Entre o otimismo da vontade e o pessimismo da razão

images.jpeg

O Governo Jair Bolsonaro expõe as tripas da direita e da elite em praça pública, mas também expõe o imobilismo e a incerteza de uma esquerda que ao mesmo tempo que se organiza no âmbito institucional se fragiliza no espaço público, na rua.

E isso ocorre porque esta mesma esquerda nos mais variados graus prefere se esconder em ambientes controlados do que arriscar a disputa pelas consciências na rua.

Esse fenômeno já ocorreu a partir de 2013, quando parte da esquerda, inclusive a dita esquerda radical (De PSOL a PCO), preferiu criminalizar arroubos de ação direta destrutiva a discutir e disputar essa galera que quebrava vidraça.

Se preferiu, do alto de uma razão irracional e negacionista dos movimentos históricos, por água no moinho da criminalização, de processos, despolitização e violência policial contra os mais radicais (Parte dos socialistas, anarquistas e autonomistas) apostando numa manutenção no poder por inércia de uma ex-querda cada vez mais social-democrata (pra ser gentil) que fazia acordos pornográficos com a extrema-direita entregando anéis e dedos achando que o lulismo sozinho sustentaria dinastias de democratas com pendores sociais no Planalto.

À criminalização pelos discurso se seguiu a criminalização pela justiça, pela polícia, especialmente depois da mal explicada morte do cinegrafista Santiago, com uma nova geração de esquerda vendo novas lideranças não alinhadas à esquerda partidária ser presa, processada, ver a vida ruir e seguir sendo transformada em pária por tentar mudar o mundo.

De Gilberto Maringoni (PSOL-SP) e parte das correntes do PSOL atacando autonomistas e anarquistas (FIP, etc) como “Vândalos protofascistas” até Tarso Genro e Agnello Queiroz (governadores do RS e DF, respectivamente, eleitos pelo PT) enviando suas polícias atrás de ativistas (entre eles ativistas do PSOL), a folha-corrida que mancha a trajetória das esquerdas, com as digitais no esvaziamento da rua pela esquerda com sua ocupação pela extrema-direita, é algo continuadamente omitido pelos mais simplórios e rasos emissores de “análise” sobre as conjunturas, e que hoje acham lindo eximir Dilma de culpa pelo seu ocaso.

Não à toa há um coro de animação histérica sobre revoltas mundo afora e que adora Cânticos dos cânticos da euforia alucinada que repete “Não passarão” para o fascismo, enquanto eles não só passam como dão ré. O problema é que esse coro não rima com o movimento.

O grau de organização e organicidade dos discursos de redes sociais é perto de zero, e mesmo com o crescimento de organização e organicidade de uma revolta palpável nos partidos de esquerda(difícil medir em organizações autonomistas e anarquistas, mas apostaria que também está alta a procura de organização), isso não tem se refletido numa mobilidade de ação que mantenha essa galera entusiasmada.

E parte do problema é que se vende sonho, não se vende o trabalho e a organização necessária para agir e transformar.

Não é um fato incomum para a esquerda o discurso que alimenta “primaveras” não ir além do conversê pra organizar essas primaveras.

Porque transformar exige tocar em vespeiros (homofobia, racismo, machismo estruturais, por exemplo), e ninguém quer tocar em vespeiro e arriscar perder voto, ou poucos topam o risco.

Mais seguro gravar com o Quebrando o Tabu.

As manifestações pela educação foram maiores do que as contra a Reforma da Previdência e pouco se tentou aprender com isso. Pior, pouco se tentou avançar no debate sobre educação em si, pouco fomos além do debate que discute o quanto a universidade precista ir mais pra rua e divulgar sua serventia.

A questão é que a educação atinge todos e especialmente atinge uma galera em formação que mesmo tendo sido pega pela perna pelo Novismo liberal, percebe que a vida não é filme, você não entendeu, e foi pra rua discutir e disputar a necessidade de universidades públicas, porque sentiu na pele e isso lhes deu experiência, experiência que é a base da formação de consciência.

Já a Previdência é um campo onde a disputa está com quem já está às vésperas de se aposentar ou é adulto e tem convicções menos flexíveis com relação a seu dia a dia e seu futuro, convicções que por vezes lhe são deletérias.

A aposentadoria é, pros mais jovens, uma utopia, um futuro, que hoje quase não mais existe.

E o bombardeio sobre o quanto a Deforma da Previdência era necessária, é algo que beira os vinte anos e buscando exatamente sua destruição. Qualquer opinião que revelasse ser uma manobra de opinião pública tinha oitocentas dizendo que a esquerda era negacionista.

Destruir o ensino público ninguém vai dizer às claras como disse que era preciso destruir a previdência. E mesmo assim não conseguiram passar a capitalização.

A questão é que o fôlego da resistência via educação parou, e por quê? Porque parte dos atores que estavam envolvidos na não construção concreta da resistência à Deforma da previdência percebeu que perderia o controle da indignação se continuasse a apoiar os movimentos contra o desmonte da educação, pior, ainda comemora como vitória a manobra do Desgovenro Bolsonaro de, a dois meses do fim do prazo para sua utilização sem que isso impactasse no exercício de 2020, liberar recursos cortados em março.

Mas parou o fôlego? Não exatamente, apenas se reduziu e agora precisa de mais esforço para reavivar a chama, especialmente quando é visível que o neoliberalismo está nas cordas por conta dos movimentos de resistência no Equador e Chile.

Mas como lidar com isso se a esquerda via de regra prefere agir como coro de contente em rede social do que segurar o rojão de organizar, filiar, agir para concretizar seu aumento nos espaços possíveis.

Há interessantes campanhas de filiação, ao PSOL por exemplo, mas isso basta?

Não, porque é preciso existir ações públicas cotidianas que façam as pessoas se sentirem úteis, é preciso também curso de formação abertos e didáticos, com o cuidado de jamais se tornarem cursos de doutrinação (não dá pra confundir formação com proselitismo de dogma), e são muito precisos meios de ação de convencimento para além de divulgação de atos e ações.

Isso tudo é uma ideia de construção de organização partidária, há outros caminhos possíveis, e é didático pra evitar que militância se confunda com a enojante mistura de culto à personalidade com discurso esfuziante de uma alegria militante que nada faz além de divulgar um “Não passarão!” sem práxis que impeça o fascismo de passar.

Porque é disso que faz parte da militância, que confunde a necessária ação contra o desânimo, focada na nossa memória e nos nossos fetos, com uma falsa felicidade estagnada que não constrói porra nenhuma e ainda fica saudosa de péssimas experiências porque hoje estamos literalmente fudidos na mão de um presidente com banca de miliciano.

Não, amigos, não estamos vencendo. Estamos perdendo de um time ruim por 7×1, o gol que fizemos foi de honra e o fato de outros times estarem virando o jogo, ou perto de iniciarem a virada, não faz da esquerda do Brasil mais do que observadora enquanto a extrema-direita vem de novo ameaçar nosso gol.

A mobilização do Chile está vencendo a extrema-direita, mas é lá, não é aqui e não estamos fazendo muito para trazer aquela indignação pra cá, além de comemorar e chorar vendo a foto dos outros, enquanto mugimos “saudades do meu ex” e achamos Maia democrata.

Com o Desgovenro Bolsonaro em derretimento acelerado e sendo questionado por elite e direita, sentamos em cima do gol de honra marcado em março com nossas mobilizações pela educação e achamos que tá bom porque dá pra esperar de um a três anos (dá?) pra demover Bolsonaro de sua cadeira que mancha de óleo nosso litoral e a vida de pescadores e povos originários, amplia o número de feminicídios e crimes de ódio, queima a Amazônia e avança sobre terras indígenas.

Não adianta pedir a queda de Salles e Weintraub se o chefe deles poderá nomear outros dois canalhas.

Não adianta ter medo de Mourão ignorando que a bola da queda de Jair tá quicando na nossa frente e a gente tá deixando Maia e Toffoli o manterem no poder enquanto as digitais do assassinato de Marielle, rachadinhas e aparelhamento criminoso do poder avançam sem suar.

O otimismo da vontade do nosso discurso é delusional e tenta calar o pessimismo da razão que explicita nossa imobilidade.

Sim, a imprensa liberal erra ao dizer que a esquerda está parada na institucionalidade, porque nessa ela não está, mas acerta, sem mirar lá, pra dizer que ela tá omissa na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapé,

Com exceção dos indígenas, povos originários, Sem teto e Sem terra, o restante da esquerda tá olhando pra ontem, e em vez de ser pra revolução Russa tá olhando pros governo Lula como se fossem o Reino Encantado de Aruanda.

A gente precisa do pessimismo da razão, porque estamos perdendo e o fato do time de lá ser ruim e o juiz ter cansado de roubar não transforma o resultado uma vitória.

Mas também precisamos de um otimismo da vontade real, que faça com que, mesmo com todas as tretas, a gente levante no dia seguinte e faça acontecer as organizações, os atos, as produções de conhecimento e programa, as ações necessárias.

O otimismo da vontade não é um alento pro pessimismo da razão, mas o combustível pra, de forma realista, transformar a realidade que faz a razão ver tanto pessimismo.

É fundamental sairmos do transe que sonha com a volta de Lula como nosso Dom Sebastião de Garanhuns e pormos em prática movimentos de organização e organicidade que permitam que a conjuntura mude e que ele possa ser o Dom Sebastião de Garanhuns pra quem precisa de um homem pra chamar de seu.

Temos que pôr em prática movimentos que permitam que saibamos quem mandou matar Marielle e porque Jair, Flávio e Queiroz estão desde sempre produzindo canalhice e fake news sobre ela.

Pra sairmos do transe é preciso construir meios de irmos pra rua, é preciso fazer banquinha com material, discutir no cotidiano, filiar gente, chamar passeata, cobrar as lideranças porque não estamos agora gritando “Fora Bolsonaro!” e estamos tentando derrubar ministro.

Há um latifúndio para nosso otimismo da vontade ocupar e há uma conjuntura violenta que o pessimismo da razão precisa ver.

E pra vencermos é fundamental agirmos com o primeiro, enxergando com o segundo.

Como enfrentar o fascismo, Jair Bolsonaro e spoilers de IT – A coisa

Mobilização nacional antifascista contra a conferência neonazi

Há anos a cada postura de algum movimento, partido ou figura pública de esquerda chovem repúdios a esta ação, postura ou política. E com ele chovem também essencialismos, com se não fosse possível uma esquerda eleitoreira ser tão esquerda quanto uma esquerda antieleição.

Da mesma forma quando surgem notícias ou falas de policiais antifascistas, o mesmo movimento que elogia o surgimento em instituições tão violentas e avessas à democracia, fãs do fascismo mesmo, surgem críticas essencialistas que informam a todos nós, pobres idiotas, que é impossível um policial, que até outro dia era uma pessoa, ser antifascista, num suposto essencialismo que cola na pessoa que optou por ser policial um DNA fascista.

Freixo e Sâmia gravaram vídeo com Janaína Paschoal e Kim Kataguri? Traíram o movimento. O PSOL é mais institucionalidade que rua? Ex-querda.

Ok, é do jogo, faz parte do dissenso inclusive a estupidez. O que incomoda é a ausência, via de regra, de soluções que construam sob o ponto de vista de quem taca a pedra, o que eles colocam como alternativa.

Tacar a pedra é fundamental para que olhemos pra Freixo e Sâmia e coloquemos o quanto é limitada essa aproximação com setores liberais que propagam uma tolerância ao intolerante que eu, pessoalmente, não embarcaria para participar, mas jamais pra dizer para eles e quem quer que entenda ser possível esse tipo de ação, por índole, práxis ou desejo oportunista, que seja, que não façam porque é trair o movimento.

