O Socialismo precisa deixar de ser macho,adulto, cis,hetero e branco

Privilégio branco é uma categoria fundamental para ser discutida em partidos socialistas, inclusive a partir da métrica onde a maior parte da estrutura de pensamento que balança o berço de seus programas é resultado da escrita de homens brancos.

Além disso, a posição da identidade de gênero, orientação sexual e o peso etário é parte um debate fundamental que precisa por em xeque a hierarquia destas condições na construção de privilégios a partir do eixo do macho,adulto, branco, hétero e cis.

E por que essas questões? Porque o debate étnico-racial, de gênero e identidade de gênero são, junto com debate ambiental e questão etária, os pavimentadores de discursos belíssimos que não constroem alicerces dignos dos arabescos escritos e lidos em voz alta nas assembleias.

Em entrevista recente ao podcast Mano a Mano de Mano Brown, Lula se enrolou todo para responder sobre a posição do PT diante da ausência de um número relevante de pessoas pretas nos cargos de direção do partido. 

No PSOL, o debate sobre a negritude é tão insuficiente que só em seu sétimo congresso se chegou a uma resolução que formaliza cotas para igualdade racial e de gênero nas direções, e ainda há uma falta de representação indígena e LGBTQIA +.

Diante da paulatina conquista de peso político na marra por parte das minorias políticas, se faz mais que necessário o debate a respeito da posição no processo revolucionário de quem, como eu, faz o bingo da branquitude masculina cis heteronotmativa. 

Porque é provável que muitos de nós entendem que seu limite é o de sermos espectadores, da mesma forma que uns tão brancos quanto nos acusam de “síndrome de princesa Isabel” ou companheiros pretos e pretas, talvez com razão, de fazermos token com suas dores e trajetórias.

Só que a questão é mais objetiva e menos afeita à falta de razoabilidade de todos os ovos numa mesma cesta de ataques e confusões. Há homens brancos cis hetero na classe trabalhadora, e a não ser que se defenda uma tolice como a de seu extermínio, é preciso que estes estejam alinhados e aliados às lutas das minorias políticas.

Sim, amigos, amigas e amigues, não se fará revolução nenhuma sem gente branca, o que também não significa que essa gente branca,que é sim parte do problema, precise ser eterna protagonista da luta de classes e liderança natural dos processos decisórios,eleitorais, de formação,etc.

Há uma necessidade de abdicação coletiva de protagonismo pela branquitude masculina cis hetero normativa e construção ccncreta das alegorias e adereços do Carnaval de índios, LGBTQIA+, negros, mulheres e adolescentes.

Porque se “numa sociedade racista não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, como escreveu a companheira Angela Davis,  também não basta ser “tolerante” à diversidade de gênero, identidade de gênero, de orientação sexual, de cultura. 

A tarefa da branquitude começa por sair da frente e assumir esse papel necessário de fazer o que é aparente se tornar uma regra. 

Não basta comemorar paridade de gênero e raça na bancada federal se as direções não compõem essa paridade nas suas composições, se os programas não se dobram à relevância dos debates teóricos e políticos de fora do mundo europeu e se os cargos majoritários (e a maioria dos proporcionais) são disputados sempre pro homens cis brancos e heteros.

Tem que ter Marx, Lênin e Trotsky na formação política? Claro, mas porque não ter Fanon, C. L. R. James, Mariátegui, Angela Davis e outros tantos, tantas e tantes que ocupam na marra seu espaço teórico de produção, mas cuja formação tradicional dos partidos políticos e correntes fazem com que os militantes que melhor se informam e formam não conheçam?

Quantas Revoluçẽos são discutidas sem uma menção à imensa Revolução Haitiana? Quantos sabemos das rebeliẽos africanas no Brasil?

Não há caridade ou senso de auto salvamento na defesa que faço aqui, pelo contrário, é o pragmatismo da obviedade que as condições objetivas da conjuntura nos impõe, ou é falso que a branquitude é o que dá lastro ao neoliberalismo fascista de Bolsonaro, Guedes e do PSDB?

A tristeza de perder Marielle produziu o fenômeno palpável, mensurável, da multiplicação de ocupação de mulheres e trans pretas no espaço político. Erika Hilton, Érica Malunguinho, Benny Briolli, Talíria Petrone, Renata Souza, Mônica Francisco, Luana Alves, Áurea Carolina, Karen Santos, são, todas e todes, parte de um fenômeno que faz com que a realidade se imponha como fato.

Esse fato nos obriga a pensar o papel da branquitude,masculina cis heteronormativa como liderança natural dos processos políticos e eleitorais empartidos socialistas sob pena do socialismo defendido sem o elemento crítico da questão étnico-racial, de gênero e identidade de gênero ser um socialismo supremacista branco.

A pena da não observação e discussão da questão, apelando pro discurso vazio e para “inglês ver”, é a ampliação do fosso entre companheiros de diversa tez, cultura, gênero ou identidade de gênero e permissividade que acaba num sectarismo interno e externo que reproduza a secessão que o racismo, a homofobia e misoginia estrutural já produzem no dia a dia.

Se não formos o partido que queremos ser,não poderemos ser a realidade socialista que desejamos construir.

Mais que um golpe, o Brasil corre risco de colombianização

É bastante corrente em textos na imprensa, blogs e de analistas políticos o risco de golpe pró Bolsonaro em 2022.

Nas redes sociais o golpe substitui o fim do mundo na placa do velhinho americano que anda pelas ruas de Nova York anunciando “O FIM DO MUNDO ESTÁ PRÓXIMO!”, e pululam medos a partir de ameaças cada vez mais vazias de Forças Armadas e Bolsonaro.

Já escrevi algumas vezes a respeito porque meu palpite é o de que golpe se constrói, mas só se dá quando há força para isso e a força da ala das Forças Armadas mais arraigadamente pró-Bolsonaro se foi. E com os dados disponíveis nos artigos acadêmicos e na imprensa é difícil se perceber algo além de palpites que corroborem ou desmintam o meu.

Por que diferencio alas pró-Bolsonarismo das Forças Armadas? Porque entendo que esteja bastante explícito que não há essa unidade toda no interior das FA, como via de regra não há em campo social nenhum, tampouco uma unidade política global que o Bolsonarismo catalisa.

Como eu entendo isso? A partir de percepções que a gente vê da enorme diferença entre blocos do próprio Exército e entre as Forças Armadas pela História, coisas que vão desde como interferir na política até a concepção de composição étnico-racial de cada Força.

Há literatura e pesquisa de militares contra a ditadura de 1964, das divisões das FA desde 1954 a respeito da intervenção na política, sobre as distintas interpretações, pela direita, entre Jovens Turcos e Tenentes, a divisão entre militares nacionalistas e pró-EUA durante a transição pós ditadura Vargas e por aí vai.

A gente pode de saída distinguir qualquer grande campo social ou corporação a partir da ideia de que todo coletivo humano complexo contém dissidências. Mas pelas características implícitas nas Forças Armadas fica difícil mensurar o grau de diversidade e diferença de concepções em seu interior. E isso se complica mais ainda quando falamos das polícias militares, porque elas são mais diversas entre si e contemplam uma complexa rede de micropoderes que não respondem de forma orgânica a comandos centrais, além do fato de como todo organismo social de variada composição ter o germe da diferença e da divergência em seu interior.

Esse preâmbulo todo é para discutir aqui a potencialidade de um golpe em um cenário onde o governo derrete, ass Forças Armadas tem um apoio cada vez menor e tem digitais em toda a crise envolvida na pandemia e no vacinoduto.

Além disso, 51% da população brasileira declara ter medo das polícias.

Ou seja, se as Forças Armadas, mesmo gozando ainda de prestígio, vêem  este apoio popular derreter pela adesão ao bolsonarismo, as polícias mais ainda, como grandes forças de opressão à maior parte da população, recebem apoio da cada vez menor classe média de de uma classe alta que sempre adorou apoiar as forças de repressão a pretos e pobres que protegem seu patrimônio contra as hordas bárbaras que produzem sua riqueza.

Mas além da perda de apoio, para cada militar que arrota golpe, outros tantos sinalizam que preferem desembarcar do golpismo para tentar a sorte em outra canoa. Por amor ao país? Não, por medo da lama na cueca.

A fala de militares ameaçando as instituições são para atiçar o cagaço monumental que especialmente a esquerda tem das Forças Armadas, mas inspiram pouca confiança na própria força e alertam mais para sua fragilidade.

A ocupação em massa de militares do Exército em cargos de confiança no governo exṕlica a desenvolvura golpista de parte das Forças Armadas, mas as dissensões públicas dos comandos em episódio recente, a visita do comandante do Exército ao Piratini e até o corajoso discurso do general sem tropa presidente do STM ameaçando golpe se Lula for eleito explicam mais o mato sem cachorro que as FA vivem do que o contrário.

Pujol e cia lá atrás saíram para tirar o próprio da reta, mas significaram que vários tiraram o seu da reta com eles, o foco do golpismo e do bolsonarismo ficou com os militares da reserva e da ativa que bancaram Pazuello e escreveram uma notinha contra o Senador Aziz ontem.

Mas o mais importante é que golpe não só se constrói, mas se dá. quem pode dar golpe dá o golpe, quem ameaça quer ganhar tempo, e tudo o que o Bolsonarismo e as Forças Armadas pró-Bolsonaro não têm é tempo.

