A Esquerda, a Direita, Eleições, Catequese e Colonização

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Eu voto nulo e faço campanha pro voto nulo, todo mundo sabe,mas não dá pra deixar de comentar eleições e como elas se dão, e como o comportamento da esquerda é equiparável ao da direita com relação aos mais pobres.

Os rumos eleitorais nas grandes cidades tendem a uma enorme confusão.

A direita encontrando mais dificuldade do que esperava e a esquerda, que contava com a eleição certa de Luciana Genro e Freixo e a reeleição de Haddad, enfrenta dificuldades extra nas suas caminhadas.

Parte do problema e das dificuldades da esquerda vem menos da fantasia de uma unidade mitológica perdida e mais da perda de capilaridade de sua organização no decorrer dos anos 1990,2000 e 2010.

O que isso quer dizer? Quer dizer que dos anos 1990, onde havia núcleos do PT espalhados por praticamente todos os bairros das grandes cidades, até os anos 2010, onde nem o PT manteve o que tinha nem o PSOL avançou sobre os espaços deixados pelo outrora maior partido da esquerda, a organicidade dos partidos de esquerda não só minguou como foi transformada numa mudança metodológica de organização que priorizou a formação de burocracias à formação de contingente militante e politização consciente nas cidades e interior.

Enquanto isso a direita, especialmente a vinculada a grupos evangélicos, construiu sólida expansão nas periferias e cidades do interior via velhos métodos, centros sociais e clientelismos, e novos atores, a participação cada vez mais ativa de religiosos neo pentecostais na política e inserção forte das igrejas na construção de laços de solidariedade comunal nos mais diversos locais dos grandes centros urbanos e interior.

Em resumo: A esquerda optou pelo eleitoral a partir do voto de opinião, a direita ampliou seu arco de ação fazendo trabalho de base cotidiano via igrejas e centros sociais e gerou um enorme contingente de gente que não só apoia candidatos de direita,mas os apoia ideologicamente, fazendo parte orgânica, especialmente via igrejas, das forças políticas que os mantém.

Exatamente, gafanhoto! A direita construiu militância capilarizada, enquanto a esquerda focou em manutenção de militância orgânica de classe média e expansão de apoiadores não militantes a partir de laços mais próximos do clientelismo, especialmente via lulismo, que de identificação ideológica.

E o segundo caso muitas vezes muda de lado pelos mesmos laços, e ainda passa a participar de um tipo de organicidade ideológica conservadora.

São vinte anos de transformações na direita e na esquerda, e é óbvio que isso daria em mudança no quadro eleitoral.

Nesse meio tempo outro fenômeno também cresceu nas periferias: Uma esquerda não partidária que não se identificava com a esquerda sucrilhos e combatia a direita evangélica.

Essa galera caiu dentro de uma posição apartidária,mas crítica, quando não anarquista e autonomista.

Muitos dessa esquerda periférica votam, outros não, todos são politizados e buscam um debate politizado a partir do ethos da própria periferia, seja via RAP, seja via organizações como núcleos socialistas (O IFHEP em Campo Grande no Rio é um exemplo), seja via coletivos de educação popular ou assembleias populares das periferias.

Toda essa galera tem posição combativa pela esquerda e critica fortemente o viés elitista da esquerda partidária tradicional.

E ai temos um fenômeno interessante: A direita dialoga com essa esquerda, mesmo sem contar com seu apoio e sabendo disso,mas a esquerda partidária a ataca.

E por que? Porque o pastor que aglutina os laços de solidariedade comunal que o sustentam politicamente sabe que o filho da Dona Naná que é anarquista e não vota nele é filho da Dona Naná, Primo do cumpadre meu Quelemem, irmão do Riobaldo, namorado da Zuleica, filha do marceneiro João, todos da igreja, menos o o filho da Dona Naná, que é bom menino e que isso de anarquia vai passar.

O Pastor pode estar errado no diagnóstico,mas na relação não. Ele sabe que o sujeito que ele vai combater na favela tem mãe, e a mãe é da igreja, e que os laços não podem ser rompidos, ele vai precisar conversar,mesmo com condescendência e mal disfarçado nojinho,mas vai ter de conversar.

E o assessor do vereador do partido bonito que dança tambor de criola na Lapa? Porra esse fica ofendidíssimo porque aquele fudido preto e pobre da favela do Jacó não vota no seu candidato que é a salvação da porra toda com sua proposta de fazer uniformes escolares de cânhamo que geram energia a partir da absorção da luz do sol e carregam celulares enquanto o corno fica no sol esperando duas horas pelo ônibus.

Como assim a esquerda não merece o voto da periferia?

Talvez seja porque a periferia nunca viu a esquerda, nem comeu, só ouve falar.

Esse comportamento se dá de forma simples: Catequese e colonização.

Sim, a esquerda espera uma reação de gratidão do fudido àquela que lhe leva a luz da consciência política de cima pra baixo à esquerda de quem entra. Logo ela que desperdiça domingos de sol que podia gastar na praia à passos de sua casa pra levar a luz da consciência política à esses bárbaros da favela é desprezada? Como assim não se consegue mais catequizar o pobre?

Talvez amigo, porque a direita montou posto avançado de colonização enquanto tu aparece apenas com o evangelho surrado de um marxismo cambeta.

O evangelho que vale é o do pastor que tá ali dando a cara tapa todo dia e não do missionário catequético e caquético que aparece do nada falando de um Deus Estado socialista mágico que tende a puni-lo se ele não gostar de seu messias.

Aliás, bora combinar que a esquerda que aparece pra catequizar também quer colonizar a periferia, né?

E por isso a esquerda que tá na periferia também repudia tanto o socialismo amarelo quanto o bispo Machado.

Mas quando a esquerda partidária vai entender isso? Nunca, ela sequer entende que passar na casa de alguém não é morar lá, imagina questões complexas.

O Hegelianismo travestido de Marx que a esquerda partidária insiste em usar, a partir da versão de São Lênin-Zizek-Mujica, impede por seu idealismo que a dialética funcione.

Por isso temos uma esquerda marxista sem Marx, sem antropologia, sem sociologia, sem samba.

E enquanto isso a direita tem o evangelho, e laços de solidariedade comunal, e diálogo com o filho da Dona Naná, mas o problema pra esquerda é quando o cozinheiro escreve.

 

A importância de ampliação de espaço das esquerdas nessa conjuntura

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Em um cenário como o atual a esquerda precisa se lamentar menos e ampliar mais sua luta, sua voz, suas cores.

E isso nas ruas, na chuva, na fazenda ou numa rede social de sapê.

Não estou disposto a esquecer nosso mandato histórico de vez, e acho que é tão normal.

Dizem que sou louco, por eu ter um gosto assim, achar que nem tudo é tão ruim.

Mas metáforas poéticas ruins a parte não é hora de jogar nossas mãos para o céu e agradecermos se acaso tivermos alguma ideologia que faz a gente repensar.

É um momento específico de avanço e explico porque: A ação da direita nos últimos quinze anos não é um avanço, mas uma reação.

Dos anos 1990 pra cá, e não só imediatamente pós-impeachment de Collor, a narrativa histórico-social foi construída em torno da consolidação da democracia, de nossa “jovem democracia”.

Desde o fim da ditadura civil-militar em 1989 (Eu coloco que a ditadura termina quando temos finalmente eleições diretas e não quando um presidente eleito indiretamente assume) o sistema político e a sociedade brasileira girou em torno da “consolidação de nossa jovem democracia”.

E isso sustentou as presidências de coalização que se sucederam, de Collor até Dilma.

A narrativa era que todo rompimento com o “Estado Democrático de Direito” era uma violação do pacto social que venceu a ditadura.

E o PMDB é o símbolo, para o bem e para o mal, desse pacto e dessa narrativa.

O PMDB se construiu ainda como MDB como um organismo de coalização entre forças da direita e da esquerda para resistência à ditadura e depois para a construção do pacto social e do estado democrático de direito pós-1988.

Contendo de Sarney a Requião, entre outros elementos que organizavam desde os coronéis das oligarquias dos estados até as associações de moradores de morros do Rio e SP, o PMDB se construiu como aquele que mantém o pacto social que sepultou a ditadura e permitiu o florescimento de “nossa jovem democracia”.

Por isso foi fundamental na derrota de Collor, que com a narrativa de governo corrupto rompia ano após ano com o pacto social, na pose de Itamar, na sustentação dos governo FHC, Lula e Dilma, até quando qualquer um desses governos ameaçava o equilíbrio desse pacto (segundo o ponto de vista do PMDB e dos pactuadores).

FHC perdeu a eleição quando foi incompetente pra lidar com as crises internacionais que eclodiram de 1998 em diante.

Lula quase foi ao ló quando em 2005/2006 se ameaçou uma crise institucional relacionada a escândalos de corrupção.

Dilma quase perdeu a eleição de 2014 porque não conseguiu manter um gerenciamento competente da economia em meio a uma enorme crise econômica mundial, e foi destituída porque no enfrentamento a esta crise não foi competente, implementando medidas que a agravavam (apostando numa austeridade falida que nem a Troika quer mais defender) e, já institucionalmente frágil, não soube frear o avanço das investigações sobre o PMDB na Lava-Jato.

Em todos esses anos o PMDB foi diretamente responsável ou pela estabilidade ou pela desestabilização dos governos supra citados.

E por que? Vide o comentário acima sobre o papel do MDB na ditadura e posteriormente.

Porque o PMDB desde MDB se construiu agregando as oposições aos poderes da ditadura nos estados e municípios, agregou de parte da esquerda que estava na ilegalidade (E depois migrou pra o PT, PDT, PSB,etc) até parte da direita que era oposição conjuntural a outros elementos de direita.

Esse papel de “Movimento pela democratização” fez o MDB ter uma capilaridade invejável, e ao fim da ditadura essa capilaridade ganhava o perfume de vitória.

Parte da esquerda que ali estava não teve dúvidas em permanecer na máquina que ajudou a construir e lhe permitiria avançar sobre o estado.

Parte da direita permaneceu por ser poder e com isso vencer seus inimigos no mesmo campo ou cooptar-los em posição subserviente.

Esse máquina política avançou na nossa “jovem democracia” como avaliador dos poderes centrais e sustentador ou desestabilizador de governos dependendo do papel que exercia.

Primeiro porque sua característica sui generis de composição para ideológica impedia uma unidade que garantisse a um dos seus um favoritismo à presidência da república.