Trair o movimento, a esquerda, etc é votar a favor da Reforma da Previdência ou se omitir diante de um canalha que diz que discurso de ódio tá ok se o alvo for um comunista, isso é trair o movimento.

Qualquer movimento de diálogo, e diálogo não é conchavo, não é trair nada,é só um movimento, e um diálogo. E diálogo expõe a ambos os interlocutores ao escrutínio público e com isso expõe a este mesmo público a possibilidade de saber o que é cada um e que a prática é o critério da verdade.

Da mesma forma atacar como “eleitoreiro” quem historicamente tem um perfil de atuação mas institucional que de rua e de capilarização via núcleo, como o PSOL, por ser, pasmem, mega institucionalidade e com eixo político rolando em torno de suas figuras públicas, mesmo que sim tenha mais rua que a maioria de movimentos e partidos de esquerda é no máximo dizer o óbvio, mas e a construção de rua e do que se deseja ser o principal vetor de movimentos, é tarefa apenas de um partido? Se ele não é o que tu queres que ele seja o que se organiza como alternativa além do papo?

E sim, estou dizendo o óbvio: pouca coisa é mais impotente do que o sommelier de como outros partidos/movimentos são sem construí-los ou construir alternativas ou construir alternativas que não tem, lamento, capilaridade e peso institucional ou de rua compatível com a indignação sobre o outro.

Da mesma forma os ataques aos policiais antifascistas é lamentável, porque é uma recusa a organização de dentro de instituições de resistência a ethos que compõe a cultura delas. Essa lógica é prima irmã da que trata religiosos como idiotas irrecuperáveis ou que essencializam o ser de esquerda com alguém fora do mundo, angelical, portador da razão, guia genial dos povos.

Cada policial antifascista é menos um policial fascista, viu? E os caras sofrem retaliação, sem contar, em forças de segurança cada vez mais milicianas, estão sob risco REAL de morte.

O interessante de tudo isso é que todos tem uma receita de como reagir e resistir ao fascismo, como combater Bolsonaro, spoilers de IT – A coisa e a contratação de Oswaldo de Oliveira, mas ninguém, olha só, faz CONCRETAMENTE, porra nenhuma pra expor isso de forma real, diária, cotidiana e visível.

Sua organização ou você já puxou no teu bairro rua, padaria, cidade o Fora Bolsonaro ou se movimenta pra isso? Tentou se organizar em um movimento/partido/clube do Bolinha que construa algo assim, mesmo correndo o rico de ser minoritário? Porque é disso que a gente tá precisando, de mais gente, pros contrapontos estarem na rua, no chão se opondo inclusive aos discursos que norteiam partidos como o PSOL, do qual faço parte e não de grilos falantes impotentes, diletantes e estagnados que pouco fazem além de torrar o saco.

O Freixo tem boas relações com o Frota, que faz bullying gordofóbico com a Sâmia? Acho que ela e ele são adultos e tem capacidade concreta de construírem entre si,, sem a nossa tutela, a crítica e autocrítica necessária diante disso e que a Sâmia, olha só, seja adulta e capaz de defender a si mesma sem a tutela de um macho.

Os Policiais Antifascistas são membros de forças de segurança racistas e fascistas? Eles não só são como têm consciência disso e se arriscam a ir contra a maré.

O PSOL luta mais na institucionalidade que na rua e foca mais nas eleições que na organização diária? Meia verdade total, tem rua e tem eleição, tem mais institucionalidade que deveria, mas tem diariamente construção coletiva de resistência país afora em mobilização que se constrói para além de voto, mesmo visando o voto. Mas é sim um partido com forte teor eleitoral e institucionalista, só que, olha só tem outros partidos, viu? Tem movimentos autônomos, anarquistas, budisto-maoístas, fãs de Doctor Who e de Midhunter, cosplay de Naruto, etc. Organiza-te neles, constrói a alternativa!

A questão é reduzir a TUA solução de luta a uma solução que PRECISA SER universal. Não, não é, nunca será.

Mas não pode criticar, Gafanhoto? Pode, pode pra caralho, o que não pode é criticar a Tartaruga por ter casco e a Tartaruga que tira o casco por ter tirado.

A crítica a Freixo por conciliar, coisa que ele ASSUMIDAMENTE faz, declara, discursa, anos a fio, inclusive conciliação de classe, mesmo dizendo que quem governa pra todos tá mentindo pra alguém (No que ele acerta), é criticar a Tartaruga por ter casco.

Freixo, PSOL, Sâmia, Bakunin, Senhor Myiagi, todos tem seus limites e características que compõe o caminho deles e os deixa expostos a nosso julgamento.

Dá, ao saber que obviamente Freixo é um conciliador, que não é revolucionário, optar conscientemente por tratá-lo como o inimigo que ele não é?

Da mesma forma tratar policiais antifascistas como a mesma coisa que o policial que mata a Ágatha é de uma estupidez atroz. Qualquer cunha de resistência dentro de institucionalidades autoritárias, racistas e de forte ethos fascista é fundamental para tentar movê-las para outro caminho.

Ou alguém tem a ilusão que com uma exceção de conjuntura revolucionária real vamos acabar com a polícia?

A ideia de que há uma solução única pra combater o fascismo, Bolsonaro e spoilers de IT – A coisa é, ela em si, autoritária e interditadora de discursos. Não, não há. A realidade é complexa demais, há trocentas coisas para mudarmos, há oitocentas estruturas a serem derrubadas e erguidas outras ou não. Há coisa demais a ser feita que uma só percepção é, ela em si, censória.

Há uma necessidade atroz de forte oposição parlamentar, de forte oposição eleitoral, de forte ação de rua, de forte ação de capilarização de esquerda, de enorme contingente de esforços dentro e fora das institucionalidades de transformação da cultura como um todo.

O que não dá é confundir a necessidade de oposição em todos os aspectos com uma uniformidade acrítica, nem transformar a crítica em ação de destroçamento de uma oposição que tu discorda de como é feita.

Bolsonaro tem enorme impopularidade, por exemplo, e precisa de gente na rua convencendo quem votou nele que ele é um câncer, mas também precisamos de parlamentares pra dizer isso na Câmara e policiais pra dizerem isso na delegacia.

Você acha que o policial que vê a gente dizer que policias e moradores das periferias morrem em igual número e que o governador que chama ele de herói não vai dar aumento pra ele e tá pouco se fodendo com a várzea emocional que a guerra aos pobres causa nas forças policiais da mesma forma que vê quem diz que o policial tem que morrer mesmo?

Não, o policial não deve morrer, nem matar, e mesmo que eu, pessoalmente, tenha uma enorme dificuldade em me solidarizar com a morte de policiais, que em sua maioria nunca esconderam que são partícipes, cúmplices, da política genocida de governos. Essa dificuldade minha não torna em ela correta, longe de ser uma culpa cristã essa afirmação, nem a ideia de que o policial deixa de ser vítima do genocídio que pratica, os que praticam.

Policiais historicamente se isolam, pedem transferência, trabalham longe de casa e da família pra fugir de grandes concentrações de adeptos de esquemas, assassinos, esquadrões da morte,etc. Policiais são gente pra caraba, um enorme contingente, e convivem nele genocidas e pessoas honestas. Não sabemos a quantidade, podemos até dizer que a maioria é de canalha, mas é fundamentalmente importante defender quem resiste.

É fundamental que entendamos que situações complexas exigem soluções complexas, polifônicas, multifacetadas.

Menos apocalipticismo que paga de fodão ao dizer o óbvio, que, por exemplo, Jair Bolsonaro fez na ONU discurso pra alimentar o foro interno (Ignorando que ali ele também dialogou com Sauditas, Orban, Trump, Vox e outros fã de Bannon), e mais ação.

E ação significa também modular o discurso, produzir o combate ir menos na veia de quem tá do lado e mais na veia do fascismo.

Construir matrizes de padrão negativo nas métricas de redes sociais envolvendo fascistas é tão importante quanto construir núcleos na periferia, de preferência sem tratar a periferia de forma colonialista.

Da mesma forma é mais importante atacar democratas que se omitem em detrimento do ataque a democratas que resistem. Como é fundamental entender que qualquer brecha aberta no discurso e na imagem de gente autoritária que tá tentando reposicionamento de marca pra se descolar de Bolsonaro é muito bem-vinda.

Não há uma fórmula única de combate ao fascismo, a Bolsonaro e aos spoilers de IT – A coisa, inclusive porque no cotidiano, na realidade, no processo dialético do real, não há fórmula única nenhuma.

Estamos em crise climática, civilizacional, com a democracia internacionalmente sob ataque, em avanço do genocídio de pobres em nome da guerra às drogas, então sim, de Sanders a Freixo, passando por autonomistas, anarquistas, okupas e movimentos de combate à carreira musical do Sambô, todos os movimentos que põem as civilizações em combate à barbárie são bem-vindos.

A dialética não precisa realmente de síntese, a polofonia que reage à antítese é uma bem-vinda sonoridade que rima com a diversidade, e a biodiversidade, dos espectros políticos que agem em prol da vida.

Nesse momento a unidade que precisamos é menos a uniformidade acrítica e mais a compreensão que nessa trincheira é extremamente importante sabermos quem somos e nos respeitarmos por isso.

O avanço conservador, 2019, o laranjal de Bolsonaro, a autocrítica do PT e outras histórias.

Edvard_Munch_-_The_Scream_-_Google_Art_Project.jpg

Uma das coisas mais insuportáveis do universo e tudo o mais são os engenheiros de obra pronta, os profetas do já acontecido, os portadores da obviedade.

No entanto, é preciso deixar claro que determinados acontecimentos, como o do avanço conservador, são fenômenos observados há muito por diversos autores, leitores do real, jornalistas, blogueiros (eu mesmo falo disso desde 2004 e tenho textos neste endereço ou no endereço do blog no Blogger, desde 2011), e ninguém pode se dizer desavisado.

Olavo de Carvalho tinha atuação constante, assim como Rodrigo Constantino, em redes sociais desde o surgimento do Orkut. Inclusive o apelido de “Spanta tubarões” ou “Rodrigo Spantantino” tem múltiplas origens, mas uma delas vem da defesa dele no Orkut, e em seu blog pessoal, de que os tubarões só são ameaçados de extinção por não possuírem donos. E isso é de 2006, ou seja, doze anos atrás.

Duvida? Leia nas palavras do próprio Rodrigo Constantino em seu blog (O link tá em cache porque o Google está analisando possíveis violações dos padrões do Blogger pelo autor):

Por que os tubarões podem estar ameaçados de extinção, mas as vacas dificilmente correm tal risco? Por que é absurdamente raro que uma pessoa lave um carro alugado antes de devolvê-lo? Por que a floresta amazônica anda sendo devastada em ritmo acelerado e sem responsabilidade? Apesar de aparentarem desconexas, essas perguntas estão intimamente ligadas, pois a resposta é a mesma para todas: direito de propriedade privada.

Os tubarões, no meio do oceano, não possuem donos, diferente das vacas, com proprietários bem definidos. O carro alugado, apesar de ter um dono, não está sendo utilizado por este quando está alugado. E o cliente não lava o carro justamente porque o carro não é dele. Da mesma forma, a floresta amazônica é tão mal tratada e explorada justamente pela ausência de uma propriedade privada bem definida.

Em resumo: o avanço conservador não ocorre do nada, ele é parte de um processo que vem em curso em paralelo à chegada do PT ao governo, que foi confundido com a chegada da esquerda ao poder, e nos trouxe, como se fosse um trabalho de Sísifo, de volta a quadros que ocorreram em outros partidos onde a esquerda chegou ao governo.

