A Classe Operária vai na padaria

O título faz uma gracinha com o filme “A Classe operária vai para o Paraíso” de Elio Petri, filme político italiano de 1971, mas o tema não é exatamente uma piada.

A questão é que após eleição pululam análises sobre o quadro geral e que invariavelmente são rasas, porque consideram apenas os vencedores das eleições e não analisam o quadro geral; dramáticas, porque fatalmente se prendem na dor da derrota em vez do sabor dos processos e avanços; e conservadoras, porque tratam política como corrida de cavalo.

O eleitor em geral é tratado como o grande culpado, o grande vilão, o cão, o danado, o sete pele, aquele que trai nosso desejo espantado pela vitória a partir do sonho, aquele que não faz jus ao dom da consciência política.

E os partidos, especialmente da e pela esquerda, são também vilões porque falam pras paredes, dizem idiomas inteligíveis, remetem a sábios vetustos de contos de horror, pútridos em seu isolamento e incapazes de liderar a inerme classe operária rumo ao caminho pavimentado e uma Revolução escolástica, positivista e meio bocó.

Como este que vos escreve acha uma bobagem, sem tamanho a ideia de que quando a gente acerta o mérito é nosso e quando não dá a culpa é do povo e acha que marxismo é positivismo, coisa que é que nem Cachaça com Strogonoff, no mesmo copo, eu passo dessa.

Primeiro que o povo é gente para danar.

Muita mesmo, juro. muita gente para atingir, muita informação para passar, muito programa para discutir, muitos corações e mentes para lidar em cenários imprevisíveis na prática. 

Povo é tanta gente que precisa de muita coisa para mudar marés, precisa de imprensa, texto, subtexto, rádio, tv, dinheiro e perna para transformar conquistas históricas, como o SUS, em vilãs e ter gente que defenda sua destruição.

Até onde eu sei o alcance das mídias da esquerda é muito menor que o das mídias todas da direita.

E também acredito firmemente que o contrafluxo das mensagens seja uma mão de obra danada para reverter década e meia ou mais de sabotagem. Mas  a digressão não ajuda o texto.

A esquerda, que não é una e nem será, porque somos muitos e muitos tem em si divergẽncias de fundo , também não tem o dom mágico da condução porque a população não é estúpida.

Tampouco uma união idolatrada e idílica, meio dodói da cuca, sem olhar as diferenças normais, naturais e saudáveis no interior da esquerda, salva essa lógica de condução.

A esquerda precisa de um monte de coisa para resolver uma pancada de problemas e também vencer eleições, até porque precisa construir a sustentação de vitórias eleitorais para além de uma primavera solta na mão de um bêbado.

O que a esquerda não precisa é um retorno à lógica de que ela é a condutora do processo de revoluções e transformações e não parte deles, de dentro, vivendo o dia a dia e sendo referência e não condutora, de povos que entram em ebulição por chegarem numa consciência política e de classe advinda da experiência e da compreensão do real à sua volta.

E uma esquerda atada em uma unidade sem união é uma esquerda incapaz de se mover em um cenário onde ser diversa a faz melhor e maior.

A Revolução Russa foi feita por Bolcheviques, Mencheviques, Socialistas Revolucionários, Anarquistas, Soldados, Camponeses e Huskies Siberianos e não por um corpo unitário e ciente de um programa único. Quem vende essa ideia tá mentindo ou é tosco.

E as demais Revoluções não foram diferentes, porque as Revoluções não são chá das cinco, brother!

Revoluções não tem um plano, não são um caminho lindinho com flores de fogo, projetado pelo Niemeyer.

Lênin liderou uma revolução com Trotski e outros tantos porque foi sagaz nas costuras, pulou nas tábuas certas, soube ir, vir, rever pontos, insistir em outros e foi visto como referência.

E a gente só sabe disso depois, na hora ninguém sabia de sua liderança mais a fundo do que o impressionismo, e a aposta, permitia.

A quente, geral sabia no íntimo que ir por aquele caminho era uma aposta, por mais racional que ela fosse.

E aqui é que entra nossa necessidade de propor uma reflexão sobre nossa relação com a classe, com as eleições, com o trabalho diário. 

A gente precisa sair do marxismo hegeliano que chuta o real como o Vitinho batendo pênalti em vez de ir pro básico do marxismo: catar dados, olhar para eles, pensar sobre eles e ir pro pau.

Era tão óbvio que a Paula venceria no segundo turno em Pelotas como era muito difícil a virada do Boulos em São Paulo. A gente só conta depois para não reduzir o entusiasmo da rapaziada.

Mas também é imensamente óbvio que a gente tem um caminho menos duro pela frente, há pistas sobre como ir e vir nessa lama diária da luta e porque é importante o que vivemos nos últimos meses.

Porque o saldo organizativo, o crescimento eleitoral, a ampliação da participação de negros e negras, de LGBTQ+, de transgênero, de indígenas, de mulheres, não foi pouca coisa, como não foi pouca coisa o tamanho da virada em Sâo Paulo.

A Classe Operária não tá perdida no tempo, nem vestida para matar ou em um casamento grego sonolento em plena tarde de segunda-feira.

A Classe operária não vai para Paris. 

A Classe Operária vai na padaria, corta o cabelo, pede comida, pede ajuda, faz seus corre, sente o drama, corta a marcação e marca um gol de mão com a mão de Deus.

E para falar com essa Classe Operária a gente precisa ir na padaria e conversar com ela, brigar com ela, trocar com ela, passar  recibo, lidar com o dia a dia. 

A Classe Operária não quer uma fórmula de como lidar com ela, porque ela não é uma entidade esfuziante do marxismo idealizado, ela é aquela gente que toma cerveja com a gente, que faz o pão da gente, que atende a gente no caixa do banco ou do supermercado e que é nosso colega de escola, como aluno ou professor, e de universidade.

A gente não vai liderar essa Classe Operária se a gente tiver com ela uma relação colonizadora e achar que campeonatos se ganham sem ganhar jogo a jogo, metro a metro, casa a casa.

E para ganhar esse jogo precisamos ir além dos méritos nas eleições de gente preta, trans, lgbt, mulheres e indígenas, precisamos ter um partido que concretamente seja um projeto de socialismo antirracista, antiLGBTQfobia e anti misoginia.

Para isso precisamos começar já um planejamento de futuro que mostre um partido mais colorido do que nossas representações, e as da esquerda em geral, são craques em mostrar.

Precisamos fazer do antirracismo um projeto concreto  e para isso precisamos avançar sempre, respeitando o que já construímos, mas olhando para as falhas que sempre tivemos a cada eleição e avançar para um planejamento que seja mais construtor e que revele um partido melhor.

Não é pouco o que o PSOL faz pelas lutas das minorias políticas, mesmo assim não é ideal a forma como ele lida cotidianamente com as demandas necessárias para a superação das opressões.

Isso significa que o partido muda e melhora a cada período, mas que também não se faz absolutamente nada em um passe de mágica.

Acertamos muito nos últimos períodos, mas isso revela também que as tarefas urgentes de ampliação da qualidade de nossos acertos só aumentam de complexidade e de urgência.

Precisamos avançar e para isso precisamos amar, curtir, dançar, discursar, produzir, ocupar como faz um Black, brother!

Apropriação cultural, racismo à brasileira e piração branca mancham ideologias e formações acadêmicas.

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À minha maneira eu sempre fiz parte da luta antirracista, sempre, desde sempre, foi sempre um elemento fundamental inclusive para meus estudos de história e sociologia da cultura, quando cursei ciências sociais.

Estudei bastante escravidão, muito, tentei ler o máximo sobre racismo, só parei quando as circunstâncias acadêmicas me guiaram por outros caminhos, envolvidos em outro pedaço da história que sempre estudei, que foi a Coluna Prestes.

Li textos políticos da quarta Internacional ao anarquismo, passando por textos maravilhosos do SWP inglês tratando da íntima relação entre capitalismo e racismo.

Participei de movimentos sociais de luta antirracista, mesmo sendo branco e com uma certa sensação de estar no lugar errado por fazer parte da etnia que oprime negros desde sempre, mas fui aceito e por isso participei, e sempre tangenciei e fiquei de olho no debate, porque é fundamental e necessário.

Visões da Liberdade”, “Cidade Febril”, “Trabalho lar e Botequim” de Sidney Chalhoub; “Revoltas escravas no Brasil” de Joaquim José Reis e “Negociação e conflito” dele e do Eduardo Silva; “As Camélias do Leblon” de Eduardo Silva, tudo isso me ajudou a ter um bom cenário sobre o processo de formação da sociedade brasileira a partir da escravidão como base formadora de uma estrutura cultural racista.

O debate sobre apropriação cultural eu leio pelo menos desde 2007.

Inclusive percebi a relação com a mesma categoria a partir do conceito de Representação do Chartier e entendi que esse debate permeia o que Joyce Appleby, Lynn Hunt e Margareth Jacob escrevem na introdução de “A Telling the Truth about History”:

A maior parte dos norte-americanos aceitou uma única narrativa da história nacional como parte de sua herança e esta narrativa é tratada como objetividade e essa objetividade reclamada foi usada para excluir grupos inteiros de participação plena na vida pública do país.”