Para começar a elite empresarial e a imprensa já escolheram seu campeão: Eduardo Leite.

E com um campeão, com mais de um ano para construí-lo, o que se busca é primeiro ocupar o espaço que Bolsonaro deixará e em segundo lugar é ameaçar Lula à vera com a ampliação das dificuldades de acordo deste com a elite econômica.

E haverá espaço para ocupar o lugar de Bolsonaro? Será uma imensa surpresa se Bolsonaro chegar na eleição de 2022 capitaneando o vacinoduto que tem novos capítulos todos os dias e expõe inclusive as Forças Armadas à lama de uma corrupção que eles juravam que só a esquerda tinha em seu interior.

O recibo do Ministério da Defesa com uma ameaça de golpe para se defender das denúncias de corrupção que chegam cada vez mais perto de Braga Netto só faltou ter CPF na nota.

General também lê jornal, as tropas também vêem TV e tem que ter uma suspensão da descrença enorme para acreditar que ninguém sabia que às barbas milicas  dançavam pedidos de propina, e isso em um governo cujo presidente tem um histórico de denúncias de peculato a partir da rachadinha, funcionários fantasmas,etc.

Para piorar, família de soldado também morre de COVID, com cloroquina e tudo e com mais de 500 mil mortos é cada vez menos provável que as tropas passem ao largo da mortandade que causa o governo que não compra vacina, mas quer ganhar propina em cada compra.

O resultado catastrófico na economia, que só beneficia os muito ricos e a possibilidade nada remota de derrota no primeiro turno em 2022, a ponto do campo neoliberla achar que dá para Leite entrar no jogo, fecham a tampa do processo que provavelmente chegará ao impeachment de Jair.

Isso tudo explica o derretimento de Bolsonaro, a ausência de condições objetivas para um golpe, a falsa unidade militar em torno do governo e a incapacidade de tornar os 25% que ainda apoiam Bolsonaro uma força capaz de dar um golpe de estado.

Mas existe o problema real que os 25% que apoiam Jair podem protagonizar a partir do momento em que se percebe a derrota. E não, não é uma invasão ao Congresso nos moldes trumpista,s isso ai seria a burrice mor que nem o mais estúpido Heleno é capaz de cometer, mas a colombianizaão do Brasil, com acirramento dos ataque à esquerda, a lutadores e avitistas do meio ambiente, direitos humanos e liderançãs populares, inclusive as da direita.

Porque o processo de aumento da violência política não existe nem a unidade das Forças Armada,s menos ainda as das política,s não faltam soldados das cada vezs mais espalhadas nacionalmente e presentes milícias para agir em nome de um projeto de poder que sempre parte da ausência de ordem e é sócio atleta da desestabilização.

É no domínio da arte da desestabilização, da violência política e da construção do caos que Bolsonaro e o Bolsonarismo prosperam.

Não reconhecer a derrota em 2022 é um problema cada vez menor, sendo que a possibilidade de Jair não ser candidato é cada vez maior. Da mesma forma o potencial de derretimento de uma candidatura Bolsonarista torna a derrota no primeiro turno menos dependente dele e mais do desempenho de Eduardo Leite, cuja candidatura tem o mesmo programa econômico bolsonarista, mas ataca na prática os pontos frágeis do programa lulista: a questão LGBT, por exemplo.

Diante disso as forças Bolsonaristas podem optar por agir dentro de um projeto que tem menos preocupação com a eleição em sie mais na construção de um golpe real e concreto que independe de eleições e de seus resultados. Nesse sentido é menor a capacidade de organização de um golpe nos moldes bolivianos e maior a capacidade e potencialidade de desestabilização do fazer política em si, tornando o atuar no mundo democrático um risco de vida.

As ameaças cotidianas de morte a parlamentares da esquerda, em especial os do PSOL, o próprio feminicídio político de Marielle Franco, tudo isso aponta para uma rede de desestabilização que pode nos colocar em um cenário de violência política nos moldes colombianos e mexicanos para as próximas décadas.

As redes de ataque não precisam ser financiadas às claras ou correndo riscos de investigação direta e podem inclusive usar o know how da ditadura que usava financiamento empresarial para clusters clandestinos de tortura, e que espalhou pros esquadrões da morte, e hoje milícias, a forma política das máfias com um projeot político anticomunista, racista, machista e LGBTFóbico histórico.

Golpes nos moldes clássicos já foram abandonados pelas próprias elites e forças Armadas para derrubar Dilma e isso não foi à toa.

 Sem apoio externo, com cláusulas democráticas nos principais acordos comerciais, qualquer movimento golpista com tanques na rua põe em risco modelos econômicos inteiros, em que economias complexas como a nossa não podem enveredar sob risco imenso de perda de mercados.

Em um quadro que o próprio bolsonaro desestruturou a economia com uma política ecocida, genocida, com zero investimento público e sem a menor ideia de como fazer política, mesmo indireta e liberal, de fomento, é cada vez menor a margem de manobra golpista clássica em um ambiente onde o mercado já sofre sançẽos públicas, diretas ou indiretas, com perda substancial de espaço internacional.

Para piorar o cenário pro campo bolsonarista golpista, a conjuntura exige um modelo econômico de fomento ao consumo interno equilibrado com uma diplomacia presidencial , para que a economia devolva à própria elite uma manutenção da taxa de lucros que caiu com a aposta insensata no golpismo necroliberal que nos deu Bolsonaro.

Então até a aposta em Leite tem um significado de construção de uma força para além de 2022, capaz de pelo menos rivalizar economicamente com Lula e o PT. Ou seja, qualquer manobra precisa contemplar a desestabilização do cenário sem a explícita face das instituiçẽos armadas, porque a economia exige que os caminhos pro desenvolvimento dos negócios predatórios não seja mais feitos à luz do dia.

Neste cenário, o que frutifica é a lógica subterrânea da violência política com tintas milicianas e não um golpe nos moldes clássicos com tanque na rua. Esse modelo inclusive sequer precisa ter peso estratégico, ou seja, pode ser o de fundamentar mandatos parlamentares capazes de obter nichos de mercado e de domínio político que atrapalhem a democracia sme a necessidade de um golpe com um ditador lhe liderando.

É preciso atenção sim pras movimentações, mas pensando também nos modelos amplos que nos podem desestabilizar com maior potencial destrutivo que um golpe militar clássico.

Imprensa, democracia e uma crítica ao antipetismo liberal, Tabata Amaral e Malu Gaspar.

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Na última semana vi ótimos jornalistas liberais apoiando golpe na Venezuela porque “Era contra um ditador” e destilando um ódio mal disfarçado a Lula que não destilam em metade ao Bolsonaro, que dizem combater.

Não existe apoio digno a golpe, não existe, mesmo contra ditadores.

A diferença entre golpe e revolução é farta na literatura, basta ler o dicionário de política de Bobbio e se entende a enorme diferença, e o Norberto trata Revolução como um golpe em proporções populacionais de engajamento com transformação estrutural.

Um Putsch, que foi o que tentaram fazer contra a Venezuela, é um atentado á democracia, mesmo uma democracia autoritária, como via de regra desde 2008 todas são, como a de Maduro.

Se Maduro é ditador, Alckmin, Dilma, Tarso, Cabral, e agora Witzel, Bolsonaro e Moro também são.

Perseguiram ativistas, processaram gente por portar Pinho sol, atiraram com bala de borracha e até armamento letal em ativistas, matam a população negra a rodo, em uma escala genocida, usam snipers para matar pretos pobres, estimulam a morte de indígenas e sem terra, atuam para permitir o armamento de milícias rurais para exterminar sem terra e liberar o morticínio de pretos e pobres por policiais,e por ai vai.

Então cês vão me desculpar, mas essa linha lógica de apoiar com fome um golpe de estado patrocinado pelos EUA em nome da “democracia” porque “Maduro é ditador” é um equivoco, pra ser gentil.

Eu apoio Revoluções? Apoio. Revoluções são golpes? Em muitos sentidos? Sim.
A diferença é que ou são apoiados por um levante populacional que ou o precede ou o segue ou são apenas golpes de estado.

Revoluções que o pais passou, se passou, ou foi o mais próximo disso? A Independência, talvez a Abolição ou a Revolução de 1930. que foram precedidas de longos embates, armados inclusive, e transformaram a sociedade como um todo e a própria estrutura do poder, inserindo novos elementos populacionais no cenário político e mexendo com as estruturas sócio-econômicas e culturais, mas isso é papo pra longas horas de debate teórico.

Mas apoiar golpe apenas para derrubar um ditador que se luta contra,ignorando a auto-determinação do povo Venezuelano, que esse ditador foi eleito, e que nenhum dado faz com que se veja um levante popular concreto contra ele, e isso mesmo em estados onde ele tem menos poder e cujo alinhamento não é a Maduro nem a Guaidó, mas a um chavismo anterior a Maduro?

É impressionante como alguns jornalistas trataram a entrevista do Lula com oito Vezes mais dureza do que o dia a dia de Bolsonaro. Bolsonaro é alvo de “ironias finas” e críticas até duras, mas aquém do ódio destilado contra Lula.

Lula precisa fazer penitência, autocrítica, plantar bananeiras recitando a Salve Rainha ajoelhado no milho enquanto se chicoteia, mas a mesma imprensa que faz falsa simetria com “os dois lados do radicalismo político” pra vender Tabatas Amarais se recusa a fazer uma mínima versão disso que chamam de auto-crítica.