Se recuarmos na história podemos falar dos partidos sociais-democratas europeus do início do século XX pré chegada do nazifascismo ao poder, passando pelas sociais-democracias inglesa, francesa, escandinava e alemã no pós segunda guerra, idem nas sociais-democracias portuguesa e espanhola pós ditaduras de Franco e Salazar e chegando ao PT de Lula nos anos 2000 e teremos resultados, e processos, tão similares que chega a irritar. Até porque repetição de processos históricos é impossível, mas existem similaridades enormes na condução das esquerdas no governo, e que tem um vasto campo de trabalhos discutindo exatamente como se dão estes processos de burocratização nos partidos de esquerda, a cooptação de movimentos sociais pelos governos, etc.

Essa certa regularidade de movimentos, que se adéquam a processos históricos políticos específicos, se organiza dentro de um marco de metodologias parecidas e que podemos dizer que tem como eixo a organização dos partidos sociais-democratas europeus do século XIX em diante e também das estruturas organizadas pelos partidos de origem marxista-leninista. E por que isso? Porque a esquerda se entendendo internacionalista importou experiências e definições de como agir de sua origem europeia, a própria organização dos partidos se estabelece, na social-democracia ou na esquerda socialista, a partir de definições europeias. Esse dado não significa que toda a esquerda ou social-democracia vai naturalmente descambar para burocratização e cooptação de movimentos, etc, mas que há uma metodologia de organização que une as experiências e que a partir delas pode explicar o fenômeno de burocratização ser tão comum e “reproduzido” na história dos partidos da esquerda.

E o que isso tem a ver com o avanço conservador? Bem, quando a esquerda amplia sua burocratização ela tende a cooptar os movimentos sociais, reduzindo sua mobilização e sua ocupação dos espaços públicos, retirando-os das ruas, limitando suas ações nas lutas e através disso passa a torná-los braços do estado, ao qual passam a defender, assim como os governos de esquerda, reduzindo a ação de grupos contestatórios da própria esquerda e abrindo as brechas, não há lacuna em política, para a ocupação dos espaços públicos, pelo discurso conservador e com isso sua maior participação no cotidiano político da ordem.

O avanço conservador reduz os espaços de atuação da esquerda e amplia seu arco de apoio populacional e ampliação das brechas que se inserem nos erros da esquerda no governo, o que em caso de crise, vimos isso de 2013 pra cá no Brasil, denota o início de uma ocupação da direita e até da extrema-direita, nos governos, retirando a esquerda dali e apoiando-se no ataque aos poucos e parcos avanços promovidos pela esquerda quando ocupante da condução provisória do Estado.

O processo parece simples de ser descrito, e até é, mas é algo que fica mais claro apenas com o tempo. E nem assim por vezes. Cinco anos depois do PT no governo federal, e ainda o PT, PSDB e MDB nos estaduais, promoverem uma caça aos movimentos de esquerda que participaram de 2013, poupando os movimentos de direita, que dali em diante tomaram as ruas, ainda há elementos da esquerda, não só do PT, declamando aos quatro ventos, como se numa instalação artística sobre a estupidez, que 2013 gerou a direita, o MBL e tudo o mais.

A existência de um governador do PT ter perseguido militantes do Bloco de Lutas em suas residências em Porto Alegre, Agnelo, também do PT, fazer o mesmo em Brasília, Cabral organizar um ataque, que ainda está em curso, sobre a FIP, movimento de frente autonomista de esquerda, no Rio e Alckmin sobre o MPL em SP (O prefeito era Haddad), não permitiu ainda que parte da esquerda pelo menos tente parar de culpar a esquerda não alinhada com o PT de erros cometidos pelo Partido dos trabalhadores e que deram aos tucanos e mdbistas o salvo conduto para tocarem o terror em ativistas e até em quem apenas passava pelos locais, como Rafael Braga, preso por portar Pinho Sol.

Nada disso é novidade pra ninguém, principalmente para quem acompanha esse blog, mas é preciso que seja repetido sempre até que apenas parem de ignorar as próprias falhas na construção do campo da extrema-direita que agora está no poder. Porque não basta atacar a esquerda nas ruas porque era oposição ao PT, mas o PT também fortaleceu o PSC de Marco Feliciano (E de Bolsonaro até 2017) no congresso ao permitir que este ocupasse a CDHM na câmara, dando o primeiro grande palanque a Bolsonaro em sua luta contra as minorias e ataques cotidianos a Jean Wyllis e Érica Kokay (Do próprio PT e que criticou fortemente o partido por ter aberto mão da CDHM em nome da governabilidade), também se omitiu, dando de novo palanque a Bolsonaro, quando Luíza Erundina propôs a revisão da lei da anistia na câmara e o partido atuou para arquivar o projeto e não se indispôr contra as forças armadas.

A ideia e a sensação de ocupação perene do Planalto foi algo que se repetiu nos processos anteriores de burocratização de outros partidos de esquerda pelo mundo afora, e ai quando se acordou já era.

Os próprios outros partidos da esquerda foram, e são, terrivelmente atacados pelo PT ainda hoje, mesmo depois da derrota pra Bolsonaro ter sido muito mais construída em cima dos erros do próprio PT, inclusive na campanha, do que pela ação da esquerda partidária em oposição a ele desde 2004. Aliás, essa esquerda foi fortemente atacada também desde 2013 e tem sua parcela de culpa pelo avanço da extrema-direita ao não ser amplamente solidária com os perseguidos pelo Estado, mas foi altamente criminalizada, e é até hoje, embora atuasse denunciando a corrupção no Estado, inclusive a do PT, os erros, recuos, omissões e alianças que forma parte importante da ausência de combate às milícias no Rio de Janeiro, por exemplo.

Enquanto isso ocorria os espaços na mídia foram amplamente oferecidos a Olavo de Carvalho e Rodrigo Constantino, ambos escreveram em Folha e O Globo por longo tempo, a Veja se tornou praticamente um bunker ultraconservador, a Folha de São Paulo abriu espaço pros delírios desonestos intelectualmente de Kim Kataguiri e chegamos ao ponto de um jornal, a Gazeta do Povo de Curitiba, ter se tornando uma versão mais reacionária ainda da Veja.

Juntem a isso com o fenômeno da ampliação do acesso das classes C e D ao consumo de elementos que eles nunca tiveram antes, como a assinatura de jornais e revistas, e à percepção por parte do aparato jurídico e policial que sem um forte ativismo que catalisasse o avanço conservador na construção de uma hegemonia cultural ultraconservadora, não se poderia jamais vencer no jogo limpo o que o PT construiu em torno de si em relação ao imaginário popular de proteção aos mais pobres e temos o prato feito do desastre para qualquer bandeira de esquerda.
Deve-se dizer que o avanço da hegemonia cultural ultraconservadora se deu avançando a já presente hegemonia cultural neoliberal que contaminou até a esquerda com seu pensamento defensor da meritocracia (isso merece até um texto a respeito com base no crescimento do consumo de literatura de autoajuda e defensora da responsabilidade individual nas transformações sociais).

Esse processo todo deu em Bolsonaro e em 2019 abrindo com uma enorme ameaça sobre lutadores, lutas, partidos, movimentos e pensamento de esquerda, e isso parece ser o apocalipse pra quem surfou na satanização de tudo oque o ameaçasse achando que venceria sempre e terminou sendo atacado por um tipo de prática militante, nas redes e não só, que fez da lorota uma arma política.

O PT em 2018 foi atingido pela radicalização e ampliação ao máximo, protegida pela lei eleitoral, TSE, etc, dos mesmos movimentos de invencionices como a que fez montagem com uma suástica em bandeira anarquista e chamou Freixo de neonazista, e ainda insistem em culpar 2013 pelo que ocorreu depois, fora o discurso da ordem de “jovens poderiam mudar o país estudando, mas depredaram monumentos”. A mamadeira de piroca é filha dileta das trocas de fake news entre PT e PSDB desde 2002.

A questão é que dessa vez houve uma necessidade de reorganização de uma esquerda constantemente vilipendiada por anos a fio pela militância do PT e PCdoB para resistir ao resultado da política do medo e que a tudo qualificava como fascista. E também agora quando houve a necessidade de chamar o fascismo pelo nome, a população já estava adormecida pela vulgarização da qualificação de tudo oque não era o PT de fascista, da esquerda de Anarquistas, autonomistas, PSOL, PSTU e PCB à direita conservadora ou neoliberal de PSDB, DEM e MDB. Quando anos a fio chamaram cachorro de camelo, quando o povo viu um camelo não conseguia identificar com o que havia ouvido que era um camelo.

Cade autocrítica do PT neste sentido? Bem, autocrítica não tem esse nome para ser exigida por outrem. Caber até cabe autocrítica do PT, e do PSOL e do PCB e do PSTU e de anarquistas e autonomistas, assim como todos ele vão ter suas razões para apontar o dedo para o outro e dizer que o outro tem sua vasta rede de equívocos, mas a feitura de autocrítica cabe a quem cometeu os equívocos se achar necessário.

O PT aparentemente não acha necessário reavaliar sua rede de equívocos que levaram à, ilegal, prisão de Lula e que não nos deixa afirmar como plena certeza de que lula é globalmente inocente, embora seja nítido que o seja no âmbito legal. O PT também não quer sequer sonhar em discutir sua responsabilidade na construção do espaço necessário pra extrema-direita adormecida ter um vasto campo para agir e recrutar militância no pós-2013. Culpar 2013 é dizer a quem foi às ruas em 2013 que eles foram os responsáveis por um golpe cuja responsabilidade foram dos participantes do campo que recebeu as ruas de presente depois que PT e aliados atacaram vorazmente a resistência e oposição de esquerda a seu governo, auxiliando a direita e extrema direita, e seus governos. Não foram autonomistas, anarquistas, PSOL, PSTU, PCB, sindicatos, MST, MTST (estes ainda tem entre parte de seus membros quem defensa a percepção do petismo) que promoveram o impeachment, inclusive todos estes o condenaram e buscaram resistir a ele, inclusive fomentando greve geral, que PT e CUT não queriam, contra as reformas e o governo Temer, que foi vice eleito na chapa de Dilma Roussef e não na de luciana Genro.

Não foram os militantes dos movimentos sociais e partidos de esquerda, mobilizados no comitê popular da copa e olimpíada ou em outros movimentos, que sitiaram ativistas na Praça Saenz Peña no rio de Janeiro, nas imediações do Maracanã em 2014, ou que perseguiram ativistas em suas casas ou que jogaram bombas de lacrimogêneo em todos os atos de rua de 2013 pra cá, muitos destas ações de repressão ocorridas sob governos do PT, mas foi o próprio PT e sua força nacional ou sua defesa da ordem em acolhimento e apoio aos governos estaduais de seu partido, de aliados e até de adversários como Geraldo Alckmin. E não foi o PSL que elogiou ação de extermínio de seus policiais contra a população, preferencialmente preta e periférica, como fizeram os governadores do Ceará e Bahia nos últimos anos, foi o PT através de seus militantes eleitos.

Também, é preciso cobrar do PSOL sua relação sobre a repressão a movimentos de 2013 em diante, como as ações do PSTU e suas defesas de que Black blocs eram da direita ou algo que o valha, da mesma forma a contínua satanização de partidos por anarquistas e autonomistas não ajudam muito na resistência ao avanço da extrema-direita, mas nada disso resolve o problema de que autocrítica faz quem quer e quem acha que deve.

A questão é que com ou sem autocritica tem um 2019 surgindo com o empoderamento do Bolsonarismo como reinauguração pelo voto da presença reacionária na cadeira mais pesada do planalto. Esse empoderamento tem seus obstáculos no surgimento de indícios de corrupção do clã de Bolsonaro com forte cheiro da corrupção mixaria do baixo clero de câmaras e assembleias legislativas, mas que já geram um boleto de alto preço a ser cobrado pelos partidos que se oferecem para compor uma base parlamentar na câmara e senado.