Serve pro Brasil e serve pro debate em torno da apropriação cultural e em especial sobre como brancos, inclusive, pasmem, intelectuais brancos, estão reagindo a este debate.

E não, não vou nem falar da questão da jovem branca que relatou uma suposta agressão feita a ela por uma negra porque ela usava turbante.

Isso foi parte de um processo de extrema tristeza com o teor dos textos, subtextos, falas, colocações e reclamações de pessoas brancas, muitas como formação universitária de porte, doutores inclusive, que me parece que o episódio que sequer se sabe se foi real, foi apenas um catalisador de um urro de parte da população letrada branca brasileira contra o que eles consideram um absurdo: A negativa pelo menos textual de que são senhores absolutos de toda a cultura.

Como assim apropriação cultural se a cultura circula e influencia a todos? Perguntam alguns.

Se apropriação cultural não pode porque usam calças se calças são invenções europeias? Vomitam outros.

O que tem em comum as duas perguntas e a maioria dos absurdos que lemos vindos de gente branca supostamente intelectualizada, informada, militante, libertária,etc? Ignorância, e uma ignorância por opção em um mundo de fácil pesquisa e apreensão de saber.

A maioria dos intelectuais e militantes brancos ou não pesquisou ou se contentou com o básico a respeito do debate sobre apropriação cultural.

Pior, bastam exemplos escolhidos a dedos da estupidez militante de alguns elementos dos movimentos negros e indígenas que partem pro ataque individual pra combater um processo, e um debate, que discutem o sistema, para que os intelectuais e militantes brancos se sintam satisfeitos em jogar todo o debate pro lixo, toda a militância pela janela.

Senso crítico transformado em senso comum? Tá tendo.

E por que?

Poderia dar inúmeras explicações, mas racismo organiza todas.

Por que racismo explica todas essas manifestações?

Porque gente com capacidade cognitiva pra ser professor universitário, e militância de esquerda ou liberal de fôlego e muita leitura e ferramental analítico complexo tá ignorando todos os intelectuais negros, todas as manifestações teóricas negras, brancas, indígenas e europeias a respeito de apropriação cultural ou tudo o que é similar a ela e perambula na academia para sustentar que aquela utilização plena das culturas a seu bel prazer branco é direito inalienável, foda-se se o debate feito pelos movimentos negros tá cagando pro uso individual e apontando um fenômeno sistêmico de opressão.

De Djamila Ribeiro falando em apropriação cultural a orientalismos do Edward Said; de Chartier a Joyce Appleby; de Ginzburg a Benedict Anderson passando por todos os historiadores brasileiros que falam em cultura, tudo isso é lixo diante da necessidade atávica de exemplos ruins que vão de Beatles a calça comprida, além de ressuscitarem “aculturação” como palavra válida (Deus meu!) para sustentar que “apropriação cultural é bobagem!”.

Tudo está servindo para que manifeste e resguarde o privilégio branco de a tudo utilizar, inclusive simbolicamente, mesmo quando este uso não está sendo atacado, apenas está sendo informado que a sociedade branco normativa e seu capitalismo se apropria de elementos culturais de outras culturas não hegemônica para seu usufruto e lucro, ressignificando estes elementos, colocados anteriormente como pejorativos até que o uso branco os resgatasse do domínio das classes “inferiores” ( talvez também “perigosas” a partir do que se lê em Chalhoub) e estabelecesse um uso validado pela cultura dominante.

Parece difícil de entender?

A mim não.

Perceber a apropriação cultural impede branco de usar turbante e índio de usar calças? Não me parece.

Brancos são perseguidos por usarem turbantes? Se no caso de UMA PESSOA BRANCA supostamente perseguida se criou tanta polêmica eu acredito que se fosse um fenômeno realmente concreto, que possuísse mais que UM caso físico e no máximo centenas de casos em redes sociais onde os debates caem pra essa lama, como se todos os debates em internet e em redes sociais não fossem de baixíssimo nível, acho que o Jornal Nacional teria especial de trinta minutos, não?

O fato é que as exceções ao debate viraram o debate em si na ótica das pessoas brancas e essa lente faz um enorme sentido: Ela é um alarme de que quando privilégios são atingidos tudo ganha outras cores.

O que dói é que essa gente sequer se toca que reproduz opressão com seus chiliques lacradores e desinformados, ofendem, reduzem mais ainda a suposta civilização que dizem defender.

E ignoram trabalhos sérios feitos por críticos e acadêmicos a respeito da apropriação cultural do samba por parte da classe média branca carioca, que deu em Bossa nova inclusive, ou do funk que seguiu o mesmo caminho, de marginal a herói e símbolo da cultura brasileira.

É só perceber o samba, analisar o samba e sua absorção pela classe média e elite branca pra sacar o que é apropriação cultural, não dói, não mata.

Quer outra música? “Vá cuidar de sua vida” de Geraldo Filme, gravada também por Itamar Assumpção em Pretobrás I, ela é um desenho musical da apropriação cultural do samba, da capoeira e da religiosidade afro-brasileira, a partir dali fica facílimo entender.

Duvida?

Lê ai:

Vá cuidar da sua vida
Diz o dito popular
Quem cuida da vida alheia
Da sua não pode cuidar
Crioulo cantando samba
Era coisa feia
Esse é negro é vagabundo
Joga ele na cadeia
Hoje o branco tá no samba
Quero ver como é que fica
Todo mundo bate palma
Quando ele toca cuíca
Vá cuidar…
Negro jogando pernada
Negro jogando rasteira
Todo mundo condenava
Uma simples brincadeira
E o negro deixou de tudo
Acreditou na besteira
Hoje só tem gente branca
Na escola de capoeira
Vá cuidar…
Negro falava de umbanda
Branco ficava cabreiro
Fica longe desse negro
Esse negro é feiticeiro
Hoje o preto vai à missa
E chega sempre primeiro
O branco vai pra macumba
Já é Babá de terreiro.

Portanto quando vocês demonstram esse grau de ignorância coletiva pra justificar que se mantenha a apropriação cultural e silenciam o debate como um todo, escrotizando inclusive grandes intelectuais negros, e muitos brancos também, vocês apenas reproduzem um racismo silencioso e encubado no meio da alma branca da sociedade brasileira que t[á tão enrustido que não é enxergado.

Vocês escrotizam o que negros gritam há décadas, cantam e dançam, produzem na universidade, discutem na música, nas artes plásticas, na poesia, nos debates, na militância e tudo porque o privilégio de a tudo absorver por parte de uma elite branca é absoluto na cabeça de todos.

Quando vocês ridicularizam um debate sério vocês silenciam toda uma militância, toda uma luta étnica.

Talvez porque a maioria de vocês jamais viveu algo que era desprezado por ser do subúrbio virar chique porque foi pra zona sul do Rio. E tudo o que você viveu vendo ser chamado de tosco e brega virou chique porque outros passaram a fazer iguala você em endereços mais próximos do centro da cidade.

E isso ocorre sempre no Rio, por exemplo.

O trem do samba era basicamente algo que amantes do samba, suburbanos em sua maioria, curtiam, hoje é um evento que gentrificou-se e afasta as pessoas pobres que antes iam até o evento, a cada dia um evento que exclui os próprios moradores de Oswaldo Cruz que antes iam em peso e hoje não conseguem pagar a cerveja que vende ali, na maioria pelo contrário, trabalham vendendo a cerveja, servem os zona sul quando antes se divertiam.

Mas as pessoas tão intelectualizadas, brancas e lindas não percebem, porque vivem isso de longe, apenas leem a respeito e quando leem algo que invade sua zona de conforto… ai amigo, te segura porque o chilique é alto.

Sobre não dar descanso a Temer, as diferenças, distinções e imobilidade eleitoreira

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Quando Dilma sofreu o impeachment na câmara parte da esquerda partidária e de movimentos sociais declarou que não daria um segundo de paz a Temer.

Pois é, mas deu.

Deu inclusive mais que um segundo em paz, deu dias, semanas, meses.

Manifestações até ocorrem, mas pingadas, poucas e pouco representativas.

Ações, como as que ocuparam o MinC, foram pouquíssimas e pararam há semanas, mesmo obtendo vitórias diante deste governo apalermado, ilegítimo e fraco.

E o governo ilegítimo prossegue com suas ameaças asneiras não só à classe trabalhadora, mas à democracia, ao bom senso, ao futuro da produção científica e à educação laica e de qualidade.

Mas a esquerda partidária prossegue sem tirar a paz de Temer, a não ser que entenda que tirar a paz seja xingar muito no Twitter.

Nesse meio tempo a esquerda partidária redescobriu o PMDB vilão de desenho animado, mesmo que o PT, que se aliou ao PMDB feliz em 2010, tivesse se construído denunciando o PMDB coo parte da direita coronelista brasileira desde seu nascimento nos anos 1980.

Todo santo dia parte dessa esquerda chora lágrimas de esguicho porque Cunha, Temer, etc são “ladrões” e “golpistas”, chega a ser meigo, doce e dramático, mas tem a função social do furúnculo na bunda como processo civilizador, com a devida vênia pela utilização terminológica.

