O que fazer no dia depois de amanhã?

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A esquerda vem sendo reativa há tempos, isolada em seus castelos, transformada em assessoria de gabinete de governos, movimentos organizados inclusive, desde muito tempo antes do PT assumir o poder em 2003.

Funcionou por muito tempo a relçação entre movimentos, partidos, governos e mandatos. Construiu caminhos através da burocracia, programas de governo e projetos de lei.

Só que enquanto se acostumava com a relação íntima com palácios a esquerda foi paulatinamente perdendoas ruas, e quando percebeu isso, especialmente em 2013, outras forças da própria esquerda e da direita começaram a ocupá-las. A saída pra governos e partidos vinculados à esquerda foi criminalizar quem ocupava as ruas, colocando todos no balaio do fascismo.

Isso esvaziou as ruas por um tempo até que a direita se reorganizou, amparada por governos explicitamente de direita, e voltou pras ruas, amparada por policiais que construiram publicamente a diferença entre “manifestante” e “militante”, o segundo, “comunista”, deveria ser reprimido, os demais não.

Atônita a esquerda partidária permaneceu longe das ruas. Aprisionada e processada, a esquerda não partidária também, embora atuasse fortemente nas ocupações de escola, manifestações por passe livre, etc, atuando em geral por vias menos ortodoxas, mais próximas às periferias e vinculadas a bandeiras mais práticas e cotidianas.

E cresceram os movimentos de direita, a classe média conservadora tomou gosto pelas manifestações sem política, sem repressão policial, com muita festa, anticomunismo, ódio racial, ódio a LGBTTS, feminismo e em especial ao comunismo. O fascismo começava a pôr a cabeça de fora.

A esquerda, aidna atônita, mas percebendo o perigo de impeachment saiu às ruas por um breve tempo, depois voltou a aguardar com a fé dos incansáveis, uma solução salvadora vinda das articulações palacianas de suas figuras públicas.

E não teve solução, não teve articulação que desse jeito, Dilma caiu, Temer assumiu com um ministério mais conservador que o de Collor.

Enquanto tudo isso acontecia várias manifestações antifascistas e ocupações de escolas ocorriam, com a esquerda partidária as ignorando ou tentando se apropriar delas pela via de UBES e UNE sem muito mais do que dezenas de estudantes ocupando o Parlamento, enqquanto nas escolas alunos auto-organizados tocavam o baile do ativismo que transforma, conseguindo em São Paulo uma CPI da Merenda e no Rio o fim do SAERJ (Prova de avaliação de “desempenho”). As ocupações horizontais permanecem em vários lugares, como em Goiás, Porto Alegre, Fortaleza.

E ai, e o resto da esquerda, o que faz no dia depois de amanhã do Impeachment de Dilma?

Bem, pouca coisa prática além de choramingar sobre o recuo conservador que é o Governo Temer e listar publicações internacionais criticando o impeachment de Dilma.]

Zero de análise, de auto-crítica, de propostas, zero de percepção de algo além do óbvio sobre o processo.

Parece que Temer, vice de Dilma, desceu de um disco voador vindo de Marte.

A esquerda petista lembrou outro dia que os índios existem e colocou que com Temer eles vão acabar. Bem, pode ser, inclusive Temer precisa apenas olhar como Dilma produziu parte do processo de extermínio indígena e repetir, nem precisa reinventar a roda.

Esse é parte do problema: Cadê ao menos o “Foi mal!” do PT sobre os recuos que empoderaram essa direita que o golpeou pra gente começar a conversar coletivamente sobre resistência? Não vai rolar? Não, não vai rolar, mas então, que tal ao menos propor caminhos de resistência além do Avaaz?

Não sei se vocês notaram, mas dizer o óbvio, que o ministério Temer é um horror, não o transforma no Coelhinho da Páscoa.

A ausência de mulheres e negros, a transferência da titulação de Quilombos pro MEC não é apenas um informe, é uma prática entrando em ação. Alexandre de Moraes na Justiça idem, significa que o pau vai comer.

E não, não adianta vir com aquele papo brabo de “Viram? Sem o PT é pior!”, porque senão a gente lçembra a responsabilidade do próprio PT com alianças à direita e empoderamento do mesmo PMDB dentro dos governos Dilma e Lula. Sim, sem o PT é pior, mas com o PT não estava bom e metade do ministério Temer também foi ministério Lula ou Dilma, de Henrique Meirelles a Henrique Eduardo Alves, Jucá, Kassab, etc. Melhor mudar de assunto, não?

Então, estão vendo as escolas? Estão vendo as manifestações antifas? Que tal baixarem a bola e a sbandeiras e colarem enquanto militantes pra apoiar, dar força sem tentar apropriar, aparelhar, transformar em palco eleitoreiro? Que tal se transformarem de novo naquela galera que não queimava na fogueira valores e bandeiras históricas pra construir o cadafalso que produziu o impeachment de Dilma?

E podemos avançar, há enormes mudanças no quadro teóprico prático da militância anarquista e socialista desde 1917, sabe? Tem as experiências do Curdistão libertário sírio, por exemplo, que dão caldo. E acho que se o Ocalan velho de guerra conseguiu produzir uma teoria libertária vindo de uma tradição leninista a gente consegue também, não?

Que tal a gente começar a discutir comitês de resistência? Não, dificilmente vai ter a adesãod e autonomistas e anarquistas, mas tem boa parte da esquerda que ainda ama votar e adoraria uma experiência organizada de forma horizontal, mesmo com o exemplo dado recentemente sobre o valor que a eltie política dá ao voto. Sabe o PODEMOS e o SYRIZA? Pois não nasceram cooptados pelo sistema e tem mais horizontalidade que a maior parte dos partidos brasileiros, mas muito mais que PSOL e PT.

Sei que RAIZ e REDE não são similares a PSOL e PT, embora o RAIZ esteja hoje em filiação solidárioa ao PSOL, mas são experiências de organização político partidária bastante mais horizontais e o quadro de recuo conservador não tá deixando barato quem fica pensando apenas no próprio umbigo.

Para além disso há contingentes autonomistas e anarquistas produzindo coisas novas, com resistência a tarifaços, aumento de energia, passagem, com luta por ocupação de imóveis, tem todo um trabalho educacional sendo feito. Tudo isso pode ser exemplo de funcionamento pra quem quiser transformar de novo o quadro político e construir saídas ao recuo conservador.

Ainda mais se analisarmos o quanto esse recuo que tenta atingir cotas, LGBT, mulheres, etc e também não aponta nenhuma saída econômica que vá funcionar em um quadro de crise econômica internacional, que tende a ampliar a recessão, além de pôr fogo no cabaré que é hoje o teatro político brasileiro.