Esse boleto se soma à exigência do mercado e da base de apoio ao novo governo de aprovação praticamente imediata de uma reforma da previdência e ao desejo do presidente eleito de atacar profundamente elementos do estado construído historicamente, como aprofundar a reforma trabalhista e aprovar reformas na educação como a cobrança de mensalidade nas universidades públicas.

Os caminhos que Bolsonaro deseja prosseguir já levaria a uma necessidade de negociação com um congresso que já é majoritariamente avesso à soluções mediadas de forma gratuita no âmbito político, com o acréscimo de declarações e ações que geram conflitos entre a própria base, além de ações que geram prejuízo financeiro a parte do próprio mercado, e de denúncias de corrupção, por mais mixaria que seja, o preço de uma base de sustentação só amplia.

Somam-se a isso os descaminhos da negociação no congresso sobre quem comandará câmara e senado e temos um cenário de incerteza política para a extrema-direita, por mais animada que ela esteja, e que exigiria uma competência não perceptível na formação do (des)governo Bolsonaro.

Paralelo a isso a própria dinâmica de ampliação das ações fracassadas do governo Temer na economia, sob o ponto de vista da geração de emprego e de atenção à população, fornece um cenário de ampliação da crise econômica, principalmente pelo cenário de crise global anunciado pelas publicações especializadas para ter início já em 2019, que tende a ser um dos principais eixos de formação de crise institucional para todos os governos, independente de suas colorações ideológicas.

Isso dá ao cenário político um campo que a esquerda havia perdido, uma brecha para discutir soluções para a reconstrução dos processos de conquistas que foram abortados pós-impeachment de 2016.

O laranjal de Bolsonaro fornece um bom caminho para o debate em torno das bandeiras anódinas de luta contra a corrupção que no fundo Moram, do verbo advindo do Moro, na falácia que manobra uma indignação popular para fins políticos diversos. E permitem também uma boa contrapartida das esquerdas para discutir o uso pelos parlamentares de suas bancadas e bases para enriquecimento, ampliando uma discussão ética que vá além do debate sobre roubar ou não e incluindo um debate sobre o uso do estado para o financiamento de projetos políticos de ataque aos direitos da população e enriquecimento ilícito, doa a quem doer, atinja quem atingir.

Não dá é a partir disso discutir apena a ampliação do aparato policial e judiciário sem discutir a ampliação dos mecanismos de transparência. Aliás, é preciso discutir exatamente a hipertrofia destes aparatos com menos transparência e resultados práticos no âmbito da correção e punição de crimes de forma democrática e garantidora de direitos.

Há também forte caminho para que se ampliem a discussão sobre os interesses mesquinhos, e até corruptos, que rodam em torno das defesas de ataques a direitos populacionais como se atacando o “comunismo” de governos anteriores, como o empoderamento de um ministro condenado advindo do ruralismo no meio ambiente, de um ministro réu para comandar a saúde e de uma ministra que é processada por racismo contra indígenas em filme produzido por ONG que dirige (E que se relaciona com um lucrativo mercado de evangelização de aldeias) para comandar a FUNAI e também um ministério que atua na defesa dos direitos LGBT e da mulher, tendo ela atacando LGBTs e mulheres e seus direitos reprodutivos.

Para atuar nestes vastos caminhos abertos é fundamental que a esquerda pense menos em matéria de uniformidade e mais em matéria de unidade onde se pode haver unidade de ação. Danem-se frentes parlamentares ou tentativas de cooptação eleitoral,é fundamental uma unidade de produção de caminhos alternativos e que façam, o que se abandonou no longo prazo: trabalho de base.

A lógica de que entraremos no apocalipse como um discurso impotente produzido para justificar a ausência de qualquer ativismo em 2019 é improdutiva, e precisamos ocupá-la com uma rede de meios de ação produtiva, resistente e proponente de formas de transformação da sociedade e reconquista de corações e mentes. É muito importante colher as laranjas e fazer delas sucos para alimentar e saciar a sede de justiça que tentam nos tirar de nossos irônicos sorrisos.

Se organize, rapaz!

mudabrasil-laerte

No rescaldo da derrota na eleição de 2018 para a extrema-direita muitas receitas foram dadas para como superar o profundo pântano dos dias e anos seguintes, muitas análises estruturando uma tentativa de percepção do que causou o caos e como e porque resistir.

Da mesma forma muitas análises forma feitas indicando o horror que está por vir e o quanto será difícil atravessá-lo, como eles são terríveis, como querem nos eliminar, como são burros, etc.

Não fui exatamente na contramão dessas análises e nem pretendo criar uma receita que fará um bolo melhor, mas proponho uma alternativa às posturas olímpicas, que eu mesmo tive, e ao choro e ranger de dentes.

Minha proposta aqui se resume ao título, embora descreva uma série de questões e posturas que muitas vezes afastam as pessoas da proposta contida nele: se organizem para lutar.

E por que se organizar é importante? Porque a dura maturidade nos ensina que por mais que a gente seja iconoclasta, difícil, duro, mimado, etc a gente atua melhor estando entre companheiros do que sozinhos. Atuar organizado nos permite uma série de redes de amparo, apoio, acolhimento e suporte que são transversais às questões políticas, teóricas, psicológicas e emocionais e nos ajudam a viver e a lutar por um mundo melhor e contra sistemas e condições que aviltam a nós mesmos, a nossos companheiros e aos seres humanos como um todo.

Você nunca encontrou um partido ou uma organização que seja perfeita para você? Uma dica, rapaz: provavelmente é porque nada disso existe.

Somos únicos, isso significa que cada um de nós tem características que nos diferem uns dos outros de maneira a tornar uma perfeição para que nos adequemos a uma organização uma espécie de clonagem de nossos egos, o que é impossível e sequer desejável. Até mesmo as convergências políticas são adaptações de percepções individuais à questões mais amplas de acordo com as tradições, bases teóricas, aspectos organizativos, critérios e regras, e ocorrem por uma série de mecanismos que envolvem cessão de princípios individuais em nome de percepções coletivas, que são negociações individuais agregadas, e afetos, alinhamentos emocionais, pertencimento e identificação.

Em resumo: a organização perfeita para você é uma organização com a qual você concordou em negociar sua adaptação de percepções individuais às tradições, regras, ideias coletivas que fundamentam cada uma destas entidades ou grupos. E sim, existe uma organização pertinho de vocês que é perfeita pra ti.

O principal critério para evitar que uma organização te atropele ou te faça desistir de se organizar porque elas rompem com sua ideia de existência é conhecê-las para além das superficialidades. Não basta assinar ficha de filiação em partido ou ir em todas as reuniões do grupo anarquista já se entendendo como tal, ou frequentando a feira de economia solidária comprando e se assumindo cooperativista solidário. É preciso travar o diálogo amplo com os aspectos “técnicos” da organização e os afetivos, emocionais, buscar os autores base da organização, se eles existirem, lê-los com cuidado, decifrá-los, frequentar reuniões, analisar a complexidade de todas as organizações, perceber-se na organização, sua confiança pessoal, teórica e emocional nela. Tudo isso cabe de partido e correntes internas a associações de economia solidária ou de moradores.

Claro, algumas organizações não possuem uma base teórica nítida ou um conjunto de regras identificáveis, mas as redes de sociabilidade podem ser parte da tradição teórico-política dela e são detectáveis pelo grau de identificação e solidariedade existente nelas.

Existem organizações onde o perfil mais hierárquico e competitivo é mais perfeito e outras onde a supremacia de doses cavalares de afeto são mais presentes.

O principal é que é preciso construir com cada organização o processo que nos fez permitir a existência ao nosso redor de nossas redes de amigos. O processo de compreensão e aceitação das diferenças, a percepção da linha de identificação entre indivíduos que existe em cada roda de socialização, os comportamentos e afinidades, as diferenças e alinhar a isso as concepções filosóficas que os unem, e as que os separam.

Organizações são mais complexas do que rodas de relação, mas a percepção que faz com que os grupos sociais se assemelhem é a de que todos eles produzem redes de sociabilidade perceptíveis.

Mesmo os jogos de poder, as lutas internas em torno de cargos e posições decisórias, ocorrem em todos os grupos sociais. A questão é que em organizações por vezes quem não é exatamente seu maior objeto de afeto pode ser um aliado em nome de uma concepção ideológica ou percepção do real que os une em um espaço comum de compreensão da ação política.

E o principal em momentos como o de hoje é que isolados, como continuamente estamos neste contexto de percepção da atividade política como parte de uma rede de exposições de posturas e opiniões em redes sociais, somos alvo fácil não só da ira política de inimigos e adversários, mas de depressões, medos, desequilíbrios advindos da falta de apoio e especialmente das ações práticas de adversários contra nós.

A postura de isolamento inclusive fomenta as percepções de voto que passam ao largo de qualquer ideia de análise do real de largo espectro e que são presas fáceis de facilismos e impressionismos como as que eleições após eleições fazem com que se pressione por votos úteis já no primeiro turno sacrificando concepções de política e até sobre eleições, criminalizando votos nulos (anarquista ou não) ou votos por programa ou foco ideológico, como nos partidos menores, chamados de forma pejorativa como “não competitivos”, como se eleição fosse corrida de cavalo.

images

Isolados somo presas fáceis das pressões e do impressionismo movido a medo, temos menso relações diretas com o debate político de fôlego, análise de conjuntura compartilhada ou mesmo a ideia de um dever para com nossos projetos políticos que nos fazem ter posições que estejam alinhadas de forma coerente com nossos projetos de sociedade e de mundo.

Juntos, em debate, analisando conjunturas para termos posições coerentes entre nós, trocamos ideias, assumimos posições que são coerentes com o resultado de nosso debate ou com as resoluções de nossas organizações, dependendo das características de cada grupo social. Isolados só temos a nós e nossas emoções como base, então o medo pode virar o principal conselheiro, enquanto em grupos sociais o medo pode ter, pelo menos, competidores ou um compartilhamento de sensações que amplia a segurança da decisão.

E partidos, correntes, coletivos, grupos de debate ou Conjunto de posições políticas neobudista Frida Kahlo, não importa a coloração ideológica ou a-ideológica, organizações, grupos sociais, nos permitem ter suporte, apoio e concentração de percepções políticas que nos auxiliam nos combates diuturnos.

O fundamental aqui é que para enfrentar oque temos pela frente não podemos continuar isolados xingando muito no twitter, é preciso procurar amparo, ajuda e base de ação nos partidos, sindicatos, organizações, coletivos, correntes, grupos de debate, grupos de meditação, movimentos, para que nossa ação construa uma sólida barreira ao avanço dos que nos querem destruir.

Então, se organize, rapaz!

Há muitos lados do nosso lado

REP05

Desde 2013 pipocam análises de conjuntura com muitos aspectos e faces a cada minuto, reivindicações de atavismos ideológicos, portentosas frases, slogans, vontades.

O terremoto de 2013 foi qualificado como novar abertura revolucionária e/ou pro avanço da direita, resultado de um caos completo que precisa ser contido, organização da CIA pra dar o golpe no Brasil, queda da Nova República e até praga de mãe (Fica-se até agora tentando saber que mãe em específico e de quem).

A questão é que, como todo processo complexo, o que ocorreu em junho de 2013 tem efeitos até hoje sob muitas faces, que corrobora algumas questões, desmente outras e sabiamente se distancia das mais delirantes.

Sim, 2013 derrubou a Nova República, ampliou as faces da esquerda perceptíveis ao grande público, também teve este efeito para com a direita, enfraqueceu o PT, permitiu o crescimento da extrema-direita e também deu voz a movimentos contestatórios de esquerda, e liberais, que causaram uma nova pressão sobre o status quo, os movimentos identitários.