Enquanto isso se não fosse índios, padres e bichas, negros e mulheres e adolescentes fazendo o carnaval à revelia da política institucional poderíamos dizer que a esquerda morreu enforcada nas tripas do último burocrata.

Sim, não há esquerda nas ruas, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê.

Tá, vá lá. Não sejamos injustos!
Profissionais estão em greve em vários estados, especialmente professores, e especialmente no Rio e RS, mas a vida da esquerda é mais que greve, por enorme importância que elas tenham.

E a vida política das greves é mais que elas mesmas e suas categorias.

Nem às greves o apoio coletivo da esquerda, o enorme peso necessário pra disputa hegemônica e contra hegemônica das consciências, a gente vê com a ênfase necessária.

Greve Geral? Sonha!

Vemos sim a esquerda tartamudear lamentos grandiloquentes sobre a maldade do mundo contemporâneo gritando o inócuo e babaquara grito “Primeiramente Fora Temer”.

Como se essa fraseologia amestrada fosse um abracadabra da libertação dos cães capetóides da revolução pra cima da direita, que ri, de lacrimejar na gravata, dessa bobagem.

A esquerda partidária definitivamente abraçou a teleologia da revolução enquanto evento escatológico e apocalíptico.

Sua religiosidade “racional”, seus mantras, signos, sinais, santos e demônios travestido de figuras públicas e burguesia, e segue na procissão candente dos ignaros rumo ao nada.

Tem avanço fascista que mata alunos da UFRJ, amplia crimes de ódio, ameaça professores, ganha DCEs, apoia bolsonaros, etc?

Lutaremos contra isso, mas vamos tentar canonizar nosso santo da vez elegendo-o prefeito primeiro?

E às diferenças e distinções entre nós da esquerda, como são tratadas? Com a velha e boa desqualificação dos que não são convertidos à fé dos mosteiros vermelhos de São Lênin, São Marx, São Trotski e Reverendo Stálin, na borrachada.

A nova é o racha do PSTU provocando grandiloquentes debates sobre a razão ou desrazão de gente adulto optar por tomar outro caminho organizativo.
Como se isso fosse sequer da conta coletiva ou elemento fundamental de qualquer mudança dramática na conjuntura ou tivesse efeito daninho à organização política coletiva.

Sim, a esquerda partidária ainda se ressente de gente adulta definindo que não quer mais fazer parte de grupo A e se deslocando pra fazer parte de grupo B ou vender sua arte na praia.

Como se o cara ao migrar sua militância pra anarquia ou sair do partido A pra fundar outro ou ir pro B, ou mudando seu nome pra Chupeta de Baleia e fazer performances acrobáticas na praça XV mudasse um cacete de elemento prático na conjuntura e tornasse a vida coletiva mais ou menos dura no enfrentamento político contra a direita.

Mas reparem que a cada racha ou a cada crítica soltam-se as balalaicas argumentativas dos xóvens do mosteiro vermelho falando da necessidade de “um partido da classe”.

Vejam bem, não falam da necessidade da classe trabalhadora se organizar ao máximo, mas dela ter “um partido”, reparem no numeral “um”, isso mesmo, apenas um, unzinho.

E as diferenças, as dissonâncias, a diversidade, as distinções? Fodam-se elas, só pode existir um.

Tá certo que parte boa da esquerda de hoje cresceu com Highlander no imaginário, mas desde os anos 1960 ao menos temos elementos teóricos pra discutir essa obsessão pela uniformidade na esquerda que dão um novo gás à nossa própria percepção do mundo e rediscutem a obsessão marxista-leninista pelo partido único, centralizadaço, supostamente democrático, não?

A diversidade, as distinções, as diferenças produzem mais diversidade, mais distinções e mais diferenças, e isso tá longe de ser negativo diante da óbvia complexidade da composição da realidade e das classes operárias, dos mundos e fundos que são feitos de gente que luta, se organiza, sobrevive, produz suas próprias pautas e lutas.

E o que isso tem a ver com dar descanso a Temer?

Tudo.

Até porque enquanto a esquerda partidária ignora o mundo externo a ela e o aumento dos crimes de ódio, da sanha bolsonarísta de se impor na porrada sobre mulheres, negros, LGBT, a coletividade transformadora da esquerda não partidária tá por ai enfrentando essa direita sem precisar gritar “Primeiramente Fora Temer”.

E segue a esquerda ignorando essas lutas, tratando-as como “problematização que desvia o foco da luta de classes”, atacando mulheres, atacando indígenas, atacando LGBT que gritam, em grandiloquente razão, sua fome de mudanças e conseguem cercear a direita, emparedar a direita, tornar a vida da direita um inferno enquanto a esquerda partidária agenda uma nova apresentação do Papai Noel de Montevidéu numa tour inútil de louvação tosca a figuras públicas burocratizadas, mas pop.

Ou isso ou lendo um Stalinista pop como Zizek falar bobagens reaças, mas de esquerda, enquanto Temer agenda matar a CLT a pauladas.

Vão esperar perder direitos pra agir? Não é a lição que secundaristas, índios, LGBT e mulheres estão dando.

Mas uma esquerda que ainda acha que só há um caminho pra transformação, e portanto um tipo de conhecimento supostamente racional e organizado pra compreender a realidade, consegue aprender algo que fuja do adestramento?

Difícil.

Da diversidade da subversão e do ethos transformador

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Primeiramente #Molotov .

Os caminhos ideológicos da esquerda traduzem as contradições próprias do campo contra hegemônico a partir de sua miríade de campos dentro e fora do marxismo tradicional.

Quando coloco campo contra hegemônico é proposital pra fugir da terminologia “Progressista” onde são encaixados uma outra miríade de grupos que nem sempre são participantes de qualquer noção ética de transformação social ou ruptura ao status quo, entre eles liberais democratas, capitalistas desenvolvimentista de linha keynesiana, etc.

Por que os caminhos da esquerda hoje, tida como dispersa e fragmentada, traduzem as contradições inerentes a este campo contra hegemônico? Porque a esquerda jamais foi esse monólito vivo em torno do ideário marxista.

E isso se tornou mais eloquente pós-crise do estruturalismo decorrente dos efeitos da segunda guerra mundial e da racionalização do genocídio a partir do nazifascismo provocando uma crise na própria narrativa moderna da razão como libertadora e mãe do progresso.

Inclusive esse é mais um motivo pra crítica do uso do termo “progressista” para definir quem atua no campo contra-hegemônico, mais conhecido como esquerda. Porque a lógica moderna do progresso traduz uma percepção de avanço das forças produtivas que despenca na ideia do domínio antropocêntrico da Terra com desprezo absoluto ao meio ambiente, e também a um etnocentrismo que põe na frente a concepção moderna do progresso industrial e científico branco ocidental como medida de todas as coisas e culturas.

Dessa crise “da razão” emergiram muitas formas novas de transformação contra-hegemônica, mas também ressurgiram formas antigas e que estavam em campo desde muito tempo antes, como a própria ideia de anarquia que por muitos anos foi submersa pelo marxismo-leninismo, nem sempre apenas com a hegemonia ideológica e cultural, mas com violência (vide 1936 na Espanha).

Além do ressurgimento de campos ideológicos antigos como a anarquia e o autonomismo, surgem novas formas de debate contra-hegemônico como as que nascem a partir do feminismo e da luta LGBT, como a teoria Queer; A própria ideia de organização política dos povos originários, com seus paradigmas teóricos próprios que compreendem o mundo, a sociedade e as formas de transformação para além do que as teorias ocidentais propõe, mesmo que dialoguem com elas em algum momento; As construções ideológicas das populações africanas e do Oriente médio e Ásia a partir do caudal cultural e teórico produzido na descolonização, com ações que incluem o pan-africanismo e o marxismo, mas também releituras de ambos e transformações que traduzem valores próprios como a filosofia Ubuntu.

Para além disso as teorias produzidas na História, Filosofia e nas Ciências sociais apontam para novas saídas teóricas passíveis de serem utilizadas, como de fato o foram, por movimentos.

Pensadores como Ginzburg, Foucault, Thompsom, etc, fogem dos paradigmas centrais ao marxismo-leninismo e apontam para novas interpretações possíveis da vida humana e das organizações sociais que não eram contempladas quando Marx produziu suas teorias no século XIX ou quando Lênin se organizou misturando a teoria marxista a uma percepção fordista da política. Ou se eram contempladas o eram de forma absolutamente embrionária.

Se já haviam esses movimentos nos anos 1920 ou 1930, com críticos como Walter Benjamin tanto trabalhando com a crítica à construção marxista-leninista como mecânica quanto apontando o progresso, e a própria noção de História como irmã do progresso, como um processo de inevitável libertação da humanidade a partir do desenvolvimento técnico, como se a sociedade e a tecnologia fatalmente se abraçassem um dia numa era de ouro do humano, eles triplicaram em participação, peso e vivência no pós-segunda guerra e produziram tantas transformações quanto possível na própria ética da transformação no campo contra-hegemônico.

E desde os anos 1960 em especial esses movimentos e caminhos se tornaram cada vez mais diversificados e mais contundentes na ampla raiz de uma crítica complexa, completa e permanente de todos por todos e da própria ideia de transformação social.