Malu Gaspar diz que as críticas da esquerda à Tabata Amaral são porque “ela não é esquerda suficiente”, com altas doses de ironias. Que grande democrata e intelectual temos que sequer consegue conceber que existem divergências mais amplas entre o que eles, da imprensa, chamam de esquerda, não?

Aliás, essa leitura de ser “esquerda” pra parte da imprensa adaptou uma versão estadunidense da divisão política ou é impressão minha?

Sério que entender as proximidades e distâncias com a Tabata Amaral, por ela ser uma liberal e não uma socialista ou comunista ou parte do grupo ideológico tradicional da esquerda, em síntese anticapitalista, é apenas julgá-la “não sendo esquerda suficiente”? Isso é o melhor que uma jornalista especializada em política pode fazer?

Não sei em que ponto faltou leitura, pesquisa ou apenas uma clareza na percepção e exposição do próprio alinhamento ideológico. pra ser gentil.

Não é problema nenhum ser liberal, Malu e a Tabata tem muitos pontos em convergência com a esquerda tradicional (anticapitalista, socialista e comunista) e pontos de divergências centrais, reconhecê-los com respeito é um bom caminho, o desprezo ao que não entende, e nem tenta entender, é um péssimo caminho pra quem prega uma suposta unidade que não pratica.

Aliás, é fundamental que liberais dignos do nome, como a Tabata Amaral, a Malu Gaspar e outros, se assumam como tal, que assumam a defesa do liberalismo na linha Democrata moderada estadunidense no Brasil, cuja direita dificilmente é melhor que um Republicano anti aborto e que via de regra é composta de um Tea Party piorado enquanto brandem um suposto programa “liberal”. Até o conservadorismo no Brasil fede a um integralismo verde-oliva, e é francamente reacionário.

Então é sim bem vinda a Tabata e outros com seu liberalismo socialmente engajado, mas um liberalismo, pró-capitalismo e francamente pouco apegado à percepção do geral como divergência e não como “ideias que não tem mais lugar”. Agir como se a ideologia liberal pré-Marx fosse mais atualizada com seu misticismo teológico da mão invisível do mercado, mas com preocupações sociais, não fosse um socialismo utópico aplicado à contemporaneidade do que uma concepção teórica e política, com enorme base filosófica (Epicuro e Hegel pra começar), organizada por Marx e que é constantemente repensada, debatida, discutida, dentro e fora da academia, inclusive por liberais, por outros ramos da filosofia e da ciência política.

Aliás, ideias tem data de validade? Se tivessem o perfil socrático de Paulo Freire não existiria.

É fundamental que liberais exista,mas seria de bom tom que respeitassem a divergência, inclusive a crítica aos limites de sue alinhamento à esquerda, em vez de ridicularizarem o que os expõe como o que são.

E nãos e iludam, parte do PSOL, PT, PSB,etc são compostas por liberais como a Tabata, se você votou nestes partidos pode ter votado em alguém com u perfil próximo si, não precisa de certificado pra se dizer de esquerda, viu?

A REDE tem esse perfil, programático inclusive.

O que tem que ver é esse antipetismo que transforma o PT no diabo fugindo da cruz e que se torna muito mal disfarçado no discurso, no sentido da análise de discurso, de parte da imprensa, especialmente a que compõe a falsa simetria.

Esse antipetismo fez com que parte dos apoiadores de Marina em 2014, uma liberal com origem na esquerda, tenha apoiado Bolsonaro em 2018 , Abraham Weintraub entre eles.

Inclusive a mesma imprensa faz forfait pra se lembrar exatamente o que fez durante as eleições em nome de uma suposta defesa da democracia, hoje, quando ela precisa ser defendida concretamente, não mexe metade da palha que os demais membros da sociedade mexem.

A democracia quando sob ameaça recebe da imprensa o tratamento que muitos críticos de cinema dão à arte, uma odiosa observação não participante e supostamente crítica.
Precisamos de mais que intérpretes do real, viu? E sim, é um sentido marxista.

Amigos, a crítica ou é acompanhada da ação ou é apenas cagação de regra omissa.

E sigam o exemplo do Jânio de Freitas, do Gaspari, que são ácidos contra todos os governos, sem se omitirem na defesa REAL da democracia.

Não precisamos sequer concordar ideologicamente com eles para sabermos disso, como não precisamos achar Mino Carta o supra sumo da pureza da esquerda para respeitar sua luta em defesa CONCRETA da democracia, como idem o José Roberto Toledo, entre outros.

Mas é preciso sabermos com quem estamos lutando a defender a democracia.

Nós, que fizemos oposição ao PT anos a fio pela esquerda, nunca vimos muitos destes liberais nas nossas trincheiras. É sempre bom termos novidades, mas é preciso que lembremos sim quem esteve onde e quando.

Quem ocupa esta trincheira também ocupa a defesa de golpes contra o que consideram ditadores?

Quem ocupa essa fronteira também ocupa a resistência contra o que os jornais que ajudaram a eleger com falsa simetria e é mais próximo de Maduro do que eles mesmos assumem? Abro mão.

Essa defesa de golpes não é a da democracia.

Assim como na educação, a crise na segurança pública também é um projeto

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Segurança pública no Brasil, como na educação, sempre foi um tema onde se fala muito um jogo de jargões pavoneados e pouco se estabelece um tipo de projeto concreto de organização de alguma coisa dignamente chamável de organização.

Nem pela direita, nem pela esquerda quaisquer projeto de segurança são manifestados de forma inteligente, organizada, nada.

A direita brande o “Bandido bom é bandido morto”, a esquerda o “Fim às prisões e legalização das drogas” e no meio de ambos o Rio do Caos segue tranquilo, in tocável, rumo ao destroçamento da ideia de estado democrático de direito.

Claro que existem pesquisadores e proponentes de projetos de Estado de segurança em todos os espectros ideológicos, mas nada, nenhum sobrevive ao cotidiano da ausência de projetos de Estado por partidos e organizações do teatro político brasileiro.

Nem quando a esquerda aponta corretamente pro fim da PM e reorganização do sistema de segurança pública sob a ótica da autoridade civil se tem projeto concretamente, salvo um Rolim aqui e ali.

Partido nenhum discute nem com a sociedade, nem com a academia, quaisquer projetos de segurança pública aceitável.

Não temos política de ronda, não temos política de inteligência, de ciência forense, de ocupação das ruas, de relação com as comunidades, de produção de mecanismos de investigação decentes, de estabelecimento de um ethos aceitável de cuidado com o lado criminal do estado democrático de direito, nada.

A direita propõe execução sumária com hiper potencialização do policial, a esquerda reage a isso e nem um nem o outro lado apontam qualquer mísero sinal de um projeto nem de genocídio nem de organização do estado policial com o fim da guerra às drogas.

Vejam bem: até o “Bandido bom é bandido morto” é um projeto de genocídio sem projeto, é um genocídio arte, moleque, que não respeita tática e vai na vibe da intuição do genocida.

Assim como na educação se perde um minuto pra dizer “Precisamos valorizar o professor” como se isso fosse mais do que a obrigação e se tornasse um projeto de educação, a esquerda aponta pro “precisamos valorizar o policial” como se  isso bastasse.

Da mesma forma o fim do penalismo, uma baita ideia, se perde numa discussão bizantina sobre ausência completa de penalidade aos crimes sem sequer projeto de transição entre o modelo atual e o que se defende.

Porque pra administrar o estado precisa sim ter pragmatismo, só que isso é confundido com negociata pra conquistar base parlamentar e não como ferramenta de estabelecimento de medidas práticas para a execução de iniciativas baseadas em ideias.

Eu também quero o fim da PM, mas se isso não é dito que é o fim da instituição  Polícia Militar com a absorção dos policiais em um modelo civil com transição, treinamento e superação de problemas, como queremos que os PMs entendam e aceitem?

Porque eu tenho plena certeza que chega próximo a zero o número de policiais que defende a permanência da Polícia Militar defende isso porque acha que o modelo militar é melhor, mas deve chegar perto de uns 90% o número destes mesmos policiais que acreditam que a defesa do fim da PM é a defesa de todos na rua e ausência completa de polícia, para a alegria dos boateiros reacionários e amantes das milícias e políticos ultra-reaças.

Da mesma forma que quem ouve “Legalização das drogas” acha que legalizar as drogas e é por pra vender cocaína em loja de doce.

E como superar isso? Primeiro assumindo o debate sobre segurança e indo além desse papo reducionista. Segundo é tirar os dois bodes da sala.

A unificação das polícias é provavelmente menso importante que o estabelecimento de um sistema de segurança concreto, com controle social, cadeia de comando, inteligência e ciência forense.

A legalização das drogas é um problema de segurança porque a guerra às drogas é a única política de segurança hoje, uma política sem plano. sem projeto, muito ruim e que não pode pautar o debate que vai além da segurança e tem a ver com liberdades e direitos civis de uso de substâncias por parte de indivíduos adultos, saúde para os que abusam e organização tributária para absorver a produção relativa à demanda.

A legalização das drogas é tirar as drogas do mundo da segurança pública.