Já tem ocupação do IPHAN, auditores do CGU bastante invocados, pra disso sair greve é dez reais, mesmo o Alexandre de Moraes achando que o Brasil é São Paulo e vai geral protegê-lo de mídia e de exposição.

E ai, que tal parar o mimimi e produzirmos o avanço na marra?

A verdade, o unilateralismo, a beleza, o índio, o negro e o black Bloc

images (1)Todo pensamento unilateral contém o inevitável autoritarismo. O entendimento de algo como uma verdade única, centrada em uma objetivação da realidade é automaticamente inibidor da diversidade e portanto da democracia.

Esta “ditadura” reflete-se na sociedade de muitas formas, desde a lógica do padrão de beleza unitário, que exclui gordas e negras do belo, até o entendimento da ideia de progresso como ligada intimamente ao aquecimento da economia, ao aumento de consumo, ao aumento e desenvolvimento das “forças produtivas”, como se fosse um ligar de uma locomotiva faminta e sem freios na direção do abismo.

201109070815340000004175Produzir significa acumular capital, conforme o pensamento hegemônico, produzir significa consumir matéria-prima e energia para que bens sejam construídos, consumidos em nome de um bem-estar intimamente ligado ao ter. Esta ideia de produção é o carro-chefe de uma ditadura de entendimento da realidade, de um pensamento único, que se vale da concepção que produzir, viver, ter, estar, morar são estados relacionados diretamente com a ideia de propriedade, com a ideia de economia com valoração de cada elemento ao redor do homem, inclusive ele, seja terra, ar, água, bichos, plantas, como se todos tivessem um preço, como se o valor de uso e troca fosse natural, nascesse com cada item da realidade ao redor do homem, líder máximo de uma lógica onde o homem é o centro do universo.

la-pensee-uniqueEsse entendimento é complementado com a recusa de percepção de qualquer outra forma de entender a realidade, de qualquer percepção cultural divergente, como passível de alguma “razão” ou sentido. A concepção de etnias indígenas da terra como parte de um organismo vivo, como elemento fulcral da existência deles para além da economia, da produção, do valor continente no uso da terra, vira anátema, pois bate de frente com a lógica, o pensamento único em torno do qual se ergue a economia e a lógica de vida ocidental, cristã, branca.

Outro aspecto da ditadura do pensamento único é a ótica do que é bom ou não para segmentos inteiros da população. Pobre morar na favela? Não pode e jamais passa na cabeça das pessoas a possibilidade urbanizar a favela, de que favela seja cidade. Greve? Atrapalha o trânsito. Proibir carro no centro das cidades? Atrapalha o direito individual da posse do automóvel, dane-se se o transporte coletivo permanece secundarizado em nome do individualismo egoísta, consumidor de combustíveis fósseis que aceleram os efeitos do aquecimento global. Lutar pelo fim dos combustíveis fósseis? Maluquice, a economia EXIGE crescimento e isso EXIGE energia, EXIGE, o conforto individual, a matriz energética em uso é o petróleo e não se fala mais nisso, energia renovável e alternativa são caras demais!

20090207_non.pensamento.unico.grandeE palavra em torno de muitas destas questões é “custo”, é a centralidade do “custo”, do aspecto monetário sobre todo e qualquer entendimento relativo à lógica do bem viver como mudança dos paradigmas de civilização, para além da precificação da vida, das pessoas, das cidades, da terra, das matas, do existir. O “custo” das coisas é central, o “custo” das coisas é o eixo em torno do qual giram a lógica que prioriza, hierarquiza o que deve ou não ter a economia direcionada para realizá-lo, ou seja, o que é prioritário para a população e sociedade é decidido em torno de “custo”.

E quem decide? Como se dá o processo “democrático” de decisão? Há democracia? Se chega ao todo todas as informações, todos os meios de decidir, o que está em jogo?

imagesPoderíamos elencar também problemas relacionados ao processo de veto à homossexualidade, de repressão à orientações sexuais diversas, à transsexualidade, à ideia do papel da mulher, à lógica de respeito à diversidade étnica, ao racismo, ao racismo ambiental e tantos outros efeitos da ditadura do pensamento único, que parte de uma hegemonia cultural elitista e chega aos jornais e Tvs e é reproduzida, naturalizada, tornada como um elemento dado da vida cotidiana, imutável, asfixiante.

E todo pensamento contra hegemônico é crime, é criminalizado.

Todo método contra hegemônico é crime, é afastamento do povo das lutas, é afastamento da regra, da lei, do bom comportamento, dos bons modos, do bom senso.

E é por isso que toda criminalização dos Black Bloc tem um pouco de navio negreiro.

Das Contradições #issonãoésobreoblackbloc

cartaz-2006_652x408A discussão sobre Black Blocs, processo repressivo pelo estado e até sobre dialética, contradição capital/trabalho ou capital/natureza, tudo, absolutamente tudo, tende a uma lógica binária que passeia desde as intervenções de esquerda até as dificuldades interdisciplinares de entendimento entre as ditas ciências “naturais”, objetivas, e as ciências “humanas”, subjetivas.

Todos este processo acaba migrando para uma miríade de contradições que não raramente tende ao binarismo puro e simples, à lógica opositora, cuja centralidade acaba sendo um problema de ocupação de espaço e da lógica até política de entender-se pela alteridade radical.

2013061837627Para se opor ao “velho” sustenta-se o “novo”, para se opor à “naturalização” sustenta-se a “fluidez”, todos os pontos de intersecção por vezes são atulhados de explosivo plástico, retórico inclusive, que não ajuda muito na medição humana e textual disso que simplificamos ao chamar de “realidade” e portanto da diversidade de percepções deste mesmo real construídas pelo humano, pelo diverso.

Além do mar de jargões situantes de cada grupo em seu nicho de existência/atuação, que por vezes impede a compreensão de quem não nada naquele mar.

E ai temos o físico puto com o antropólogo que diz que a ciência é um “constructo social” e o antropólogo puto com o físico porque este defende a “objetividade” da ciência. As pontes entre ambos e a possibilidade tácita do termo para cada um ter o significado diverso e até antípoda, ou seja, o nº um entende “constructo” de um jeito diverso do que escreveu o nº dois, idem para o sentido inverso para o sentido de “objetividade”.

As problematizações diferentes de cada processo, de cada categoria, a lógica existente em cada grupo social e o peso para cada terminologia já renderem teses mil e permanecem rendendo, criando oposições onde não necessariamente existe.

Lute---Rubens-Gerchman---1967---foto-Rafael-Adorján-(3)[14]A ânsia de uma resposta definitiva para as contradições e até o anseio dialético de torná-las duais, quase maniqueístas, acabam ajudando muito. E ai temos a esquerda que não assume os Black bloc como parte dela pela necessidade de apontar a diversidade mais que o consenso, pela necessidade dual, maniqueísta de construir muros que separam e organizam taxionomicamente o mundo, que encaixotam, rotulam e apresentam pro mundo como “ó meu trabalho de feira de ciências!”.