E o que isso nos mostra? Nos mostra muitas possibilidades de análise e entre elas está desde a própria percepção das transformações como parte fundamental para o avanço das ideologias de transformação, com resultados práticos, até a própria reação de parte da esquerda outrora absolutamente hegemônica a esta diversidade e à própria crise de estabelecimento de sua ideia de unidade como hegemônica entre o diversificado plano de consciência dos movimentos de transformação.

Além disso, esse confronto entre a miríade de movimentos de transformações e os outrora campos hegemônicos do ideário de transformação põe também em confronto a própria ética da transformação, ou seja, o ethos que permite a compreensão da moral deles (Dos opressores) e da nossa (quem busca as transformações).

Não é incomum que nos embates e nas lutas pela representação do ideário da transformação o amplo espectro da ética inerente aos mais diversos movimentos seja mandado pro espaço em nome da punição daquele que disputa com o outro o papel de representante da transformação social e política (Seja ela a revolução, a anarquia, a igualdade de gêneros ou o fim do racismo ou tudo isso junto). Não é incomum as acusações mútuas entre os campos de serem traidores de uma causa em especial ou de uma bandeira ou de um campo de significados que simbolizam a revolução. E não é incomum todos estarem certos.

A diversidade da subversão por vezes é tomada como panaceia ou como veneno, quando não é nem um nem outro e sequer deveria também significar diversidade do ethos transformador.

A diversidade da subversão é um fenômeno histórico que traduz uma nova percepção do real como multifacetado e intraduzível de forma única pelas mais diversas ciências e teorias (incluídas ai as ditas exatas), algo que se não é consenso é cada vez mais perceptível nos debates ocorridos no interior das ciências humanas, e não só.

A diversidade no ethos transformador é que é um problema e dos grandes.

Porque a diversidade da subversão é filha dileta da expansão das formas de luta e dos campos de embate contra a opressão, que produzem amplos espectros de vitórias e de exposição das forças conservadores e do Estado a uma miríade de táticas e demandas que não os permitem muitas saídas simplificadoras.

Prendem anarquistas? Autonomistas atuam. Prendem comunistas? Grupos feministas estão nas ruas. Universitários reprimidos? Secundaristas ocupam escolas.

Entre todos esses existem comunistas ortodoxos e não ortodoxos, autonomistas tradicionais e novos, black blocks, feministas interseccionais e radfem, movimento negro unificado ou que inclui brancos, movimento indígena com raízes partidárias e autonomistas, entre todos existem foucaultianos, confederalistas libertários, anarquistas, autonomistas, malucos, etc.

E todos participam da enorme tarefa de transformação do mundo com o estabelecimento de uma polifonia onde vários mundos acabam se tocando e dialogando, na marra.

Isso é o estado da arte da diversidade teórica e da liberdade de ação política conquistada pela contestação, dentro e fora da academia, e que permite de tudo um pouco nas ruas, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê.

Essa diversidade teórica e liberdade de ação política nasce da própria crítica às amarras teóricas e políticas produzidas no campo contra-hegemônico pela ascensão do marxismo-leninismo como resposta única a todas as questões produzidas no espectro contra-hegemônico que contemplassem as transformações necessárias nas sociedades contra toda forma de opressão.

Essas amarras nasceram e cresceram desde a ascensão de Lênin ao poder na URSS com silenciamento de todas as contradições internas e externas aos bolcheviques, muitas vezes com uso do exército vermelho de Trotski, e viraram um Leviatã sob Stálin e com o crescimento do peso geopolítico da URSS e seu controle sobre os partidos comunistas mundo afora.

Não à toa dois dos momentos de explosão da miríade de movimentos e concepções de luta nascem na e da explosão teórica pós-1960, período onde também ocorre o primeiro rompimento coletivo com o Stalinismo partindo da própria URSS e tendo reflexos na saída da China do estado de parte do Komintern, e após a queda da URSS nos anos 1990.

O resultado das reações à diversidade teórica e liberdade de ação política pós-1960 vem sendo, primeiro pelos PCs e agora pelos partidos da esquerda tradicional (em geral trotkistas) mundo afora, bem similares: Descrédito a tudo o que foge da ideia de “unidade”, que no fundo é busca de uniformidade; desqualificação das teorias contra hegemônicas não partidárias como “pós-modernas” , mesmo que a maioria ainda compartilhe de boa parte dos paradigmas da modernidade e o pior dos casos, o desvio ético que contempla o abandono do ethos da transformação em nome da garantia de espaços de poder, em geral burocráticos, que permitam o confronto com vantagens operacionais contra as mobilizações diversificadas, ou mais gerais e autônomas. Essas vantagens nos confrontos incluem uso do aparato policial de governos, processos judiciais e sim, tem muito a ver com a concepção fordista e até militarizada (Trotski defendia inclusive a ideia de militarização de sindicatos na revolução russa) de movimentos sociais e organizações políticas.

E ai é que está parte do problema do rompimento com o ethos transformador.

Porque o ethos transformador inclui na práxis cotidiana a ideias de reprodução ética de valores aos quais se deseja espalhar para toda a sociedade, ou seja, não adianta defender igualdade de direitos entre gêneros e etnia e incorrer em racismo ou machismo.

Não adianta ser contra transfobia e ser transfóbico, homofóbico, etc. Não adianta querer a liberdade da sociedade via revolução e encarcerar quem diverge de você, ou desejar que alguém morra de forma brutal por ser seu adversário, mesmo ele sendo um torturador ou defensor de torturadores.

A diversidade de meios de luta contra hegemônica é positiva, a flexibilização ética do ethos transformador não.

Há uma bela diferença entre pacifismo e contraposição à barbárie com barbárie.

Precisamos manter a lógica de ampliar a diversidade de percepções, interações, construções contra hegemônicas, a diversidade não nos enfraquece, fortalece e “pira” o poder.

Se nesse meio tempo essa diversidade também enfraquece as forças políticas organizadas em torno das burocracias, paciência e problemas deles.

Enfrentemos os resultados disso, pensemos e construamos a resistências à opressão com ou sem essas forças, com ou sem parlamentares, mas não esqueçamos da necessária manutenção do ethos transformador.

Parte da diferença entre nós e Bolsonaro é saber a nossa ética. Quem esqueceu ainda dá tempo de lembrar.

A própria ideia da catalogação ideológica em caixinhas determinantes e limitadoras é parte de um processo redutor do outro ao limite ideológico imposto. Por isso limites como “anarquistas não podem votar” ou “marxistas tem de ser centralistas democráticos” são parte da redução e da simplificação, que contém uma boa dose de autoritarismo.

O limite do pertencimento ao campo contra-hegemônico deveria ser menos doutrinário e mais ético, menos autoritário e mais libertário, menos redutor e mais amplificador e pode ser resumido na luta contra a opressão e contra o capital como porto seguro de todas as opressões a partir das opressões de classe.

Precisamos ir além do sistema e pensar pra fora dele. Ir além do voto, ir além das caixas, mas sem desgrudar de nossa ética fundamental: Não podemos ser como quem combatemos.

 

Do Impeachment ao stalinismo: A ampliação do silenciamento de mulheres, LGBT, Negros e índios

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O Brasil passa por milhares de problemas hoje.

Pós-impeachment de Dilma ele acrescentou a uma crise econômica gravíssima dentro de um contexto mundial, um nível de ruptura institucional complicadíssimo pra quem vive a luta institucional.

Acrescente a ampla descrença no sistema político brasileiro que vem em um crescendo ao menos desde 2013 um avanço de conservadores, amplifique com desconfiança tácita em todos os partidos, um judiciário ativista com flexibilidade ética, um governo interino ilegítimo e uma esquerda imobilizada, voilá, temos um caldeirão pronto pra requentar o caos.

Pra piorar o governo ilegítimo acha que o impeachment os legitima pra uma guinada de 180º na linha política já tímida do governo anterior em relação a direitos e a esquerda partidária pira na batatinha endossando o que o Governo Dilma e o PT mais querem: A irreflexão sobre os anos de concessões que pavimentaram o golpe transformada em apoio acrítico, recheado de pânico, ao Partido dos Trabalhadores como se um golpe fosse uma espécie de morte, que a tudo santifica.

É de um lado Alexandre de Moraes afirmando que usará a lei antiterrorismo pra meter a porrada em manifestante e quem criou a lei antiterrorismo e foi cúmplice de violência contra manifestante na copa e sócio do agronegócio no ataque a indígenas dizendo que são lados opostos, porque Dilma foi apenas péssima em DH, enquanto Temer é o horror.

Só que tudo fica mais pantanoso e até leviano quando nos pegamos lendo atitudes que envergonharia a esquerda se essa não tivesse perdido a noção de ética e do que é nossa moral em relação à da burguesia faz tempo, nessa marcha de naturalização do Stalinismo como se fosse pragmatismo e da secundarização de lutas como se fosse “foco na Luta de Classes”.

Bem, o PT e parte da esquerda partidária não satisfeitos em mimetizar a mídia corporativa para atacar Temer, como se precisasse, também está utilizando o momento crítico pra fazer uma caça às bruxas a toda a esquerda que atuava nos movimentos ampliando as pautas e exigindo mais direitos, especialmente os movimentos calo pro PT e governo como LGBT, Mulheres, Negros, Índios, Trans, etc.