Então, pra crise da segurança pública, e da educação, deixarem de ser projeto é preciso um outro projeto, ou outros projetos para a sociedade, é preciso iniciativa política pra isso, de partidos, universidades,etc, senão fica nesse papo brabo e nada se resolve.

Tem partido gritando contra a intervenção militar? Parabéns!, então mexe a bunda e propõe um projeto de sistema de segurança pública ou inicia um plano de debate que envolva as instituições e proponha um plano minimamente consensual de gestão.

Idem pra educação. Tem que discutir que educação queremos, que tipo de teoria a embasa, que cadeia de comando precisamos produzir e que tipo de estudante queremos que saia do sistema.

Sem isso o que temos é chilique.

 

 

 

 

 

Retrato de um historiador enquanto esquerda: Ou o desabafo do homem comum supostamente intelectualizado.

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Escrever sobre política hoje em dia me cansa bastante.

Especialmente porque hoje não sei exatamente como me localizar dentro do espectro político a não ser pela ideia de ser de esquerda e ser anarquista.

Mas mesmo sendo de esquerda e anarquista, ou me enxergando desta forma, não consigo entender nenhum encaixe claro no que vejo a maior parte das pessoas defender como “ser de esquerda”, da mesma forma que me incomoda demais a ideia das pessoas de entenderem o que é ser inteligente ou “pensar” e sim os dois assuntos tem profunda relação.

E a relação entre o encaixe num modelo de ser de esquerda, seja um modelo da direita ou da esquerda, e o incômodo com a ideia das pessoas sobre sua própria inteligência, bondade e seu “pensar” se entrelaçam exatamente porque ambos tangenciam a ausência de certezas absolutas e a percepção que na maior parte das vezes o que constrói hoje os grupos mais “sólidos” das ideologias é de um arrogância que só encontra paralelo na própria estupidez.

Além disso, a maior parte dos processo ideológicos e seus grupos se encastelou na desumanização de si mesmo e do outro, na destruição de laços de solidariedades e também na politica enquanto performance.

Da xenofobia, racismo, homofobia, machismo e misoginia como armas para atingir o outro até a aceitação de tortura, assassinatos, inclusive os de reputação, defesa de tutela de um povo conscientemente tido como estúpido e até sacrificável diante dos grandes objetivos, tudo obedece a um mesmo caminho de transformação das grandes narrativas ideológicas em defesas de credo dogmático, de cariz autoritário.

E o objetivo final, de em tese mudança da sociedade para melhor para que o tal povo, essa entidade metafísica,seja liberto ou tenha sua vida melhorada? Ah,que se dane! O povo, o tal povo, se perde no meio das grandes narrativas e é atropelado como por um caminhão chamado de “Fins”, que por acaso justificam os meios.

E os meios acabam sendo apenas o domínio do outro, muitas vezes mimetizado em aparato ou estado ou país,mas no fundo é o domínio sobre o outro.

E nessa toada o que não vira “mimimi”, vira secundário dependendo do espectro ideológico do qual se ouve o discurso.

Por que se ouve o discurso? Porque a maior parte dos entes dos espectros ideológicos em curso não debatem ou dialogam, discursam.

E isso não ocorre apenas os portadores de discursos plenos de sublimação de traumas e ódios anteriores, de mediocridades mal alimentadas e patologias.

Isso ocorre com comunistas, anarquistas, sociais democratas e até com liberais, que um dia foram até bons parceiros em diversas lutas e hoje parece terem se colocado como ovelhas disponíveis para oportunistas elitistas dançarem seu mambo sobre nossas sociedades.

Envolvam tudo isso numa arrogância de almanaque e temos o debate político cotidiano.

E não, isso não reflete nenhuma sociedade radicalizada,mas uma sociedade conservadora e apenas aparentemente polarizada.

Essa aparência de polarização se dá no ajustamento dos grupos em nichos firmes de defesa de interesses da classe dominantes envoltos em discursos mais ou menos liberais ou mais ou menos “comunistas”. No final das contas nenhum dos discursos busca nenhuma transformação ou se organiza em qualquer espectro claro para fora da institucionalidade e que tenha algum tipo de cara de participar do lado proletário da luta de classes.

O proletário nesse suposto embate aparece como eleitor ou vítima. E o mesmo vale para negros, mulheres, índios, LGBTs, etc.

Quando vota a favor o proletário é consciente. Quando vota contra ou é mortadela, ou pobre de direita.

E tome silenciamento.

Mas podemos avançar nesse debate se analisarmos o crescimento do fascismo no Brasil e o avanço idêntico do discurso de “vai estudar” ou “A má educação é o que fez do Brasil o que é hoje” e defesas de nova moral ou da família ou da pátria,sempre falando em educação e de educação e civilidade como elementos que andam de braços dados e de elogios a outros países,etc..

Esse discurso do “vai estudar” e a “síndrome de vira latas” são primos de um desprezo mórbido pelo povo brasileiro, que tem muito ou quase tudo de racismo (Mas isso é outro assunto).

O Brasil não dá certo porque a educação ruim, dizem,e por isso o reacionário ou o mortadela precisam estudar para se encaixarem numa ideia de sociedade que caiba nos discursos.

E o que eles sabem da educação? Do que é educação? Do que é História? Nada.

É a educação o problema? E se é como resolvê-la? Porque se for repetir essa educação que acham que ensinar história é decorar data em história e fórmulas em Física, a gente vai permanecer com problemas.

E na real educação para a maioria dos discursos serve para hierarquizar a sociedade e criar meios para que o ente que “sabe” domine o outro “que não sabe”.

E eis que ai reaparece a figura do ”povo”,seja no discurso fascista, seja no discurso comunista e até no cínico discurso dos novos liberais you tubbers que “lacram”.

Porque este discurso, esta narrativa ignora qualquer tipo de diálogo construtor de cidadania no sentido mais amplo: Um pensamento critico que entenda a polifonia das sociedades e construam em comum entre professores e educandos o caminho para cada disciplina em cada aula e cada turma ou escola.

E é aqui que entra o desabafo de um historiador de esquerda que se entende anarquista,mas tem dificuldades enormes tanto com os grupos que compõe a esquerda quanto com o dogmatismo anti libertário que virou a anarquia em geral.

Porque não me transformei em historiador para repetir a produção de uma historiografia que ignora o coletivos de vozes presentes nas sociedades, que silencia as vozes menos audíveis, as de cor mais preta e índia, as vozes femininas, que secundariza lutas ou que elenca o que deve ser a grande narrativa das transformações.

Me transformei em historiador para procurar dar voz aos silenciados e pra entender o outro como parte integrante das transformações coletivas, jamais pra tentar encaixar os diferentes em caixotes de papéis preestabelecidos e estanques.

Não me transformei em historiador pra brincar com a direita a chamando de idiota, mas pra desconstruir através do diálogo o que a direita diz e que é violentador para os coletivos ou para fomentar um combate ininterrupto aos discursos de ódio com o respeito que todo inimigo merece e deve ter, sem menosprezar inteligências, da mesma forma que não menosprezando o grau de solidariedade inerente às comunidades.

Não me tornei historiador para silenciar a miríade de evangélicos atribuindo a todos o papel pusilânime de parte dos fieis e da maioria das lideranças evangélicas. Nem pra transformar uma escolha de fé em estupidez.

Me tornei historiador para dar voz aos silenciados e não para ampliar o silenciamento em nome de uma narrativa que se pretende superior ao homem, ao nós, ao coletivo, à pessoa.

Me tornei historiador não pra dizer “Vai estudar”, mas pra dizer “Discordo de ti e tenho fontes que ajudam a ti a entender melhor”.

Sou historiador para tentar contar a história vista de baixo e não pra tentar contar melhor a historia dos de cima em nome de uma idolatria maluca que não vale nem o pão quentinho da padaria da esquina.

E pra fazer política com o conhecimento, não pra encaixar o conhecimento na política martelando-o numa forma que o distorce.

Porque é preciso politica no conhecimento, sem que isso signifique um desprezo ético pela busca da verdade, ela existindo ou não, ela sendo apenas uma representação do real, um reflexo de um espelho distorcido ou não.

Porque também é preciso muito humanismo e amor no conhecimento, sem que isso signifique dançar ciranda enquanto se omite sobre a prisão do Rafael Braga.

Pode dançar ciranda, mas sem lembrar do Rafael Braga e lutar por ele é vandalismo.

E é preciso fundamentalmente respeitar o povo, sua cultura, fé, seu lugar, seu falar, sua festa, sua cor.

Respeito não significa transformar a pessoa em bibelô tropicalista, mas inclusive discutir e brigar com ele se preciso, lembrando quem mais morre na luta de classes e na lógica de defesa das grandes figuras.

Precisamos repolitizar a política!

E relembrando aos navegantes que humildade não é fingir não ter conhecimento e ter conhecimento não é super poder, nem aumenta a dimensão humana de quem quer que seja.

A ignorância do outro é um elemento que nos ajuda a entender a nossa própria capacidade cognitiva. Se a ignorância do outro pra ti é motivo pra transformá-lo em inferior a ti, você realmente não entendeu nada,

 

Senta que lá vem História! – Hobbes, filmes de zumbi e o medo como discurso na política

A Esquerda, a Direita, Eleições, Catequese e Colonização

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Eu voto nulo e faço campanha pro voto nulo, todo mundo sabe,mas não dá pra deixar de comentar eleições e como elas se dão, e como o comportamento da esquerda é equiparável ao da direita com relação aos mais pobres.