Se a Cia teve algo a ver comisso eu não sei, mas desconfio que se teve foi por acidente, inclusive dado aos trabalhos trapalhões da CIA desde o Irã Contras. A CIA inclusive só é os EUA que deram certo se a CBF for o Brasil que deu certo.

Mas voltemos ao enredo que alimenta o texto: 2013 não significou um evento escatológico que promoveu o fim do mundo conhecido, foi, como muitos dias no decorrer da história, um ano onde explodiram as tampas das panelas de pressão da sociedade brasileira. Já ocorreu antes, 1968 por exemplo.

E o resultado foi até bastante similar, embora nunca se saiba até quando estamos enxergando alguma repetição da história ou desejando que o que enxergamos de similaridades seja realmente algo além de nosso delírio.

2013, 1979, 1968 foram anos interessantes no mundo e no Brasil, mas forma anos onde ficaram claros processos em andamento no interior das sociedades, não são, os anos, os responsáveis pela eclosão das impaciências, menos ainda contém neles a explicação pros fenômenos. Também é pouco provável que a partir da observação dos processos se enxerguem formas de criar uma régua de análise, uma regra histórica, uma lei que explique porque as coisas acontecem.

É sempre mais sábio tentar entender cada fenômeno e contexto como único e inseparável de suas condições.

Esse enorme nariz de cera não é apenas um nariz de cera, mas um preâmbulo para entendermos que 2013 ainda vive em 2018, seja pelas eleições e pelos campos divididos e, ao mesmo tempo, unitários em disputa nelas; seja pela prisão dos 23 ativistas que protestavam contra a magia dos transportes e contra a sobras da copa e suas remoções; seja pela prisão de Lula, algoz e vítima do processo que prendeu os 23.

Porque estes elementos citados contém as divisões que escaparam da panela de pressão da sociedade em 2013, tem também os processos desencadeados por 2013, entre eles os processos legais, e também a percepção pelo status quo de um meio legal de trancafiar oposições com apoio da mídia e de parte da sociedade.

O quadro de 2013 expresso nas eleições está desde em Bolsonaro, representando a extrema-direita que viu no caos primordial das ruas uma chande de ter voz; PT, PDT, PSB, MDB e PSDB representando o status quo, assim como os aliados de todos; PSOL e PCB representando a esquerda institucional não automaticamente alinhada ao PT e que fez parte dos protestos de rua e da face oficial da esquerda que protestava, inclusive lucrando com isso eleitoralmente e politicamente com o acréscimo de filiados e de percepções naquele momento e até hoje, de serem partidos da esquerda rebelde e, finalmente, os votos nulos, que representam os elementos não identificáveis de rebelião, inclusive a esquerda radical não organizada em partidos e que foi a principal atingida pelo tsunami criminalizador de 2013 pra cá.

Os 23 presos pelo juiz Itabaiana são parte do último movimento e é sintomático que de todos os partidos citados apenas PSOL e PCB tenham tido algum movimento em solidariedade aos ativistas processados e condenados (Mesmo nem todo o PSOL se manifestando).

É sintomático também que, mesmo com a solidariedade, ainda exita uma distância entre esta e a análise que contempla as proximidades entre o processo dos 23 e a prisão de Lula por Sérgio Moro.

No quadro que enxergamos, a divisão da direita e esquerda, com um centro anódino quase perfeitamente representado pela não representatividade visível de uma Marina Silva, diz muito sobre a implosão da Nova República e as novas acomodações ideológicas sem que nenhum dos atores permaneça intacto.

PT e PSDB viram erodir seus papéis de representantes eleitorais da esquerda e da direita moderada. Lula se sobrepõe a esta erosão do PT, porque ele é maior que o partido, embora já tenha sido tão grande quanto, mas o que ocorreu com ambos é nítido, ambos precisam se esforçar para, enquanto partidos, serem mais do que siglas derretidas pela erosão de representatividade pós-2013.

MDB, PSB, PDT são apenas pálidos representantes de campos não muito firmes de cada espectro, fingindo que ainda são o que forma nos anos 1990. O MDB nem na fisiologia se mantém como exemplo mor.

Bolsonaro e o campo disperso em legendas que representa é um símbolo transitório do crescimento perigoso de uma extrema-direita que não tem vergonha de sua vil existência, de seu ódio abjeto, de seu humor tóxico e que tem ecos em estrelas do esporte, música e de uma política cada vez medida pela vontade da destruição do outro. Ele em si é um entrave para este campo, mas um entrave que com suas deficiências fez o teto ampliar, mesmo que caia posteriormente. Indica que com outra figura de proa vá mais longe.

Inclusive, Bolsonaro pode ser um elemento que indique que disperso em vários partidos e com um programa inepto e severamente organizado pelo otimismo da vontade, com uma estratégia titubeante, não há como sobreviver no mar da política brasileira.

Não deveríamos ficar surpresos se o conjunto de atores que envolve Bolsonaro e suas ideias se organizasse melhor para as próximas eleições, talvez se unindo em um partido, inclusive para sobreviver ao day after após as eleições, o que Crivella, por exemplo, está aprendendo amargamente que é preciso e necessário.

Inclusive há recuos forçados que Marchezan, Paula Mascarenhas, Crivella e MBL podem ensinar ao campo de Bolsonaro como meio da extrema-direita se organizar melhor para os próximos pleitos. A crise não transforma leões feridos em gatinhos. E acredito que em algum momento este campo perceberá que, para enfrentar uma estrutura velhusca e velhaca que se transforma lentamente é preciso mais que fanfarra.

O Brasil não é os EUA, assim como Trump não foi Bolsonaro, estando mais próximo de ser um Alckmin com carisma.

A esquerda aprisionada e esvaziada dos movimentos sociais autônomos, da FIP, do MPL, etc, sofreu o mais duro golpe. Lula não foi demolido, as eleições provam, mas os campos independentes, perseguidos pelo status quo e por frações dos partidos de esquerda organizados, sofrem para se manterem vivos, e livres.

Sua derrota levou a derrotas de toda a esquerda, inclusive mantendo-a afastada de seu terreno fértil, as ruas, coisa que nunca retomou por inteiro, se tornando prisioneira do medo da polícia, do gás, da bala de borracha e da repressão que foi de certa forma cúmplice por omissão a partir de 2013.

Por outro lado o que estes movimentos causaram foi também uma revisão por parte da esquerda partidária de seus processos e faces, fez novamente popular uma série de teorias e literaturas políticas que não erma populares antes.

Dos anarquistas Bakunin, Kropotikin, Malatesta, Bob Black e Bookchin aos teóricos ecossocialistas como Lowy, Tanuro e Foster, passando por uma ampliação da voz de Zizek (a quem particularmente só reconheço a habilidade de tornar pop um substalinismo furtado de Lukács), de debate sobre conceitos como bem viver, Pachamama, de teóricos ativistas como Ângela Davies e Frantz Fanon, Judith Butler, etc, todos tiveram seus nomes e textos ampliados.

Os movimentos de ocupação de escolas, de prédios públicos, a própria auto-organização de movimentos estudantis e sociais ganharam um fôlego que não teve um eco maior enquanto ocupação de ruas nos moldes de passeatas e outros atos que eram mais comuns à esquerda tradicional.

Esses efeitos são tão claros quanto os da extrema-direita, e talvez até sejam “causadores’ da reação da extrema-direita, mas são menos fanfarrões e tem menos eco, e reconhecimento, por parte da esquerda que produz mais eco em seus canais de compartilhamento de informações.

Há também os efeitos de 2013 na própria organização dos partidos da “extrema” esquerda, ou da oposição de esquerda dentro da ordem, e esse eco se organiza muito claramente em torno da chapa majoritária do PSOL para as eleições de 2018.

Seria inacreditável prever em 2012 que a chapa do PSOL em 2018 teria a primeira indígena que disputa uma campanha majoritária nacional como Sônia Guajajara como copresidenta junto de Guilherme Boulos, líder do movimento dos sem teto.

Menos ainda é previsível que cinco anos depois da Primavera Carioca o partido de Marcelo Freixo tivesse fazendo parte de uma organização de uma aliança entre o movimento Vamos, o MTST, o PCB e a APIB com a cabeça de chapa refletindo essa aliança, em vez de um nome puro-sangue, original do PSOL.

Isso não transforma a candidatura Boulos – Sônia em uma candidatura que não é do PSOL, mas indica processos mais amplos de redesenho da própria organicidade da esquerda partidária no pós-2018 e isso também reflete os processos desencadeados em 2013 e por 2013.

O PSOL hoje tem em sua chapa um movimento de redesenho claro: a esquerda não petista se reorganiza em uma unidade, tão proclamada anteriormente e nunca executada e que pode ou não representar um novo caminho para a esquerda partidária.

Que caminho é esse? É preciso caminhá-lo para saber, independente do resultado eleitoral em si da chapa.

As possibilidades da aliança ser um PSOL mais encorpado ou gerar um outro partido, ou gerar dois partidos, a manutenção do PSOL e um outro grupamento são todas elas movimentos de abalo, não necessariamente ruim, nas estruturas da esquerda partidária não o petista.

Os potenciais negativos e positivos das mudanças são muitos, mas desenham uma oxigenação, forçada ou natural, do quadro de produção ideológica e programática da esquerda partidária, ampliando dureza e flexibilidades na mesma forma e desenho.

Não entram aqui os desenhos, embates e debates apreendidos no interior do PSOL, mas a análise do processo enquanto elemento representado pela junção APIB – MTST – PCB – PSOL e suas potencialidades possíveis.

Esse movimento abre espaços tanto quanto bagunça a naturalidades dos comportamentos internos a cada elemento da aliança.

Há equívocos, óbvios inclusive, e acertos enormes em todo o movimento, inclusive os acertos não perceptíveis ou intencionais como a obrigação do repensar de cada elemento existente no interior de cada grupamento de suas posições com relação ao que fazer diante dos novos desafios.

E os desafios são enormes, mas contém o germe da mudança.

As mudanças são precisas e necessárias em todos os campos políticos.

Pela esquerda, anarquistas e autonomistas precisaram se repensar, a esquerda partidária tentou se repensar de forma conservadora, o movimento acima obriga, inclusive através dos atritos, a um repensar mais abrangente.

Novos conflitos exigem novas abordagens e novos avanços.

O próprio programa da chapa majoritária reflete as lutas internas e as contribuições polifônicas para a transformação do país, com todo o otimismo da vontade e o pessimismo da razão contido nas análises políticas é impossível não perceber, mesmo por quem perde no debate, algum avanço político perceptível no longo prazo.

Há novos muros se erguendo que nos assusta e impede uma percepção maior, mas em todo muro há brechas, e por estas brechas, com a escala de análise correta, pode-se perceber que há muitos lados de nosso lado.

E essa diversidade pode ser nossa salvação.

Greve geral é tabu, impossibilidade conjuntural ou a esquerda tem medo dela?

fora-temer-greve-geral-768x512

NENHUM PARTIDO DE ESQUERDA hoje discute, debate, escreve sobre greve geral. Sequer abre espaço pra começar alguma coisa nesse sentido.

E estamos falando de quem participa de CUT, CSP-CONLUTAS, INTERSINDICAL,etc, nenhum.

O debate tá proibido?

Por que?
 
Por que esse silêncio?
Será que da geleia geral do PSOL aos stalinistas ou trotkistas PCB e PSTU, passando pelo necrogovernismo petista e do PCdoB ninguém tentou debater isso ou pensou nisso?
 
O que está acontecendo?
Não me venham falar em “ausência de conjuntura”, please.
  • O ANDES há meses discute greve geral, sindicatos de servidores públicos de vários estados idem; escolas estão há meses ocupadas;
  • Índígenas e quilombolas em polvorosa pelas mudanças nas titulações de terra;
  • Mulheres e militância trans e lgbt em mobilização constante;
  • O governo tem a mais alta rejeição em décadas, maior que a da Dilma;
  • As PEC do Teto e da Reforma da Previdência são rejeitadas por mais de 60% da população, assim como a MP do ensino médio;
  • O congresso nacional tem a mais alta rejeição em décadas também

Cadê a chamada de unidade de ação para uma greve geral?

