um novo cuja ruptura promove uma fantasiosa epifania semi religiosa que faz da construção deste novo a partir dos cacos do antigo uma magia que nada traz do passado, que nada carrega consigo dos erros e acertos dos antigos passos, ignorando que o foco do novo é ser novo sempre,mesmo carregando tradições, relendo-as com novos olhos e buscando evitar fazer de tendas palácios é o erro médio do trabalho de Sísifo da esquerda em geral, que trata a ideia de revolução como destino manifesto.

A ideia de revolução em si precisa ser revista não como artesanato da pós-modernidade delirante,mas como releitura dos cânones com novos olhos.

Não foi a toa que Marx ou Bakunin nunca propuseram um amanhã dado,mas foram céleres em propor organizações hoje, transformações hoje.

Transições? Bem, transições postas de cima pra baixo não são transições, são permanências, são reengenharia.

Transformar é mudar, é agir pra fazer o novo a partir do velho e do amanhã um hoje a partir do hoje.

Transformar é transformar todo dia em novo dia, fazer das ocupações portais pra novos mundos, das ruas palcos do novo homem e da nova mulher, dos debates espaços pro novo diálogo.

Transformar é ver unidade como algo além de uniformidade.

Transformar é fazer acontecer no hoje o terreno do que pretende amanhã. É ler a nós mesmos e ao outro com a leitura mútua que constrói a ajuda mútua.

A revolução é permanente, não como foquismo com franquias mundo afora,mas como ferramenta de superação da cultura hierarquizada de fábrica, de gênero e raça, de cor da pele ou funções, pela horizontalidade diversificada e polifônica da ecologia, dos biomas, das interdependências das organizações naturais.

A revolução não pode ser evento,mas entidade.

A revolução precisa ser sintoma da liberdade, e não a causa dela.

Por quem os sinos dobram? Mujica, Curdistão e Guarani-Kaiowá

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Há uma constante inflexão teórica e prática na esquerda mundial rumo à institucionalidade como estratégia, como programa máximo. Isso não é novidade e rola desde a social democracia Alemã no início do século XX. Rosa Luxemburgo foi vítima disso.

O racha na internacional socialista quando na primeira guerra mundial socialistas votaram no parlamento da França e Alemanha (E não só) a favor dos bônus de guerra apoiando a entrada dos países na primeira grande guerra, foi o primeiro grande fenômeno que se tornou um case de sucesso (Ou de fracasso) do papel da institucionalidade e da burocratização na detonação da participação dos partidos na luta revolucionária.

Esse case virou uma espécie de franquia cinematográfica longeva, similar à franquia Sexta-Feira 13, aquela do Jason. E que alterna longas dramáticos, curtas cômicos, mas que giram em torno da construção de protagonistas fortes que atraem multidões para filmes com roteiro manjado,embora por vezes ainda consigam garantir alguma emoção por truques dramáticos, boa campanha de publicidade e apelo fácil às carências e sensibilidades do público.

Hoje em dia o filme escala Mujica como protagonista do drama mexicano da busca por um homem forte para chamar de seu. Mujica é o Lula lado A. É uma espécie de Lula do Bem, aquele que “não nos traiu”.

Essa criação de fã clube em torno de figuras públicas é a repetição como farsa do sebastianismo e é um eloquente exemplo da consolidação do papel da esquerda partidária como um todo de linha auxiliar da burguesia.

Por que a esquerda partidária como um todo se tornou linha auxiliar da burguesia? Porque ao erguer seus monumentos às suas figuras públicas louvando seus feitos contemplam imóveis as graves cessões programáticas ao programa burguês como efeitos colaterais superáveis de inegáveis avanços.

Por isso Mujica, Lula, Tsipras, Iglesias, Chavez e Evo (E tantos outros) são ícones por agirem de forma progressista em parte do programa enquanto por outro atuam como reformadores liberais de direitos e da economia, de forma tão venal e daninha quanto anteriormente FHC, Menem e seus iguais.

Há um encantamento com a dimensão da utopia possível decantada nas palavras dos ícones similar à suspensão da descrença presente em shows de prestidigitação, quadrinhos e filmes de super heróis.

“Nada nessa mão, nada na outra”, declama o Mágico antes de um pequeno milagre que a todos surpreende, mas que qualquer investigação mais acurada revela ser apenas um truque elaborado.