Talvez isso ocorra pela lógica de mecanicismo marxista que torna a dialética uma ferramenta menos usada do que propagandeada e mais, não criticada, como fez Bakhtin, pelo ponto de vista de na busca de síntese a dialética atropelar a polifonia e portanto perder o fio da meada do mapeamento do concreto.

Se a crítica no âmbito da metodologia marxista em sua ciência por um marxista como Bakhtin já dava chabu, imagina se a colocarmos sob o ponto de vista político?

2013061837876Porque a dialética enquanto método de análise do concreto acaba por vezes indo no vício mecânico e taxionômico de ocultar o que é múltiplo em nome de uma síntese revolucionária dada, objetiva, com todas as problematizações do objetivo, que atropela qualquer consenso entre os diversos.

A luta de classes bradada aos quatro ventos, jamais é vista pelas possibilidades mil de ter sido transformada, como fenômeno histórico que é, pelo decorrer do tempo e pela complexificação do concreto, das relações humanas, de trabalho, da vida.

A contradição capital/trabalho, filha da luta de classes, jamais é analisada sob o ponto de vista da superação dos limites da exploração, da lógica dos direitos da natureza e do entendimento do agravamento da contradição para a gravidade da oposição capital/natureza ou capital/vida.

E como um resultado previsível, cria-se a contradição entre as contradições. De um lado ecossocialistas apontando para a critica ao avanço das forças produtivas, com crítica entendendo-se como análise fina, e marxistas tradicionais entendendo ser necessário ampliar o desenvolvimento das forças produtivas superando as contradições capital/trabalho sem olhar muito para o resultado disso no plano da vida muito além do humano.

Outro processo é o da dicotomia quase automática entre métodos díspares de luta para a transformação social.

Em vez de entender a profunda polifonia entre metodologias de ação em atos, manifestações ou mesmo de compreensão de intervenção política para a transformação radical do sistema se opta por criação de muros intransponíveis entre os diversos em nome de uma disputa cega em torno da construção de nichos de atuação política que se autointitulam radicais, mas não enxergam um palmo da raiz à frente do nariz.

Contradições-felipe-ret-Evandro-Siol-Rap-em-CartazE muitos se dizem marxistas, muitos se dizem utilitários da dialética, formadores de construções a partir de Marx, quando no máximo fazem é uma construção semirreligiosa de um marxismo morto-vivo, mecânico, pouco avesso à complexidade e mais adepto à simplificação grosseira.

A divergência em torno do processo revolucionário e da metodologia para chegar até ele leva à muita gente a criar regras rígidas que deveriam caber em situações díspares, mas obviamente não cabem e vem aia contradição mestra de todas: Marxistas supostamente dialéticos não aplicando ao concreto suas teses construídas no abstrato, dado que tomam por concreto um abstrato mitológico construído por Lênin em 1917. Ou seja, “Marxistas” mandando às favas a dialética, mas trabalhando com um idealismo hegeliano travestido de Marxismo fazendo trottoir como discurso de esquerda.

E é por isso a ojeriza aos Black Bloc, aos autonomistas, aos anarquistas e, por que não, aos indígenas, camponeses, quilombolas que por acaso nem entendem exatamente o que significa a palavra “Capitalismo” ou “latifúndio”, mas lutam contra ele num anticapitalismo de encher os olhos de alegria de quem tá ai não para bater palma pra maluco dançar festejando na seita o sucesso de um DCE, mas para superar um sistema que nos obriga a gritar: Ecossocialismo ou Barbárie!

2A lógica da construção de partidos hierarquizados, organizados militarmente em nome de uma revolução que funciona quase como um processo escatológico, mitológico e messiânico, um advento, uma espécie de apocalipse religioso e político, uma revolução que matou o velhinho inimigo que morreu ontem, acaba por solapar qualquer tipo de análise do real que vá além do vício, do mecânico.

Ler? Só Trotski, Lênin, Moreno, jamais Benjamin, Marcuse, Thompson ou qualquer marxista não dogmático, ou pior, sequer ler não-marxistas.

E é por isso que os Black bloc assustam, não por terem respostas, mas por serem perguntas, perguntas ácidas, dolorosas, que nos obriga a ir além do mecânico, além das contradições unitárias, duais, binárias.

A dimensão da utopia, a revolução e os novos Lênins

 Road_to_utopiaTratar de mudança política não é exatamente simples, tampouco receita de bolo. A dimensão da transformação tem tantas miríades de sentidos possíveis subjetivos a serem lidos em atos, palavras e movimentos, que a simplificação de um método ou de uma ideia de estado, ou de mesmo uma só ideia de revolução é delírio simplificador.

Se ler a realidade concreta fosse fácil e apontasse para um só sentido unitário não haveria desde sempre um mar de pensadores mundo e história afora, cada um com sua percepção de uma realidade, de uma verdade ou até da não-verdade.

A questão é que cada contexto histórico, cada conjuntura, aponta sinais identificáveis de novas formas que a multidão de gentes por vezes denominada “povo”, “massa”, “massona” ou “povão” (quase sempre por quem se aparta dela para defini-la com distância segura) interpreta se não o real a ruptura com o que entende como sistema ou peso opressivo de alguma realidade.

Cada contexto histórico traz suas insurgências, traz suas permanências, traz suas rupturas e conservações e é necessário que cada pensador ou militante que pretenda transformar este real lê-las, olhá-las nos olhos, preocupados menos com encontrar a verdade verdadeira única de todas as coisas e mais com antecipar minimamente uma tática de intervenção que consiga atrair o máximo de gente possível para oque defende como eixo de ações transformadoras.

É, amigão, to falando de convencer pessoas que tua tática revolucionária é o lance.

img_ju427-06bNeste contexto atual, por exemplo, o próprio questionamento da relação entre movimentos, partidos e ativistas com o cotidiano político é questionado. A própria relação entre os movimentos, as pessoas e a atividade política é jogada aos leões em busca de demolir concepções quadradas de vida, de militância, de relação com vidros, vidraças, mundo, ambiente, amor, mídia.

A dimensão contestatória não tá ai para fingir que não vê a frase maldita cheia de homofobia do sujeito que em tese diz que quer mudar o mundo.

A contestação, caras pálidas, não tá vestindo o fraque mediado do fanfarrão da esquina, tampouco o papo brabo de que “povão é assim”.

