A esquerda em geral é tão conservadora, mesmo sendo a favor de casamento gay, aborto e o escambau, que ignora que NÃO E-XIS-TE pós-modernismo e que grande maioria dela sequer consegue conceber quem é Foucault.
Pós modernidade não é uma escola de pensamento e não, a esquerda não entendeu merda nenhuma de Foucault e ouviram o galo cantar e não sabem onde.
Mas a esquerda sequer lê qualquer porra que problematize essa lógica de espantalho em torno do “posmod” porque bloqueia.
Mesmo se eu for considerar o Foucault um autor sistemático, e há controvérsias, eu não tenho material a partir disso pra dizer que há um pós-modernismo a partir dele, no mínimo que há vários pós-modernismos.
Aliás, bora combinar que só a base da existência de modernismos e pós-modernismos parte de pressupostos estanques, ou seja, na divisão arbitrária e construída em torno de uma percepção da História como fruto de momentos e rompimentos, quando há, no mínimo, controvérsias a respeito e há, pelo menos, uns cem anos se entende que a História é múltipla, forma-se por superposição de elementos que duram tempos diferentes, e não só a partir de Braudel.
Ou seja, a gente discute um modernismo ou uma modernidade e um pós-modernismo ou uma pós-modernidade, como se o paradigma que as constituiu fosse algo que tem um tempo definido e delimitado, organizado em ondas que vão e que vem construindo um tempo novo a partir de rupturas.
E o babado não é por ai, pelo menos como eu enxergo e boa parte da comunidade de História.
Há elementos da tal pós-modernidade já na Grécia helênica, ou em Atenas (Vou evitar usar os termos Antiguidade ou idade média e moderna, porque essa divisão de tempo histórico é em boa parte causa das confusões, e só serve enquanto ferramenta didática).
Buckhardt e Nietzsche já discutiam algo nesse sentido.
A Escola de Frankfurt faz um combate ferrenho à ideia de história teleológica, o paradigma do avanço do progresso e da razão.
Antes de todos eles o próprio Hobbes é um anti-iluminista, e dentro das lógicas que constroem a existência do pós-modernismo seria um homem anti-razão e supremacia dela, o que o tornaria par de um eixo da criação de uma resistência à modernidade nos pós-guerra.
Hobbes não colocava que o pacto social nascia da razão e da busca dela, mas do medo e da busca de proteção.
O que se constitui com Foucault em torno do que se naturalizou como “pós-modernismo”, não tem nada a ver com o que também se chama de pós-modernismo em Hayden White.
Isso pra começar a discutir seriamente essa coisa, essa ânsia em taxionomizar o pensamento pra ele caber em uma narrativa onde há uma esquerda que quer destruir a revolução.
Outro aspecto que me incomoda na classificação da esquerda que divide o plano ideológico entre a boa esquerda e os pós-modernos, e para isso inventam um pós-modernismo (e digo inventam porque reúnem cabrito com avestruz pra dizer que todos são seres vivos e portanto justifica serem tratados como iguais) para atacar um pós-modernismo que cola basicamente em qualquer coisa que se move.
E nesse meio tempo tem uma esquerda que usa isso para atacar feministas, movimento antirracista, movimento trans e LGBT porque esses movimentos, com uma enorme dose de razão, ganham força e fôlego com a presença de Foucault e sua produção que discute as opressões, desde a Microfísica do Poder até o debate em torno da loucura, que sustentou boa dose de gente que embasou teoricamente a luta antimanicomial, feminista, trans, LGBT, etc..
E sim, claro que nesse meio tempo e campo existem quem diga que o problema não é a luta de classes, mas também tem quem é colocado como pós-moderno e que não, não nega a luta de classes, inclusive a insere dentro das lutas dos oprimidos, lembrando que um negro pobre não é iguala um negro rico, e uma negra pobre menos ainda que uma mulher branca também pobre ou mesmo que um negro tão pobre quanto ela. Que a luta de classes também tem opressões transversais e tals e coisa.