Os rumos eleitorais nas grandes cidades tendem a uma enorme confusão.

A direita encontrando mais dificuldade do que esperava e a esquerda, que contava com a eleição certa de Luciana Genro e Freixo e a reeleição de Haddad, enfrenta dificuldades extra nas suas caminhadas.

Parte do problema e das dificuldades da esquerda vem menos da fantasia de uma unidade mitológica perdida e mais da perda de capilaridade de sua organização no decorrer dos anos 1990,2000 e 2010.

O que isso quer dizer? Quer dizer que dos anos 1990, onde havia núcleos do PT espalhados por praticamente todos os bairros das grandes cidades, até os anos 2010, onde nem o PT manteve o que tinha nem o PSOL avançou sobre os espaços deixados pelo outrora maior partido da esquerda, a organicidade dos partidos de esquerda não só minguou como foi transformada numa mudança metodológica de organização que priorizou a formação de burocracias à formação de contingente militante e politização consciente nas cidades e interior.

Enquanto isso a direita, especialmente a vinculada a grupos evangélicos, construiu sólida expansão nas periferias e cidades do interior via velhos métodos, centros sociais e clientelismos, e novos atores, a participação cada vez mais ativa de religiosos neo pentecostais na política e inserção forte das igrejas na construção de laços de solidariedade comunal nos mais diversos locais dos grandes centros urbanos e interior.

Em resumo: A esquerda optou pelo eleitoral a partir do voto de opinião, a direita ampliou seu arco de ação fazendo trabalho de base cotidiano via igrejas e centros sociais e gerou um enorme contingente de gente que não só apoia candidatos de direita,mas os apoia ideologicamente, fazendo parte orgânica, especialmente via igrejas, das forças políticas que os mantém.

Exatamente, gafanhoto! A direita construiu militância capilarizada, enquanto a esquerda focou em manutenção de militância orgânica de classe média e expansão de apoiadores não militantes a partir de laços mais próximos do clientelismo, especialmente via lulismo, que de identificação ideológica.

E o segundo caso muitas vezes muda de lado pelos mesmos laços, e ainda passa a participar de um tipo de organicidade ideológica conservadora.

São vinte anos de transformações na direita e na esquerda, e é óbvio que isso daria em mudança no quadro eleitoral.

Nesse meio tempo outro fenômeno também cresceu nas periferias: Uma esquerda não partidária que não se identificava com a esquerda sucrilhos e combatia a direita evangélica.

Essa galera caiu dentro de uma posição apartidária,mas crítica, quando não anarquista e autonomista.

Muitos dessa esquerda periférica votam, outros não, todos são politizados e buscam um debate politizado a partir do ethos da própria periferia, seja via RAP, seja via organizações como núcleos socialistas (O IFHEP em Campo Grande no Rio é um exemplo), seja via coletivos de educação popular ou assembleias populares das periferias.

Toda essa galera tem posição combativa pela esquerda e critica fortemente o viés elitista da esquerda partidária tradicional.

E ai temos um fenômeno interessante: A direita dialoga com essa esquerda, mesmo sem contar com seu apoio e sabendo disso,mas a esquerda partidária a ataca.

E por que? Porque o pastor que aglutina os laços de solidariedade comunal que o sustentam politicamente sabe que o filho da Dona Naná que é anarquista e não vota nele é filho da Dona Naná, Primo do cumpadre meu Quelemem, irmão do Riobaldo, namorado da Zuleica, filha do marceneiro João, todos da igreja, menos o o filho da Dona Naná, que é bom menino e que isso de anarquia vai passar.

O Pastor pode estar errado no diagnóstico,mas na relação não. Ele sabe que o sujeito que ele vai combater na favela tem mãe, e a mãe é da igreja, e que os laços não podem ser rompidos, ele vai precisar conversar,mesmo com condescendência e mal disfarçado nojinho,mas vai ter de conversar.

E o assessor do vereador do partido bonito que dança tambor de criola na Lapa? Porra esse fica ofendidíssimo porque aquele fudido preto e pobre da favela do Jacó não vota no seu candidato que é a salvação da porra toda com sua proposta de fazer uniformes escolares de cânhamo que geram energia a partir da absorção da luz do sol e carregam celulares enquanto o corno fica no sol esperando duas horas pelo ônibus.

Como assim a esquerda não merece o voto da periferia?

Talvez seja porque a periferia nunca viu a esquerda, nem comeu, só ouve falar.

Esse comportamento se dá de forma simples: Catequese e colonização.

Sim, a esquerda espera uma reação de gratidão do fudido àquela que lhe leva a luz da consciência política de cima pra baixo à esquerda de quem entra. Logo ela que desperdiça domingos de sol que podia gastar na praia à passos de sua casa pra levar a luz da consciência política à esses bárbaros da favela é desprezada? Como assim não se consegue mais catequizar o pobre?

Talvez amigo, porque a direita montou posto avançado de colonização enquanto tu aparece apenas com o evangelho surrado de um marxismo cambeta.

O evangelho que vale é o do pastor que tá ali dando a cara tapa todo dia e não do missionário catequético e caquético que aparece do nada falando de um Deus Estado socialista mágico que tende a puni-lo se ele não gostar de seu messias.

Aliás, bora combinar que a esquerda que aparece pra catequizar também quer colonizar a periferia, né?

E por isso a esquerda que tá na periferia também repudia tanto o socialismo amarelo quanto o bispo Machado.

Mas quando a esquerda partidária vai entender isso? Nunca, ela sequer entende que passar na casa de alguém não é morar lá, imagina questões complexas.

O Hegelianismo travestido de Marx que a esquerda partidária insiste em usar, a partir da versão de São Lênin-Zizek-Mujica, impede por seu idealismo que a dialética funcione.

Por isso temos uma esquerda marxista sem Marx, sem antropologia, sem sociologia, sem samba.

E enquanto isso a direita tem o evangelho, e laços de solidariedade comunal, e diálogo com o filho da Dona Naná, mas o problema pra esquerda é quando o cozinheiro escreve.

 

A importância de ampliação de espaço das esquerdas nessa conjuntura

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Em um cenário como o atual a esquerda precisa se lamentar menos e ampliar mais sua luta, sua voz, suas cores.

E isso nas ruas, na chuva, na fazenda ou numa rede social de sapê.

Não estou disposto a esquecer nosso mandato histórico de vez, e acho que é tão normal.

Dizem que sou louco, por eu ter um gosto assim, achar que nem tudo é tão ruim.

Mas metáforas poéticas ruins a parte não é hora de jogar nossas mãos para o céu e agradecermos se acaso tivermos alguma ideologia que faz a gente repensar.

É um momento específico de avanço e explico porque: A ação da direita nos últimos quinze anos não é um avanço, mas uma reação.

Dos anos 1990 pra cá, e não só imediatamente pós-impeachment de Collor, a narrativa histórico-social foi construída em torno da consolidação da democracia, de nossa “jovem democracia”.

Desde o fim da ditadura civil-militar em 1989 (Eu coloco que a ditadura termina quando temos finalmente eleições diretas e não quando um presidente eleito indiretamente assume) o sistema político e a sociedade brasileira girou em torno da “consolidação de nossa jovem democracia”.

E isso sustentou as presidências de coalização que se sucederam, de Collor até Dilma.

A narrativa era que todo rompimento com o “Estado Democrático de Direito” era uma violação do pacto social que venceu a ditadura.

E o PMDB é o símbolo, para o bem e para o mal, desse pacto e dessa narrativa.

O PMDB se construiu ainda como MDB como um organismo de coalização entre forças da direita e da esquerda para resistência à ditadura e depois para a construção do pacto social e do estado democrático de direito pós-1988.

Contendo de Sarney a Requião, entre outros elementos que organizavam desde os coronéis das oligarquias dos estados até as associações de moradores de morros do Rio e SP, o PMDB se construiu como aquele que mantém o pacto social que sepultou a ditadura e permitiu o florescimento de “nossa jovem democracia”.

Por isso foi fundamental na derrota de Collor, que com a narrativa de governo corrupto rompia ano após ano com o pacto social, na pose de Itamar, na sustentação dos governo FHC, Lula e Dilma, até quando qualquer um desses governos ameaçava o equilíbrio desse pacto (segundo o ponto de vista do PMDB e dos pactuadores).

FHC perdeu a eleição quando foi incompetente pra lidar com as crises internacionais que eclodiram de 1998 em diante.

Lula quase foi ao ló quando em 2005/2006 se ameaçou uma crise institucional relacionada a escândalos de corrupção.

Dilma quase perdeu a eleição de 2014 porque não conseguiu manter um gerenciamento competente da economia em meio a uma enorme crise econômica mundial, e foi destituída porque no enfrentamento a esta crise não foi competente, implementando medidas que a agravavam (apostando numa austeridade falida que nem a Troika quer mais defender) e, já institucionalmente frágil, não soube frear o avanço das investigações sobre o PMDB na Lava-Jato.

Em todos esses anos o PMDB foi diretamente responsável ou pela estabilidade ou pela desestabilização dos governos supra citados.

E por que? Vide o comentário acima sobre o papel do MDB na ditadura e posteriormente.