A contestação quebra vidraça do Itaú,a contestação arrebenta a secadora do Xingu, invade usina, ocupa Câmaras, derrete leninismos de salão querendo mais que conversinha nas terras Quilombolas, na avenida Paulista ou na praça onde Feliciano-RS prendem pessoas que se beijam em um espaço público ocupado por ele indevidamente em nome de uma só vertente de uma só fé, atropelando a laicidade do estado, atropelando a democracia de um estado cujo emblemático simbolismo de um Pastor Deputado (jamais um Deputado Pastor) chamando a polícia para reprimir lésbicas se beijando EM ESPAÇO PÚBLICO é eloquente.

street_art_24A contestação não trata a dimensão do sonho como um “Além da Imaginação”, uma “Twilight Zone” promovida por esquerdóides, amiguinhos. A contestação chegou à sala de aula, e não na cabeça de estudantes, mas na de professores precarizados em greve numa das principais cidades do país.

A contestação tá na rua derrubando um dos governadores centrais para a política do PT e para concepção de cidade mercadoria, de mundo mercadoria, de Brasil Grande neodesenvolvimentista com fome de petróleo, com fome de carbono, de escolas, de postos de saúde, de consumo que nos consome enquanto gentes a trabalhar doze, treze, quatorze horas para pagar os carnês das dívidas enquanto deixamos a vida no prelo.

A contestação pegou a dimensão do sonho gritando que não era por vinte centavos enquanto militantes amestrados pro revistas, blogs e sites de partidos acostumados com a cadeira acolchoada do poder dizia se tratar de Vândalos e Baderneiros.

imagesA dimensão do sonho voltou numa contestação mascarada que lei nenhuma vai desmascarar e enquanto isso ainda existem citadores compulsivos de Lênin procurando pelo em ovo pra justificar qualquer coisa em nome de mandatos acomodados, acostumados a pedir em vez de exigir, a criar espantalhos para a fome de moral e bons costumes de quem pede o fim da corrupção como se pedisse pães franceses na padaria mais próxima.

E enquanto a dimensão do sonho renasce com utopias múltiplas, dissonantes e polifônicas, como deve ser, a exigência de novos Lênins é clara, imensa, nítida. Mas exigem-se novos Lênins com menos fome por construir estacas fundadores de novos países e novos estados, mas canais para o fluxo contestatório passar derrubando represas.

São precisos Lênins que construam o diálogo, um diálogo amplo, que aprendam, que ensinem, que se joguem, que quebrem, que requebrem, que riam, que sambem, que ouçam a polifonia menos buscando a síntese perfeita e mais aprendendo que ruptura pode sim rimar com gostosura, com liberdade, com vontade e com verdades, sim com s, por muitas, imensas, gigantes, que nunca dorme, que se soltam noite afora quebrando tudo até a última ponta para derrubar Cabrais e outros ditadores mal-acostumados a achar que a voz das ruas é rouca, enquanto sempre foi doce.

images (3)São precisos novos Lênins prontos a divertirem-se recuperando a utopia, a dimensão do sonho em que Garibaldis, Bakunins, Marx, Engels fizeram a primavera dos povos.

Porque sempre precisamos de mais primaveras.

A desabolição

imagesNão nasci de pele preta, mas encantado com as pretas formas, línguas, mundos, deuses, sons, me empreteci como pretejido de um Itamar Assumpção que desconhecia ainda nos idos de 1988 quando vi “Tenda dos Milagres” em uma tela de TV.

Em “Tenda dos Milagres” enxerguei o Orixá do Anúncio visto pela Ialorixá cantada pro Caetano em “Santa Clara Padroeira da Televisão”. Em “Tenda dos Milagres” me reconheci preto.

Naquela época o primeiro impacto do que entendia como minha gente foi o entendimento pela fé que Xangô, Ogum, Oxóssi, Logun-Edé, Oxum e Iansã falavam mais pra mim do que Jesus e seus santos.

escravatura no BrasilUm segundo impacto foi quando já militante entendi que aquela opressão aos escravos em 1888 permanecia numa chibata de classe, numa chibata genocida, legal, instituída, protegida por uma estrutura cruel, violenta e que só seria removida com a espada de um Ogum feita de raça, graça, manha e tambor.

images (1)Eram idos de 1992 e um irmão de santo foi expulso de sala de aula por uma professora por estar com quelê, lenço amarrado na cabeça recém-feita para Ogum. Ali eu era apenas um irado e irracional estudante branco incapaz de entender com clareza o porque tanto me ofendia aquela estupidez, aquela ação imbecil. Ali eu me sentia ofendido, cruelmente ofendido e não apenas na sutileza da superfície da indignação racional, ali em me sentia chicoteado na cara, na alma, na fé, na história. Ali eu decidi ser preto.

Óbvio que essa decisão não me torna preto, não no sentido crasso, não no irmanar do ônus e do bônus, a mim é fácil fugir dos estereótipos pejorativos ligados ao negro, a mim é permitido desistir quando necessário, da pele preta. A mim, por ter a pele branca, foi dado o bônus da possibilidade covarde da omissão.

images (3)Porém no seio do que eu sou a decisão de ser preto se mantém, quando vejo o orixá no anúncio, quando ouço o trovão e tenho medo, amor, vontade de ser chuva, quando vejo na encruzilhada a proteção contra o mal e o mal que me é arma contra meus inimigos. A decisão de ser preto me deu o olho do que eu não via, o ouvido do que não ouvia, o som das pedras, da cachoeira distante, o medo, o horror, o dom, a glória e sobretudo a empatia, o ser o outro que nunca fui.

images (2)Quando me tornei preto me tornei gente, me tornei gay, me tornei mulher, me tornei sindrômico, me tornei transsexual, me tornei peão, me tornei lumpem, me tornei eu. Meu primeiro passo pra me despir dos privilégios que me eram facultados foi dado a partir de um Ojuobá de Jorge Amado descrito por uma irreconhecível Rede globo em Horário nobre, o passo definitivo veio pela resistência ante o preconceito racista de uma imbecil e os demais se fizeram pelo estudo e pela luta.

Hoje ainda me sinto perdido em meio a aproximação concreta da luta anti-racista via companheiros do Instituto Búzios e via partido, porque por mais que a decisão tenha sido concreta, o ser preto por decisão e não por condição objetiva não me permite o ser completo. Sou mutilado da inexistência da negritude de per si.

E lendo e relendo as abolições nunca vindas completas, sempre apartadas da realidade pela resistência absoluta da sociedade a permitir que seus privilégios, chibatas, senzalas, sejam demolidas, me vejo perdido na liberdade opressiva dos que se sentem senhores.

1192741358_fDesabolido da liberdade de resistir me sinto morto, morto na necessidade meio brocha de subjugar alguém acorrentado ou por masmorras ou por misérias, ou por uma lógica redutora de quem não é branco como o resto da matilha é reles coisa.