Segundo porque, virtualmente sendo governo e oposição pra sempre, conseguia algo invejável para qualquer força política em nossa história: Se estava sempre com o controle do estado, independente da força que possuísse a cabeça dos poderes.

Esse papel permitiu ao PMDB garantir-se como um partido praticamente inatingível.

Ao menos até hoje.

Por que até hoje? Porque desde que o PT ameaçou o PMDB em sua principal característica, a capilaridade e o controle do estado nos mais diversos estados e municípios, o PMDB tornou-se governo e chefe em vários postos onde para manter-se teve de organizar em torno de si uma cepa ideológica específica.

Desde os últimos dois anos o PMDB perdeu a cada dia suas características de “geleia geral” e tornou-se finalmente um partido puramente ideológico.

A própria ascensão de Temer garantiu isso, seu ministério é uma assinatura e essa característica não faz ficar à vontade nem oligarcas como Renan e Sarney, nem rebeldes como Requião.

Para eleger Pezão o PMDB abraçou Dornelles e perdeu o PT. Para eleger Sartori o PMDB abraçou Yeda e o PP, ideologicamente, e perdeu qualquer semelhança a Rigotto e Britto.

Para manter Temer o PMDB abraçou o DEM de Escola sem Partido e o pior do PSDB, além de também apostar numa austeridade falida que nem a Troika quer mais defender.

E sequer foi competente para evitar que uma rebelião interna de sua ala coronelista pudesse a perder ambos para tentar salvar Cunha, a partir da não cassação dos direitos políticos de Dilma.

Mas essa explicação dá conta apenas do caráter institucional da conjuntura,não?

Sim,mas ele espelha outros aspectos que explicam porque esse movimento simboliza também uma ação da direita que é uma reação.

Um desses aspectos foi o surgimento de uma demanda social desde os anos FHC onde os direitos humanos se tornaram elemento central no debate em torno do Estado e da sociedade.

Essa demanda e essa narrativa se espalharam por anos a fio na formação profissional e acadêmica dos mais variados campos do conhecimento, especialmente como resposta à ditadura militar.

Os cursos que formam professores são cursos onde o debate de DH é extremamente presente.

Além disso, desde o fim dos anos 1980 essa demanda ganhou também o avanço e consolidação dos movimentos sociais e estudantis como elementos centrais da organização política da sociedade brasileira.

Nas favelas, vilas e bairros pobres houve um paulatino crescimento das organizações populares.

O debate em torno das questões de gênero, homossexualidade e transgêneros foi paulatinamente se construindo como elemento fundamental do debate do papel do estado e da sociedade na garantia de direitos.

E isso desde o fim do governo Itamar tornou-se uma demanda.

Nos governos FHC inclusive o debate em torno de DH foram muito mais ricos e democráticos que durante o segundo governo Lula e o primeiro governo Dilma.

Ampliou-se com Lula o acesso dos mais pobres, e pretos, à universidade, ampliaram-se as universidades públicas, aumentou o número de conferências que discutiam cultura, educação, saúde e comunicação.

Essas conferências foram transformadoras em vários sentidos, mesmo que usadas pelos governos como ferramenta de cooptação, porque estabeleceram minimamente organizações e participação popular a partir de bairros e municípios até Brasília.

Paralelo à participação em conferências ampliou-se também o número de movimentos e organizações que construíam lutas cotidianas e mobilização nos bairros pobres, favelas e vilas.

Se os partidos de esquerda cresceram, cresceram também as organizações não partidárias que dialogavam para além da juventude de classe média.

As igrejas também retomaram as organizações pastorais com fôlego, mesmo que muitas inicialmente distantes de qualquer similaridade com a teologia da libertação e fruto dos movimentos da direita católica.

As igrejas pentecostais também ampliaram seu papel de presença política de forma bastante feroz, com a entrada em peso de diversas denominações na política partidária, sendo em sua maioria de direita, mas também gerando movimentos de esquerda no interior delas.

Todos esses movimentos geraram o que?

Uma intensa politização da sociedade, e não o contrário, e uma direção clara de confronto entre as diversas forças organizadas.

Esse confronto ganhou fôlego nas redes sociais, mas também nas ruas.

Discute-se política hoje no cotidiano muito mais do que se discutia há vinte anos.

Apesar da limitação “teórica” desses debates ela é uma vivência política que explode em uma conjuntura de alvoroço.

De uma sociedade que romantizava direita e esquerda, e um caráter pacífico de uma cultura brasileira imensamente autoritária e violenta, temos uma politização que opõe ferozmente ideologias, conservadorismo ao feminismo, conservadorismo ao transfeminismo e luta LGBT e “democracia racial” às denúncias de racismo.

A “Pax democrática” da institucionalidade foi pro saco porque a política se tornou capilarizada em todos os setores sociais, em todos os bairros da cidade, em todas as cores de pele e condições sociais.

Por isso vemos anarquistas, comunistas e autonomistas confrontarem conservadores no Morro do Alemão ou entre adeptos do Black Bloc termos do playboy de Ipanema ao fudido morador de Santa Cruz e entre quem defende que Black Bloc morra desde o branquelo de Três figueiras ao pretinho de Vila Cruzeiro em Porto Alegre.

E é neste momento que o PMDB deixa de ser o endosso ao sisterma e se torna parte do sistema, adepto de um lado. E também é neste momento que o PT entra em crise e pode se desmanchar entre quem ainda dentro dele é esquerda e quem ainda dentro dele acha que pode recuperar a “paz social” do lulismo.

Por isso o PSDB mata quem dentro dele ainda sonha com o liberalismo clássico, e a política pós-rancor de Marina vira piada com seu programa liberal envergonhado e seu discurso que beira a omissão.

E Temer ao dizer que busca a pacificação pode até achar que cola, mas ninguém quer paz em lado nenhum. Um discurso fraco de um presidente fraco.

Nesse quadro onde a reação aos movimentos da sociedade de conquista ampla de direitos deixa de intermediar a “paz social” com discursos brandos e tentativas de acordo, qualquer espaço que a esquerda garanta de avanço é latifúndio.

E esses espaços não estão parcos ou poucos, nem a direita avançou sobre eles, ela tão preocupada em atacar e menos em ocupar,resistir e produzir.

Os espaços permanecem amplos e permanecem sendo ocupados nas universidades, escolas, associações de moradores,etc e devem permanecer sendo ocupados, com enfrentamento rua a rua, sala a sala de qualquer coisa que simbolize recuos.

Seja em comitês contra a PEC 241, seja em conselhos municipais, cada espaço é fundamental.

Também é fundamental que a esquerda que se organiza institucionalmente politize seus discursos. Porque é fundamental que a esquerda institucional vença as eleições.

E achar que a vitória de quem se identifica como esquerda nas eleições é conjunturalmente boa não me faz nem endossar o sistema, nem fazer campanha pra eles ou me identificar com a narrativa de menos pior.

A vitória eleitoral das esquerdas não só é boa como símbolo, porque interfere pouco nas lutas cotidianas e em vários sentidos até atrapalha,mas também em reduzir o avanço da direita sobre o Estado.

Além disso, a vitória eleitoral das esquerda traz um sinal pra direita, a questão é que a direita sempre reage ao sinal e a esquerda tende a confortar-se com a vitória eleitoral como se vitória fosse em todos os sentidos.

Uma vitória eleitoral das esquerdas deve ser tratada como oportunidade de luta contra hegemônica em possível expansão, e como meios de ampliar a audição de pressões da base pra cima, jamais como ponto final da luta.

Pra isso a esquerda deve prender-se menos no aspecto imediato dessas vitórias, e na leitura da política enquanto ocupação de espaço, e mais na organização da ocupação de espaços como meios de construir uma sociedade mais libertária.

O quadro conjuntural aponta para uma sociedade mais politizada, mesmo que sem a etiqueta de aprovação do marxismo elitista de galinheiro, e politizada à esquerda e à direita. Essa sociedade exige que a esquerda tenha ação e projeto, se organize enquanto ator que constrói uma percepção de sociedade e estado.

É hora de parar de calar quem discute gênero, transgênero, LGBT, ecologia, questão racial, questão indígena e horizontalização dos processos decisivos e atuar como ampliação da polifonia de questões a serem resolvidas nas sociedades e no estado.

É hora da esquerda aproveitar o ataque vindo do Escola sem Partido para discutir educação libertária em cada espaço e o quanto isso depende de mudanças drásticas na educação, que mande a “accountability” pra vala e organize-se enquanto elemento de construção de espaços cidadãos.m é preciso discutir educação integral, artes, esportes, ensino de História voltado pra pesquisa e formação intelectual e não pra memorização de datas e por ai vai.

É preciso hoje que a esquerda amplie seus espaços, e impeça o avanço da direita sobre os seus espaços nessa sua reação desesperada. Para além disso, é preciso que o debate saia do parco, deixe de ser em torno apenas da institucionalidade e se torna um debate em torno da própria concepção de mundo.

A sociedade está politizada o suficiente para que o debate ocorra,mesmo que parte dela queira matar a esquerda.

A ideia da unidade da Esquerda é uniformização e está mofada

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O estabelecimento da ideia de unidade como valor fundamental pro anedotário da esquerda é algo bastante interessante e criativo.

Especialmente se a gente entender que o mito fundador da ideia de unidade perpassa a frase “A esquerda nunca se une, por isso que o capitalismo vence!” ou variáveis dela.

Bem, essa ideia é equivocada, pra ser muito gentil, porque se sustenta na ideia de unidade não contra o capitalismo,mas na ocultação das diferenças, todas transformadas em futilidade, e em torno de uma ideia que se abre como hegemônica (Muitas vezes com base na amplitude numérica os que a defendem) ou de um partido que se impõe como hegemônico (E do ethos que coloca as eleições como ferramenta de transformação).

Além disso, essa ideia oblitera as diferenças ignorando que independente de como estas diferenças se estabelecem todas combatem o mesmo inimigo: O capitalismo.

Dos sociais democratas com sua ideia de capitalismo humanizado aos anarquistas com a luta anticapitalista abraçada à luta anti-estado (E até anti-civilização) todos de alguma maneira combatem o capitalismo.

E é irrelevante se combatem o capitalismo bem, mal, se combatem o capitalismo e entre si tentando colocar quem mais tem razão,etc, no ato coletivo todos de alguma forma atingem o capitalismo com suas lutas.