Por que esse silêncio?
Sabe quem fala em greve geral recentemente além dos sindicatos, alguns? A direita via MBL, etc.
Desde quando esse tema não só virou tabu para a esquerda partidária como além de manterem seus sites e páginas em redes sociais alheios a este debate, seus militantes se esmeram em transformar todo mundo que sugere greve geral como saída em “malucos”?
Não é pouca coisa isso e sugere sim um movimento articulado de silenciamento ou um nível de imobilização ancorado numa militância  e direções partidárias estupefatas e paralisadas nunca antes visto na história deste país.
A população cada vez mais radicalizada indo às ruas, as periferias idem, repressão comendo solta e a militância esperando a CUT se mobilizar por uma greve geral?
Jura que nenhum partido entende que pode ter papel preponderante neste debate e construir em conjunto uma conjuntura que permita uma greve geral?
Anarquistas e autonomistas tão praticamente diariamente neste enfrentamento e neste debate desde pelo menos 2015, é só olhar os textos das organizações anarquistas e autonomistas, fora a lembrança da greve geral de 1917, porque os partidos não começam também a organizarem suas forças para isso?
Jura que se PSOL, PSTU e PCB centrarem forças pra construção coletiva de uma greve geral não há condições objetivas de algum barulho?
O PSOL que faz propaganda de suas primaveras eleitorais não tem como deslocar as forças e pernas que as produziram para iniciar um debate franco sobre greve geral, mesmo num quadro de profunda descrença na via partidária?
E o PSTU e PCB?
Sim, vai ser difícil quebrar a desconfiança com as demais forças da esquerda, ainda mais quando todo dia militantes do socialismo amarelo fazem um esforço corno pra tentar desestimular qualquer radicalidade, transformando radicais em idiotas alucinados, ou pior, escrevem textos criminalizando autonomistas e anarquistas que adotam a tática Black Block, defendendo um tipo de manifestação que precisa ser muito descolado do real para não perceber que a PM não deixa acontecer: a manifestação pacífica contra o governo.
Mas vale um esforço mínimo construir a partir da convocação de TODAS as forças de esquerda ou historicamente ligadas a ela pra um debate convocatório de construção de greve geral.
Há uma conjuntura hoje de latência da rebelião, e ele fatalmente acabará acontecendo em algum momento, não por mágica, mas por uma conjunção de fatores que prejudicam demais grandes contingentes populacionais e em meio a uma profunda e galopante crise de representatividade. Se não é este o momento pra tentar organizar alguma mobilização de vulto, e consistência, como uma greve geral, qual seria o momento?
Claro, uma mobilização desta monta exige uma série de esforços históricos que compreenda as diferenças entre forças políticas, que vete conscientemente qualquer tentativa de hegemonização de atos e organizações, que silencie cooptações para que ocorram seriamente ações que construam uma greve geral ou atos de impacto similar.
Há sindicatos de professores discutindo auto-defesa diante da violência policial, por exemplo, o nível de tensão chegou ao ponto de deslocar pro centro gravitacional da revolta contingentes populacionais outrora avessos a ela.
É fundamental que alguém construa as pontes, seja  a CAB, a FIP, o PSOL, o PT, o PCB, sei lá, mas existe a necessidade de um novo CONCLAT com um aviso na entrada “Por favor pendurem aqui suas vaidades”.
É fundamental que a APIB seja compreendida não como um movimento social fofo,mas como um dos principais atores da retomada de mobilizações populares desde 2013.
É fundamental que a CAB e outras confederações e organizações anarquistas sejam respeitadas como parte fundamental da retomada de organizações em favelas, de mobilizações estudantis de fôlego e sucesso no último triênio.
É fundamental que os partidos da ordem que se reivindicam esquerda também desmontem a aversão a quem se organiza através da ação direta, porque o momento exige, porque o momento grita e pede por uma ação como uma greve geral.
Ah, greve geral é fetiche? Beleza, então organizemos coletivamente algo que tenha o impacto e o peso de uma greve geral. Têm ideia melhor? Opa, manda ver. Não tem? Então continuemos com o debate e a construção de uma greve geral.
Quer fazer um Cirandão país afora que atrapalhe o trânsito por 24 horas e impeça produção de rolar? Tamo junto,mas tem de impactar a produção.
O que não dá pra entender é a negação do debate, o elogio à loucura do imobilismo em um momento ímpar, na dor e no prazer, da existência das forças organizadas da esquerda.
A perda da eleição doeu,mas doerá mais perder o bonde da indignação popular.
Não dá pra eternamente ficar esperando a tempestade perfeita conjuntural.
Também não dá pra ignorar que haverão críticas a todos, como a Dilma ter feito a lei antiterrorismo e também iniciado a PEC do fim do mundo, ou do PSOL e PSTU serem cúmplices da criminalização de movimentos e ativistas que deram na lei antiterrorismo que fode a todos coletivamente hoje.
E anarquistas e autonomistas também sabem das críticas dirigidas a eles por parte da esquerda partidária, então fiquem tranquilos.
A questão é: vamos pro pau e pras ruas realmente ou é só meme?

As ocupações de escola e como os secundaristas são o avanço da esquerda no mundo de hoje.

19899248344_8673449d2b_k

Pode não dar em nada essas ocupações de escola,mas me parecem o que venho colocando há anos: Não é simples limitar o universo ao eleitoral e à saída do armário da direita a confundindo com “avanço conservador”.

Desde 2013 a direita saiu do armário, mas a esquerda idem, uma esquerda que fugira, e foge, ao ethos que nasce com o PT e gira em torno do PT (E ai a gente inclui PSOL e PSTU, sabe?) ou que remonta às tradições da esquerda no século XX (PCdoB e PCB) e a todo o ethos de organização política centrada na forma partido e no centralismo.

Direta ou indiretamente essa esquerda partidária desce na boquinha da garrafa do centralismo democrático marxista-leninista, modificando em detalhes seja na tradição trotkista (PSTU) ou na tradição stalinista (PCB e PCdoB) ou construindo uma miríade de centralismos abrigados em um partido de tendência (PSOL e PT). E mesmo nos partidos organizados em tendências o centralismo sobrevoa as divisões internas a partir da política de consenso entre lideranças ou da imposição via força com maior número de cadeiras nas executivas e que vence as votações nas direções nacionais e executiva nacional.

Essa esquerda foi confrontada de 2013 pra cá por novas formas de contestação ao status quo que vagam mais pela não identificação direta com nenhuma tradição específica da esquerda do que pela opção específica por algum tipo de identidade, bambeando entre anarquismo, autonomia e uma mistura muito louca de ethos de diversas tradições da esquerda onde ao mesmo tempo negam-se partidos, autoridade, mas também não se estabelece nenhum tipo de método, teoria ou organização específica presente nas tradições clássicas.

Essas novas formas aparecem nas ocupações de escola, nos adeptos da tática Black Bloc, no Movimento Passe Livre, nos movimentos negro, LGBT e feminista, nas universidades, nas assembleias populares e nas periferias e favelas a partir de uma juventude que experimentou os anos Lula e o acesso a bens de consumo, às universidades e escolas, e não presenciou a redução da desigualdade como prometido, e ainda presenciou um recrudescimento do racismo, da violência policial, homofobia e misoginia a partir da resistência do conservadorismo branco das elites incomodadas com pobre pegando avião e preto na vaga da universidade que antes era reservada ao filho babaca do mar de Ipanema.

E se a esquerda percebeu o contra-ataque da direita incomodada com essa juventude que saiu da ausência de perspectiva pra percepção da perspectiva crítica, ou seja, que entendeu os avanços, mas também viu os recuos ou omissões, ela ignorou e desprezou o papel de toda uma nova esquerda que surge das nuvens de gás lacrimogêneo lançadas nas ruas de 2013 até hoje, uma esquerda que sofre tanto com a criminalização feita por esquerda e direita quanto com a ausência de respeito por parte das forças ditas progressistas com sua recusa à tutela de UNE, UBES, partidos e até do MST.

E por isso é lamentável o sinal claro dado pela esquerda partidária que ao acusar o golpe, com duplo sentido por favor, e falar do avanço da direita apela pra inclusão de tudo o que surgiu de junho de 2013 para cá como parte do “avanço conservador”. Porque demonstra uma série de problemas metodológicos, teóricos, de percepção e até de moral e justiça.

De 2013 para cá explodiu uma série de coisas, mas a maior parte delas foi a recusa a um sistema representativo onde o melhor que temos é ruim, como o PT.

O melhor que o sistema representativo dava a quem saiu às ruas em 2013 era um PT que nadava de braçada na corrupção, aprovava a criminalização de movimentos sociais e já tinha deixado claro que abandonaria o que fosse pra manter a tal governabilidade.

Enquanto isso a direita reagia aos avanços que foram nítidos na sociedade desde os anos 1990, como os avanços nos debates sobre drogas, feminismo, aborto, LGBT, luta antirracista, cotas, questão indígena, questão agrária, ecológica,etc.

E como a esquerda apartidária reagiu à reação da direita? Criminalizando a própria esquerda em nome da afirmação de que a luta dentro do sistema era a úncia coisa a ser feita.

Em um primeiro momento essa ação criou dois resultados pela esquerda: Aumento da luta extra eleitoral e abandono parcial da participação em eleições, com foco total nas ações.

Não à toa a esquerda passou a perder eleições, mas mantendo ações práticas que transformaram as lutas por direitos no Brasil de hoje, como as ocupações de escola.

Ao perder apoio eleitoral a esquerda partidária se viu analisando o universo como se estivéssemos em pleno recuo, enquanto estamos em plena disputa, disputa que já havia quando Dilma era presidenta.

Já disputávamos com a direita antes da eleição de Lula, o mundo nunca foi fácil pra garantir direitos e avanços, vide a reforma da previdência com Lula, vide os recuos nas questões LGBT, racial, indígena, ecológica e de mulheres com Dilma.

Temer assanha um neoliberalismo radical, diferente do que apontava Dilma com um neoliberalismo menos afoito,mas apesar de todo apoio midiático enfrenta enorme desprezo internacional e uma radicalização de esquerda que apavora reacionários fanfarrões e seus Escola sem Partido e “abaixo a ideologia de gênero”.

Essa radicalização da esquerda e das ruas, independente de partidos, que fez com que a direita apelasse pra Bolsonaros e Escola sem Partido e não PT e PSOL.

É para evitar essa juventude independente que “não tem liderança” que se busca censurar professores e destruir a educação pública.

E essa galera tá na rua reconstruindo o que a esquerda partidária não consegue enxergar pregando reforma política e fazendo campanha a cada dois anos.

O que representa isso tudo? No mínimo o novo em matéria de política. No máximo talvez mudanças que precisávamos e nenhum partido tinha nem condições nem a coragem de produzir.

Freixo: Mais do mesmo da esquerda cooptada que criminaliza quem não compreende.

captura-de-tela_2016-10-07_17-56-03

Quando Freixo chama a tática Black Bloc de violenta ele faz o mesmíssimo discurso, ipsi literis, da polícia mundo afora.

Freixo não é analfabeto, é professor de História, deputado, tem uma puta formação teórica, sabe pesquisar sobre os mais diversos tipos de dados e pesquisas sobre qualquer caralho que seja relacionado ao mundo político.

Há profundo material teórico a respeito de Black Blocs, no Brasil e no exterior, e não é possível que uma pessoa que se diz socialista e defensor dos direitos humanos não tenha batido o olho em David Graeber, Pablo Ortellado e outros tantos cientistas sociais, filósofos, jornalistas e historiadores pra ler sobre Black Blocs ou ignore se tratar de uma tática com origem nos autonomistas alemães e que desde Seattle em 1999 passou de não violência pacífica pra não violência ativa.