Se não tenho a existência da negritude de per si, ao me ver branco sofro a desabolição da escravidão, me sinto senhor, e ai me sinto cativo em uma rede de miasmas, de crimes, de castrações, de medos, de falsa evolução, de falsa hegemonia, uma hegemonia de cetro e não de pleno direito a si mesmo.

Na desabolição de mim mesmo, na desabolição da negritude emprestada me vejo como a mediocridade de uma superioridade dependente de guardas armados, de feitores, de padres, ignorante do outro, dos songai, dos malineses, dos ganeses, dos iorubá, dos ashanti, dos daomé.

Ao me desabolir da negritude e retornar à condição de uma superioridade mantida a fórceps da limitação do outro por trapaças e preconceitos, me sinto morto, morto na negação da África e ai morto na negação de mim.

osvaldo-cruz-29Ao me desabolir me sinto menos Prata Preta e mais Pereira Passos, menos Osvaldão e mais Médici. Menos Zumbi e mais Domingos Jorge Velho, e me sinto menor, mais morto, mais torto, menos gente.

Nesse treze de maio, um treze que comemora um documento assinado que foi fruto de sangue, manha e dança, luta e amor, horror e suor de pretos e pretas que em trezentos anos de escravidão conquistaram a ferro e fogo seus direitos escritos ou não, ainda vemos a chibata broxa do senhor branco retirando demarcação de terras indígenas e quilombolas, tornando aquele documento saudoso em mais um de tantos outros documentos assinados com a tinta ficcional do poder, uma tinta que não concretiza o viver dos homens, que não vai além da lorota que as elites contam para si mesmas para fingirem que dormem tranquilas.

Nesse treze de maio vimos Hoffmans e Roussefs, que representariam o passo adiante da abolição definitiva, mostrarem a desabolição da vida política, indo além de nossos piores pesadelos, indo além do que nosso inimigos anteriores nos causaram, indo além do que nosso medo de mais uma traição permitia sonhar.

osvaldo-cruz-32-thumb-1E nesse treze me lembro de Zumbi, me lembro de Prata Preta, me lembro de Oxóssi dizendo “Eu sou Oxóssi, comigo ninguém acaba!” e me sonho preto, e me espero preto, para que um dia a mancha de ser branco suma do corpo, da alma, em uma vitiligo ao contrário, uma vitiligo causada por um desejo de desenbranquecimento, para que a verdadeira abolição chegue pra todos, pra mim, pra ti, pra todo o Xirê.

E nós estamos pelaí

Eu carrego comigo coragem, dinheiro e bala”

Chico Science

 VILA_-~1

Um dos processos fundamentais da luta cotidiana é a humanização delas.

A quantidade de lutas, as escaramuças, o cotidiano, nos dá muitas vezes leituras duras do dia a dia, até porque ele é duro mesmo, porém sem que entendamos que somos humanos a construção destas mesmas lutas se dá no plano do embate antes de ser no plano do diálogo. E quando o diálogo vira embate, o debate é tratado como guerra, o diálogo é mal traduzido como capitulação.

Se confunde muitas vezes radicalismo com intransigência e monolitismo imóvel. A leitura muitas vezes é tomada como um escândalo, posições prévias viram julgamentos de textos e falas sem que o teor de ambos seja assumido como necessário ou como diálogo, por vezes nem lidos ou ouvidos são. Isso à esquerda e à direita.

dvd-terra-e-liberdade-do-consagrado-diretor-ken-loach_MLB-O-103762238_7342Um texto que reflita sobre o PSOL é lido como ataque ao PSOL, um texto que reflita sobre o PT idem. Falar sobre evangélicos tentando mostrar que Evangélicos é muita gente é lido por “radicais” como apoio ao conservadorismo, quando só reflete a complexidade do quadro. E muitas vezes num “radicalismo” flutuante, solto, que nunca paga o ônus de suas posições flexíveis na demarcação de posições “radicais” de francoatiradores, o discurso de embate ganha fãs, apegados na espetacularização da luta política antes de sua construção.

A tal sociedade do espetáculo de Debord tem muitos fãs no cotidiano político cuja teatralização espetacular é superior muitas vezes ao cálculo necessário para que a luta seja humana, objetiva e construtiva.

fotoIsso vale tanto pro Senador que se diz de esquerda e faz aliança como DEM pra ganhar prefeituras, quanto pro mandato que prefere optar por uma suposta postura de “equilíbrio” ancorado em um institucional opressor, quanto pra blogueiros ferozes e comodamente “soltos” e autonomistas e anarquistas que em nome de uma “radicalismo” teatral optam por fechar-se ao diálogo coletivo com todas as forças presentes em um ato e partem pra um conflito desigual com a polícia, por vezes expondo quem tá ali sem nenhuma disposição pro pau.

Como advento das redes sociais então o coro dos contentes e dos descontentes adeptos do “radicalismo” sem ônus, sem preço, sem objetivo, estratégia que fuja do ganho imediato, eleitoral ou não, de adeptos, fãs, seguidores de twitter e audiência neste espetáculo cotidiano de uma dita política sem muita política cotidiana.

E quando digo política cotidiana não chamo ninguém de militante virtual, há militância séria na virtualidade que constrói pra fora, que vai além do publicitário.

Em um mundo de slogans o binário toma conta, a profundidade das coisas se revela pueril e chata “estratégia para promoção” de quem por vezes só tenta organizar atos, lutas, seja partidário , autonomista, independente ou apenas bem intencionado.

gonzaguinharapaziadaA questão de classe fica oculta por vezes em posturas ditas políticas que são só um arremedo intelectualizado de pré conceito, seja com relação a religiões, seja com evangélicos, seja com o povo mesmo, os movimentos por DH,etc.

E ai é “esquerdista” comparando evangélico a viciado em drogas, autonomista dizendo que partido só serve pra pedir voto, partido político e organizações socialistas dizendo que a luta por DH é menor, “questão individual”, que LGBT, Mulheres, anti-racismo e meio ambiente são questões menores diante da poderosa, soberana, “luta de classes revolucionária” tão distante de Marx e do conceito marxista de luta de classes quanto a prática política é distante de Papai Noel.

No plano do espetáculo se despreza uma luta cotidiana que vai além de reuniões, de tomadas de posições, de passeatas, nuclearização, atos, mas que é um cotidiano mesmo, com seus preços diários, com seus cansaços, brigas domésticas, preços por não ser homofóbico, ecocapitalista, machista, cissexista, pelego.

No plano do espetáculo se esquece o cotidiano meio bandido de quem se jogou na luta e tem preços a pagar e preços não em reais, mas em esforço, em entrega. Se esquece a marginalização de quem não está num coro meio patrocinado, ou paitrocinado, de contentes ou descontentes, na cômoda posição de quem pode desradicalizar em algum dado momento quando cansar “deste país de merda” ou da praça querida, ou do partido, ou da banda, ou do palco.