Seja com ocupações ou com eleições de deputados, todos atrapalham o capitalismo de alguma forma.

Então por que a ideia de unidade se transforma na ideia de uniformidade na retórica da esquerda partidária?

Porque esta parte de pressupostos unitaristas e uniformizantes construídos a partir da ideia de centralismo, depois centralismo democrático, que já nasce em Marx no embate contra Bakunin na AIT e vira norma e esqueleto das organizações partidárias com origem na Social Democracia europeia do fim do século XIX até a fundação do Partido Comunista Soviético pós-1917.

Todos os partidos pós-Lênin abraçam a ideia de centralismo democrático de alguma forma, mesmo que não enquanto partido, mas enquanto valor presente nas tendências que os formam (No caso de PT e PSOL por exemplo).

Essa ideia grosso modo presume que o debate dialético se transforme em posição comum pelo acordo coletivo, mesmo que esse acordo se dê com a vitória da maioria sobre a minoria a partir de debates amplos e munuciosos.

Em resumo: o Centralismo Democrático presume que a posição coletiva se traduza numa posição unitária a partir do esgotamento do debate em torno de um assunto feito pela totalidade de um coletivo e este se convencendo que uma ideia é a melhor para todos daquele coletivo.

Isso em tese, na prática pode ser uma imposição da maioria sobre a minoria que por “disciplina partidária” a acata.

É tão óbvio que esse processo se constrói em torno de opressões que a própria esquerda marxista-leninista o discute e cria soluções relacionadas a ele, especialmente em partidos trotkistas, e parte da esquerda partidária sequer o abraça e inventa novas formas de debate, mas todos, ou praticamente todos, acabam virando o mesmo centralismo mais ou menos radicalizado em formas mais ou menos transformadas e “novas”.

Pouca gente saca que esse tipo de metodologia “inventada por Lênin” tem um tremendo elemento da cultura hierarquizada de fábrica, ou seja, uma tradução política do fordismo por Lênin, e no germe dela, e talvez da própria dialética marxista, tem um tremendo silenciamento dos sons pouco ouvidos, ou de minorias que não conseguem, por inúmeras razões, serem ouvidas na sociedade e também nas máquinas partidárias.

E é ai que o germe do mito fundador da unidade perdida nasce.

Sim, queridos, a ideia de unidade nasce da ideia de centralismo, que é construída em torno de silenciamentos.

E não só eu quem diz e nem apenas críticos do Marxismo: Rosa Luxemburgo e Alexandra Kollontai tem textos a respeito (E é sintomático que isso tenha partido de mulheres,não?).

Emma Goldman já no início do século XX apontava pro aspecto autoritário do Leninismo (que Trotski também seguiu).

Bakhtin, marxista, apontava pra ideia de polifonia como crítica necessária à dialética, que na síntese silenciava parte da polifonia de sentidos de uma sociedade ou objeto.

Bookchin a partir do segundo quartel do século XX fazia critica direta ao fordismo leninista.

E sim, até hoje essas críticas são deixadas de lado e a mitologia da unidade perdida segue.

Em tempos de eleição toda crítica é silenciada com base nesse trambolho sub teórico que é a ideia que a esquerda algum dia se uniu em torno de algo que não fosse a luta cotidiana.

Pesquisem sobre a AIT,as greves operárias do XIX, aqui inclusive, e sobre a própria revolução russa onde ao menos anarquistas e socialistas revolucionários ladeavam com o Partido Social Democrata Russo (De Bolcheviques e Mencheviques) na luta contra o Czar.

Claro que na construção da cosmogonia da Revolução enquanto evento escatológico e teleológico tudo isso foi esquecido e Lênin e seus Red Caps viraram semideuses que conquistaram tudo sozinhos e ainda tiveram todo o resto da esquerda atrapalhando a inexorável lógica de seus cérebros geniais.

Só que a gente pode ler tudo isso de outra forma e ver já em Lênin, e em toda a metodologia e obra, o germe do que viria a ser nítido: O autoritarismo de Stálin.

E não se libera nem Trotski, basta pesquisar sobre Kronstadt e Makhnovistas, sabe?

Escrevo tudo isso porque do silenciamento de críticas ao Fora Temer ao silenciamento de críticas à própria participação da esquerda em eleições, passando pelo silenciamento de quem lembra da participação do PSOL no voto a favor da cláusula de barreira que hoje o retira dos debates, sempre aparece a ideia de que a esquerda se prejudica porque está “desunida” e que com isso “abre espaço pra Bolsonaro”.

Percebem o tamanho da tolice?

Dizem isso porque a esquerda não está na mesma chapa em vários locais, como se unidade fosse sinônimo de participar de eleições e só se combatesse a direita em espaços eleitorais.

Como se cada seminário, cada ato, cada performance, cada debate, cada comitê contra à PEC 241, cada combate ao Escola sem Partido e cada ocupação fossem ilusões coletivas e não fossem em si um enfrentamento direto a toda a direita, seus valores e também, por tabela, candidatos.

Dizem que quem combate a participação da esquerda em eleições empodera Bolsonaro, quando ignoram o quanto emponderaram Bolsonaro ao criminalizarem as ruas em 2013.

Fora que ignoram que por essa lógica quem endossa as eleições também empondera Bolsonaro.

Além disso, todas as vozes da esquerda que combatem Bolsonaro cotidianamente nas muitas marchas antifascistas, nos embates contra Bolsonaro nas escolas e universidades, nos atos públicos, nas aulas públicas, nas universidades, escolas, favelas,etc, são transformadas em “cúmplices do empoderamento de Bolsonaro” porque não participam de eleições e/ou apoiam o candidato da esquerda partidária.

Que unidade defendem?

Dane-se se há unidade no combate à direita, se não houver unidade de apoio ao candidato da esquerda partidária não há unidade? Querem unidade ou uniformidade? Querem unidade ou silenciamento da diferença?

Essa atitude de esquecimento de que não existe apenas um valor de esquerda, e uma ideia de transformação e um caminho e que apenas o caminho descrito por Lênin a partir de Marx funciona chega a ser infantil, se não fosse um valor que rima com um messianismo teórico de quinta categoria.

Detalhe, ignoram as próprias transformações do marxismo.

Não à toa o machismo dessa esquerda, o racismo, o silenciamento de minorias e pautas, a imensa ignorância da pauta ambiental (Inclusive da própria releitura da ecologia em Marx ou a partir de Marx) campeia dentro da esquerda partidária brasileira atual.

Indígenas, Qulombolas, Transgêneros, tudo isso ou é ignorado ou instrumentalizado com a adaptação grosseira de pautas liberais em torno desses grupos sem nenhuma reflexão coletiva ampla.

Favelas, negros, genocídio, feminismo popular? Ou é instrumentalizado ou tratado com tutela.

Por isso o choque com o descrédito que parte da juventude favelada tem com partidos e o subsequente tratamento autoritário desses como lúmpem, pior ainda se se organizam junto a autonomistas e anarquistas.

Enquanto isso Fora Temer de Starbucks é louvado, e é sintomático.

PS: Pesquisem unidade no Google em busca por imagens e vejam a coincidência entre “Unidade” pra esquerda e pra grupos religiosos cristãos.

Eu eurocêntrico: Ou da crítica como álibi pro analfabetismo funcional

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A galera perde a mão na crítica por vezes por absoluto analfabetismo funcional.
 
Me chamaram de eurocêntrico porque cito num texto uma porrada de autores, entre eles Frantz Fanom e Ashata shakur (Martinicano e estadunidense, respectivamente), e colocava que era fundamental dialogar teoria com MCs,funk,etc, com a comunidade, porque é fundamental mesmo.
 
Em vários momentos, até nesse texto, coloco que a teoria e a ação ou são da periferia pro centro ou dançam.
 
Sim, as pessoas leram (Leram?) a citação aos autores e ignoraram o texto, e desconhecem parte deles.
 
Também citaria João José Reis e Eduardo Silva, como já citei várias vezes, ou Chalhoub,mas eles são historiadores que tem uma contribuição teórica menos simples de ser transferida pro debate político em si (Vá lá dá pra fazer isso com Negociação e Conflio,mas Thompsom já aborda a mesma coisa),mas preferi citar as fontes teóricas mais amplas e mais facilmente transferíveis pro debates (E fontes dos debates propostos pelos eutores citados ai).
 
E também ignoraram o alvo do texto pra dizer que “Não cito todas as variantes da esquerda”, óbvio, eu me dirigia a uma variante, o que eu chamo de Esquerda de Apartamento©, seria no mínimo anti-didático citar todas as variantes de esquerda NESTE texto.
 
As pessoas não me lêem, não me conhecem, não procuram saber, não interpretam nem um textão “lacrador” (como se referiram a meu texto), mas são ágeis no julgamento (agilidade nem sempre é qualidade).
 
Isso não é problema, seria se não incluissem uma acusação de racismo porque uso o termo “nego” uma vez no texto, termo esse que cresci usando e ouvindo no subúrbio do Rio sendo emitido por todas as cores.
“Nego”, “negozinho”, é uma terminologia comum do Méier em diante. É negativo? Nunca percebi desta forma ou fui alertado a respeito.
 
Se for eu não tenho problema nenhum em parar de usar, basta me informarem a respeito, a questão é julgar tudo pelo uso de um termo ou porque sequer conseguem prestar atenção no conteúdo de um texto, seu contexto (todo texto tem contexto perceptível nele mesmo, basta ler) ou a forma que se aborda.
 
Ter cuidado e crítica são fundamentais, especialmente pra alertar sobre racismo, misoginia e homofobia, p.ex.,mas complica se o uso da crítica vira outra coisa, algo como caça às bruxas e gincana do purismo.
 
Pra me conhecer basta clicar no nomezinho presente no perfil e procurar nas minhas postagens o racismo,a homofobia, a misoginia, procurar minhas abordagens.
 
Querer em todo texto uma citação à todas as variantes da esquerda é de foder. Ou o Facebook agora vai precisar ter nota de pé de página?
Até porque se a pessoa que leu, e tá na esquerda, não consegue entender que quando a gente aponta Esquerda Brasileira de Apartamento© (chamar de generalização algo que eu cito nome a nome seus participan tres ou referências deles é dose) aponta para uma determinada Esquerda Fora Temer©(Tá repetido isso no texto inclusive), ela tem problemas sérios.
Ou todo autor que critica a Esquerda é automaticamente posto na caixinha da direita?
 