Porque o PMDB desde MDB se construiu agregando as oposições aos poderes da ditadura nos estados e municípios, agregou de parte da esquerda que estava na ilegalidade (E depois migrou pra o PT, PDT, PSB,etc) até parte da direita que era oposição conjuntural a outros elementos de direita.

Esse papel de “Movimento pela democratização” fez o MDB ter uma capilaridade invejável, e ao fim da ditadura essa capilaridade ganhava o perfume de vitória.

Parte da esquerda que ali estava não teve dúvidas em permanecer na máquina que ajudou a construir e lhe permitiria avançar sobre o estado.

Parte da direita permaneceu por ser poder e com isso vencer seus inimigos no mesmo campo ou cooptar-los em posição subserviente.

Esse máquina política avançou na nossa “jovem democracia” como avaliador dos poderes centrais e sustentador ou desestabilizador de governos dependendo do papel que exercia.

Primeiro porque sua característica sui generis de composição para ideológica impedia uma unidade que garantisse a um dos seus um favoritismo à presidência da república.

Segundo porque, virtualmente sendo governo e oposição pra sempre, conseguia algo invejável para qualquer força política em nossa história: Se estava sempre com o controle do estado, independente da força que possuísse a cabeça dos poderes.

Esse papel permitiu ao PMDB garantir-se como um partido praticamente inatingível.

Ao menos até hoje.

Por que até hoje? Porque desde que o PT ameaçou o PMDB em sua principal característica, a capilaridade e o controle do estado nos mais diversos estados e municípios, o PMDB tornou-se governo e chefe em vários postos onde para manter-se teve de organizar em torno de si uma cepa ideológica específica.

Desde os últimos dois anos o PMDB perdeu a cada dia suas características de “geleia geral” e tornou-se finalmente um partido puramente ideológico.

A própria ascensão de Temer garantiu isso, seu ministério é uma assinatura e essa característica não faz ficar à vontade nem oligarcas como Renan e Sarney, nem rebeldes como Requião.

Para eleger Pezão o PMDB abraçou Dornelles e perdeu o PT. Para eleger Sartori o PMDB abraçou Yeda e o PP, ideologicamente, e perdeu qualquer semelhança a Rigotto e Britto.

Para manter Temer o PMDB abraçou o DEM de Escola sem Partido e o pior do PSDB, além de também apostar numa austeridade falida que nem a Troika quer mais defender.

E sequer foi competente para evitar que uma rebelião interna de sua ala coronelista pudesse a perder ambos para tentar salvar Cunha, a partir da não cassação dos direitos políticos de Dilma.

Mas essa explicação dá conta apenas do caráter institucional da conjuntura,não?

Sim,mas ele espelha outros aspectos que explicam porque esse movimento simboliza também uma ação da direita que é uma reação.

Um desses aspectos foi o surgimento de uma demanda social desde os anos FHC onde os direitos humanos se tornaram elemento central no debate em torno do Estado e da sociedade.

Essa demanda e essa narrativa se espalharam por anos a fio na formação profissional e acadêmica dos mais variados campos do conhecimento, especialmente como resposta à ditadura militar.

Os cursos que formam professores são cursos onde o debate de DH é extremamente presente.

Além disso, desde o fim dos anos 1980 essa demanda ganhou também o avanço e consolidação dos movimentos sociais e estudantis como elementos centrais da organização política da sociedade brasileira.

Nas favelas, vilas e bairros pobres houve um paulatino crescimento das organizações populares.

O debate em torno das questões de gênero, homossexualidade e transgêneros foi paulatinamente se construindo como elemento fundamental do debate do papel do estado e da sociedade na garantia de direitos.

E isso desde o fim do governo Itamar tornou-se uma demanda.

Nos governos FHC inclusive o debate em torno de DH foram muito mais ricos e democráticos que durante o segundo governo Lula e o primeiro governo Dilma.

Ampliou-se com Lula o acesso dos mais pobres, e pretos, à universidade, ampliaram-se as universidades públicas, aumentou o número de conferências que discutiam cultura, educação, saúde e comunicação.

Essas conferências foram transformadoras em vários sentidos, mesmo que usadas pelos governos como ferramenta de cooptação, porque estabeleceram minimamente organizações e participação popular a partir de bairros e municípios até Brasília.

Paralelo à participação em conferências ampliou-se também o número de movimentos e organizações que construíam lutas cotidianas e mobilização nos bairros pobres, favelas e vilas.

Se os partidos de esquerda cresceram, cresceram também as organizações não partidárias que dialogavam para além da juventude de classe média.

As igrejas também retomaram as organizações pastorais com fôlego, mesmo que muitas inicialmente distantes de qualquer similaridade com a teologia da libertação e fruto dos movimentos da direita católica.

As igrejas pentecostais também ampliaram seu papel de presença política de forma bastante feroz, com a entrada em peso de diversas denominações na política partidária, sendo em sua maioria de direita, mas também gerando movimentos de esquerda no interior delas.

Todos esses movimentos geraram o que?

Uma intensa politização da sociedade, e não o contrário, e uma direção clara de confronto entre as diversas forças organizadas.

Esse confronto ganhou fôlego nas redes sociais, mas também nas ruas.

Discute-se política hoje no cotidiano muito mais do que se discutia há vinte anos.

Apesar da limitação “teórica” desses debates ela é uma vivência política que explode em uma conjuntura de alvoroço.

De uma sociedade que romantizava direita e esquerda, e um caráter pacífico de uma cultura brasileira imensamente autoritária e violenta, temos uma politização que opõe ferozmente ideologias, conservadorismo ao feminismo, conservadorismo ao transfeminismo e luta LGBT e “democracia racial” às denúncias de racismo.

A “Pax democrática” da institucionalidade foi pro saco porque a política se tornou capilarizada em todos os setores sociais, em todos os bairros da cidade, em todas as cores de pele e condições sociais.

Por isso vemos anarquistas, comunistas e autonomistas confrontarem conservadores no Morro do Alemão ou entre adeptos do Black Bloc termos do playboy de Ipanema ao fudido morador de Santa Cruz e entre quem defende que Black Bloc morra desde o branquelo de Três figueiras ao pretinho de Vila Cruzeiro em Porto Alegre.

E é neste momento que o PMDB deixa de ser o endosso ao sisterma e se torna parte do sistema, adepto de um lado. E também é neste momento que o PT entra em crise e pode se desmanchar entre quem ainda dentro dele é esquerda e quem ainda dentro dele acha que pode recuperar a “paz social” do lulismo.

Por isso o PSDB mata quem dentro dele ainda sonha com o liberalismo clássico, e a política pós-rancor de Marina vira piada com seu programa liberal envergonhado e seu discurso que beira a omissão.

E Temer ao dizer que busca a pacificação pode até achar que cola, mas ninguém quer paz em lado nenhum. Um discurso fraco de um presidente fraco.

Nesse quadro onde a reação aos movimentos da sociedade de conquista ampla de direitos deixa de intermediar a “paz social” com discursos brandos e tentativas de acordo, qualquer espaço que a esquerda garanta de avanço é latifúndio.

E esses espaços não estão parcos ou poucos, nem a direita avançou sobre eles, ela tão preocupada em atacar e menos em ocupar,resistir e produzir.

Os espaços permanecem amplos e permanecem sendo ocupados nas universidades, escolas, associações de moradores,etc e devem permanecer sendo ocupados, com enfrentamento rua a rua, sala a sala de qualquer coisa que simbolize recuos.

Seja em comitês contra a PEC 241, seja em conselhos municipais, cada espaço é fundamental.

Também é fundamental que a esquerda que se organiza institucionalmente politize seus discursos. Porque é fundamental que a esquerda institucional vença as eleições.

E achar que a vitória de quem se identifica como esquerda nas eleições é conjunturalmente boa não me faz nem endossar o sistema, nem fazer campanha pra eles ou me identificar com a narrativa de menos pior.

A vitória eleitoral das esquerdas não só é boa como símbolo, porque interfere pouco nas lutas cotidianas e em vários sentidos até atrapalha,mas também em reduzir o avanço da direita sobre o Estado.

Além disso, a vitória eleitoral das esquerda traz um sinal pra direita, a questão é que a direita sempre reage ao sinal e a esquerda tende a confortar-se com a vitória eleitoral como se vitória fosse em todos os sentidos.

Uma vitória eleitoral das esquerdas deve ser tratada como oportunidade de luta contra hegemônica em possível expansão, e como meios de ampliar a audição de pressões da base pra cima, jamais como ponto final da luta.

Pra isso a esquerda deve prender-se menos no aspecto imediato dessas vitórias, e na leitura da política enquanto ocupação de espaço, e mais na organização da ocupação de espaços como meios de construir uma sociedade mais libertária.

O quadro conjuntural aponta para uma sociedade mais politizada, mesmo que sem a etiqueta de aprovação do marxismo elitista de galinheiro, e politizada à esquerda e à direita. Essa sociedade exige que a esquerda tenha ação e projeto, se organize enquanto ator que constrói uma percepção de sociedade e estado.

É hora de parar de calar quem discute gênero, transgênero, LGBT, ecologia, questão racial, questão indígena e horizontalização dos processos decisivos e atuar como ampliação da polifonia de questões a serem resolvidas nas sociedades e no estado.