“Tiramos 30 milhões da miséria”,dizem ocultando deslocamento de investimento pro agronegócio desmatador, predatório, que mata Guarani-Kaiowá e Quilombolas; Investindo menos de 10% do dinheiro enviado pros juros de uma dívida pública ilegal na real erradicação da miséria e do deficit de moradia, enquanto se facilita a vida de empreiteiras com mega empreendimentos com geração deficitária de energia e preço ambiental, social e étnico gigantesco como Belo Monte; Com remoções nas grandes cidades para a Copa e a Olimpíada com zero de cumprimento de condicionantes mínimas sociais como a de consulta pública a moradores antes de removê-los como lixo, envio de moradores a moradias adequadas; Com combate zero à criminalização da pobreza a partir da guerras às drogas que torna as periferias campo de refugiados urbanos de uma guerra aos pobres e valhacouto de tráfico, milícias ou Unidades de Polícia Pacificadora, quando não é o Exército,que tá mais pra Unidade de Porrada em Preto.

“Legalizamos o Aborto e a Maconha!”,se diz enquanto se mantém um programa econômico neoliberal cruel e se criminaliza Greves.

Tudo muito bonito e endossado por variados grupos da esquerda partidária, seja ela governista ou não, brasileira.

Enquanto isso o pau come na Síria, na Amazônia, no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul. Locais onde se está em marcha a luta revolucionária de Curdos e Indígenas contra tanta coisa que só pelo fato de tentarem já mereciam aplausos emocionados, moções diárias de apoio, investigação sobre o que está acontecendo,envio de jovens pra ajudarem e aprenderem a serem revolucionários.

Mas qual o que? Quem liga pra Curdo e índio se tem Freixo, Mujica, Lula, Tsipras para amar?

Quem liga pra luta ecológica, étnica, proletária, corajosa e revolucionária dos indígenas contra o agrobusiness etnocida? Poucos.

Quem liga pra confederação libertária do Curdistão Sírio contendo até Assírios e Yazedis (Etnias que se achava que estavam mortas e moravam nos empoeirados livros de História Antiga) implantando comunas libertárias,tendo parte central da vida e do exército mulheres que deixam o Estado Islâmico precisando de fralda descartável? Menos ainda, e como a maioria é anarquista (Como os Curdos) ai mesmo é que danô-se.

Até porque, pra que prestar atenção em utopias de verdade ocorrendo um palmo à frente do nariz se se tem à mão a utopia possível, concedida, sem sangue, sem vida e nem a possível perda do ar condicionado, do discurso “republicano” de Mujica, o Lula Fofo, e afins?

E qual a cor do fã clube de Mujica? Onde mora? A maioria provavelmente é branca e não mora nas periferias das grandes cidades.

Pra que tentar entender meios de construir revolucionariamente da periferia ao centro se pertinho de casa é mais gostoso? Pois é, a periferia também acha.

Ou a esquerda é da Periferia pro centro ou tem de se repensar

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Tenho quarenta e um anos. Nasci no Engenho de Dentro no Rio de Janeiro. Morei metade da minha vida em Guadalupe, estudei em Realengo, adolescente ia na casa de amigos em Bangu. Depois que voltei de Minas Gerais fui morar em Vila Valqueire, depois em Oswaldo Cruz.

Nesses quarenta e um anos vi a chacina de Acari, Vigário Geral, Candelária e agora Osasco. Sem contar milícia em Jacarepaguá, Campo Grande e Bangu; PM ganhando arrego no Dendê; milícias enrustidas em Valqueire, Oswaldo Cruz, Madureira, Rocha Miranda, Freguesia,etc..

O que eu nunca vi nesses bairros era a esquerda em peso.

Tinha esquerda lá, óbvio, mas não mais que um incrível exército de Brancaleone.

Já na orla, a juventude dourada do socialismo curtia praia e sol, Maracanã, futebol, Domingooo.. E punha na lapela do colete de jornalista cheio de bolsos os lauréis da “consciência política”, curtindo a alegria de “fazer o mundo melhor”.

Sim, berra-se muito “Um outro mundo é possível!”, mas pra quem viveu praticamente meio século perdendo três horas por viagem para ir no centro e voltar esse outro mundo é bem improvável de nascer nas reuniões de acadêmicos, estudantes brancos e cheirosos mudando o mundo enquanto fumam maconha na festa hipster.

Não, não sou pessimista. Vejo a galera preta e pobre fazendo som, fazendo chover, quebrando a banca da babacolândia pseudo radical da branquitude consciente num fazer política mais papo reto, menos papo brabo.