Transformar todo um texto em racista porque se usa um termo que pode vir a ser racista, não sei se é, uma única vez dentro de um contexto específico nada racista?
 
Chamar alguém de Eurocêntrico porque não entendeu o texto (Ignorar um parágrafo inteiro e a nacionalidade de Frantz Fanom pra chamar o autor de eurocêntrico é de foder)?
 
Não dá.
 
E com todo respeito, quem utiliza a ferramenta da crítica pra agir dessa forma é reflexo enorme do que apontei no texto a que me refiro: Falta de formação.
 
Não porque a esquerda precise ter toda leitura do mundo, não,mas ela precisa saber ler, e saber ler não é o exercício automatista de ler um texto inteiro, mas é ler, entender, possuir ferramental pra ir além de entender, efetuar a crítica do que leu e formular dali pra frente.
 
E com todo respeito: a maior parte da esquerda não faz mais uma mísera linha de análise do real que não seja um amontoado de lugares comuns mal escritos, anarquistas inclusive.
A fundamentalidade da esquerda sim ter programa que ensine teoria grossa (Tem enorme material produzido fora da Europa, viu?) é cada dias maior.
Inclusive é óbvio que a esquerda precisa ensinar a ler, sim, a ler, a ler textos inteiros e textos complexos, atuando inclsive como reforço pra quem começa universidade.
 
E sim, isso é A Esquerda Brasileira©. Sim, é de Apartamento©.
A minoria da esquerda é popular.
A minoria da esquerda partidária e a extrema minoria da esquerda nao partidária, são populares, são feitas de gente pobre e preta das favelas e bairros pobres.
Nunca vi o PSOL em Oswaldo Cruz, nunca vi anarquista em Santa Cruz, organizado não.
Tem sim esquerda não partidária em barirros pobres, mas ela não representa a maioria destes bairro e nem aponta pra isso. E basta ler meus textos pra saber que mesmo assim louvo sempre que posso o trabalho dessa esquerda não partidária, que tenho o GEP como referência, o MOB, a FARJ, a FAG.
A minoria de anarquistas está nas organizações de luta cotidiana, a maioria tá na internet chamando o coleguinha de eurocêntrico sem entender texto.
A Esquerda Partidária tá tão Ciranda Cirandinha© que sai de Starbucks em Starbucks gritando Fora Temer, Fora Feliciano, Fora Cunha enquanto a direita cassa nossos direitos e nos caça nas ruas, especialmente mulheres,negros e lgbts.
 
As marchas antifascistas são em menor número e com menos gente dos que as confirmações nos eventos de Facebook.
 
Vão nas comunidades anarquistas, por exemplo, tem mais gente querendo determinar se tu é “anarquista evrdadeiro” do que gente querendo dialogar com teoria.
É mais fácil aparecer anarco sindicalista chamando confederalista libertário de “traidor do movimento porque Bookchin defendeu que anarquista vote” (A rapaziada não entende sequer o contexto dessa defesa dentro da realidade estadunidense) e dizer que árvore e índio que se organizem como os trabalhadores se organizam, do que gente afim de construir alguma coisa pra além da teatralidade do “ser de esquerda”.
Nessas comunidades a rapaziada se escandaliza mais quando um companheiro diz que a luta sobre a prostituição, a favor ou contra, é uma questão que diz respeito à mulheres, cis ou trans, no máximo também a homens, cis ou trans, envolvidos com prostituição e chama de “doutrinado” porque se defende algo que é BÁSICO: Feminismo é um debate que deve ser feito entre mulheres.
 
Não muito mais longe, entre autonomistas se transformou em moda dizer que anarquistas são exemplo perfeito de quem só vê o lado bom de sua forma de luta, jamais admitem fracassos, ou seja, somos novamente um mundo onde a luta virou competição, a meritocracia invadiu o sistema da esquerda,né?
 
E a esquerda partidária com “Fora Temer”?
Outra questão é “Professores são também de direita!” ou “E tem professores que são de esquerda apenas no discurso!”, sim queridos, também tem “Esquerda” que só é “esquerda” em rede social, mas o texto era claro: A esquerda tem trocentos professores e é incapaz de organizar formação em seus vários espaços.
 
Eu centrei fogo na Esquerda Fora Temer,mas não só ela comete isso, quantos de nós estuda para além da obrigação formal?
Jura mesmo que as trezentas comunidades anarquistas nas redes sociais são compostas de quem realmente assim se pensa, mas opta comodamente pra nunca se organizar entre anarquistas fora da bolha e não tem problema nisso? Tá.
 
Quantos de nós leu minimamente? Poucos, e não me venham com papo de “Existe a sabedoria das ruas e nem todo mundo sabe ler texto pesado”, porque é bulshit.
 
Por que é bobagem? Porque a sabedoria das ruas não perde porra nenhuma em ganhar a companhia de ferramental teórico da pesada, vão por mim.
E nem o intelectual perde porra nenhuma em dar ouvidos às ruas, e ser das ruas, a não ser que o “sábio das ruas” esteja impregnado de um anti-intelectualismo estéril e tão burro quanto o nojinho elitista do intelectual de apartamento.
 
Ninguém precisa gostar de funk pra ouvir funk e funkeiros, nem amar Chartier pra aprender com Chartier, ou Fanom, ou Shakur ou Bookchin…
 
Só que sim, precisamos ler, precisamos saber Bahktin, precisamos ler Ginzburg, precisamos saber Shakur, precisamos de Samora Machel (Foda-se se ele era stalinista!), precisamos dar mais atenção às categorias nativas, de quem produz teoria com rap.
E precisamos de Marx, engels, Trotski, Nakunin, Kropotkin, Malatesta…
 
Mas precisamos antes de mais nada acordar pra vida e parar de fazer causinho babaca porque precisa “lacrar” o outro.
 
Aliás, “textinho lacrador”? Meçam vocês por suas réguas, amigos, não a todos.
Nem todo mundo usa rede social pra fazer forfait ou tentando pagar de mais brabo que o colega de escola.
O “ser de esquerda” virou valorativo moral, rótulo qualitativo das pessoas, e não identidade política que se estabelece enquanto ação.
O “ser de esquerda” virou uma versão menos ativa que o “ser vegano”, é sociedade do espetáculo, é representação, é teatralidade estéril.
Pois é, enquanto isso seguimos sem formação, com poucos de nós voltados pra entender mais e mais dor eal, dialogar amplamente com tudo e todos que permitam-se ao diálogo transformador seremos essa merdinha isolada, purista, burra, tosca e limitada.
 
Porque é sempre mais fácil atuar como grilo falante de mal humor que propor qualquer porra.
 
A crítica, arma da transformação, quando vira álibi, torna-se inerme.
 

Sobre não dar descanso a Temer, as diferenças, distinções e imobilidade eleitoreira

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Quando Dilma sofreu o impeachment na câmara parte da esquerda partidária e de movimentos sociais declarou que não daria um segundo de paz a Temer.

Pois é, mas deu.

Deu inclusive mais que um segundo em paz, deu dias, semanas, meses.

Manifestações até ocorrem, mas pingadas, poucas e pouco representativas.

Ações, como as que ocuparam o MinC, foram pouquíssimas e pararam há semanas, mesmo obtendo vitórias diante deste governo apalermado, ilegítimo e fraco.

E o governo ilegítimo prossegue com suas ameaças asneiras não só à classe trabalhadora, mas à democracia, ao bom senso, ao futuro da produção científica e à educação laica e de qualidade.

Mas a esquerda partidária prossegue sem tirar a paz de Temer, a não ser que entenda que tirar a paz seja xingar muito no Twitter.

Nesse meio tempo a esquerda partidária redescobriu o PMDB vilão de desenho animado, mesmo que o PT, que se aliou ao PMDB feliz em 2010, tivesse se construído denunciando o PMDB coo parte da direita coronelista brasileira desde seu nascimento nos anos 1980.

Todo santo dia parte dessa esquerda chora lágrimas de esguicho porque Cunha, Temer, etc são “ladrões” e “golpistas”, chega a ser meigo, doce e dramático, mas tem a função social do furúnculo na bunda como processo civilizador, com a devida vênia pela utilização terminológica.

Enquanto isso se não fosse índios, padres e bichas, negros e mulheres e adolescentes fazendo o carnaval à revelia da política institucional poderíamos dizer que a esquerda morreu enforcada nas tripas do último burocrata.

Sim, não há esquerda nas ruas, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê.

Tá, vá lá. Não sejamos injustos!
Profissionais estão em greve em vários estados, especialmente professores, e especialmente no Rio e RS, mas a vida da esquerda é mais que greve, por enorme importância que elas tenham.

E a vida política das greves é mais que elas mesmas e suas categorias.

Nem às greves o apoio coletivo da esquerda, o enorme peso necessário pra disputa hegemônica e contra hegemônica das consciências, a gente vê com a ênfase necessária.

Greve Geral? Sonha!

Vemos sim a esquerda tartamudear lamentos grandiloquentes sobre a maldade do mundo contemporâneo gritando o inócuo e babaquara grito “Primeiramente Fora Temer”.

Como se essa fraseologia amestrada fosse um abracadabra da libertação dos cães capetóides da revolução pra cima da direita, que ri, de lacrimejar na gravata, dessa bobagem.

A esquerda partidária definitivamente abraçou a teleologia da revolução enquanto evento escatológico e apocalíptico.

Sua religiosidade “racional”, seus mantras, signos, sinais, santos e demônios travestido de figuras públicas e burguesia, e segue na procissão candente dos ignaros rumo ao nada.

Tem avanço fascista que mata alunos da UFRJ, amplia crimes de ódio, ameaça professores, ganha DCEs, apoia bolsonaros, etc?

Lutaremos contra isso, mas vamos tentar canonizar nosso santo da vez elegendo-o prefeito primeiro?

E às diferenças e distinções entre nós da esquerda, como são tratadas? Com a velha e boa desqualificação dos que não são convertidos à fé dos mosteiros vermelhos de São Lênin, São Marx, São Trotski e Reverendo Stálin, na borrachada.

A nova é o racha do PSTU provocando grandiloquentes debates sobre a razão ou desrazão de gente adulto optar por tomar outro caminho organizativo.
Como se isso fosse sequer da conta coletiva ou elemento fundamental de qualquer mudança dramática na conjuntura ou tivesse efeito daninho à organização política coletiva.

Sim, a esquerda partidária ainda se ressente de gente adulta definindo que não quer mais fazer parte de grupo A e se deslocando pra fazer parte de grupo B ou vender sua arte na praia.