Além do clássico “Não é hora de criticar o PT” temos agora o “Essa galera que problematizava turbante, essas ‘‘feminazis’’ são também participantes do golpe!” e variações da ladainha numa ressurreição do movimento de criminalização de ativistas produzido em 2013 que chegou ao ponto dos MAV do PT espalharem fotos fake de anarquistas empunhando bandeira nazista, foto manipulada por Photoshop que apagou o A anarquista e pôs a suástica.

Pra completar ninguém da esquerda partidária faz a mínima autocrítica sobre sua participação na criminalização de anarquistas e autonomistas feitas de 2013 pra cá, e não só, atua pra aparelhar as ocupações de escolas e transformar todo movimento de resistência a Temer em parte da “Frente Povo sem Medo”.

Se juntarmos o avanço de silenciadores secundarizadores de luta tentando silenciar mulheres e negros com o aparelhamento da indignação não é difícil entender o que temos pela frente: além da luta antifascista, que não recebe um pingo de ajuda dos partidos da ordem como PT, PSOL e PSTU, ainda temos um avanço de uma concepção stalinista de esquerda que é um avanço autoritário terrível para a esquerda.

E sim, esse momento contém mais perigos do que podemos imaginar. O avanço do Stalinismo dentro do campo das esquerdas naturaliza o autoritarismo como solução.

Some a contaminação autoritária da esquerda à ampliação do caudal autoritário na sociedade como um todo e o resultado não é exatamente cheiroso.

Se a esquerda é autoritária e a sociedade também é não há Chapolin Colorado que nos salve.

Em tempos onde escolas ocupadas sofrem ataques violentos de estudantes financiados pela direita para agredir quem as ocupa é perigosíssimo transformar quem deveria resistir a isso em espelho.

A complexidade dos problemas e da conjuntura exige mais do que uma reação dura aos ataques conservadores, ela exige uma reação qualitativa ao avanço do conservadorismo.

Não precisamos e nem podemos responder autoritarismo com flores, mas também não precisamos ou podemos responder ao conservadorismo com autoritarismo centralizador, silenciador e até misógino e racista.

É nessa hora que precisamos entender a diferença entre nós e eles. E ela não é só de um suposto lado que ocupamos e arbitrariamente definimos como se fossem uma manifestação binária maniqueísta.

A diferença entre nós e eles é também de valores, de busca de abolição de hierarquias, classes, fronteiras, opressões.

E não, isso não é sonhador, isso é identitário, estruturante.

Não podemos manipular manchetes pra desqualificar Temer, não precisamos disso, temos a defesa dos DH e a luta contra sua violação como tarefa, e isso já dá um enorme caldo pra batermos no governo ilegítimo.

Não, não precisamos sacanear movimentos autônomos ou a luta contra o silenciamento, debatedora do lugar de fala, e contra a apropriação cultural racista pra supostamente focar na luta de classes sufocando “desvios”, porque a luta anti racista e contra privilégios,misoginia, machismo e homofobia SÃO A LUTA DE CLASSES.

E também não precisamos fantasiar o governo Dilma pra chamar Temer de um horror.

Essa é inclusive a hora de E-XI-GIR do PT uma plataforma de real guinada à esquerda, uma reversão programática do que vinha fazendo, concretizando promessas jamais cumpridas, isso pra começar, e não para agirmos como esquerda domesticada pronta a servir o tutor do Campo da esquerda na hora em que ele precisa, mesmo sem merecer uma linha de confiança.

Precisamos inclusive entender que as fragilidades do governo Temer tem tudo pra miná-lo mais cedo do que a imprensa encantada com o governo reaça deseja e sequer percebe. E que essas fragilidades fatalmente porão de novo o PT no governo, ou ao fim de 180 dias ou em 2018,mas que recebendo endosso ao que foi Dilma baseado numa espécie de amnésia causada pelo pânico teremos a continuidade de governos terríveis pra DH, meio ambiente, indígenas, favelados, etc..

Não basta, portanto, resistir a Temer, derrubá-lo, precisamos também derrubar no PT o que levou Temer a ser presidente ilegítimo.

E não faremos isso com silenciamento e adesão acrítica, precisamos de mais e um bom começo é saber que nossa moral e a deles não é a mesma.

O que fazer no dia depois de amanhã?

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A esquerda vem sendo reativa há tempos, isolada em seus castelos, transformada em assessoria de gabinete de governos, movimentos organizados inclusive, desde muito tempo antes do PT assumir o poder em 2003.

Funcionou por muito tempo a relçação entre movimentos, partidos, governos e mandatos. Construiu caminhos através da burocracia, programas de governo e projetos de lei.

Só que enquanto se acostumava com a relação íntima com palácios a esquerda foi paulatinamente perdendoas ruas, e quando percebeu isso, especialmente em 2013, outras forças da própria esquerda e da direita começaram a ocupá-las. A saída pra governos e partidos vinculados à esquerda foi criminalizar quem ocupava as ruas, colocando todos no balaio do fascismo.

Isso esvaziou as ruas por um tempo até que a direita se reorganizou, amparada por governos explicitamente de direita, e voltou pras ruas, amparada por policiais que construiram publicamente a diferença entre “manifestante” e “militante”, o segundo, “comunista”, deveria ser reprimido, os demais não.

Atônita a esquerda partidária permaneceu longe das ruas. Aprisionada e processada, a esquerda não partidária também, embora atuasse fortemente nas ocupações de escola, manifestações por passe livre, etc, atuando em geral por vias menos ortodoxas, mais próximas às periferias e vinculadas a bandeiras mais práticas e cotidianas.

E cresceram os movimentos de direita, a classe média conservadora tomou gosto pelas manifestações sem política, sem repressão policial, com muita festa, anticomunismo, ódio racial, ódio a LGBTTS, feminismo e em especial ao comunismo. O fascismo começava a pôr a cabeça de fora.

A esquerda, aidna atônita, mas percebendo o perigo de impeachment saiu às ruas por um breve tempo, depois voltou a aguardar com a fé dos incansáveis, uma solução salvadora vinda das articulações palacianas de suas figuras públicas.

E não teve solução, não teve articulação que desse jeito, Dilma caiu, Temer assumiu com um ministério mais conservador que o de Collor.

Enquanto tudo isso acontecia várias manifestações antifascistas e ocupações de escolas ocorriam, com a esquerda partidária as ignorando ou tentando se apropriar delas pela via de UBES e UNE sem muito mais do que dezenas de estudantes ocupando o Parlamento, enqquanto nas escolas alunos auto-organizados tocavam o baile do ativismo que transforma, conseguindo em São Paulo uma CPI da Merenda e no Rio o fim do SAERJ (Prova de avaliação de “desempenho”). As ocupações horizontais permanecem em vários lugares, como em Goiás, Porto Alegre, Fortaleza.

E ai, e o resto da esquerda, o que faz no dia depois de amanhã do Impeachment de Dilma?

Bem, pouca coisa prática além de choramingar sobre o recuo conservador que é o Governo Temer e listar publicações internacionais criticando o impeachment de Dilma.]

Zero de análise, de auto-crítica, de propostas, zero de percepção de algo além do óbvio sobre o processo.

Parece que Temer, vice de Dilma, desceu de um disco voador vindo de Marte.

A esquerda petista lembrou outro dia que os índios existem e colocou que com Temer eles vão acabar. Bem, pode ser, inclusive Temer precisa apenas olhar como Dilma produziu parte do processo de extermínio indígena e repetir, nem precisa reinventar a roda.

Esse é parte do problema: Cadê ao menos o “Foi mal!” do PT sobre os recuos que empoderaram essa direita que o golpeou pra gente começar a conversar coletivamente sobre resistência? Não vai rolar? Não, não vai rolar, mas então, que tal ao menos propor caminhos de resistência além do Avaaz?

Não sei se vocês notaram, mas dizer o óbvio, que o ministério Temer é um horror, não o transforma no Coelhinho da Páscoa.

A ausência de mulheres e negros, a transferência da titulação de Quilombos pro MEC não é apenas um informe, é uma prática entrando em ação. Alexandre de Moraes na Justiça idem, significa que o pau vai comer.

E não, não adianta vir com aquele papo brabo de “Viram? Sem o PT é pior!”, porque senão a gente lçembra a responsabilidade do próprio PT com alianças à direita e empoderamento do mesmo PMDB dentro dos governos Dilma e Lula. Sim, sem o PT é pior, mas com o PT não estava bom e metade do ministério Temer também foi ministério Lula ou Dilma, de Henrique Meirelles a Henrique Eduardo Alves, Jucá, Kassab, etc. Melhor mudar de assunto, não?

Então, estão vendo as escolas? Estão vendo as manifestações antifas? Que tal baixarem a bola e a sbandeiras e colarem enquanto militantes pra apoiar, dar força sem tentar apropriar, aparelhar, transformar em palco eleitoreiro? Que tal se transformarem de novo naquela galera que não queimava na fogueira valores e bandeiras históricas pra construir o cadafalso que produziu o impeachment de Dilma?