Não é possível que Freixo, com todo sua compreensão do mundo, não saiba diferenciar o discurso policial repressor do discurso teoricamente mais elaborado e preciso, ou que não compreenda a própria responsabilidade para com a sociedade e com ativistas, mesmo que discorde da tática, ao tornar uma tática de não violência ativa em tática violenta.

Não é possível que um historiador como Freixo ignore o poder do discurso, da simbologia e da representação e o poder da diferença terminológica inclusive saindo de uma figura pública, liderança da maior força de esquerda do RJ na ampliação da criminalização de jovens ativistas que adotam uma tática não violenta, tornada violenta pela retórica conservadora e agora pela retórica do líder da “primavera carioca”.

Não é possível que Freixo ignore o papel de sua entrevista ao Jornal o Dia onde ele diz “O PSOL precisa isolar os Black Bloc!” em 2014 na criminalização de movimentos sociais e na prisão dos 23 presos da Copa do Mundo (Sininho, Camila Jourdan, entre outros) E na prisão de Rafael Braga.

Não é possível que Freixo não consiga travar a relação simples entre sua participação nessa criminalização e o quanto isso reflete em TODOS OS MOVIMENTOS SOCIAIS, afinal fechar ruas, queimar pneus, ocupar fazendas e prédios também são táticas de luta não violentas que são transformadas em violentas na retórica tradicional policialesca.

Diante da figura pública, seu peso, sua inteligência, sua capacidade intelectual, sua força e a constatação óbvia que Freixo não é estúpido, tem formação política, teórica e acadêmica com riqueza suficiente pra entender tudo o que levantei acima, inclusive pra pesquisar a vasta obra a respeito da tática Black bloc, fica a ṕergunta: Por que Freixo defende que Black Bloc é violência?

Estupidez não é.

Preguiça não é.

Oportunismo?

Irresponsabilidade?

Jogar pra galera que adora um mediador?

Discurso senso comum pra ganhar votos?

Não sei, mas sei que é desonestidade intelectual e política.

Freixo e o PSOL repetem o filme da esquerda partidária com um elenco pior.

Na ânsia de ganhar eleições Freixo e o PSOL entregam a alma, a sutileza, a inteligência, a integridade.

Assim como Luciana Genro disse em debate que o estande de tiros da Guarda municipal era necessário (Defendendo por tabela que a Guarda municipal possuísse armas), Freixo disse em debate que não reestatizaria o Porto Maravilha, apenas dizendo que não daria propina pro Eduardo Cunha, afinal qual o problema da privatização de UM BAIRRO se não houver corrupção, não é mesmo?

Agora lança um site, isso mesmo um site, onde explica que não, Freixo não apoia os Black Bloc e explica: São violentos.

Já expliquei porque Freixo erra ao colocar isso, e expliquei porque tá além do equívoco, é linha política que já fez dois anos de aniversário.

Mas precisamos ir além disso.

Não basta nas cidades e eleições escolhermos quem criminaliza movimentos ou privatiza menos e melhor. Não basta escolhermos quem tem boa intenção ao armar a Guarda municipal ou quem tá apenas querendo ampliar a repressão policial nas cidades sem nenhum perfume de segurança pública real.

Não basta pra e na esquerda que fiquemos na superficialidade dos debates a mercê da opinião pública e não compreendamos o quanto é preciso discutir resistências e o quanto é canalha ou estúpido tratar resistência não violenta como violenta.

Uma esquerda que se propõe a transformar e reproduz discurso policialesco ou tá mentindo ou tá profundamente equivocada, mas me recuso a desprezar a inteligência alheia pra entrar numa de que é equívoco.

Freixo poderia e até deveria colocar que acha arriscado a tática Black Bloc, que a utilização dela permite erros como o que mataram Santiago, sem jamais entrar no discurso policialesco.

Capacidade tem,mas quer?

Duvido que queira ser mais do que um ator ilustrado e articulado na tática velha de guerra de tentar governar com a arrogância santificada das boas intenções que superam até os valores na sanha de ser o condutor iluminado das massas na conquista do executivo.

E por essa razão Freixo e o PSOL ,e toda a esquerda partidária são parte do problema e não da solução.

E sim, estou dizendo que a diferença entre Freixo e Crivela, no discurso e em geral é de gradação da opressão.

Freixo vai melhorar em relação às mulheres, LGBTs, Trans,etc? Depende da pressão.

Com pressão e se precisar Freixo vai dizer o óbvio: O PSOL precisa isolar os Black bloc.

A responsabilidade de quem vai além da retórica e da aparência é centrar fogo também em Freixo, lamento.

Quem defende criminalização de ativismo não merece nenhuma trégua.

O não voto não significa mais anarquistas no mundo, nem mais fascistas: Vamos falar de Rojava?

cncr7ymwyaav5hy-jpglarge

O binarismo político deve ter algum código qualificatório na lista de enfermidades da OMS.

Esse binarismo se manifesta de diversas formas e na maior parte delas adora transformar urubu em meu louro.

Pro binarismo político não existem árvores na floresta, inclusive floresta é um ente único, e não, não estão falando de Yellowstone.

O resultado das eleições municipais brasileiras de 2016 produziram um sem número de textos (este inclusive) e a maioria contendo tanto uma lacrimosidade estupendamente fantasiada de desespero quanto uma pomposa composição de otimismo da vontade com pouco zelo pelo bom senso.

Sim, existiu um enorme avanço nos votos inválidos.

Nenhum pleito teve legitimidade completa, na verdade a maior parte dos pleitos deste ano tiveram menos de 50% de participação, inclusive nas grandes capitais.

Nenhum prefeito foi eleito pela maioria dos eleitores.

Nenhuma câmara foi eleita pela maioria.

Esse fenômeno não é recente, e nem muito antigo.

Ao menos desde 2010 as eleições vem tendo um aumento significativo na abstenção e anulação.

Este ano foi talvez a primeira vez que repetiu-se em eleição municipal um fenômeno que passeava mais pelos pleitos nacionais,mas também foi a primeira eleição municipal depois do furação de 2013, quando as cidades entraram em enorme convulsão informando à toda a classe política que a população não estava nada satisfeita com sua representação.

Esquerda e direita responderam a 2013 de muitas formas, desde pela cooptação de sua ala à direita até a criminalização da sua ala à esquerda, especialmente a apartidária.

A GLO (Garantia de lei e ordem) e a Lei Antiterrorismo vieram em seguida a 2013 e tendo como alvo prioritário os chamados “Black Blocs”, dane-se se também vão criminalizar MST, MTST, índios, Quilombolas,etc.

Em 2014, com a manutenção da esquerda nas ruas e tendo em vista evitar problemas para a “Copa das Copas”, a GLO e a Lei Antiterrorismo foram aprovadas e pôs-se os tanques nas ruas das favelas e anarquistas e autonomistas na cadeia, sob os aplausos da esquerda partidária que assistia triunfante aquele bando de “mascarados” indo em cana e limpando a barra de suas manifestações pacíficas e ordeiras.

Com a repressão caindo em cima, um bando de gente presa, praças sob cerco da Força Nacional e o caralho, 2014 foi aquele espetáculo triunfante do micaretismo patriótico de todas as vertentes políticas amigas da “Festa da Democracia”.

As ruas, vazias de esquerda, permaneceram sendo ocupadas por quem vestia a camisa da CBF, mesmo pós 7×1, e não mais por quem dizia que “Não vai ter Copa!”.

Teve muita Copa, muita, teve muita cadeia também.

E teve eleição, com a população já se recusando a votar. E teve resultado apertado, teve eleito governando com o programa do adversário e mesmo assim com muita dificuldade. E teve Golpe, teve adversário derrubando quem governava com seu programa pra radicalizar mais ainda o programa neoliberal.

Teve isso tudo e teve crise, tá tendo crise, inclusive de representatividade.

Representatividade que foi arrombada pela prisão de anarquistas e autonomistas, criminalização de manifestantes, parte da esquerda batendo palma pra fascista dançar, parte da esquerda batendo pama comemorando a prisão irregular e indiciamento por homicídio doloso de adolescentes pela morte de Santiago, mesmo tendo trocentas dúvidas inclusive se lá estavam os jovens, e ainda tá tendo jornalista eleitor da esquerda partidária achando que a defesa dos jovens é “Criminalização da vítima”. e por ai vai.

E temos uma eleição onde a representatividade foi pro saco e quem mais perdeu foi a esquerda partidária, mesmo boa parte dos prefeitos ter sido eleito sem o endosso de metade da população de suas cidades.

Então a culpa pela queda de votos da esquerda é dos votos anulados e abstenções?

Não, é culpa de quem não se faz mais representante.

Até porque a direita também perdeu voto,mas a direita tá pouco se fudendo pra legitimidade das eleições ou de sua posse, ela não quer é gente na rua, greve e esquerda governando ou organizando resistência.

Mas e a esquerda? Bem, mesmo a esquerda que comemora ir pro segundo turno tendo pouco mais da metade dos votos do pleito anterior deveria ficar preocupada.

Primeiro porque é óbvio que parte de quem anulou nessa eleição ia votar na esquerda.

Segundo porque é óbvio que nem todo mundo ia votar na esquerda, mas não se sente fã do sistema.

E em terceiro é porque o eleito pela esquerda também não vai ter a legitimidade do endosso popular, porque provavelmente vai ter anulação e abstenção também no segundo turno.

Como resolver a questão?

Primeiro tem de parar de culpar o vento, a chuva e a grama porque perdeu o gol.

As pessoas estão fartas do sistema desde 2013 pelo menos. O recado é dado todo dia e a resposta que recebem ou é porrada ou escárnio da classe política, a de esquerda inclusive.

Só que apenas a esquerda liga pra essas frescuras de legitimidade.

Então tem de analisar com cuidado, pesquisar, tentar entender o real e reagir a ele com inteligência.

Segundo, tem de acordar pra vida e relacionar a recusa de ocupantes de escola, por exemplo, de ficarem juntos com UNE e UBES, com o fato de parte de quem se organiza e luta cotidianamente tá cagando pra eleição e não enxerga na eleição do Cachorro Vovó a segurança de ter um representante, e nem acha válido ter representante se se pode organizar e lutar com os de baixo.

As pessoas que lutam não se enxergam nos ditos representantes do povo.

Até porque parte dessas pessoas tomou uma porrada na cabeça ao ver quem era o comandante da “Primavera Carioca” e um figurão público que emanava utopia dizer “O PSOL precisa isolar os Black Blocs”.

Imagina você ver um cara que defendeu preso comum a vida inteira, com absoluta razão, botando na reta de quem estava sendo preso porque fazia parte de um bloco de gente que utilizava uma tática de resistência não violenta ativa à violência policial do estado burguês? Imaginou? Pois é, muita gente ficou puta, desiludida e pra usar uma terminologia carioca: Totalmente vendida.

E estamos falando de uma figura pública que era admirada nacionalmente.

Meses depois Sininho, Camila Jourdan, etc foram presas, vinte e três pessoas sendo presas por defenderem ideologias de esquerda, não partidária, entre os procurados estava Bakunin.

O que disse a esquerda partidária? Nada.

Isso mesmo, nada.

Em terceiro a gente vê que não se entendeu muito bem o impacto da Lava Jato em toda a classe política.

Sim, todos, que já eram chamados pelo senso comum de ladrões, sem exceção (Vai fazer panfletagem na feira de domingo em Valqueire que tu descobre isso), tiveram um upgrade em rede nacional.

Geral é ladrão.