Como se o cara ao migrar sua militância pra anarquia ou sair do partido A pra fundar outro ou ir pro B, ou mudando seu nome pra Chupeta de Baleia e fazer performances acrobáticas na praça XV mudasse um cacete de elemento prático na conjuntura e tornasse a vida coletiva mais ou menos dura no enfrentamento político contra a direita.

Mas reparem que a cada racha ou a cada crítica soltam-se as balalaicas argumentativas dos xóvens do mosteiro vermelho falando da necessidade de “um partido da classe”.

Vejam bem, não falam da necessidade da classe trabalhadora se organizar ao máximo, mas dela ter “um partido”, reparem no numeral “um”, isso mesmo, apenas um, unzinho.

E as diferenças, as dissonâncias, a diversidade, as distinções? Fodam-se elas, só pode existir um.

Tá certo que parte boa da esquerda de hoje cresceu com Highlander no imaginário, mas desde os anos 1960 ao menos temos elementos teóricos pra discutir essa obsessão pela uniformidade na esquerda que dão um novo gás à nossa própria percepção do mundo e rediscutem a obsessão marxista-leninista pelo partido único, centralizadaço, supostamente democrático, não?

A diversidade, as distinções, as diferenças produzem mais diversidade, mais distinções e mais diferenças, e isso tá longe de ser negativo diante da óbvia complexidade da composição da realidade e das classes operárias, dos mundos e fundos que são feitos de gente que luta, se organiza, sobrevive, produz suas próprias pautas e lutas.

E o que isso tem a ver com dar descanso a Temer?

Tudo.

Até porque enquanto a esquerda partidária ignora o mundo externo a ela e o aumento dos crimes de ódio, da sanha bolsonarísta de se impor na porrada sobre mulheres, negros, LGBT, a coletividade transformadora da esquerda não partidária tá por ai enfrentando essa direita sem precisar gritar “Primeiramente Fora Temer”.

E segue a esquerda ignorando essas lutas, tratando-as como “problematização que desvia o foco da luta de classes”, atacando mulheres, atacando indígenas, atacando LGBT que gritam, em grandiloquente razão, sua fome de mudanças e conseguem cercear a direita, emparedar a direita, tornar a vida da direita um inferno enquanto a esquerda partidária agenda uma nova apresentação do Papai Noel de Montevidéu numa tour inútil de louvação tosca a figuras públicas burocratizadas, mas pop.

Ou isso ou lendo um Stalinista pop como Zizek falar bobagens reaças, mas de esquerda, enquanto Temer agenda matar a CLT a pauladas.

Vão esperar perder direitos pra agir? Não é a lição que secundaristas, índios, LGBT e mulheres estão dando.

Mas uma esquerda que ainda acha que só há um caminho pra transformação, e portanto um tipo de conhecimento supostamente racional e organizado pra compreender a realidade, consegue aprender algo que fuja do adestramento?

Difícil.

Da diversidade da subversão e do ethos transformador

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Primeiramente #Molotov .

Os caminhos ideológicos da esquerda traduzem as contradições próprias do campo contra hegemônico a partir de sua miríade de campos dentro e fora do marxismo tradicional.

Quando coloco campo contra hegemônico é proposital pra fugir da terminologia “Progressista” onde são encaixados uma outra miríade de grupos que nem sempre são participantes de qualquer noção ética de transformação social ou ruptura ao status quo, entre eles liberais democratas, capitalistas desenvolvimentista de linha keynesiana, etc.

Por que os caminhos da esquerda hoje, tida como dispersa e fragmentada, traduzem as contradições inerentes a este campo contra hegemônico? Porque a esquerda jamais foi esse monólito vivo em torno do ideário marxista.

E isso se tornou mais eloquente pós-crise do estruturalismo decorrente dos efeitos da segunda guerra mundial e da racionalização do genocídio a partir do nazifascismo provocando uma crise na própria narrativa moderna da razão como libertadora e mãe do progresso.

Inclusive esse é mais um motivo pra crítica do uso do termo “progressista” para definir quem atua no campo contra-hegemônico, mais conhecido como esquerda. Porque a lógica moderna do progresso traduz uma percepção de avanço das forças produtivas que despenca na ideia do domínio antropocêntrico da Terra com desprezo absoluto ao meio ambiente, e também a um etnocentrismo que põe na frente a concepção moderna do progresso industrial e científico branco ocidental como medida de todas as coisas e culturas.

Dessa crise “da razão” emergiram muitas formas novas de transformação contra-hegemônica, mas também ressurgiram formas antigas e que estavam em campo desde muito tempo antes, como a própria ideia de anarquia que por muitos anos foi submersa pelo marxismo-leninismo, nem sempre apenas com a hegemonia ideológica e cultural, mas com violência (vide 1936 na Espanha).

Além do ressurgimento de campos ideológicos antigos como a anarquia e o autonomismo, surgem novas formas de debate contra-hegemônico como as que nascem a partir do feminismo e da luta LGBT, como a teoria Queer; A própria ideia de organização política dos povos originários, com seus paradigmas teóricos próprios que compreendem o mundo, a sociedade e as formas de transformação para além do que as teorias ocidentais propõe, mesmo que dialoguem com elas em algum momento; As construções ideológicas das populações africanas e do Oriente médio e Ásia a partir do caudal cultural e teórico produzido na descolonização, com ações que incluem o pan-africanismo e o marxismo, mas também releituras de ambos e transformações que traduzem valores próprios como a filosofia Ubuntu.

Para além disso as teorias produzidas na História, Filosofia e nas Ciências sociais apontam para novas saídas teóricas passíveis de serem utilizadas, como de fato o foram, por movimentos.

Pensadores como Ginzburg, Foucault, Thompsom, etc, fogem dos paradigmas centrais ao marxismo-leninismo e apontam para novas interpretações possíveis da vida humana e das organizações sociais que não eram contempladas quando Marx produziu suas teorias no século XIX ou quando Lênin se organizou misturando a teoria marxista a uma percepção fordista da política. Ou se eram contempladas o eram de forma absolutamente embrionária.

Se já haviam esses movimentos nos anos 1920 ou 1930, com críticos como Walter Benjamin tanto trabalhando com a crítica à construção marxista-leninista como mecânica quanto apontando o progresso, e a própria noção de História como irmã do progresso, como um processo de inevitável libertação da humanidade a partir do desenvolvimento técnico, como se a sociedade e a tecnologia fatalmente se abraçassem um dia numa era de ouro do humano, eles triplicaram em participação, peso e vivência no pós-segunda guerra e produziram tantas transformações quanto possível na própria ética da transformação no campo contra-hegemônico.

E desde os anos 1960 em especial esses movimentos e caminhos se tornaram cada vez mais diversificados e mais contundentes na ampla raiz de uma crítica complexa, completa e permanente de todos por todos e da própria ideia de transformação social.

E o que isso nos mostra? Nos mostra muitas possibilidades de análise e entre elas está desde a própria percepção das transformações como parte fundamental para o avanço das ideologias de transformação, com resultados práticos, até a própria reação de parte da esquerda outrora absolutamente hegemônica a esta diversidade e à própria crise de estabelecimento de sua ideia de unidade como hegemônica entre o diversificado plano de consciência dos movimentos de transformação.

Além disso, esse confronto entre a miríade de movimentos de transformações e os outrora campos hegemônicos do ideário de transformação põe também em confronto a própria ética da transformação, ou seja, o ethos que permite a compreensão da moral deles (Dos opressores) e da nossa (quem busca as transformações).

Não é incomum que nos embates e nas lutas pela representação do ideário da transformação o amplo espectro da ética inerente aos mais diversos movimentos seja mandado pro espaço em nome da punição daquele que disputa com o outro o papel de representante da transformação social e política (Seja ela a revolução, a anarquia, a igualdade de gêneros ou o fim do racismo ou tudo isso junto). Não é incomum as acusações mútuas entre os campos de serem traidores de uma causa em especial ou de uma bandeira ou de um campo de significados que simbolizam a revolução. E não é incomum todos estarem certos.

A diversidade da subversão por vezes é tomada como panaceia ou como veneno, quando não é nem um nem outro e sequer deveria também significar diversidade do ethos transformador.

A diversidade da subversão é um fenômeno histórico que traduz uma nova percepção do real como multifacetado e intraduzível de forma única pelas mais diversas ciências e teorias (incluídas ai as ditas exatas), algo que se não é consenso é cada vez mais perceptível nos debates ocorridos no interior das ciências humanas, e não só.

A diversidade no ethos transformador é que é um problema e dos grandes.

Porque a diversidade da subversão é filha dileta da expansão das formas de luta e dos campos de embate contra a opressão, que produzem amplos espectros de vitórias e de exposição das forças conservadores e do Estado a uma miríade de táticas e demandas que não os permitem muitas saídas simplificadoras.

Prendem anarquistas? Autonomistas atuam. Prendem comunistas? Grupos feministas estão nas ruas. Universitários reprimidos? Secundaristas ocupam escolas.

Entre todos esses existem comunistas ortodoxos e não ortodoxos, autonomistas tradicionais e novos, black blocks, feministas interseccionais e radfem, movimento negro unificado ou que inclui brancos, movimento indígena com raízes partidárias e autonomistas, entre todos existem foucaultianos, confederalistas libertários, anarquistas, autonomistas, malucos, etc.

E todos participam da enorme tarefa de transformação do mundo com o estabelecimento de uma polifonia onde vários mundos acabam se tocando e dialogando, na marra.

Isso é o estado da arte da diversidade teórica e da liberdade de ação política conquistada pela contestação, dentro e fora da academia, e que permite de tudo um pouco nas ruas, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê.

Essa diversidade teórica e liberdade de ação política nasce da própria crítica às amarras teóricas e políticas produzidas no campo contra-hegemônico pela ascensão do marxismo-leninismo como resposta única a todas as questões produzidas no espectro contra-hegemônico que contemplassem as transformações necessárias nas sociedades contra toda forma de opressão.

Essas amarras nasceram e cresceram desde a ascensão de Lênin ao poder na URSS com silenciamento de todas as contradições internas e externas aos bolcheviques, muitas vezes com uso do exército vermelho de Trotski, e viraram um Leviatã sob Stálin e com o crescimento do peso geopolítico da URSS e seu controle sobre os partidos comunistas mundo afora.