É hora da esquerda aproveitar o ataque vindo do Escola sem Partido para discutir educação libertária em cada espaço e o quanto isso depende de mudanças drásticas na educação, que mande a “accountability” pra vala e organize-se enquanto elemento de construção de espaços cidadãos.m é preciso discutir educação integral, artes, esportes, ensino de História voltado pra pesquisa e formação intelectual e não pra memorização de datas e por ai vai.

É preciso hoje que a esquerda amplie seus espaços, e impeça o avanço da direita sobre os seus espaços nessa sua reação desesperada. Para além disso, é preciso que o debate saia do parco, deixe de ser em torno apenas da institucionalidade e se torna um debate em torno da própria concepção de mundo.

A sociedade está politizada o suficiente para que o debate ocorra,mesmo que parte dela queira matar a esquerda.

A ideia da unidade da Esquerda é uniformização e está mofada

unidade

O estabelecimento da ideia de unidade como valor fundamental pro anedotário da esquerda é algo bastante interessante e criativo.

Especialmente se a gente entender que o mito fundador da ideia de unidade perpassa a frase “A esquerda nunca se une, por isso que o capitalismo vence!” ou variáveis dela.

Bem, essa ideia é equivocada, pra ser muito gentil, porque se sustenta na ideia de unidade não contra o capitalismo,mas na ocultação das diferenças, todas transformadas em futilidade, e em torno de uma ideia que se abre como hegemônica (Muitas vezes com base na amplitude numérica os que a defendem) ou de um partido que se impõe como hegemônico (E do ethos que coloca as eleições como ferramenta de transformação).

Além disso, essa ideia oblitera as diferenças ignorando que independente de como estas diferenças se estabelecem todas combatem o mesmo inimigo: O capitalismo.

Dos sociais democratas com sua ideia de capitalismo humanizado aos anarquistas com a luta anticapitalista abraçada à luta anti-estado (E até anti-civilização) todos de alguma maneira combatem o capitalismo.

E é irrelevante se combatem o capitalismo bem, mal, se combatem o capitalismo e entre si tentando colocar quem mais tem razão,etc, no ato coletivo todos de alguma forma atingem o capitalismo com suas lutas.

Seja com ocupações ou com eleições de deputados, todos atrapalham o capitalismo de alguma forma.

Então por que a ideia de unidade se transforma na ideia de uniformidade na retórica da esquerda partidária?

Porque esta parte de pressupostos unitaristas e uniformizantes construídos a partir da ideia de centralismo, depois centralismo democrático, que já nasce em Marx no embate contra Bakunin na AIT e vira norma e esqueleto das organizações partidárias com origem na Social Democracia europeia do fim do século XIX até a fundação do Partido Comunista Soviético pós-1917.

Todos os partidos pós-Lênin abraçam a ideia de centralismo democrático de alguma forma, mesmo que não enquanto partido, mas enquanto valor presente nas tendências que os formam (No caso de PT e PSOL por exemplo).

Essa ideia grosso modo presume que o debate dialético se transforme em posição comum pelo acordo coletivo, mesmo que esse acordo se dê com a vitória da maioria sobre a minoria a partir de debates amplos e munuciosos.

Em resumo: o Centralismo Democrático presume que a posição coletiva se traduza numa posição unitária a partir do esgotamento do debate em torno de um assunto feito pela totalidade de um coletivo e este se convencendo que uma ideia é a melhor para todos daquele coletivo.

Isso em tese, na prática pode ser uma imposição da maioria sobre a minoria que por “disciplina partidária” a acata.

É tão óbvio que esse processo se constrói em torno de opressões que a própria esquerda marxista-leninista o discute e cria soluções relacionadas a ele, especialmente em partidos trotkistas, e parte da esquerda partidária sequer o abraça e inventa novas formas de debate, mas todos, ou praticamente todos, acabam virando o mesmo centralismo mais ou menos radicalizado em formas mais ou menos transformadas e “novas”.

Pouca gente saca que esse tipo de metodologia “inventada por Lênin” tem um tremendo elemento da cultura hierarquizada de fábrica, ou seja, uma tradução política do fordismo por Lênin, e no germe dela, e talvez da própria dialética marxista, tem um tremendo silenciamento dos sons pouco ouvidos, ou de minorias que não conseguem, por inúmeras razões, serem ouvidas na sociedade e também nas máquinas partidárias.

E é ai que o germe do mito fundador da unidade perdida nasce.

Sim, queridos, a ideia de unidade nasce da ideia de centralismo, que é construída em torno de silenciamentos.

E não só eu quem diz e nem apenas críticos do Marxismo: Rosa Luxemburgo e Alexandra Kollontai tem textos a respeito (E é sintomático que isso tenha partido de mulheres,não?).

Emma Goldman já no início do século XX apontava pro aspecto autoritário do Leninismo (que Trotski também seguiu).

Bakhtin, marxista, apontava pra ideia de polifonia como crítica necessária à dialética, que na síntese silenciava parte da polifonia de sentidos de uma sociedade ou objeto.

Bookchin a partir do segundo quartel do século XX fazia critica direta ao fordismo leninista.

E sim, até hoje essas críticas são deixadas de lado e a mitologia da unidade perdida segue.

Em tempos de eleição toda crítica é silenciada com base nesse trambolho sub teórico que é a ideia que a esquerda algum dia se uniu em torno de algo que não fosse a luta cotidiana.

Pesquisem sobre a AIT,as greves operárias do XIX, aqui inclusive, e sobre a própria revolução russa onde ao menos anarquistas e socialistas revolucionários ladeavam com o Partido Social Democrata Russo (De Bolcheviques e Mencheviques) na luta contra o Czar.

Claro que na construção da cosmogonia da Revolução enquanto evento escatológico e teleológico tudo isso foi esquecido e Lênin e seus Red Caps viraram semideuses que conquistaram tudo sozinhos e ainda tiveram todo o resto da esquerda atrapalhando a inexorável lógica de seus cérebros geniais.

Só que a gente pode ler tudo isso de outra forma e ver já em Lênin, e em toda a metodologia e obra, o germe do que viria a ser nítido: O autoritarismo de Stálin.

E não se libera nem Trotski, basta pesquisar sobre Kronstadt e Makhnovistas, sabe?

Escrevo tudo isso porque do silenciamento de críticas ao Fora Temer ao silenciamento de críticas à própria participação da esquerda em eleições, passando pelo silenciamento de quem lembra da participação do PSOL no voto a favor da cláusula de barreira que hoje o retira dos debates, sempre aparece a ideia de que a esquerda se prejudica porque está “desunida” e que com isso “abre espaço pra Bolsonaro”.

Percebem o tamanho da tolice?

Dizem isso porque a esquerda não está na mesma chapa em vários locais, como se unidade fosse sinônimo de participar de eleições e só se combatesse a direita em espaços eleitorais.

Como se cada seminário, cada ato, cada performance, cada debate, cada comitê contra à PEC 241, cada combate ao Escola sem Partido e cada ocupação fossem ilusões coletivas e não fossem em si um enfrentamento direto a toda a direita, seus valores e também, por tabela, candidatos.

Dizem que quem combate a participação da esquerda em eleições empodera Bolsonaro, quando ignoram o quanto emponderaram Bolsonaro ao criminalizarem as ruas em 2013.

Fora que ignoram que por essa lógica quem endossa as eleições também empondera Bolsonaro.

Além disso, todas as vozes da esquerda que combatem Bolsonaro cotidianamente nas muitas marchas antifascistas, nos embates contra Bolsonaro nas escolas e universidades, nos atos públicos, nas aulas públicas, nas universidades, escolas, favelas,etc, são transformadas em “cúmplices do empoderamento de Bolsonaro” porque não participam de eleições e/ou apoiam o candidato da esquerda partidária.

Que unidade defendem?

Dane-se se há unidade no combate à direita, se não houver unidade de apoio ao candidato da esquerda partidária não há unidade? Querem unidade ou uniformidade? Querem unidade ou silenciamento da diferença?

Essa atitude de esquecimento de que não existe apenas um valor de esquerda, e uma ideia de transformação e um caminho e que apenas o caminho descrito por Lênin a partir de Marx funciona chega a ser infantil, se não fosse um valor que rima com um messianismo teórico de quinta categoria.

Detalhe, ignoram as próprias transformações do marxismo.

Não à toa o machismo dessa esquerda, o racismo, o silenciamento de minorias e pautas, a imensa ignorância da pauta ambiental (Inclusive da própria releitura da ecologia em Marx ou a partir de Marx) campeia dentro da esquerda partidária brasileira atual.

Indígenas, Qulombolas, Transgêneros, tudo isso ou é ignorado ou instrumentalizado com a adaptação grosseira de pautas liberais em torno desses grupos sem nenhuma reflexão coletiva ampla.

Favelas, negros, genocídio, feminismo popular? Ou é instrumentalizado ou tratado com tutela.

Por isso o choque com o descrédito que parte da juventude favelada tem com partidos e o subsequente tratamento autoritário desses como lúmpem, pior ainda se se organizam junto a autonomistas e anarquistas.

Enquanto isso Fora Temer de Starbucks é louvado, e é sintomático.

PS: Pesquisem unidade no Google em busca por imagens e vejam a coincidência entre “Unidade” pra esquerda e pra grupos religiosos cristãos.

Política, performance, Temer e eleições 2018

Laerte

 

Alexandre de Moraes e Serra serão responsáveis pela inviabilização de Temer. Serra pra fora, Moraes pra dentro.