E podemos avançar, há enormes mudanças no quadro teóprico prático da militância anarquista e socialista desde 1917, sabe? Tem as experiências do Curdistão libertário sírio, por exemplo, que dão caldo. E acho que se o Ocalan velho de guerra conseguiu produzir uma teoria libertária vindo de uma tradição leninista a gente consegue também, não?

Que tal a gente começar a discutir comitês de resistência? Não, dificilmente vai ter a adesãod e autonomistas e anarquistas, mas tem boa parte da esquerda que ainda ama votar e adoraria uma experiência organizada de forma horizontal, mesmo com o exemplo dado recentemente sobre o valor que a eltie política dá ao voto. Sabe o PODEMOS e o SYRIZA? Pois não nasceram cooptados pelo sistema e tem mais horizontalidade que a maior parte dos partidos brasileiros, mas muito mais que PSOL e PT.

Sei que RAIZ e REDE não são similares a PSOL e PT, embora o RAIZ esteja hoje em filiação solidárioa ao PSOL, mas são experiências de organização político partidária bastante mais horizontais e o quadro de recuo conservador não tá deixando barato quem fica pensando apenas no próprio umbigo.

Para além disso há contingentes autonomistas e anarquistas produzindo coisas novas, com resistência a tarifaços, aumento de energia, passagem, com luta por ocupação de imóveis, tem todo um trabalho educacional sendo feito. Tudo isso pode ser exemplo de funcionamento pra quem quiser transformar de novo o quadro político e construir saídas ao recuo conservador.

Ainda mais se analisarmos o quanto esse recuo que tenta atingir cotas, LGBT, mulheres, etc e também não aponta nenhuma saída econômica que vá funcionar em um quadro de crise econômica internacional, que tende a ampliar a recessão, além de pôr fogo no cabaré que é hoje o teatro político brasileiro.

Já tem ocupação do IPHAN, auditores do CGU bastante invocados, pra disso sair greve é dez reais, mesmo o Alexandre de Moraes achando que o Brasil é São Paulo e vai geral protegê-lo de mídia e de exposição.

E ai, que tal parar o mimimi e produzirmos o avanço na marra?

Gentileza não gera revolução

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Não é raro que pessoas envolvidas em movimentos de emancipação ou político revolucionário incorram em machismo, racismo, homofobia, transfobia ou até coisa pior.

O motivo disso ocorrer não é desconhecido, dado o caráter estrutural das opressões. Parafraseando pessimamente Simone de Beauvoir: Não se nasce libertário, torna-se.

As opressões estão enraizadas nas culturas, praticamente todas contendo suas opressões,em especial a cultura dita ocidental, ou judaico-cristã, hegemônica mundialmente dada sua expansão nos navios do capitalismo.

O caráter estrutural permite,por isso, negros machistas,misóginos e xenófobos, como indígenas,imigrantes não brancos ou nordestinos. Esse caráter também permite gays e lésbicas transfóbicos, gays misóginos,e por ai vai.

Não é raro também movimentos autoproclamados libertários reproduzindo misoginia, racismo, lesbo-transfobia, lgbtfobia,etc..

Outra questão presente na reprodução de opressão é a ausência de combate à estas opressões. Essa ausência de combate muitas vezes se dá pelo plano da sociabilidade.

O que é o plano da sociabilidade? É o Clássico “fulano? Incapaz de abusar de mulheres,conheço anos a fio!”ou o “Tenho certeza que fulano foi mal interpretado,ele é muito gente boa pra ser machista (ou racista ou transfóbico)”.

O plano da sociabilidade é a clássica suspensão da descrença sustentada pelo afeto. E essa gracinha mantém abusadores/estupradores em partidos, abusadores na academia, misóginos no movimento negro,misóginos na luta LGBT, transfóbicas no feminismo,etc,etc,etc.

É no plano da sociabilidade que nasce o “gentileza gera gentileza”, slogan da hipsterização da luta política que conscientemente opta pelo genteboísmo em vez do rompimento.

E é no “gentileza gera gentileza” que reside o fascistinha assustado que é o pequeno burguês lustrando as xícaras de chá do clube de debate pós-moderno da transformação de sofá que ele confunde com revolução.

O “gentileza gera gentileza” é a versão moderna do trottoir do país dos bacharéis. O “gentileza gera gentileza” é filho dileto do abolicionismo sem negros,da emancipação indígena sem índios,do feminismo sem mulheres.

É no “gentileza gera gentileza” que mora o cara que luta contra os privilégios apenas quando são privilégios que ele não possui.

É no “gentileza gera gentileza” que se constrói o bunker da luta pela igualdade entre os seres humanos desde que ela não afete meu amigo intelectual que abusa de mulheres.

O “gentileza gera gentileza” é a pátria do negro que luta pela emancipação dos negros,mas quando mulheres,inclusive as negras, precisam expandir direitos ele evoca o senhor de engenho a exigir comportamento e civilidade de quem precisa é quebrar a porta pra poder entrar no salão de chá da integração real.

O “gentileza gera gentileza” é o salão de festas do comunista “veja bem” quando exposto diante da debilidade de sua defesa da economia à frente da ecologia.

Porque é no “gentileza gera gentileza” que reside o brutal freio de mão puxado do enfrentamento da questão de classe e de combate às opressões dos militantes dos movimentos emancipacionistas.

A galera quer uma emancipação “gentil”,socialmente aceitável,republicana,vestindo fraque,cartola e Pince Nez pra homens e Vestido de gala para as mulheres.

Mulheres mostram os peitos? Inaceitável para o “gentileza gera gentileza”! E as crianças na Sala?E a Vovó Donalda? E a imagem do sagrado feminino? E nossas mãezinhas?E até o militante do movimento negro entra na criminalização do “atentado ao pudor” envergonhando quem caiu na porrada pra combater as leis Jim Crown.

Aliás, o “gentileza gera gentileza” se escandaliza mais com peitos de fora do que com os absurdos números da violência contra a mulher.

Mulheres denunciando abuso feito pelo starlet intelectual amante de selfie de pênis e fina flor da “inteligentsia” de internet da esquerda fofinha? O“gentileza gera gentileza” cria até comitê central da salvação da inteligentsia amante da fadinha verde da ecologia abraço na lagoa e da emancipação indígena sem índio.

Anarquista sendo preso por quebrar vidraça de banco e sendo chamado de terrorista? E ainda criticam o Príncipe Danilo por defender seu isolamento e apelar pra omissão eloquente em torno do processo de anarquistas e autonomistas por crime de opinião e ativismo? O “gentileza gera gentileza” não tarda a defender que é preciso ser republicano enquanto toma o chá da compactuação da omissão em nome da ação “revolucionária” de defender bandeiras liberais como se revolucionárias fossem.

Por que isso tudo? Porque o “gentileza gera gentileza” no fundo é a âncora do rompimento porque manter a moral burguesa e a solidariedade de classe burguesa,e com a burguesia, é muitíssimo mais importante que construir o rompimento.

Afinal se rolar rompimento o “gentileza gera gentileza “perde o festival de Tambor de Criola que vai rolar depois daquele filminho no Odeon. E como abrir mão do excelente papo do canalha machistas e ele for limado da existência no clube de chá das cinco do debate de Foucault?

Ao “gentileza gera gentileza” o advogado negro misógino,mas gente boa,tem a misoginia perdoada porque é um cara legal pro clube do “gentileza gera gentileza”. Foda-se se a pregação misógina dele envenena milhares de pessoas e alimenta o crescimento do fascismo,como combater o melhor papo do churrasco?

Gentileza até pode gerar gentileza, mas jamais revolução. Por que? Porque inibe processos de transformação pessoal entre grupos e no interior de grupos, e inibe pela sobreposição do afeto à crítica e autocrítica.

A sobreposição do afeto à crítica e autocrítica é o famoso passar pano,ou passar a mão na cabeça,uma atitude paternalista,de fé interpessoal, de maior apego a laços de proximidade afetiva do que à simples ideia de superação de opressões me emancipação humana.

E ao fim e ao cabo a gentileza não só não gera revolução,como gera omissão adocicada.

O Racismo do preconceito do branco pela naturalização da morte dos negros

BALTIMORE, MD - APRIL 30: People protesting the death of Freddie Gray and demanding police accountability move into the streets in the Sandtown neighborhood where Gray was arrested on April 30, 2015 in Baltimore, Maryland. Gray, 25, was arrested for possessing a switch blade knife April 12 outside the Gilmor Houses housing project on Baltimore's west side. According to his attorney, Gray died a week later in the hospital from a severe spinal cord injury he received while in police custody.   Andrew Burton/Getty Images/AFP
BALTIMORE, MD – APRIL 30: People protesting the death of Freddie Gray and demanding police accountability move into the streets in the Sandtown neighborhood where Gray was arrested on April 30, 2015 in Baltimore, Maryland. Gray, 25, was arrested for possessing a switch blade knife April 12 outside the Gilmor Houses housing project on Baltimore’s west side. According to his attorney, Gray died a week later in the hospital from a severe spinal cord injury he received while in police custody. Andrew Burton/Getty Images/AFP

“Ah, a maior quantidade de negros mortos pela polícia não significa racismo, ocorrem porque a região onde as mortes ocorrem é de maioria negra!”, diz o sabichão branco.