Não à toa dois dos momentos de explosão da miríade de movimentos e concepções de luta nascem na e da explosão teórica pós-1960, período onde também ocorre o primeiro rompimento coletivo com o Stalinismo partindo da própria URSS e tendo reflexos na saída da China do estado de parte do Komintern, e após a queda da URSS nos anos 1990.

O resultado das reações à diversidade teórica e liberdade de ação política pós-1960 vem sendo, primeiro pelos PCs e agora pelos partidos da esquerda tradicional (em geral trotkistas) mundo afora, bem similares: Descrédito a tudo o que foge da ideia de “unidade”, que no fundo é busca de uniformidade; desqualificação das teorias contra hegemônicas não partidárias como “pós-modernas” , mesmo que a maioria ainda compartilhe de boa parte dos paradigmas da modernidade e o pior dos casos, o desvio ético que contempla o abandono do ethos da transformação em nome da garantia de espaços de poder, em geral burocráticos, que permitam o confronto com vantagens operacionais contra as mobilizações diversificadas, ou mais gerais e autônomas. Essas vantagens nos confrontos incluem uso do aparato policial de governos, processos judiciais e sim, tem muito a ver com a concepção fordista e até militarizada (Trotski defendia inclusive a ideia de militarização de sindicatos na revolução russa) de movimentos sociais e organizações políticas.

E ai é que está parte do problema do rompimento com o ethos transformador.

Porque o ethos transformador inclui na práxis cotidiana a ideias de reprodução ética de valores aos quais se deseja espalhar para toda a sociedade, ou seja, não adianta defender igualdade de direitos entre gêneros e etnia e incorrer em racismo ou machismo.

Não adianta ser contra transfobia e ser transfóbico, homofóbico, etc. Não adianta querer a liberdade da sociedade via revolução e encarcerar quem diverge de você, ou desejar que alguém morra de forma brutal por ser seu adversário, mesmo ele sendo um torturador ou defensor de torturadores.

A diversidade de meios de luta contra hegemônica é positiva, a flexibilização ética do ethos transformador não.

Há uma bela diferença entre pacifismo e contraposição à barbárie com barbárie.

Precisamos manter a lógica de ampliar a diversidade de percepções, interações, construções contra hegemônicas, a diversidade não nos enfraquece, fortalece e “pira” o poder.

Se nesse meio tempo essa diversidade também enfraquece as forças políticas organizadas em torno das burocracias, paciência e problemas deles.

Enfrentemos os resultados disso, pensemos e construamos a resistências à opressão com ou sem essas forças, com ou sem parlamentares, mas não esqueçamos da necessária manutenção do ethos transformador.

Parte da diferença entre nós e Bolsonaro é saber a nossa ética. Quem esqueceu ainda dá tempo de lembrar.

A própria ideia da catalogação ideológica em caixinhas determinantes e limitadoras é parte de um processo redutor do outro ao limite ideológico imposto. Por isso limites como “anarquistas não podem votar” ou “marxistas tem de ser centralistas democráticos” são parte da redução e da simplificação, que contém uma boa dose de autoritarismo.

O limite do pertencimento ao campo contra-hegemônico deveria ser menos doutrinário e mais ético, menos autoritário e mais libertário, menos redutor e mais amplificador e pode ser resumido na luta contra a opressão e contra o capital como porto seguro de todas as opressões a partir das opressões de classe.

Precisamos ir além do sistema e pensar pra fora dele. Ir além do voto, ir além das caixas, mas sem desgrudar de nossa ética fundamental: Não podemos ser como quem combatemos.

 

Usar politicamente as ferramentas, redes sociais e internet? Sim! Mas, apenas atuar nas ferramentas não!

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Desde há muito tempo percebemos que a atuação política via internet é muito forte.

Há dez anos apenas parte da internet era usada para ação política, na maior parte para articulações ou circulação de informações via blogs, listas de e-mail, sites,etc.

Hoje em dia a internet é parte importante de ação política, agitação e propaganda via seus inúmeros meios e ferramentas.

É possível atuar na internet em blogs, redes sociais das mais variadas, nestas com enquetes, memes e a clássica circulação de notícias dos mais variados veículos.

Há também abaixo assinados virtuais como Avaaz ou Change.org e ferramentas de governança via internet como e-cidadania.

Além disso, há ferramentas de pressão, que utilizam e-mails de vereadores e deputados para envio em massa de protestos e reivindicações, como Meu Rio e Panela de pressão.

Tudo isso é extremamente válido e funcional, facilita em muito as coisas,especialmente pra quem é mais velho,mais cansado, com mais problemas de mobilidade.

Também são ferramentas de formação muito eficientes, é possível trabalhar de forma a construir debates e discussões, apontando erros,acertos, caminhos, trabalhar releituras dos clássicos políticos, inserir ganhos teóricos ao debate político,etc..

Os blogs são, ainda, meios de atuação muito interessante para construir propostas teóricas, debates fraternos, crítica e autocrítica. Medium e ferramentas similares também.

A questão é: Essas ferramentas bastam? A meu ver a resposta é simples: Não!

Sem ocupações de escolas, terras, órgãos públicos, ruas, sem pressão cotidiana no estado e nas comunidades, sem escolas de formação, sem construção de assembleias de decisão horizontal, sem construção de redes de economia solidária, de política solidária, de compartilhamento de informações, arquivos, músicas, produção artística e conhecimento nada disso serve para muito além de alívio de consciência pesada.

Política se faz na rua. Quem faz política de gabinete é quem senta na representação e a partir dela usufrui de um poder delegado como se fosse seu. A estes interessa a militância estritamente virtual.

O problema é que cada vez mais mais e mais gente, especialmente entre diletantes e anarquistas, a militância virtual é a única e parca atuação. Por isso muitas vezes o militante virtual é um militante cujas contradições presentes em nós todos aparecem mais claras.

Na militância virtual há o LGBT machista, o anarquistas racista, o socialista homofóbico e por ai vai.

Outro fenômeno é a santa inocência, presente em todos, mas berrante na direita, que aceita informações, quaisquer uma, como verdade mesmo que a fonte seja uma só, sem nenhum endosso de qualquer outra, por mais absurda que seja. Um sub fenômeno desse é aquele clássico “Repassem até chegar em..” mesmo o objetivo final do protesto seja um ator político, como Temer, que vai cagar gomas asiáticas forjadas em Wakanda ao ler o tal protesto.

A relação “mágica” com a Web como se uma voz fosse ouvida com respeito por ser uma voz, u pensamento liberal inclusive, é a crença em coelho da páscoa aplicada à ideologia.

A relação “mágica” com a Web também substitui o Jornal Nacional na cabeça de milhões de brasileiros cujo analfabetismo funcional abraçado à preguiça monstra de olhar a data de notícias transforma qualquer notícia de 1983 em um meio de atacar personagens nascidos em 1996.

Isso tudo é parte da ausência de concretude das lutas, da ausência de vivência de militantes entre si e na comunidade, de ausência de conhecimento prático da política e da extensão do efeito das ações políticas.

Outra coisa linda desse fenômeno é o uso de notícias pelo teor negativo dela para o inimigo, sem sequer fazer um comparativo crítico desta mesma notícia quando aplicada a aliados.

Por isso Temer cancelando o FIES pra uma universidade é mais grave do que Dilma fazendo exatamente o mesmo pra duas, porque é ele, ele é inimigo e ponto.

E a politica nisso? Foi transformada em menos do que intriga de quinta série. Briga de torcida é menos rebaixada.

O interessante desse fenômeno é que ele trabalha em paralelo com outra forma de despolitização feita via internet e pela mídia: A santificação da política institucional como único caminho da atuação política e a transformação da ideologia em uma espécie de arque tipificação de grupos sociais sem nenhum tipo de relação entre o que é o comunismo, por exemplo, e as ações cotidianas dos atores políticos da política institucional, o mesmo para o liberalismo, o conservadorismo,etc..

O mais engraçado é que os mesmos cientistas políticos e âncoras de TV, comentaristas de sites cobram uma política mais “ideológica” e ”programática” enquanto esvaziam em seus discursos toda política de sua ideologia e programa.

Esses comentaristas, cientistas políticos,etc, trabalham com a política como se fosse um manual da institucionalidade estruturalista do XIX, um manual recortado, que ignora a complexidade do real e trabalha as instituições francesas, inglesas e estadunidenses como idênticas as brasileiras porque tem o mesmo nome e porque as constituições dialogam. Além disso, transformam o MST em ideológico, o Bolsonaro em não -ideológico. Difícil dizer quanto isso é estupidez e o quanto é desonestidade intelectual.

Quando juntamos esses fenômenos o que temos?

Uma redução da política a um teatro de aparências e ações que esvaziam as ruas e todo o locus de disputa cotidianos e a transformam em ferramentas de representação, em suas múltiplas formas de categorização, onde o parecer ação é mais importante que a ação.

Esse tipo de mimetização da política em parecer política acaba permitindo que o “engajado” seja apenas um construtor de memes, enquanto isso as ruas, as praças, os parlamentos, os debates nas padarias e botecos tornam-se hegemonizados por um senso comum que nunca vai ler o construtor de memes e abaixo-assinados da esquerda porque ele jamais leva esse debate com ele pra rua. Na rua ele é anônimo.

E ser anônimo na rua é ser nada.

Fazer política é, de alguma forma, ocupar as ruas. Nem que seja construindo aulas, falando na padaria,mas sempre, disputando espaços ideológicos.

Construir apenas virtualmente, podendo ir além, é fazer menos de 10% do processo necessário pra mudar o mundo.

Não adianta compartilhar meme até chegar em Temer, isso sequer é engraçado.

Do Impeachment ao stalinismo: A ampliação do silenciamento de mulheres, LGBT, Negros e índios

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O Brasil passa por milhares de problemas hoje.

Pós-impeachment de Dilma ele acrescentou a uma crise econômica gravíssima dentro de um contexto mundial, um nível de ruptura institucional complicadíssimo pra quem vive a luta institucional.

Acrescente a ampla descrença no sistema político brasileiro que vem em um crescendo ao menos desde 2013 um avanço de conservadores, amplifique com desconfiança tácita em todos os partidos, um judiciário ativista com flexibilidade ética, um governo interino ilegítimo e uma esquerda imobilizada, voilá, temos um caldeirão pronto pra requentar o caos.