E ai um monte de gente da esquerda ignora essa complexidade e chapa quem tala em cis gênero e transgênero como “pós-moderno” ou quem fala em ecologia como “pós-moderno”, quando não faz pior.
O que se lê de bobagem sobre pós-modernidade não tá no gibi.
Primeiro que é um puta espantalho da esquerda, que criou essa categoria guarda-chuva pra colocar tudo o que foge ao controle de alas A, B ou C do bonde.
Segundo que nego generaliza tudo em nome da classificação em “pós-modernidade”, porque não existe sequer a tal pós-modernidade, existem trocentas reações a uma crise do paradigma da modernidade que já se inicia no fim do século XIX com Nietzsche, e não só, e ganha um fôlego maior no pós-segunda guerra.
Mas já nos anos 1930 havia a crítica ao paradigma da modernidade com Benjamin e a Escola de Frankfurt.
Nos anos 1950 em diante trocentos pensadores fizeram contribuições que discutiam o papel de Marx e dos marxismos, e não só deles, na construção de uma tradição de pensamento que era estanque e tinha o progresso infinito como eixo, uma ideia que a humanidade e suas ideologias seguiriam o passo da razão infinitamente rumo a uma libertação “natural”.
Essa lógica, esse eixo, ficou em crise pós holocausto, ou melhor, ampliou sua crise que já se iniciara pós colonização da África no XIX e as crises econômicas de 1870 a 1930.
Daí surgiram trocentas tendências de pensamento, trocentas, inclusive muitas marxistas ou próximas à anarquia, que discutiam a mecanização do pensamento de Marx; a ideia de economia de recurso infinito; o machismo, misoginia e homofobia da esquerda; o produtivismo como arma da destruição ambiental, etc.
Isso tudo é colocado como pós-moderno.
Pior, jogam Foucalt nessa vulgarização do pós-moderno como se Foucault algum dia fosse concretamente contrário à ideia de luta de classes, quem diz isso inclusive ignora os debates dele com Chomsky, onde Chomsky acaba sendo meio Rousseauniano e ignora a luta de classes e é corrigido pelo francês.
Em todas as áreas de pensamento existe influência de Foucault e de forma absolutamente distinta entre elas, e não, não mesmo, Foucault não é hegemônico em nenhuma área, nem sociologia, nem antropologia (Essa tá mais próximo do debate com Deleuziano, que se reivindicava de esquerda), nem história ou filosofia.
Em Filosofia o peso de Spinosa é enorme pra ser ignorado e atribuída a hegemonia de Foucault.
Em História a virada linguística e a ala Foucaltiana existe, inclusive discutindo o status científico da disciplina, mas tá longe de ser hegemônica.
Pensadores enormemente importantes pra história como Chartier, Thompsom e Ginzburg são colocados como pós-modernos, sendo que dentro da disciplina são exatamente os que mais combatem quem define e defende que existe uma pós-modernidade.
Ai eu leio que existe uma pós-modernidade e ela toma TODA a sociologia, filosofia e ideologias políticas pós-Foucault.
Jura? Tem de avisar ao pessoal.
Não é pouca a galera que fala em Bookchin como negador da luta de classes e pós-moderno ou Thompsom, e um foi marxista e avança a partir dele de forma séria, sem negar a luta de classes, e o outro foi marxista até morrer.
E de novo, tudo isso em nome de uma crítica vulgar, organizada em torno de uma divisão arbitrária do tempo histórico.
E ai eu me lembro do que escreveu um amigo, o povão tá nem ai pra essa punheta, ele vive essa gama maluca de temporalidades cotidianamente, em sua própria formação enquanto classe e sua própria percepção cultural do mundo, vivendo elementos que remetem à antiguidade, idade média, idade moderna e ao contemporâneo, e vivendo, construindo, se construindo e lutando.