Quem tá na luta todo dia, numa espécie de banditismo por uma questão de classe, que talvez nem sempre metaforicamente carrega consigo “coragem, dinheiro e bala”, e paga os preços com seu amor, com seu filho, com seu cachorro, com sua fome, com sua sede (De água, de álcool, de riso), talvez saiba que em cada morro “uma história diferente e a política mata gente inocente”.

land_and_freedomQuem tá na luta todo dia não se surpreende em saber que por vezes “quem era inocente hoje já virou bandido para poder comer um pedaço de pão todo fodido”, porque é fácil entender isso quando a lusitana roda e tudo o que se tem é uma coragem cansada e uma certeza que nada disso foi em vão.

Quando se tá na luta é pra se queimar, como diria Vicente Matheus, e nesse meio desespero corajoso dos surtados que não se esquecem de quem são, de humanos, de doloridos humanos fumantes, bêbados, poetas, amantes, que apesar disso optam pela imensa responsabilidade de se olhar bem fundo até o dedão do pé, com toda dor e prazer que isso tem, e se mantém vivos, lutando, construindo, para além de si, para além da utopia, mas por entender a gigantesca necessidade de mudar o mundo.

Talvez nós humanos sejamos despreparados, talvez.. talvez não tenhamos lugar na objetiva espetacularização do simbólico, do cotidiano fácil dos que optam por política como hobbie, talvez.. Mas nós estamos pelaí.

Quem vigia os financiadores de campanha?

Marcelo Odebrecth, nomeado pela revista Isto é, como construtor da copa
Marcelo Odebrecth, nomeado pela revista Isto é, como construtor da copa

A frase tomada como título a este texto é prima do epíteto que Alan Moore usou como mote para sua obra-prima Watchmen e que consistia na frase em inglês “Who Watch the Watchmen?”, que vem a Ser “Quem vigia os vigilantes?”.

Tomo emprestado o epíteto como uma forma de refletir sobre quem toma conta das necessidades de cidadãos em um país loteado desde as privatizações primevas feitas pelos tucanos entre empreiteiras, teles e empresas que tornaram-se sócias dos governos que se seguiram no gerenciamento cada vez mais capacitado do capitalismo.

Metro_RioTeles, empreiteiras, proprietárias de redes inteiras de transporte rodoviário, aeroviário, sobre trilhos, barcas, fornecedores de energia elétrica são, especialmente no paraíso neoliberal brasileiro chamado Rio de Janeiro, livres de qualquer regulação real e são quase que entidades inimputáveis no quadro da dita república federativa do Brasil.

Experimente viver fora das bolhas de prosperidades das grandes cidades, como a Zona Sul Carioca, vá para o subúrbio das grandes cidades e se dê conta de como é precário o atendimento das empresas de telefonia, água, energia, transporte e como o descaso das “concessionárias” é nítido, criminoso até, e contando com a omissão do governo e agências reguladoras, chega a ser um escárnio.

superviaQuaisquer reclamações efetuadas com as agências reguladoras tendem a serem tratadas como nada, nenhuma multa, nenhuma suspensão de concessão, nada é feito, tudo ocorre em um movimento simplesmente burocrático, pró-forma, sem nenhuma ação direta de punição à cobrança por serviços jamais prestados, seja pelas NETs, pelas Lights, pelas Supervias ou pelo Metrô.

netDesde que passei a morar em Oswaldo Cruz as faltas de energia são semanais, a NET age como se estivesse doando gratuitamente o sinal de internet e telefone e como se o que pagamos fosse uma doação feliz. Água? Conte com a CEDAE para uma falta de fornecimento por mês mais ou menos. Transporte? Além das máfias de ônibus e vans contamos com a ineficiência dos trens, que lotados conseguem não respeitar nem o próprio regime de intervalo vendido pela concessionária como a nova panaceia para a resolução de todos os nosso problemas.

Os ônibus são velhos e os motoristas entendem mesmo que estão fazendo um belíssimo favor de parar para o trabalhador/estudante/idoso que está ali no ponto para se deslocar para algum lugar que obviamente atrapalha seu passeio diário pelos subúrbios do Rio. E olhem que não estou falando do pior quadro de serviço da cidade, estou falando das proximidades do Parque de Madureira, menina dos olhos do alcaide Eduardo Paes, que obviamente no pós-campanha voltou a seu posto de gerente de balcão de negócios e esqueceu que tem de governar a cidade e encarar de forma dura o mau uso das concessões que o município entregou.

E quando chove temos um quadro absolutamente nítido do desgoverno desta cidade que é a menina dos olhos do país no que tange ao projeto de ocupação urbana, transporte e modelo de negócios baseado em cidades-mercadoria. Tudo para! Trem, ônibus, metrô, telefonia, TV, internet, energia e por vezes água. Se na menina dos olhos do projeto de cidades-mercadoria isso acontece, imagina as cidades com menos recursos, menos mídia, menos holofote? Pois é, imagina na copa.

Logo Preferencial 2010 1 (1)E se olharmos os proprietários dos serviços citados o que achamos? OAS, Odebrecht, CCR, Globo, CEMIG e por ai vai. Depois um exercício bacana é comparar a lista das empresas que obtêm concessão para os serviços essenciais com a lista dos doadores para as campanhas de Dilma Roussef e Lula, Eduardo Paes, Sérgio Cabral, Aécio Neves, Márcio Lacerda, Haddad, Serra, Eduardo Campos, tirando como exemplos os principais quadros partidários dos principais partidos do país. Fazendo este cruzamento o que achamos? Opa, pois é, não é uma linda coincidência encontrar em listas diferentes nomes similares? E o mais legal é que a matriz ideológica dos diversos candidatos não inibe ninguém de doar, não, mano. a doação não entra no Fla x Flu que Tucanos e Petistas, aliados e oposição, fingem existir.

jslzpvComo dizia Plinio de Arruda Sampaio: empresa não doa, investe! E esse investimento parece bom, porque as mesmas empresas doam para todos e “coincidentemente” conquistam lucrativas concessões, como a da Supervia cujo governo do estado do Rio de Janeiro concede o serviço de trens urbanos e compra trens urbanos para a empresa concessionária, não é lindo? Cabral é um bom amigo de seus amigos, Eike tá ai pra não me deixar mentir.

CCR-Ponte-Cameras-1E por isso devemos nos perguntar quem vigia os financiadores e mais, quem financia os financiadores, pois um dos adágios contra o financiamento público de campanha dito e repetido pelo senso comum é o “Não vou gastar meu dinheiro público pra eleger safado!”. Ah, é? Ok, então você não vê que já faz isso ao eleger A ou B que tem sua campanha financiada por empresa A ou B que posteriormente recebem recursos públicos para efetuar serviço A ou B?