Pra piorar o governo ilegítimo acha que o impeachment os legitima pra uma guinada de 180º na linha política já tímida do governo anterior em relação a direitos e a esquerda partidária pira na batatinha endossando o que o Governo Dilma e o PT mais querem: A irreflexão sobre os anos de concessões que pavimentaram o golpe transformada em apoio acrítico, recheado de pânico, ao Partido dos Trabalhadores como se um golpe fosse uma espécie de morte, que a tudo santifica.

É de um lado Alexandre de Moraes afirmando que usará a lei antiterrorismo pra meter a porrada em manifestante e quem criou a lei antiterrorismo e foi cúmplice de violência contra manifestante na copa e sócio do agronegócio no ataque a indígenas dizendo que são lados opostos, porque Dilma foi apenas péssima em DH, enquanto Temer é o horror.

Só que tudo fica mais pantanoso e até leviano quando nos pegamos lendo atitudes que envergonharia a esquerda se essa não tivesse perdido a noção de ética e do que é nossa moral em relação à da burguesia faz tempo, nessa marcha de naturalização do Stalinismo como se fosse pragmatismo e da secundarização de lutas como se fosse “foco na Luta de Classes”.

Bem, o PT e parte da esquerda partidária não satisfeitos em mimetizar a mídia corporativa para atacar Temer, como se precisasse, também está utilizando o momento crítico pra fazer uma caça às bruxas a toda a esquerda que atuava nos movimentos ampliando as pautas e exigindo mais direitos, especialmente os movimentos calo pro PT e governo como LGBT, Mulheres, Negros, Índios, Trans, etc.

Além do clássico “Não é hora de criticar o PT” temos agora o “Essa galera que problematizava turbante, essas ‘‘feminazis’’ são também participantes do golpe!” e variações da ladainha numa ressurreição do movimento de criminalização de ativistas produzido em 2013 que chegou ao ponto dos MAV do PT espalharem fotos fake de anarquistas empunhando bandeira nazista, foto manipulada por Photoshop que apagou o A anarquista e pôs a suástica.

Pra completar ninguém da esquerda partidária faz a mínima autocrítica sobre sua participação na criminalização de anarquistas e autonomistas feitas de 2013 pra cá, e não só, atua pra aparelhar as ocupações de escolas e transformar todo movimento de resistência a Temer em parte da “Frente Povo sem Medo”.

Se juntarmos o avanço de silenciadores secundarizadores de luta tentando silenciar mulheres e negros com o aparelhamento da indignação não é difícil entender o que temos pela frente: além da luta antifascista, que não recebe um pingo de ajuda dos partidos da ordem como PT, PSOL e PSTU, ainda temos um avanço de uma concepção stalinista de esquerda que é um avanço autoritário terrível para a esquerda.

E sim, esse momento contém mais perigos do que podemos imaginar. O avanço do Stalinismo dentro do campo das esquerdas naturaliza o autoritarismo como solução.

Some a contaminação autoritária da esquerda à ampliação do caudal autoritário na sociedade como um todo e o resultado não é exatamente cheiroso.

Se a esquerda é autoritária e a sociedade também é não há Chapolin Colorado que nos salve.

Em tempos onde escolas ocupadas sofrem ataques violentos de estudantes financiados pela direita para agredir quem as ocupa é perigosíssimo transformar quem deveria resistir a isso em espelho.

A complexidade dos problemas e da conjuntura exige mais do que uma reação dura aos ataques conservadores, ela exige uma reação qualitativa ao avanço do conservadorismo.

Não precisamos e nem podemos responder autoritarismo com flores, mas também não precisamos ou podemos responder ao conservadorismo com autoritarismo centralizador, silenciador e até misógino e racista.

É nessa hora que precisamos entender a diferença entre nós e eles. E ela não é só de um suposto lado que ocupamos e arbitrariamente definimos como se fossem uma manifestação binária maniqueísta.

A diferença entre nós e eles é também de valores, de busca de abolição de hierarquias, classes, fronteiras, opressões.

E não, isso não é sonhador, isso é identitário, estruturante.

Não podemos manipular manchetes pra desqualificar Temer, não precisamos disso, temos a defesa dos DH e a luta contra sua violação como tarefa, e isso já dá um enorme caldo pra batermos no governo ilegítimo.

Não, não precisamos sacanear movimentos autônomos ou a luta contra o silenciamento, debatedora do lugar de fala, e contra a apropriação cultural racista pra supostamente focar na luta de classes sufocando “desvios”, porque a luta anti racista e contra privilégios,misoginia, machismo e homofobia SÃO A LUTA DE CLASSES.

E também não precisamos fantasiar o governo Dilma pra chamar Temer de um horror.

Essa é inclusive a hora de E-XI-GIR do PT uma plataforma de real guinada à esquerda, uma reversão programática do que vinha fazendo, concretizando promessas jamais cumpridas, isso pra começar, e não para agirmos como esquerda domesticada pronta a servir o tutor do Campo da esquerda na hora em que ele precisa, mesmo sem merecer uma linha de confiança.

Precisamos inclusive entender que as fragilidades do governo Temer tem tudo pra miná-lo mais cedo do que a imprensa encantada com o governo reaça deseja e sequer percebe. E que essas fragilidades fatalmente porão de novo o PT no governo, ou ao fim de 180 dias ou em 2018,mas que recebendo endosso ao que foi Dilma baseado numa espécie de amnésia causada pelo pânico teremos a continuidade de governos terríveis pra DH, meio ambiente, indígenas, favelados, etc..

Não basta, portanto, resistir a Temer, derrubá-lo, precisamos também derrubar no PT o que levou Temer a ser presidente ilegítimo.

E não faremos isso com silenciamento e adesão acrítica, precisamos de mais e um bom começo é saber que nossa moral e a deles não é a mesma.

O que fazer no dia depois de amanhã?

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A esquerda vem sendo reativa há tempos, isolada em seus castelos, transformada em assessoria de gabinete de governos, movimentos organizados inclusive, desde muito tempo antes do PT assumir o poder em 2003.

Funcionou por muito tempo a relçação entre movimentos, partidos, governos e mandatos. Construiu caminhos através da burocracia, programas de governo e projetos de lei.

Só que enquanto se acostumava com a relação íntima com palácios a esquerda foi paulatinamente perdendoas ruas, e quando percebeu isso, especialmente em 2013, outras forças da própria esquerda e da direita começaram a ocupá-las. A saída pra governos e partidos vinculados à esquerda foi criminalizar quem ocupava as ruas, colocando todos no balaio do fascismo.

Isso esvaziou as ruas por um tempo até que a direita se reorganizou, amparada por governos explicitamente de direita, e voltou pras ruas, amparada por policiais que construiram publicamente a diferença entre “manifestante” e “militante”, o segundo, “comunista”, deveria ser reprimido, os demais não.

Atônita a esquerda partidária permaneceu longe das ruas. Aprisionada e processada, a esquerda não partidária também, embora atuasse fortemente nas ocupações de escola, manifestações por passe livre, etc, atuando em geral por vias menos ortodoxas, mais próximas às periferias e vinculadas a bandeiras mais práticas e cotidianas.

E cresceram os movimentos de direita, a classe média conservadora tomou gosto pelas manifestações sem política, sem repressão policial, com muita festa, anticomunismo, ódio racial, ódio a LGBTTS, feminismo e em especial ao comunismo. O fascismo começava a pôr a cabeça de fora.

A esquerda, aidna atônita, mas percebendo o perigo de impeachment saiu às ruas por um breve tempo, depois voltou a aguardar com a fé dos incansáveis, uma solução salvadora vinda das articulações palacianas de suas figuras públicas.

E não teve solução, não teve articulação que desse jeito, Dilma caiu, Temer assumiu com um ministério mais conservador que o de Collor.

Enquanto tudo isso acontecia várias manifestações antifascistas e ocupações de escolas ocorriam, com a esquerda partidária as ignorando ou tentando se apropriar delas pela via de UBES e UNE sem muito mais do que dezenas de estudantes ocupando o Parlamento, enqquanto nas escolas alunos auto-organizados tocavam o baile do ativismo que transforma, conseguindo em São Paulo uma CPI da Merenda e no Rio o fim do SAERJ (Prova de avaliação de “desempenho”). As ocupações horizontais permanecem em vários lugares, como em Goiás, Porto Alegre, Fortaleza.

E ai, e o resto da esquerda, o que faz no dia depois de amanhã do Impeachment de Dilma?

Bem, pouca coisa prática além de choramingar sobre o recuo conservador que é o Governo Temer e listar publicações internacionais criticando o impeachment de Dilma.]

Zero de análise, de auto-crítica, de propostas, zero de percepção de algo além do óbvio sobre o processo.

Parece que Temer, vice de Dilma, desceu de um disco voador vindo de Marte.

A esquerda petista lembrou outro dia que os índios existem e colocou que com Temer eles vão acabar. Bem, pode ser, inclusive Temer precisa apenas olhar como Dilma produziu parte do processo de extermínio indígena e repetir, nem precisa reinventar a roda.

Esse é parte do problema: Cadê ao menos o “Foi mal!” do PT sobre os recuos que empoderaram essa direita que o golpeou pra gente começar a conversar coletivamente sobre resistência? Não vai rolar? Não, não vai rolar, mas então, que tal ao menos propor caminhos de resistência além do Avaaz?

Não sei se vocês notaram, mas dizer o óbvio, que o ministério Temer é um horror, não o transforma no Coelhinho da Páscoa.

A ausência de mulheres e negros, a transferência da titulação de Quilombos pro MEC não é apenas um informe, é uma prática entrando em ação. Alexandre de Moraes na Justiça idem, significa que o pau vai comer.

E não, não adianta vir com aquele papo brabo de “Viram? Sem o PT é pior!”, porque senão a gente lçembra a responsabilidade do próprio PT com alianças à direita e empoderamento do mesmo PMDB dentro dos governos Dilma e Lula. Sim, sem o PT é pior, mas com o PT não estava bom e metade do ministério Temer também foi ministério Lula ou Dilma, de Henrique Meirelles a Henrique Eduardo Alves, Jucá, Kassab, etc. Melhor mudar de assunto, não?

Então, estão vendo as escolas? Estão vendo as manifestações antifas? Que tal baixarem a bola e a sbandeiras e colarem enquanto militantes pra apoiar, dar força sem tentar apropriar, aparelhar, transformar em palco eleitoreiro? Que tal se transformarem de novo naquela galera que não queimava na fogueira valores e bandeiras históricas pra construir o cadafalso que produziu o impeachment de Dilma?