Nada contra nego se divertir fazendo da política um hobbie, uma espécie de chá das cinco da caridade consciente embebida em marxismos de galinheiro. Direito constitucional.

Só que como diz o Playboy consciente Chico Buarque,eu nasci onde “A luz é dura,A chapa é quente”. Onde eu nasci “Não tem frescura nem atrevimento” porque “No avesso da montanha, é labirinto. É contrassenha, é cara a tapa”.

Convivi a vida inteira com gente que, como diz Brown, vivia “estilo é pesado e faz tremer o chão”. E aprendi que é preciso gritar: “Vim pra sabotar seu raciocínio! Vim pra abalar seu sistema nervoso e sanguíneo!”.

Porque já deu desse papo pós-rancor, de etapismo mela cueca, esse culto à personalidade de figuras públicas “republicanas” que conversam com geral pra manter seus mandatos, que fazem concessões pra banqueiro e empreiteira num papo cínico que “é o que dá pra fazer e garantir direitos!” enquanto dobram conta de luz, ferram com emprego e renda, arrebentam indígenas, gays, sapatões, trans, mulheres, pretos, quilombolas, e matam gente, desfilam sua bunda branca nas micaretas socialistas dos grandes centros pra disputar com a direita quem faz passeata mais babaca longe da casa dos pobres.

Já deu o papo! Já encheu o saco essa bundonice pseudo revolucionária que não sabe o que é se fuder todo dia pra ir trabalhar e ter dor de cabeça porque a conta de luz triplicou e a companhia de luz ainda te fode com um cálculo errado porque o medidor pirou.

Encheu o saco porque essa galera Santa Tereza, esses hipsters do socialismo não sabem de porra nenhuma do que é morar no cu do judas,do que é ver o lado selvagem do estado.

Trocentos anos com existência de partidos de esquerda e o pobre ainda lacrimeja sangue e pedras preciosas pra ter energia elétrica, água,internet,etc e não se foder com operadoras lhe roubando, lhe atacando, expropriando. Ninguém faz porra nenhuma!

Energia elétrica e água é direito humano, que partido diz isso e luta por isso? Até Internet e ONU classifica como direito e a esquerda, cadê?

Na Tijuca não tem “Cavalos Corredores”. O “Mão Branca” não dá as caras em Copacabana. O Batman do Leblon cagaria o pulmão se encarasse o Batman de Rio das Pedras.

Mas há vida após a morte bundona dos “socialistas de apartamento”.

Enquanto alguma coisa acontece no coração de quem cruza a Ipiranga com a Avenida São João, o couro come em Osasco e nas periferias de SP, que se mexem,que se organizam e que revolucionam, à revelia dos doutores do Largo do Machado, passeatas, atos, gritos, urros.

Enquanto a o socialismo amarelo xinga a novela, a juventude autonomista e anárquica toca o samba no Alemão e os núcleos socialistas fazem chover em Campo Grande.

Porque ou é da periferia pro centro ou é micareta patriótica,parça.

Essa coisa de Rio Branco, Avenida Paulista, Copacabana, Largo do Batata é muito bonito pra tentar namorar a gata do DCE, mas não atinge o fudido a não ser atrasando sua volta pra casa.

E é bonito pra caralho fazer coração “cas Mão” pro Mujica enquanto a juventude preta toma tapa na cara no Guabiroba por conversar em grupo numa esquina.

Aliás, fazer cosplay de cheer leader de figura pública em universidade, além de um sebastianismo fedorento, emulando culto à personalidade stalinista,é um lamentável grito de carência psicológica e limitação teórica de uma esquerda que precisa melhorar muito pra ser “Partido necessário” e muito ,mas muito mais, pra ser “ferramenta da classe trabalhadora”.

Enquanto Isso o Curdistão manda lembranças com uma revolução feminista fodona, mas quem liga?

Melhorem!

E não adianta procurar FHC pra melhorar, a não ser que o objetivo seja só tempo de TV pra garantir o bom negócio que é ter mandato.

Porque é preciso realizar: Vocês não tem a menor ideia do que é periferia! Vocês pararam nos anos 1980 e reproduzem em looping uma lógica de organização centralizada que fode pobre, fode periferia, fode preto, fode favelado.

Vocês ainda se acham “conscientizadores das massas” sem terem consciência nenhuma do que são “as massas”! Falta humildade ai,véi!

Vocês ainda tentam matar o velhinho inimigo que morreu ontem!