A matemática não é tão difícil e temos exemplos: Olhem quem financia as campanhas, olhem seus contratos com o poder público, olhem o quanto recebem do BNDES e tirem suas conclusões. Um exemplo bacana é o Maracanã, quem reconstruiu, quem vai recebê-lo quase que como doação para lucrar pro mais de 30 anos e quais as relações de todos entre si, seja como doadores/concessionários, seja como receptores/poder público. São todos muito amigos, tutti buona gente.

imagesE você povo? Como fica? Provavelmente pegando trens lotados, que passam em intervalos de tempo abusivo, ônibus que deviam ser jogados como sucata, água que falta sempre, luz que falta sempre, internet e telefone de péssima qualidade que é preciso um gasto de tempo que muito pouca gente tem para encher o saco e obter a manutenção adequada, e cai bem processos cíveis também , que são pra poucos, para deixar claro que o cliente não é, ou não deveria ser, gado.

supervia2Enquanto isso o dinheiro público, que parte do povo acha que não deve ser usado pra financiar campanha, é gasto em reformas de estádios  como o Maracanã cujas reformas de 1997 para cá custam, se somadas, quase que dois bilhões de reais, e nesses estádios o povo não terá como pagar pela entrada, aquisição de trens para concessionárias que o chicoteiam, obras faraônicas que funcionam por seis meses e depois voltam a estado de caos que ao pobre é tão familiar que ele entuba como se fosse da vida e por ai vai.

Quer entender como funciona o jogo político e quem é o culpado pela sua falta de luz, internet e telefone? Siga o dinheiro. Ele vai revelar que o culpado tá muito longe de ser o péssimo e mal pago atendente da operadora, mas talvez seu amigo vereador, deputado, prefeito, governador, presidente que você elegeu e cuja campanha foi paga por um dinheiro privado que o doador vai receber com juros via obras públicas.

E isso não vai mudar enquanto o financiamento público de campanha não for resolvido, enquanto os serviços públicos não forem realmente fiscalizados e terem de forma transparente seu exercíco à disposição da população.

images (1)Mas não espere que isso mude através de Dilma, Aécio, Eduardo Campos, Paulo Bernardo, Serra, Haddad, Eduardo Paes, Sérgio Cabral, Lindbergh, eles não vão mexer nos seus sócios, seus financiadores, eles não são loucos.

Brasil: Um País de esqueletos no armário #desarquivandoBR

tumblr_m2clmrKfeC1qejpkbo1_500A história do Brasil é repleta de esqueletos no armário, do impedimento do encontro das muitas faces da verdade ocultadas em armários, gabinetes, medos e pavores dos que comandam a pátria mãe tão distraída.

Da Abolição a Canudos, do Contestado à Revolta da Vacina, da Revolta da Chibata à Vargas, de Vargas a 64, de 64 até 2013, o número de esqueletos no armário só aumenta, fazendo com que o país necessite de muitas comissões da verdade para extirpar as manchas indeléveis que permanecem nítidas em sua história e são reproduzidas no cotidiano da sociedade através das eras.

Charge 1As torturas nas delegacias de hoje são frutos da reprodução das práticas das tantas ditaduras ou do passado escravista onde o outro devia ser reduzido pela dor à uma peça obediente para que o controle social fosse efetivo?

As mortes cotidianas de jovens negros são fruto da política das ditaduras sendo mantidas com as mesmas táticas e diretrizes ou da criminalização de negros e pardos como pobres, e portanto criminosos, que se iniciou ainda no pré-abolição?

imagesA secessão entre pobres e ricos, as restrições de protestos, as restrições de expressão, a violência cotidiana com relação a direitos das minorias majoritárias, a manutenção na porrada dos padrões de comportamento em uma disciplina social ferrenha, autoritária e violenta são fruto dos resquícios da ditadura de 64 ou dos muros invisíveis erguidos para justificar a escravidão e manter o controle social sobre escravos, pretos, pobres e mulheres por uma sociedade escravista onde o macho adulto branco não fazia a menor questão de não reivindicar seu lugar no topo da cadeia alimentar?

São muitas as perguntas e nenhuma das respostas deveria ignorar que cada esqueleto guardado no armário torna o Brasil um país com uma das sociedades mais injustas do mundo, e que não só não resolve seus problemas do passado como se esforça para alimentar o faminto armário de mais esqueletos para a manutenção da nódoa de lama e sangue a qual nomeia História.

images3A manutenção dos ossos no armário não permite o reconhecimento da história do Morro da Providência e a presença fundamental daquela população onde está para manutenção da memória dos primeiros atingidos pelas inúmeras reformas urbanas do Rio de Janeiro e pela memória da guerra do Paraguai e Canudos.

A manutenção dos esqueletos no armário permitiu que João Cândido morresse na miséria, sendo mantido pela marinha como criminoso, mesmo tendo sido um herói da luta antirracismo naquela força armada.

jt11_ditaduraA fome do armário de ossos também mantém a lógica de resistência a uma fictícia guerra entre comunistas e a “nação” que produz Bolsonaros e Felicianos e também mantém Canudos e Contestado como anátemas para um exército acostumado e pisar na cabeça da população que cisma em fugir de uma ordem platônica erguida pela corporação e cujo lema Ordem e Progresso não se furta a atropelar peles pretas e pobres que por acidente estejam em seu caminho.

militaresarquivosditaduOs esqueletos no armário também mantém até um governo, onde boa parte de seus membros é vinculado diretamente à resistência contra a ditadura de 1964, refém de um pragmatismo torpe e cúmplice da manutenção dos esqueletos dos mortos e desaparecidos pela ditadura militar ocultos sob camadas e camadas de arquivos fechados e cujo teatro da Comissão Nacional da Verdade nem de leve pensa em remover o pó que os oculta, um pó repleto da tradicional injustiça de nosso Estado, de nossa Pátria, que devia ser fratria e nem mátria é.

ditadura1Enquanto os homens exercem seus podres poderes o armário permanece alimentado de esqueletos, alguns muito antigos, e o país rico, que se pretende sem pobreza, segue batendo em índios, negros, gays e mulheres. Segue mantendo a injustiça e prosseguindo sob uma lenga lenga de “Mudamos a vida das pessoas” deixando os rastros de sangue de uma ausência de qualquer mediação entre a violência conservadora do status quo e os inúmeros atingidos pelo seu voraz caminho de enriquecimento dos barões e amigos do rei.

esqueleto limparEnquanto os homens exercem seus podres poderes e buscamos fazer renascer nosso carnaval o grito de “Apesar de você” segue preso numa garganta acostumada a romper o silêncio da paz de cemitérios que é nosso país na marra, na rua, numa raça que só quem possui a estranha mania de ter fé na vida poderia ter.