E podemos avançar, há enormes mudanças no quadro teóprico prático da militância anarquista e socialista desde 1917, sabe? Tem as experiências do Curdistão libertário sírio, por exemplo, que dão caldo. E acho que se o Ocalan velho de guerra conseguiu produzir uma teoria libertária vindo de uma tradição leninista a gente consegue também, não?

Que tal a gente começar a discutir comitês de resistência? Não, dificilmente vai ter a adesãod e autonomistas e anarquistas, mas tem boa parte da esquerda que ainda ama votar e adoraria uma experiência organizada de forma horizontal, mesmo com o exemplo dado recentemente sobre o valor que a eltie política dá ao voto. Sabe o PODEMOS e o SYRIZA? Pois não nasceram cooptados pelo sistema e tem mais horizontalidade que a maior parte dos partidos brasileiros, mas muito mais que PSOL e PT.

Sei que RAIZ e REDE não são similares a PSOL e PT, embora o RAIZ esteja hoje em filiação solidárioa ao PSOL, mas são experiências de organização político partidária bastante mais horizontais e o quadro de recuo conservador não tá deixando barato quem fica pensando apenas no próprio umbigo.

Para além disso há contingentes autonomistas e anarquistas produzindo coisas novas, com resistência a tarifaços, aumento de energia, passagem, com luta por ocupação de imóveis, tem todo um trabalho educacional sendo feito. Tudo isso pode ser exemplo de funcionamento pra quem quiser transformar de novo o quadro político e construir saídas ao recuo conservador.

Ainda mais se analisarmos o quanto esse recuo que tenta atingir cotas, LGBT, mulheres, etc e também não aponta nenhuma saída econômica que vá funcionar em um quadro de crise econômica internacional, que tende a ampliar a recessão, além de pôr fogo no cabaré que é hoje o teatro político brasileiro.

Já tem ocupação do IPHAN, auditores do CGU bastante invocados, pra disso sair greve é dez reais, mesmo o Alexandre de Moraes achando que o Brasil é São Paulo e vai geral protegê-lo de mídia e de exposição.

E ai, que tal parar o mimimi e produzirmos o avanço na marra?

Sobre a luta de classes e os desafios da esquerda.

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Pra perceber a luta de classes é preciso antes de mais nada discutir o que é uma classe.

Se analisarmos a partir dos cânones a classe se dá pela exploração de uma classe pela outra. A partir dessa percepção a consciência de classe é uma ferramenta de superação da opressão.

Sob outras avaliações, como a encontrada em E. P. Thompsom, a consciência de classe é fundamentadora da próprio entendimento da classe como tal. Até o momento em que adquire essa consciência uma classe existe enquanto ator explorado,mas não é protagonista de si mesma, não tem a característica necessária para seu auto entendimento enquanto classe e a partir disso não é necessariamente uma classe.

Quem coloca que a classe existe*,mesmo sem consciência e que a consciência é o que a move para libertar-se de uma exploração que é o que a faz se a parte da luta de classes em oposição à outra classe, proprietária dos bens de produção, tem muita razão, embora pra mim uma classe só é classe sob a perspectiva de Thompsom, só se é classe quando se reconhece como tal.

Vá lá, vamos concordar aqui pra efeito prático, mas o existir da consciência, o que consolida uma classe como tal é ainda fundamental para que esta classe se mova, correto?

Beleza,mas isso significa o que?

Significa que independente do quanto a gente discuta sobre a classe, é fundamental discutir como tomamos uma classe pelo que se idealiza dela e menos pelo que ela entende a si mesma como classe.

Entendemos a classe, partido da classe, mobilização da classe? Ou entendemos a classe operária, sua mobilização,partido e consciência a partir de uma mitificação nossa do que achamos que é classe?

Na maioria das vezes todos os movimentos que partem dos cânones do século XIX como referência, sejam marxistas ou bakuninistas, parte da categoria “classe operária” e não da classe em si.

Discute-se menos as transformações da classe no decorrer do tempo do que filigranas sobre a movimentação da política a partir da narrativa da intriga palaciana.

A galera precisa da narrativa “midia má, justiça má, mundo mau contra nós os bons”. Funciona muito como apego ficcional ao inimigo externo que nega a autocrítica, que zera o bom senso, que manda pro caralho qualquer tipo de construção política duradoura. Funciona bacanamente como reprodução do aparato ideológico da burguesia, mesmo vestindo esse aparato com significações, rituais,rótulos e signos da luta operária.

Não se busca entender a classe, mas busca-se construir em torno dos jargões nascidos na luta de classes um teatro amparado no ethos da sociedade do espetáculo.

Dilma, Temer, Cunha, tudo isso passeia em textos cada vez maiores, em discussões intermináveis.

Cita-se Marx, Bakunin, Malatesta, Zerzan, Deleuze,mas não se analisa praticamente nada.

O viés de adorno que as teorias ganham é maior que a construção de pressupostos práticos para as transformações urgentes que a sociedade,e a classe, necessitam.

A luta de classes é uma categoria que tá em nove em cada dez textos e discursos, a compreensão dela no entanto..

E por que? Porque provavelmente o teatro de operações de boa parte da esquerda saiu do cotidiano e partiu pras representações dele, seja na vivência nos aparatos burocráticos (estatais ou não) ou no simulacro de luta de classes e pela democracia que são as redes sociais.

A própria ideia de entender os diferentes ethos e abordagens da luta de classes no próprio interior da esquerda (como uma espécie de história da historiografia dos movimentos sociais,organizações e partidos) vira ficção científica diante do cenário montado pela esquerda para desfilar seus andrajos cheios de paetês.

Perde-se mais tempo com substitutos de análise, como o que toma anarquistas como ilusionistas da luta ao “deixarem de assumir suas responsabilidades com a revolução e pegarem apenas os exemplos bons de suas lutas”, do que entender as diferentes abordagens éticas e teóricas para com as lutas e a própria ideia de consciência de classe, elemento fundamental para qualquer lado da esquerda, dos reformistas aos revolucionários, passando por anarquistas que não necessariamente se colocam como o segundo time, embora não façam parte do primeiro.

Enquanto isso a classe em si permanece em sua lida cotidiana, seja procurando viver de bem com a sua terra ou construindo louvores a São Jorge com um viés ético solidário, revolucionário, anárquico e poderoso.

Qual a consciência dessa classe? Sabemos ou a deduzimos de longe a partir dos cânones?

Por que parte da classe apoiava Black Blocs mesmo achando que comunistas são péssimos?

Por que parte da classe quebra trens quando atrasam,mas criticam quem quebra vidraça de banco?

Por que parte da classe vota em Lula,mas odeia o PT?

Por que parte da classe frequenta os movimentos de base , estudam nos cursos, ampliam e mantém suas redes de solidariedade,mas cagam pra Bakunin e Kropotikin?

A maioria de nós não tem a menor ideia, eu incluído.

Mas evangélicos, parte do PMDB, boa parte da direita, o MST, parte do MTST, sabe. A igreja sabe.

Provavelmente porque ouve mais, fala menos.

A ideia de perceber a consciência de classe e o que é a classe, e sua formação é parte fundamental das dinâmicas que a esquerda precisa aprender pra poder transformar o mundo.

Se perdermos menos tempo tentando definir se quem está certo é quem acha que a construção da luta política passa pela realização de um evento escatológico chamado revolução ou quem “deixa de assumir suas responsabilidades com a revolução e pega apenas os exemplos bons de suas lutas” como os anarquistas que muitas vezes entendem que a ideia de revolução é hierarquizante, teológica até, que substitui a construção da sociedade como se quer hoje, das mais diversas formas, pensando até no futuro,mas sem querer defini-lo por portaria enquanto adorna um novo estado pra chamar de seu enquanto se oprime o outro, talvez tenhamos mais sucesso no passo mais óbvio: Entender o que somos e que realidade vivemos.

A classe operária brasileira nunca será a dos manuais, como não o foi a inglesa ou a francesa. Cada qual se constrói a partir de suas estruturas amplas, de econômicas a culturais, e de sua resistência a ela.

A classe operária brasileira nasce sobre uma estrutura de profunda e dura hierarquia, racial e de gênero inclusive, de uma estrutura violenta, cruel, sanguinária. Não que a inglesa tenha nascido na Disney, mas aqui o outro era humano ou não dependendo de sua cor e origem.

E é por isso que não adianta propaganda dizendo que o povo não sabe votar ou que quem vota é “escravo” em uma sociedade onde boa parte e descendente de quem foi escravizado.

Não adianta brandir cânones na frente da estação de trem sem entender o que é andar de trem na hora do rush.

Não adianta maldizer religião sem entender o poder da festa de São Jorge no RJ ou a folia de reis em São Paulo e Minas Gerais e sua construção de um ethos de distribuição de comida da comunidade para a comunidade.

Não adianta falar mal da suposta “alegria alienante” do povo sem sacar como o Samba é construtor de redes de solidariedade comunal, griô de memórias, como o funk é enfrentamento ao patriarcado e como o rap é canção de trabalho da rebeldia.

Se a consciência dessa classe não existe, e existe, então construí-la tem de passar por dialogar com ela a partir do que ela é e não do que ela deveria ser.

Não, ninguém faz samba só porque prefere, então por que o samba é fundamental pra entender que consciência essa classe tem, como essa classe é, como ela quer construir o novo? Porque o samba, pai do prazer, filho da dor, é uma linguagem, e ela nos diz o que teses inteiras falharam em dizer, porque é elemento firme de categorias nativas, é um balaio de significâncias.

Uma festa de São Jorge em Madureira explica mais sobre a classe trabalhadora carioca que dois mil discursos da esquerda partidária.

As pessoas falam em “Partido da classe” pra uma classe que jamais tomará partido dessa gente universitária ensaboada que trata a festa de São Jorge como bibelô de um multiculturalismo que é na verdade apropriação cultural, adorno, perfume de povo a partir da participação condescendente e observante,mas que nunca compreende, aquele distante que é a tal classe.

Depois de uma porrada que a esquerda como um todo, querendo ou não, toma pós impeachment de Dilma, o primeiro passo deveria tentarmos entender essa classe, sua consciência, o que ela é.

Isso pra começar.

  • Depois de uma discussão com a Niara achei melhor ressaltar que a categoria classe tem significâncias diferentes e que não há exatamente uma correção absoluta em categorizar a classe como existente a partir da exploração dela ou a partir de sua consciência.