Nos movimentos e bairros, periferias, o povo tá se organizando enquanto proletário do XIX, cis gênero feminista ou transgênero feminista, LGBT antirracista e libertário, rapper comunista (E muitas vezes reprodutor de machismo e opressor pra caráleo) e tudo fluindo nas contradições próprias do cotidiano.
E pra mim funfa muito pouco ou nada essa luta fratricida sobre quem tem a razão e onde encaixar o pensamento.
Existe um profundo debate sobre relativismo, pós-modernismo e o limite político disso tudo, não é uma tese ou uma categoria guarda-chuva, uma ferramenta espantalho, que resolve.
Aliás, me permitam uma crítica: A gente escreve de próprio punho e via de regra é surpreendido com algo que é extremamente antipático, pra não dizer autoritário, que é o “militante” meter uma tese, um link, e dizer “leiam ai”, sem argumentar uma linha, apenas agindo pra tornar isso um argumento de autoridade.
Depois vem conclamar respeito e só piora, porque por calhamaço com link e dizer “leiam ai a luz” não é respeito, é condescendência.
Se for pra por nota de pé de página com autores e onde escreveram o que complica pra cacete o debate, porque nem todo mundo tem acesso a autores e tempo pra ler, etc.
O que eu escrevo aqui é de cabeça, dois livros me organizam bem nesse debate “Relações de Força” do Ginzburg e “O Desafio Historiográfico” de José Carlos Reis” e sim, estou citando porque fico profundamente incomodado com o lance da Tese como argumento de autoridade.
Pareceu-me sempre uma condescendência arrogante, parece que existe uma sugestão que estamos falando de orelhada, e não tem essa.
A crítica que eu faço não é à indicação de leitura, mas ao uso de uma tese como argumento, uma tese escrita por outrem, sem que a própria pessoa escreva seu argumento. Ai é argumento de autoridade, e não indicação de leitura.
Se for pra fazer isso eu listo uma bibliografia e ligo o foda-se, e tô aqui escrevendo e usando meu tempo pra isso (Jogar a tese como argumento de autoridade inclusive é desrespeito ao uso do tempo do outro para estabelecer um debate e um diálogo a partir da produção de argumentos), porque não quero substituir meu ponto de vista, por mais que indique suas fontes, por uma produção que não é minha.
Colocar uma tese como proxy do próprio argumento é ignorar a leitura do outro, não se expor com sua argumentação a partir das próprias leituras, e dos riscos da produção de opinião, se indicar que o outro não leu ou sua argumentação não tem base.
Ler é obrigatório, e por isso, e não por jactância intelectual, que eu citei os autores.
O que eu, pelo menos, argumentei é que não existe apenas um pós-modernismo, e que a própria divisão temporal entre modernismo e pós-modernismo é arbitrária, ou seja, reflete processos que atravessam essas divisões cronológicas e por isso eu não acredito que exista um pós-modernismo, inclusive acho que poucos se reivindicam pós-modernos para que exista algo assim.
Vou mais longe, não acho que exista nenhum pós-modernismo, existem várias lógicas e escolas de pensamento e tradições que refutam o paradigma da supremacia da razão, da neutralidade da ciência e da ideia de progresso teleológico.
Isso, essas várias vertentes, não produzem uma coisa chamada “pós-modernismo”, no máximo produzem vários “pós-modernismos”.
Ginzburg quando em “Mitos, emblemas e sinais” estabelece o paradigma indiciário como o campo de conhecimento do conhecimento historiográfico, rompe com a ideia de ciência como o campo galileano por natureza, se a gente pegar isso sob o tacão das análises que classificam a produção teórica que rompem om o paradigma da neutralidade da ciência e da crise da razão ou mesmo da ideia de progresso teleológico a gente porá o Ginzburg como “pós-moderno”, e Ginzburg não tem porra nenhuma a ver com Foucault, mais, Ginzburg é na historiografia o anti-Foucault por excelência, inclusive ele é o “inimigo principal das correntes” Foucaultianas” na história.
Se a gente for pra política complica mais ainda.
Você precisa fazer login para comentar.