Enquanto isso o bicho pega e vocês parecem surdo em bingo!

Vocês falam de bandeiras liberais como legalização das drogas, aborto, casamento civil igualitário, etc como se elas fossem a porta da esperança da caceta preta do paraíso igualitário.

E se corretamente as pegaram e empunharam como bandeiras fundamentais, num quadro onde conquistas de direitos é imensa realização,onde estavam com a porra da cabeça de tratar isso como etapa revolucionária?

Beberam o que pra esquecer todo o resto,a questão de classe,a questão climática,meio ambiente, indígenas, quilombolas,etc e a necessidade de luta cotidiana por tudo isso junto e não só por parte? Ah,desculpe,esqueci que vocês trabalham em conquistas de nichos, de público-alvo de garantia de cargos eletivos e não mais que isso.

Porra, véi! Então assume que querem ser torcida organizada de ex-comunista neoliberal, que querem só garantir mandatos nicho com plataformas liberais pontuais e ganhos mínimos de direitos (Se o PT deixar) e parem de tentar cafetinar a periferia, indígenas, quilombolas e a questão ambiental com papo brabo etapista e políticas compensatórias.

Parando de fingir que sequer ligam pras periferias para além de abaixo assinados virtuais já quebra um baita galho pra rapaziada que tá se organizando pra mudar as coisas.

Sim, vão discutir Romero Rômulo e deixem o Movimento Indígena e Quilombola,as juventudes das periferias, pescadores artesanais, putas, travestis, trans e mulheres pretas fazerem seu carnaval sem a tutela zé cu universitária da orla de Copa.

Porque ou a esquerda é da Periferia pro centro ou tem de se repensar. E como não vai se repensar que assumam e parem de encher o saco.

A ficção da revolução escatológica é autoritária. Só revoluções por minuto fazem o mundo andar pra frente.

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A ação revolucionária atua na história mente humana como formadora de teorias. As mil receitas de sua construção, da produção da transformação são exemplo sintomático da procura de ordenamento do real,tido como caos,como necessidade apriorística das escolas de pensamento ocidentais.

A Ordem então é construída e criadas sobre ela um artifício,uma base,uma alicerce de regras,uma hierarquia para garantí-las, uma burocracia para controlá-la e temos ai então um sistema político.

A questão é que revolução e realidade são algo um tantinho mais complexo que sistemas políticos e de pensamento conseguem traduzir e produzir transformação sobre e a partir deles.

Por que? Ora,pois! Porque a realidade e a política são complexas, são elementos de tensionamento cruzado e transversal onde classe, raça, gênero, orientação sexual, etnia, expressão ou identidade de gênero, tudo compete para que a ação integrada entre indivíduos e entre indivíduos e sociedade tenha múltiplas motivações, ordenamentos, disputas e compreensões da realidade, conjuntura, história,etc, e isso significa, parceirinho batata, que o processo hierarquizante, centralizador, de e da unidade é a mutilização da produção revolucionária de cada voz e de cada conflito inerente às disputas no interior das sociedades.

Então não vamos nos unir contra o capitalismo ou para mantê-lo,pergunta você? E eu respondo: Unidades e rupturas ocorrem todo o tempo na luta política de transformação ou manutenção do status quo, o babado é que nada disso se encaixa como brinquedo de bebê nas formas pré-ativadas que os sistemas teóricos políticos produzem como fórmula mágica para a felicidade humana.

A realidade de Babadolândia não permite que a solução de Casa do Caralho do Norte se encaixe perfeitamente e vice versa. Da mesma forma megas teorias universalizantes não encaixam em tudo que é canto pelo singelo motivo que nenhuma casa é um universo e nenhum universo uma casa.

O Capitalismo não produziu avanço nenhum nas sociedades Africanas, Asiáticas ou Americanas, como defendia Marx, mas sim produziu extermínio, opressão, silenciamento e devastação inclusive de produção teórica autóctone com formulações e soluções próprias, mesmo que diferentes das ocidentais.

O Socialismo não fez nada muito diferente e mesmo quando inserido nas sociedades modernas,já capitalistas, da América, Ásia e África produziu adaptações a fórceps da lógica universalizante, centralizadora e hiper hierárquica do pensamento ocidental estruturalista.