A tática de Moraes de meter mais armas e menos inteligência não funciona, o país não é SP.

Serra é um incidente diplomático atrás do outro e Macri não tem interesse nenhum em ser parceiro de Temer se pode ser concorrente em acordos com Uruguai e até com a Venezuela.

Lembrem-se, Macri tem um país pra tocar e essa agenda é mais importante pra ele que manter Temer, que nem o próprio Brasil quer.

As chances de Bolzonaro são mínimas, e caem a cada dia.

As chances do PSDB idem, podem tentar inflar à vontade, ainda mais depois do apoio direto a Temer e vinculação por Anastasia do sucesso tucano ao sucesso de Temer.

Que alternativas da direita existem? Ciro Gomes e Marina Silva, isso mesmo.

Ciro Gomes virou o queridinho de parte da esquerda porque fez o óbvio, se colocou tanto contra o PT e sua corrupção (Foi além, fez o discurso que o PT “aparelhava o estado”) quanto denunciou o golpe parlamentar que removeu Dilma e de lambuja ainda atacou o PMDB como antro de ladrões.

Ciro ainda caminha no tênue fato que foi ministro de Lula e de FHC, paga de terceira via.

Marina já defendia o programa neoliberal em 2014, deve manter a defesa com críticas ao tamanho da austeridade de Temer.

Além disso, tem pautas liberais e ecocapitalistas apetecíveis pras classes médias urbanas abraço na Lagoa e política enquanto performance pra exibição de consciência política amestrada.

Marina é favorita,mas Ciro pode vir a crescer, ainda mais com as prováveis quedas de Aécio ou Alckmin e com Bolzonaro mantendo-se no teto clássico da extrema-direita brasileira (algo entre 4% e 10%).

O PT pode ter em Lula uma alternativa, tem enorme popularidade, que se mantém mesmo com todos os incidentes e o impeachment, e mesmo enfrentando uma enorme resistência de parte da população deve se beneficiar por mudanças de ideia de parte desta mesma população com o provável aumento do desgaste de Temer e seu pacote de destruição da CLT, SUS e uber austeridade pros pobres e aumento de benefícios aos ricos.

A política externa fanfarrona de Temer deve cobrar seus preços no comércio exterior, e a política de tiro, porrada de bomba de Moraes deve ampliar o já altíssimo grau de violência nas grandes cidades, onde as vítimas são em sua maioria pobre e preta.

Nesse cenário o PT deve retomar parte do apoio popular que perdeu, até porque todos os movimentos feitos pelo PT receberam apoio de boa parte da esquerda partidária e da esquerda ex-partidária independente que foi muito competente em brandir as bandeiras de golpe e “fora Temer” de forma acrítica e performática, ampliando a propaganda eleitoral antecipada pra o PT 2018.

Acrescente a esta receita a divisão entre a própria direita entre Bolsonaro, Aécio e até Temer, a atração de Marina, que deve atrair os liberais e sociais liberais com seu programa (Pode atrair até parte do petismo mais favorável ao neoliberalismo com tintas sociais) e temos um bom caldeirão pro PT ir bem nas eleições e disputá-las com Marina.

Neste quadro até sem Lula o PT tende a ir bem, inclusive porque perde a rejeição enorme que Lula tem por parte da população.

O PSOL depende demais do resultado das eleições municipais, sem um a dois prefeitos a tendência é ficar nos mesmos 2% de sempre.

Com a eleição de Freixo e/ou Luciana Genro ambos podem vir a ser candidatos, com Freixo sendo o mais popular e qualificado e podendo crescer nos flancos do PT e da REDE.

Erundina também é uma alternativa, se a filiação democrática do RAIZ permanecer.

Freixo pode ir além dos 2%,mas é uma incógnita que aceite, mesmo se for prefeito do Rio, porque depende demais de seus interesses imediatos mais que dos interesses do partido.

Luciana é mais partidária, digamos assim, que Freixo, mas tem menos punch e já foi candidata, e não tem exatamente enorme simpatia interna.

Erundina tem tudo pra ser uma candidata de fôlego e juntar o melhor de dois mundos, fazendo ainda ponte com o movimento raiz que pode ser uma alternativa de esquerda mais orgância que o PSOL e com ideias mais ou menos novas.

O problema é que até lá Temer, com Moraes e Serra, devem ter destruido CLT e SUS.

Apenas se a crise conseguir piorar e Temer se tornar um empecilho, e por isso vir a ser removido via TSE, podemos ter um 2017 menos caótico, porém é um cenário bem improvável.

Sem CLT e SUS, e todo o debate em torno de candidaturas e movimentos que vem sendo feito, aqui e na política cotidiana, com todos os atores da institucionalidade se movendo em torno das eleições pra presidente, a vida da população vai piorar muito.

Em um ano Temer pode ter o efeito de uma catátrofe natural pro país.

E as ruas estão vazias.

A maior parte dos movimentos de resistência que vem sendo feitos não são de membros de partidos e da maior parte da esquerda, empenhada em eleger vereadores e ampliar suas chances pra eleição pra presidente.

Só que o cerol não para, a câmara não para, as leis são votadas, os projetos encaminhados, as universidades públicas vão sendo inviabilizadas e a treva se aproxima.

O que vamos fazer até lá?

A direita e a esquerda desenham esse quadro que desenhei todo dia, várias vezes.

Analisa-se com detalhes as chances eleitorais de cada um, mas enquanto isso as pessoas morrem, ficam desempregadas, direitos caem e o que faz-se? Performance.

Direita e esquerda ignoram o real a seu redor e a construção de ferramental de leitura do real para transformá-lo, ou aprimorá-lo no caso dos defensores do status quo, mas focam todos os seus esforços na performance.

Não interessa debater a sério entre esquerda e direita a questão da exploração do trabalho.

Dane-se se a esquerda tem claro que o trabalho é explorado com apropriação de mais valia pelo patrão e a direita liberal tanto sabe que o trabalho é explorado que toda empresa e faculdade de administração tem o departamento e a discussão de Recursos Humanos.

Porque trabalho, gente, são recursos a serem explorados, mesmo pra direita liberal.

Claro que recursos humanos é um enfoque diferente do trabalho sendo explorado enquanto apropriação de mais valia, só que ambos os casos são enfoques diferentes a partir de suas matrizes ideológicas.

E o que direita e esquerda fazem com isso? Banalizam o debate, não se busca mais investigar as concepções de cada um para aprimorar percepções,mas vencer o debate, e ai morre o diálogo e nasce a performance retórica.

Construir o argumento de forma sofismática e espetacular é mais importante que construir um argumento com o estabelecimento de fundamentos firmes e fortes, letra a letra, frase a frase, percebendo uma centelha de realidade, revelando-a.

Vencer é mais importante que entender.

Claro que o diálogo colocado aqui não é o da mediação e do acordo, mas o do embate onde as teorias fluem e se tornam transformadoras.

Por essas e outras que direita e esquerda perderam o humanismo, abrem espaço pra novos fascismos e stalinismos e tornam-se cada vez mais hordas de imbecis performáticos incapazes de uma leitura mais complexa da realidade.

Quantos liberais se sentem representados por quaisquer candidatos da dita direita e quantos socialistas se percebem representados pela esquerda?

Qualquer ambientalista sério se esforça demais na construção de ilusões para ver-se em alguma candidatura, seja o ambientalista de direita ou esquerda, se for honesto consigo mesmo e analisar a agenda ecológica de cada um.

Porque a performance é substituta direta da política, e é prima-irmã da ascensão dos novos fascismos.

As fotos de Moro, o “Fora Temer”, o “Tchau Querida!”, a “Nova Política” a “Primavera Carioca!” são todos elementos de performance enquanto política, com mais imagens e sons que argumento.

Tudo é produto, tudo é marketing, tudo é a captação do espectro anímico da população e nenhuma ação de debate a sério sobre a sociedade e o que fazer com sua relação com o estado.

Os ministros agem, e agiam, como pantomimeiros. Cada declaração é uma frase feita, dane-se ao que e a quem atingem.

É Moraes e “Pesquisa-se demais, precisamos de mais armas!” e Serra chamando o embaixador do Uruguai às falas por uma acusação de corrupção feita contra ele mesmo (Big Stick versão SBT) de um lado e Dilma “Não fazemos propaganda de opção sexual!” de outro.

E são tantas emoções e outros exemplos que nem vos conto.

E as propostas para as cidades?

Zero de Tarifa Zero, nada de programa de erradicação dos combustíveis fósseis, nada sobre VLTs ou transportes limpos.

Nada de rever a produção de alimento a nível local reduzindo preços e pegadas de carbono.

Nada, nadinha de debate sobre conselhos municipais de governo, de orçamento participativo, nada.

O que há é uma cacetada de proposta vazia, mas boas de performance.

Uma delas é a de “maior participação popular” que gira em torno de plebiscito e formulação de leis, nenhuma proposta séria de construção de governo democrático via conselhos, ampliados e deliberativos.

Mas tá tudo bem, esquerda e direita estão nas performances, tá tudo teatralizado e programado pra emocionar.

Anarquistas e autonomistas nas ruas e nos debates chamam pras ações,mas provavelmente não são bem vindos nas casas legalistas do partidarismo equestre.

E CLT e SUS morrendo junto com as públicas.

Mas não desliguem, hoje tem espetáculo!