Os arquivos são muitos, os esqueletos são muitos e serão mantidos fechados enquanto não entendermos que a morte dos Juvenais e Raimundos, de tantos Julios de Santana, se refletem no Xingu, em Belo Monte, na Providência, em Manguinhos, no Capão Redondo, em Porto Alegre, no Mato Grosso, na Avenida Paulista.

frase-se-voce-nao-se-pode-livrar-do-esqueleto-que-esta-no-seu-armario-e-melhor-que-o-ensine-a-george-bernard-shaw-154307Para amanhã ser outro dia é preciso que entendamos quem manda na chave dos armários onde os esqueletos estão guardados, é preciso que entendamos quem se mantém guardando os esqueletos desde o Império e ainda hoje, em um governo do ex-Partido dos Trabalhadores, possui o poder para continuar alimentando-o com novos ossos.

ditaduraÉ preciso que lembremos sempre a memória de tempos onde lutar por seu direito era um defeito que mata, e para isso é preciso que lembremos o tamanho do armário de ossos, os tantos ossos ali ocultos, que lembremos quem guarda a chave, para que o abramos e deixemos sair nossos heróis que não morreram de overdose, mas de História, e nos aguardam para que os façamos ver o sol nascer a nosso lado, como memória, como verdade, como justiça.

Post participante da VII Blogagem Coletiva #desarquivandoBR..

Falta mais que água no Rio de Janeiro

f_118488Qualquer historiador meia boca que tenha contato com a história do Rio de Janeiro sabe que falta de água é um problema gigantesco, antigo e perpetuado na cidade. Apesar das obras de Carlos Lacerda terem minimizado o problema ao efetuar a construção do complexo do Guandu, os problemas não foram interrompidos, especialmente na ampla área territorial que compreende as zonas norte e oeste.

Nos últimos vinte anos, no entanto, o crescimento da cidade ampliou o problema e a ineficiência na gestão da CEDAE pelo governo do estado, com a cumplicidade omissa dos diversos mandatos que passaram pela prefeitura, foi também ampliando.

Desde os (des) governos Garotinho e Rosinha a CEDAE passou por um processo de transformações que, mesmo com a renomeação para nova CEDAE, não só não alterou o quadro de problemas no abastecimento de água como apontam para uma preocupante lógica de desmonte com precarização que classicamente precedem a privatização dos serviços de água e esgoto do Estado.

EduardoPaes2A partir da lógica privatizante clássica do neoliberalismo maquiado pelos (des) governos aliados do social liberalismo petista, os serviços de abastecimento de água e esgoto pioraram demais nos últimos anos.

É naturalizada a falta de água no subúrbio e na zona oeste, assim como são naturalizadas as práticas de descaso completo com o atendimento das reclamações e com explicações a respeito da falta de água.

Com as obras das Trans (Transcarioca, Transoeste) o problema aumentou e sem nenhum tipo de explicação por parte dos órgãos públicos e concessionária. Há informações de interrupção do fornecimento de água entre dez horas da manhã e onze horas de noite, cotidianamente, para desespero da população que sofre para tomar um mísero banho, especialmente no alto verão da cidade.

S_rgio_CabralPara completar o descaso a falta de energia virou um hábito nas zonas norte e oeste, com a Light, concessionária (ir)responsável por este serviço, atuando de maneira incompetente e de forma até insidiosa buscando a partir de registros individuais de ocorrência categorizar os problemas como de foro individual, casa a casa, quando na maioria das vezes é regional, atingindo de quatro a oito quadras até mesmo a bairros inteiros destas regiões.

Assim nem o hábito do uso de bombas d’água pelos moradores, calejados na situação de falhas de abastecimento, consegue dar conta desta tragicomédia cotidiana.

imagesAlém da gravidade óbvia do péssimo serviço a omissão das autoridades é gritante. Não se vê o recém reeleito prefeito Eduardo Paes, eleito capitaneando um amplo consórcio eleitoral com dezenove partidos, ter qualquer tipo de ação que atue de forma a exigir que os habitantes da cidade não sejam expostos a tal descaso. Menso ainda se vê, lê ou ouve qualquer fala do atual (des) governador Sérgio Cabral diante da óbvia incompetência e desrespeito da concessionária que pretende privatizar no que tange ao atendimento da população.

imag7esTalvez por estarem mais interessados na venda da cidade, na privatização dos serviços e no atendimento dos interesses de amigos empresários como Eike Batista e de empresas como a Delta, a CCR (Afiliada Odebrecht), os atuais mandatários prefiram ignorar a população que majoritariamente os elegeu e manter o lucrativo plano de responsabilização da Copa do Mundo e das Olimpíadas pelas ações que interessam a seus parceiro$$ e que tornam a cidade mais palatável ao visitante estrangeiro e à ciranda lucrativa que com lenços na cabeça zombam do trabalhador que diariamente sofre com sua interessada omissão.

images2Diante disso o que esperar das agências reguladoras que atuam menos no sentido de promoverem ações e mais no sentido teatral de fazerem cena, escada, para a permanência da lucratividade de concessionárias incompetentes?

O que esperar do consórcio presidencial, também sócio de prefeitura e governo do estado, que se diz voltado à “transformação da vida dos mais pobres” e que se cala diante do descalabro que está em curso no Rio de Janeiro?

Absolutamente nada.

sergio-cabral-filho-0001Sócios do sitiamento da cidade pela Odebrecht-CCR, concessionária que atua em todos os modais de transporte de massa se não diretamente via metrô/Trem/Barcas como concessionárias dos pedágios do estado; sócios dos interesses de Eike Batista e Fernando Cavendish; sócios eleitorais e econômicos dos interesses de empreiteiras e bancos que os financiam nas eleições, e que são regiamente pagos por obras de extensão da tripa chamada metrô, Belo Monte,etc, os atuais governantes preferem calar-se e manter menos a governança que protegeria os mais pobres e mais a roda da fortuna atendida por suas ações.

25set2012---o-prefeito-do-rio-de-janeiro-e-candidato-a-reeleicao-eduardo-paes-pmdb-visitou-a-escola-municipal-andre-urani-na-comunidade-da-rocinha-1348581444786_956x500E diante deste quadro o que resta à esquerda é organizar a população e buscar resistir ao trator das reformas urbanas que só atendem os lucros e expõem a população a falta de água, à falta de luz, ao descasos dos transportes, ao avanço das remoções, ao tempo perdido em ônibus cheios e mal aparelhados, ao tempo onde é jogado como sardinha em lata nos vagões superfaturados de trens e metrôs.

Falta mais que água no Rio de Janeiro, falta muito mais.

images4Nos cabe enquanto isso lembrar ao Prefeito e governador que a memória popular, ao contrário do que diz o mantra despolitizado e conservador, se mantém viva, e costuma vaiar em blocos quando o sorriso cínico aparece no carnaval.