A própria ideia da dialética causa em si o silenciamento da polifonia em nome da produção da síntese. Na síntese, a análise silencia os diversos sons, as diversas vozes, dos diversos grupos, indivíduos e realidades (ou visões dela), para que se construa uma tradução única do real, o que é em si impossível exceto como produção de ficção, e ficção silenciadora, dado o real ser amplo, geral, irrestritamente mais dinâmico e complexo do que qualquer síntese.

A revolução, portanto,nasce de uma ideia ficcional e romântica da leitura do real como uma espécie de ferramenta passível de ser usada por uma casta superior de observadores chamada de “intelectuais”, aqueles que possuem intelecto para esta leitura e capacidade de a partir dela produzirem sistemas e receitas repetíveis em quadros de realidade conjuntural diversa da observada.

A revolução também é a produtora de uma nova sociedade mágica, fruto de um evento teológico e escatológico, que ocorrerá (Virá, que eu vi!) de forma teleológica, ou seja, no popular: vai rolar, foda-se se tudo aponta pro inverso.

Daí pro pó de pirlimpimpim é dez real.

A questão toda é que a poética das transformações são complexas, mutantes e exigem revoluções por minuto, com confusão proposital com o rpm dos motores.

Sem mudanças cotidianas e tendo em vista que o futuro revolucionário é o já, e o locus revolucionário é o agora, nada mais, porque infelizmente não dá tempo de produzir teoria em andamento fotografando o passado pra tentar pintar o futuro quando elegermos um pintor capaz de desenhar o quadro.

A questão toda é que não temos nem o direito de produzir uma teoria vinda autocraticamente de uma produção de síntese hierarquizante e autoritária, que entende que leituras “qualificadas” são as feitas por quem possui mandato de classe (Advindo de seus próprios privilégios) para produzir uma leitura centralizada do real.

A teoria, mano, é produzida no campo do cotidiano pelas próprias mãos do hoje.

E por isso a ficção da revolução escatológica é autoritária. Só revoluções por minuto fazem o mundo andar pra frente.

Quando a vanguarda é o atraso

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A auto proclamada vanguarda da classe trabalhadora é no máximo vanguarda do atraso. Chamar esse povo de marxistas é um insulto a Marx e a todo pensamento libertário, à toda teoria política socialista e anarquista, os partidos de esquerda conseguem ser uma vergonha para a própria forma partido. E não tem nenhuma moral para criticar possível sectarismo que sofreram, sofrem ou venham a sofrer de anarquistas ou autonomistas. As frequentes traições à classe trabalhadora, seja no abandono dos perseguidos pelo estado, seja na omissão no apoio à verdadeira vanguarda das lutas da classe trabalhadora e oprimidos em geral (especialmente índios, favelados e garis), só deixam claro o óbvio: Se os partidos de esquerda não são o inimigo estão fazendo vestibular pra ser.

Só fico triste pela militância honesta que perde seu precioso tempo construído esses playgrounds de burocratas.

Assim como faltou grandeza à esquerda partidária no caso da Sininho e dos 23 presos, faltou grandeza com os Garis. É tanta falta de grandeza que parece de caráter estrutural. Ou será que trabalhador só serve se for pra ser liderado, tangido qual gado sob o jugo da inteligentsia sindical?

O impedimento à fala do Célio Gari no ato unificado do dia do trabalhador no Rio de Janeiro é só mais um prego no caixão da dignidade da vã guarda do atraso da esquerda partidária.

Ato unificado do dia do trabalhador, liderança da greve dos garis impedido de falar pelas centrais e NENHUM PARTIDO DE ESQUERDA abriu mão de sua fala pra dar voz ao trabalhador? Olha cês tão de parabéns, de brincation with me, cês tão de absoluta putaria com a minha cara. Sério, fechem essas merdas!

Essa mesma vanguarda atuou em 2013 para criminalizar Black Blocs e toda militância política não alinhada aos partidos políticos de esquerda e que atuava buscando organizar segurança de atos contra a violência policial e hoje atua apontando a extrema violência policial contra professores em Curitiba.

Ah, pois é… A esquerda partidária toda, “radical”, que criminalizou Black Blocs não tinha se dado conta de quanta violência policial foi mitigada pela ação deles, agora se deu conta ou tá ainda recuando e reagrupando?

É essa vanguarda sem grandeza, covarde, dependente de burocratas e burocracia que fala em revolução até dormindo que superará o sistema capitalista?

Lendo sobre a coluna Prestes a gente tem uma dimensão comparativa sobre o quesito coragem e atitude revolucionária e nessa comparação a vã guarda partidária toma surra.

Mas estarão preocupados com isso?