E os negros estão ali porque acordaram de manhã e disseram “Porra, acho que vou me fuder e morar numa região sem esgoto, escola, hospital, com invisibilidade midiática e onde a polícia tem carta branca pra me matar!”, né sabichão?

A Escravidão; a gentrificação desde cedo ainda no pós-abolição e primeiros anos da república; o racismo ambiental desde os primeiros anos da república, a partição das cidades entre brancos ricos e pretos pobres a partir de 1889, e com aumento de ênfase no pós 1908; a retomada da secessão urbana nos anos 2010; a colocação profissional dividida por cor da pele,tudo isso é ilusão?

O negro é obrigado a morar onde mora pode trocentas formas de pressão, seja a da jamais ter renda suficiente para residir nos bairros “nobres” por ser destinado desde sempre por racismo às ocupações de mais baixa remuneração e prestígio social; Seja a de ter pouquíssima chance de inclusão social pela via da educação já pra pobres, quase todos pretos, e pretos, quase todos pobres, mesmo pelas cotas, é a minoria que tem a chance de estudar em universidades públicas, e acabam sendo relegados a uma educação sucateada da educação básica às universidades pagas com sua educação fast food.

Além disso, as poucas e ruins políticas de redução do deficit de moradia, que beneficiariam a maioria negra das pessoas pobres, é localizada nas periferias das grandes cidades, reforçando a gentrificação e secessão urbana.

Inclusive, a gentrificação com largos deslocamentos populacionais de remoção de população das favelas e localidades pobres próximos às moradias da elite branca nas grandes cidades para bairros periféricos, gera violento impacto social, ambiental e na mobilidade urbana. Pior, essas políticas são tidas como “doação” e “boa política” porque é “melhor que morar na favela”, ignorando que favela é cidade,que ali residem laços de solidariedade comunitária, que ali residem vidas, memória, amores, valores intangíveis que não são reparados por dinheiro algum no mundo.

A própria possibilidade de recuperação da viabilidade urbana das favelas, da ideia de favela como patrimônio cultural, e até arquitetônico e urbanístico,como solução popular de viabilidade de projetos de moradia para estatais, é tida como absurdo pelo racismo impregnado na academia,opinião pública e estado.

Sem falar na produção cultural imaterial vinda das favelas e periferias, tudo isso tratado como subcultura e algo passível de ser retirado dos bairros centrais para a mais profunda periferia pois é “inapropriado de estar nos bairros de elite”.

Tudo isso pavimenta a invisibilidade dos bairros pobres, e pretos, a política de estado genocida da população negra que desde a criação das polícias militares com o objetivo de policiar as ruas e serem uma espécie de feitoria urbana de negros especializada em por a população preta ”em seu lugar”, nem que este lugar seja uma cova.

E essa estrutura envolvendo a própria visão da polícia, da violência, da moradia, da cultura, da beleza, da pobreza, da vida em si, estrutura uma política de estado violenta, da política de habitação à política de segurança, passando pela economia e pela questão ambiental.

Por isso em nome da maior segurança se elogia a UPP, unidade de polícia pacificadora, inspirada na ocupação militar do Haiti e por sua vez inspirada na ocupação militar israelense na Palestina,que pensa a favela como locus de ocupação de território inimigo por forças “de paz”. Ignorando por opção ou comodidade que esta paz por vezes é sem voz, portanto medo.

Ignorando que esta “paz” é pavimentada com desaparecimento de Amarildos, assassinatos das Claudias e Eduardos, gente negra cujo nome é ocultado, cuja morte é naturalizada, criminalizada, gente que é tornada”bandida”, categoria que abarca uma similaridade com a categoria “intocáveis” da Índia perturbadora, para que seu assassínio seja normalizado em nome da paz da urbe.

Por isso em nome de uma política “de moradia”, de uma “reforma urbana” se elogia remoções que destroem comunidades, vidas inteiras, paz, saúde, culturas inteiras e amplia a gentrificação e a secessão das grandes cidades.

E segue o racismo institucional, ambiental, econômico permeando todas as atitudes do estado e apoiados por uma classe média e elite branca incapaz de um mínimo de empatia e raciocínio mesmo quando finge ser “rebelde” e de esquerda.

Por isso índios e quilombolas que se fodam se seus quilombos e aldeias são atingidos por mega empreendimentos hidrelétricos cuja viabilidade econômica é próxima a zero de tão ruim e cuja obsolência grita aos quatro ventos, com mais impacto do que energia gerada, vide Belo Monte.

Por isso tá tudo de boa se o seguro defeso e o seguro-desemprego vão de vala, pescador Branco é mais raro que diamante negro,né? Branco desempregado tem muito mais chances de recolocação profissional que negro, e provavelmente viabilidade de ajuda da família mais recorrente, não?

A maioria branca que naturaliza a morte de negros é a mesma que chama mato de “sujo” e que precisa ser “limpo”, como sinônimo de desmate de floresta.

Ou seja, a branquitude rima praca com predação, racismo, etnocentrismo, não é preciso esperar algo muito diferente da maior parte dessa gente branca,vão por mim.

Por isso, querido, a resistência negra um dia virá, que eu vi, e à revelia de endossos brancos.

Resta aos, poucos, brancos conscientes que entendam serem também parte do problema e se contentar com sermos aliados, e rezar pra na hora do pau conseguir sobreviver.

Sim, somos o inimigo.

 

Tá pouco de faca, manda mais!

Jovens pedem fim do extermínio da juventude negra no ES
Jovens pedem fim do extermínio da juventude negra no ES

 

Absoluto asco do mimimi de classe média “Deus, estão matando pessoas na facada!”, porque é indignação restrita aos seus.

Morrem às centenas pessoas nas favelas e essa branquitude canalha se cala e apoia.

Apoia porque reflete a política de segurança brasileira onde a polícia é capitão do mato e cabeça de ponte da gentrificação, da barbárie estatal de isolamento étnico, de divisão da cidade entre cidade aquilombada e cidade aburguesada.

Esse ethos não é novo, tampouco deixa de ser um ethos renovado num medo branco que desde o império é o condutor do estado brasileiro e da construção de nossa divisão social e étnica de classe.

Como escrevi aqui:

Gizlene Nader em seu artigo “Cidade, Identidade  e Exclusão Social” (aqui) afirma que: “As preocupações com o controle da massa de trabalhadores pobres revelam o medo branco, ainda presente (…)”. Este medo branco persistente  se revelava em 1908 através de uma  política de controle das “classes perigosas”. Essas classes perigosas precisavam ter um espaço de trânsito controlado, serem vigiadas para que a “ordem” se manifestasse de forma absoluta, permitindo às Classes “bem nascidas” e “educadas” a liberdade de ocupação da cidade, do melhor da cidade, com o mínimo de contato com o que consideram inferior. 

Esta idéia foi colocada em prática através das reformas urbanas de 1908 quando foi criado um cordão “sanitário” da Lapa até o Rio Comprido, evitando a circulação das classes populares nas localidades de moradia da Elite.”

Esse ethos apoia a matança cotidiana de pretos e pobres, quase todos pretos, porque a ascensão de classe no Brasil é embranquecedora. Quanto mais alto o sujeito e a família chegam, menos pretos são e mais brancos ficam.

A classe média e a classe alta reagem com uma indignação à morte de brancos pelo crime inversamente proporcional à empatia que tem com a morte de pretos favelados. Porque o branco morto é um igual, o preto morto é ”aquela gente” que é um outro com o qual só temos alteridade no trem do samba, no carnaval ou quando fingimos civilidade vendendo nosso candidato branco “republicano” ou falamos de educação esquecendo dos professores cuja agressão pela polícia apoiamos.

À essa indignação eu respondo com um imenso FODA-SE.

Cada branco morto equivale a praticamente cem negros mortos cotidianamente e condenados previamente à morte pela suposição automática de serem criminosos.

Então ou se para a matança como um todo ou a morte é o resultado da política de secessão que apoiam. Então foda-se, que morram!

Que morram porque é esta canalhada afetada, branca, moradora de Leblon e Ipanema, Lagoa, que sustenta a política de desmonte de estado, de educação e saúde, que comemora governador dando porrada em professor, sucateando aparato de reeducação de menores infratores, que por serem pretos são tratados como “bandidos”, categoria desumanizadora que dessocializa e exclui de qualquer esperança qualquer menor infrator pobre e preto pego em flagrante. Enquanto isso a juventude branquela de classe média quando comete infração é condenada a “Está equivocada e precisa de orientação psicológica!”.

Menor infrator preto é bárbaro que merece a masmorra, branco é criança desvirtuada que precisa de apoio? Tá pouco de faca.

A facada é produzida por essa lógica, pelo abandono da juventude negra ao caos, à bala da polícia, ao desprezo e à redução da maioridade penal.

Por isso tá pouco de faca, manda mais!

The Bookchin is on the table

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Pensar ecologicamente é descentralizar, é construir holisticamente e descentralizadamente um processo coletivo de interação. É gerir-se e gerir a política para além da dialética e do diálogo, buscando a polifonia onde não que tente e nem se construa a síntese, mas se produza um processo que vá além da síntese, do amálgama do processo coletivo e horizontal em um processo amputado, sintético que que se conclui com a tentativa de unidade opinativa e não de construção coletiva concreta onde a isegoria se transforma em liberdade.