E quanto mais parecido com petista mais ladrão, afinal além de uma cruzada ética, que contou com auxilio luxuoso da banalização da questão ética pela própria esquerda, tivemos o ressuscitamento do anticomunismo de galinheiro.

E em quarto tem de entender que o mundo mudou, e não foi pouco, e as lutas passaram a serem travadas no cotidiano, muito além do parlamento, e a resposta de gente na rua foi melhor que a resposta dem parlamentares “combativos”.

Afinal, quem baixou o valor das passagens em 2013 foi o vereador ou as ruas? E o impeachment?

Pois é, as pessoas entenderam que ir às ruas resolve muita coisa. E ai temos um problema sério: A própria esquerda criminalizou as ruas, deixando-as à mercê dos manifestantes a favor.

E isso tudo , e muito mais, responde as abstenções/nulos/brancos. E também abre caminhos de organização e estruturação da resistência,e da reação também.

A recusa ao sistema é um prato cheio pra quem tiver disposição de dialogar mais e catequizar menos.

Tem de ir explicar que educar não é professar,mas guiar.

Tem de ir conversar sobre o preço do ônibus, do feijão, do pão, do aluguel.

Tem de ir com mais vontade de propor coisas que exponham menos os pretos e pobres à violência quando eles forem à luta.

Tem de denunciar cotidianamente o genocídio de pretos e pobres e do lado de pretos e pobres.

Tem de ir saber como é antes de agir e propor.

E tem de ir rápido, porque a direita não tá de bobs.

E os estudantes tão querendo ocupar escolas, índios querem suas terras de volta, quilombolas também.

As coisas permanecem ai para serem reivindicadas, com ou sem vereadores e prefeitos, porque infelizmente com vereadores e prefeitos também não se resolveram as coisas, vide em São Paulo.

O Escola sem Partido precisa dos professores e estudantes nas ruas pra ser barrado e pra mostrar que não basta ser prefeito pra calar a boca e a força da gente.

As mudanças na CLT também, a PEC 241 idem. tudo precisa de gente na rua pra barrar e não tem outro jeito de resolver a crise de representatividade do que se fazer representado nas ruas.

Quem luta contra o sistema, quem acha que eleição é importante, todos precisam se representar no dia a dia.

É a única forma de começar a resolver a crise de representatividade.

E é preciso também discutir representatividade, que é menos importante eleger vereador e mais importante construir comissões de administração das cidades, com a participação plena da população e que ela controle orçamento, que ela discuta os ônibus, os transportes, a qualidade de vida, da água e do ar.

O recado das urnas é que a representação não importa pra praticamente 50% da população. Isso significa que nesta população existe quem quer representar a si mesmo em organizações autônomas e horizontais, quem quer um ditador e quem não quer nada disso,mas tá apenas de saco cheio.

Culpar essas pessoas ajuda a quem quer ditadura.

Dialogar com elas francamente, e horizontalmente e sem cooptação, permite outra coisa, quem sabe uma mudança séria na representatividade para além de plebiscitos tão inúteis quando o voto em si (Já se esqueceram do impeachment?).

Existe todo um debate em toda ocupação, em toda resistência, sobre novas formas de organização e de atuação nas cidades, ruas, estados, países.

Vamos deixar pra lá esse debate? Vamos continuar tratando o outro como idiota?

Rojava tá aí dando seu recado.

Não adianta vir com guaraná de reforma política pra mim, porque é o chocolate das novas formas de organização que eu quero beber.

 

A ideia da unidade da Esquerda é uniformização e está mofada

unidade

O estabelecimento da ideia de unidade como valor fundamental pro anedotário da esquerda é algo bastante interessante e criativo.

Especialmente se a gente entender que o mito fundador da ideia de unidade perpassa a frase “A esquerda nunca se une, por isso que o capitalismo vence!” ou variáveis dela.

Bem, essa ideia é equivocada, pra ser muito gentil, porque se sustenta na ideia de unidade não contra o capitalismo,mas na ocultação das diferenças, todas transformadas em futilidade, e em torno de uma ideia que se abre como hegemônica (Muitas vezes com base na amplitude numérica os que a defendem) ou de um partido que se impõe como hegemônico (E do ethos que coloca as eleições como ferramenta de transformação).

Além disso, essa ideia oblitera as diferenças ignorando que independente de como estas diferenças se estabelecem todas combatem o mesmo inimigo: O capitalismo.

Dos sociais democratas com sua ideia de capitalismo humanizado aos anarquistas com a luta anticapitalista abraçada à luta anti-estado (E até anti-civilização) todos de alguma maneira combatem o capitalismo.

E é irrelevante se combatem o capitalismo bem, mal, se combatem o capitalismo e entre si tentando colocar quem mais tem razão,etc, no ato coletivo todos de alguma forma atingem o capitalismo com suas lutas.

Seja com ocupações ou com eleições de deputados, todos atrapalham o capitalismo de alguma forma.

Então por que a ideia de unidade se transforma na ideia de uniformidade na retórica da esquerda partidária?

Porque esta parte de pressupostos unitaristas e uniformizantes construídos a partir da ideia de centralismo, depois centralismo democrático, que já nasce em Marx no embate contra Bakunin na AIT e vira norma e esqueleto das organizações partidárias com origem na Social Democracia europeia do fim do século XIX até a fundação do Partido Comunista Soviético pós-1917.

Todos os partidos pós-Lênin abraçam a ideia de centralismo democrático de alguma forma, mesmo que não enquanto partido, mas enquanto valor presente nas tendências que os formam (No caso de PT e PSOL por exemplo).

Essa ideia grosso modo presume que o debate dialético se transforme em posição comum pelo acordo coletivo, mesmo que esse acordo se dê com a vitória da maioria sobre a minoria a partir de debates amplos e munuciosos.

Em resumo: o Centralismo Democrático presume que a posição coletiva se traduza numa posição unitária a partir do esgotamento do debate em torno de um assunto feito pela totalidade de um coletivo e este se convencendo que uma ideia é a melhor para todos daquele coletivo.

Isso em tese, na prática pode ser uma imposição da maioria sobre a minoria que por “disciplina partidária” a acata.

É tão óbvio que esse processo se constrói em torno de opressões que a própria esquerda marxista-leninista o discute e cria soluções relacionadas a ele, especialmente em partidos trotkistas, e parte da esquerda partidária sequer o abraça e inventa novas formas de debate, mas todos, ou praticamente todos, acabam virando o mesmo centralismo mais ou menos radicalizado em formas mais ou menos transformadas e “novas”.

Pouca gente saca que esse tipo de metodologia “inventada por Lênin” tem um tremendo elemento da cultura hierarquizada de fábrica, ou seja, uma tradução política do fordismo por Lênin, e no germe dela, e talvez da própria dialética marxista, tem um tremendo silenciamento dos sons pouco ouvidos, ou de minorias que não conseguem, por inúmeras razões, serem ouvidas na sociedade e também nas máquinas partidárias.

E é ai que o germe do mito fundador da unidade perdida nasce.

Sim, queridos, a ideia de unidade nasce da ideia de centralismo, que é construída em torno de silenciamentos.

E não só eu quem diz e nem apenas críticos do Marxismo: Rosa Luxemburgo e Alexandra Kollontai tem textos a respeito (E é sintomático que isso tenha partido de mulheres,não?).

Emma Goldman já no início do século XX apontava pro aspecto autoritário do Leninismo (que Trotski também seguiu).

Bakhtin, marxista, apontava pra ideia de polifonia como crítica necessária à dialética, que na síntese silenciava parte da polifonia de sentidos de uma sociedade ou objeto.

Bookchin a partir do segundo quartel do século XX fazia critica direta ao fordismo leninista.

E sim, até hoje essas críticas são deixadas de lado e a mitologia da unidade perdida segue.

Em tempos de eleição toda crítica é silenciada com base nesse trambolho sub teórico que é a ideia que a esquerda algum dia se uniu em torno de algo que não fosse a luta cotidiana.

Pesquisem sobre a AIT,as greves operárias do XIX, aqui inclusive, e sobre a própria revolução russa onde ao menos anarquistas e socialistas revolucionários ladeavam com o Partido Social Democrata Russo (De Bolcheviques e Mencheviques) na luta contra o Czar.

Claro que na construção da cosmogonia da Revolução enquanto evento escatológico e teleológico tudo isso foi esquecido e Lênin e seus Red Caps viraram semideuses que conquistaram tudo sozinhos e ainda tiveram todo o resto da esquerda atrapalhando a inexorável lógica de seus cérebros geniais.

Só que a gente pode ler tudo isso de outra forma e ver já em Lênin, e em toda a metodologia e obra, o germe do que viria a ser nítido: O autoritarismo de Stálin.

E não se libera nem Trotski, basta pesquisar sobre Kronstadt e Makhnovistas, sabe?

Escrevo tudo isso porque do silenciamento de críticas ao Fora Temer ao silenciamento de críticas à própria participação da esquerda em eleições, passando pelo silenciamento de quem lembra da participação do PSOL no voto a favor da cláusula de barreira que hoje o retira dos debates, sempre aparece a ideia de que a esquerda se prejudica porque está “desunida” e que com isso “abre espaço pra Bolsonaro”.

Percebem o tamanho da tolice?

Dizem isso porque a esquerda não está na mesma chapa em vários locais, como se unidade fosse sinônimo de participar de eleições e só se combatesse a direita em espaços eleitorais.

Como se cada seminário, cada ato, cada performance, cada debate, cada comitê contra à PEC 241, cada combate ao Escola sem Partido e cada ocupação fossem ilusões coletivas e não fossem em si um enfrentamento direto a toda a direita, seus valores e também, por tabela, candidatos.

Dizem que quem combate a participação da esquerda em eleições empodera Bolsonaro, quando ignoram o quanto emponderaram Bolsonaro ao criminalizarem as ruas em 2013.

Fora que ignoram que por essa lógica quem endossa as eleições também empondera Bolsonaro.

Além disso, todas as vozes da esquerda que combatem Bolsonaro cotidianamente nas muitas marchas antifascistas, nos embates contra Bolsonaro nas escolas e universidades, nos atos públicos, nas aulas públicas, nas universidades, escolas, favelas,etc, são transformadas em “cúmplices do empoderamento de Bolsonaro” porque não participam de eleições e/ou apoiam o candidato da esquerda partidária.

Que unidade defendem?

Dane-se se há unidade no combate à direita, se não houver unidade de apoio ao candidato da esquerda partidária não há unidade? Querem unidade ou uniformidade? Querem unidade ou silenciamento da diferença?

Essa atitude de esquecimento de que não existe apenas um valor de esquerda, e uma ideia de transformação e um caminho e que apenas o caminho descrito por Lênin a partir de Marx funciona chega a ser infantil, se não fosse um valor que rima com um messianismo teórico de quinta categoria.

Detalhe, ignoram as próprias transformações do marxismo.

Não à toa o machismo dessa esquerda, o racismo, o silenciamento de minorias e pautas, a imensa ignorância da pauta ambiental (Inclusive da própria releitura da ecologia em Marx ou a partir de Marx) campeia dentro da esquerda partidária brasileira atual.

Indígenas, Qulombolas, Transgêneros, tudo isso ou é ignorado ou instrumentalizado com a adaptação grosseira de pautas liberais em torno desses grupos sem nenhuma reflexão coletiva ampla.

Favelas, negros, genocídio, feminismo popular? Ou é instrumentalizado ou tratado com tutela.

Por isso o choque com o descrédito que parte da juventude favelada tem com partidos e o subsequente tratamento autoritário desses como lúmpem, pior ainda se se organizam junto a autonomistas e anarquistas.

Enquanto isso Fora Temer de Starbucks é louvado, e é sintomático.

PS: Pesquisem unidade no Google em busca por imagens e vejam a coincidência entre “Unidade” pra esquerda e pra grupos religiosos cristãos.