Ecologia demanda pensar de forma descentralizada e decentralizante, anti estatal, anti capitalista, indo além da proposta centralizadora da maior parte dos partidos e do próprio ethos partidário, de manter o estado e reformar o método de gerenciamento dele a partir de parâmetros socialmente avançados.

É preciso desconstruir a ideia de mudança pela gestão do estado sem mudar a estrutura, buscando dentro da institucionalidade centralizadora e hierarquizante construir um mundo idealmente descentralizado e comunal.

Se o ecossocialismo despertou em mim esta compreensão, a partir de Tanuro e Lowy, ao ler Bookchin entendi que ser ecológico é ser anticapitalista e antiestatista e que o centro das transformações está na tomada de poder pelas comunidades, pelas aldeias, pelos bairros, pelas mulheres, pelos velhos, pelos índios, pelos quilombolas, pelas crianças.

Se a anarquia despertou de novo em mim o antiestatismo que nunca foi embora e a ideia radical de que sem destruir a hierarquia não se tem anarquia, em Bookchin entendi que além de anarquizar é preciso ecologizar, é preciso ir além de ser horizontal sendo ecológico, participando ativamente da relação integral entre espécies, entre reinos, entre as diversas formas de existência presentes no mundo dito natural.

A ideia de Bookchin é revolucionária por si só quando ele discute a cidade e a ecologia a partir da necessária defesa da diversidade, do papel revolucionário dos bairros e das cidades na luta contra o estado e pela relação de vizinhança, de solidariedade comunal, que rejeita a hierarquia do estado impulsionando a opressão. A partir deste eixo ele constrói a teoria onde bebe em fontes amplas, desde a democracia grega até se referenciar nas associações comunais da Nova Inglaterra, presentes até hoje de alguma forma como eixo de tensionamento com o estado estadunidense em suas diversas esferas, especialmente nos condados e municípios, mas indo até mais longe que isso.

A ecologização da política se reflete para além do discurso, e mais, ataca o eixo de compreensão do estado, coletivos, comunidades partindo da lógica anti hierárquica. Este efeito influenciou os Zapatistas no México, os revolucionários curdos de Rojava e diversos coletivos anarquistas ou não mundo afora. E influencia, pois radicaliza na defesa da horizontalidade e da ideia revolucionária que sem diversidade e ecologia o pensamento anti hierarquia morre por falência múltipla de órgãos.

E por que morre? Porque é fundamental para a sobrevivência de um bioma que ali exista diversidade, ausência de hierarquia, relação de isonomia entre os entes que ali vivem, acesso a alimento, água, presença de múltiplas e igualitárias regras de existência paras que da árvore ao esquilo todos vivam para que nutram-se em equilíbrio.

A tosca analogia entre predador e predado esquece que o predador morre, apodrece, vira adubo que alimenta as árvores, que fornecem vegetais que alimentam os animais menores que alimentam os predadores. Com o perdão da analogia também tosca, mas a ecologia deixa claro que o mais forte não sobrevive sem uma relação de simbiose em algum nível com o mais fraco e que esta relação não é necessariamente opressora e nem precisa ser.

Não há como permanecer uma separação entre produção, economia, consumo, processos decisórios, judiciário, segurança, alimentação e saúde sem a compreensão dos efeitos de interligação entre cada elemento destes, de nossas vidas e do mundo dito natural.

Não há mais espaço, na verdade nunca houve, para humoristas ironizarem em rede nacional em programa de entrevista a luta contra a caça às baleias perguntando para que elas servem (Chico Anysio no programa “Jô onze e meia”).

Não há mais espaços para a defesa de crescimento econômico, de reformas urbanas, políticas, sociais sem a discussão sobre recursos naturais, responsabilidade no consumo, papel da indústria, da cultura de fábrica, direitos comunitários, laços de solidariedade comunal, conhecimentos tradicionais, clima, hidrologia,etc.

Não se pode defender um crescimento econômico a todo custo projetando-se no macro ignorando-se o efeito disso no cotidiano populacional. Mais, é criminoso pensar o macro ignorando-se o somatório de efeitos de processos decisórios nas múltiplas realidades do micro e seus efeitos.

Em suma, não é possível que se mantenha a cegueira optativa de entender que a ampliação de hidrelétricas na Amazônia tem efeitos daninhos lá e esses efeitos ecoam na crise hídrica do sudeste.

Não é possível ignorar que a ampliação do consumo de energia que segundo os “planejadores” da economia obrigam a investimento na ampliação de hidrelétricas e térmicas ocasiona ampliação do aquecimento global, mudanças ecológicas que interferem no regime de chuvas, na sobrevivência de espécias e que isso tem efeito amplo que vai da crise hídrica à ampliação de presença de contaminação por doenças antes desconhecidas a partir de insetos, por exemplo.

A centralização e hierarquização da política, dos processos decisórios, da própria lógica econômica, do estado, dos governos, da ideia de PIB, tudo isso é em si anti ecológico e por consequência criminoso e anti vida.

Enquanto a Economia busca a normatização,regulação e administração (Oikos = Casa; nomos = Costume ou lei) do lugar onde se vive, a Ecologia busca entender o funcionamento do lugar onde se vive (Oikos = Casa; logos = estudo ou lei). E quando a normatização ocorre antes da compreensão a coisa toda degringola.

Com o devido perdão da simplificação filosófica a partir da semântica, a ideia não distancia-se de uma análise mais profunda da relação entre percepção hierarquizante, centralizadora e autoritária do estado e a ausência nas tradições políticas estatistas de qualquer compreensão ecológica e resistência à ideia de horizontalidade, de gestão comunitária, citadina, de bairro, de rua a rua, de recursos, direitos, justiça, segurança, saúde.

Essa ausência de percepção, essa ausência de entendimento do coletivo, do comunitário, da cidade, bairros, vilas e ruas como eixo da vida cotidiana, das organizações sociais, dos grupos sociais, como fundamentos e não como elementos secundarizantes e secundarizados, provocam a percepção de que é lógica a instalação de grandes siderúrgicas que destroem a vida de pescadores artesanais e o bioma de Santa Cruz, como no caso da TKCSA ou implantam termelétricas como a de Pecém no Ceará, que se alimenta de enorme quantidade de água em uma localidade com enorme carência de recursos hídricos ou ainda pior no caso de Belo Monte, onde além de destroçar a vida de comunidades indígenas e populações tradicionais ainda secam uma grande área do rio Xingu atingindo desde aldeias indígenas até o óbvio, a vida animal e vegetal ali presente, sem considerar em nenhum momento o que isso vem a causar nos demais biomas, nas demais relações ecológicas que respondem pela sobrevivência do planeta e na nossa própria sobrevivência.

Esse descolamento não é sintoma, é a causa do processo de crise ecológica que se tornam visíveis com a crise hídrica e climática, mas cujos efeitos são muito mais amplos, talvez sequer tenhamos a compreensão total destes efeitos.

Até hoje não se tem compreensão completa dos efeitos do vazamento de petróleo das plataformas da British Petroleum no golfo do México. Os efeitos das mudanças climáticas, causadas pela ação humana em especial pela queima de petróleo e outros combustíveis fósseis, possuem efeitos claros e em andamento (Como a crise hídrica mundial, e mais especificamente no sudeste brasileiro), já denunciados e anunciados, porém há uma relação de reação em cadeia para cada efeito deste, a partir do somatório de danos ambientais localizados, que não se pode nem matematicamente medir, dada a grandiosidade.

Essa grandiosidade ocorre porque se pensa o macro ignorando os efeitos de cada ação no âmbito micro e como isso se reflete a partir do somatório de efeitos e das reações em cadeia produzidas. Pensa-se no macro sem na verdade se pensar no macro, ou entende-se o macro sem entendê-lo como um somatório de micros.

A chuva que falta e causa a crise hídrica também seca plantas que deixam de alimentar animais que deixam de ser alimentos de outros animais maiores. E o problema ai não é o aumento de preço no mercado, é a possível extinção de espécies, cujos efeitos não são facilmente mensuráveis e tem tudo pra produzir mudanças no meio ambiente que causam outros tantos danos e mais reação em cadeia.

Em resumo a partir do desprezo pelos processos micro históricos, no interior dos grupos sociais, dos biomas localizados, das micro relações no meio ambiente, a partir da estruturação de uma ideia de relações sociais, econômicas,etc que ignoram a vila, a planta, o bicho e só pensem no nacional, no estado, na transnacional, no continental e no mundial, mas do jeito errado, o que se pavimenta é a destruição estrutural e totalizante de tudo isso.

Por isso the Bookchin is on the table, porque é preciso descentralizar, ecologizar, organizar a transmutação de baixo pra cima, destroçando a generalização, a hierarquização, a ausência de diversidade, o autoritarismo da sociedade que naturaliza o estado e do estado propriamente dito.

É preciso ser mais vila e menos Governo, mais planta e menos plantação, mais bicho e menos manada.

The Bookchin is on the table, basta ler, basta agir, basta ser ecológico e horizontal, porque é lógico, porque é eco.