Da Economia Moral da Multidão à Economia Moral dos Afetos

Há doze anos trabalhava como suporte técnico em uma empresa de informática e cursava com preguiça uma faculdade de História que achava que também não terminaria, como os cursos superiores que tentei antes. 

Há doze anos trabalhar era um penar, era como o mais desmotivado dos seres a caminho do abate, por melhor que o serviço fosse executado, bebia muito, vivia com uma raiva do mundo que mal me permitia afetos.

Até que recebi um convite para trabalhar com História, como consultor em patrimônio cultural, um dos muitos campos abertos pelos governos do PT e sua gestão da Cultura. Governos estes que desde 2003 recebia a oposição do partido, o PSOL,do qual faço parte.

Deste trabalho em diante, de 2009 para cá, a vida, a motivação, o horizonte, mudaram. Até o golpe em Dilma Rousseff de 2016, moro com uma companheira, me tornei pai de um filho autista, me formei, fiz mestrado, trabalhei até 2015 como consultor e ainda consegui uma das últimas bolsas disponíveis para mestrado durante o governo Temer. 

Do fim da bolsa, em 2019, para cá, o que veio foi desespero. Os cortes e a gestão desastrosa de Temer para a Cultura e a Educação parecem hoje um paraíso diante da conjuntura de desastre e eliminação de campos  inteiros da sociedade, da cultura e da economia sob Bolsonaro.

O que era esperança em 2009 e a conquista de uma maturidade que não havia, um sonho realizável, em 2021 o que temos é uma escuridão sem jeito, uma universalidade de trevas e dor.

Esse é o sentido na alma de quem viveu a política partidária e institucional de forma enfática e participante, de quem faz análise de conjuntura e tem tempo e até por questão de trabalho vive olhando os sinais com lupa. 

Essa é a memória de quem tem tempo e por ofício precisa ver os sinais das notícias, dos discursos, dos movimentos políticos, mas e a memória de quem mal tempo tem para sobreviver e respirar ao mesmo tempo?

É nesse sentido que precisamos tratar nas análises sobre a conjuntura, a economia, a política. É desse som que nossos ouvidos precisam se apropriar para entender o hoje e a ponte pro amanhã. 

E por que? Porque a economia moral da multidão oferece também uma economia moral dos afetos e das memórias onde o comer e o sorrir ganham significado parecido e onde o filho desempregado era o filho que entrava na faculdade, o primeiro da família.

Da esperança, mesmo uma esperança raivosa em 2013, que se entendia livre para dizer , que não era só por vinte centavos, à raiva rancorosa sem esperança de que se vinga de quem prometeu sonhos e não foi capaz de todos realizar, chegamos na desesperança desesperada e cujos sonhos voltam a aparecer possíveis no retorno de Dom Sebastião.

E não, não é uma crítica a Lula, pelo contrário, é um desenho de como os afetos da multidão migram da negação vingativa para afirmação da boa memória de um tempo onde comer era possível.

Comer, planejar uma carreira, sonhar com um lugar no mundo, tudo isso miou e virou cinzas sob chamas que queimam matas, cinematecas,museus, aldeias, que matam indígenas, que deixam por negligência uma montanha de cadáveres que tinham família, mãe, irmã, namorada e que poderiam estar vivas se Bolsonaro não fosse pelo menos omisso com ladrões de vacina.

Há no horizonte uma brecha pro sonho de comer e planejar o futuro, e esse poder da memória de um passado melhor, sob aquele que não é identificado com o PT que foi combatido em 2013, não pode ser negligenciado sob camadas de pensamento mágico que analisam uma retomada da economia que não passa pelos pobres e uma vacinação que não esconde os pais e filhos mortos, as mães e avós dizimadas por um governo genocida e que ria de quem morria de COVID.

Voto impresso, anticomunismo, tudo isso hoje é vinculado com quem dizia que não era coveiro enquanto as pessoas morriam de COVID. Falar de retomada da economia enquanto 19 milhões passam fome e 60% da população acha o presidente desonesto, mentiroso, incompetente e burro, é rir da inteligência da multidão.

E se não existe nenhum planejamento de retomada real da economia por investimento estatal, como se pode falar em retomada da economia? 

Se só o que se aponta são as malditas reformas econômicas, que empilhadas produziram o desgraçamento do país e o estrangulamento do estado, gerando zero emprego?

Como achar que haverá uma retomada real da economia, com crescimento real, abertura de postos de emprego, políticas de renda que vão além do aumento do Bolsa Família(que sem aumento da base recebedora tem efeito minúsculo no processo), se não há plano algum além de reformar mais o Estado?

E essas reformas são para gerar uma economia que só seria sentida na próxima década e ao custo de uma deterioração da capacidade de atendimento e investimento deste mesmo estado.

Enquanto isso, o pouco que o pobre recebe vai para comprar comida que aumenta muito mais que a inflação medida nos noticiários, e  quando o aquecedor ou o ventilador queimam ele precisa tirar o nada que recebe para comprar algo que aumentou mais de 100% em um ano, ou morrer de frio ou calor.

A Economia Moral da Multidão percebe a imoralidade cruel dessa lógica dos de cima, a Economia moral dos Afetos migra para quem aponta pro sentido cultural e pleno do comer, do sonhar, do amar, do sentir. 

E é por isso que fracassa o  dois ladismo, a falsa simetria, a canalhice de chamar de polarização a luta entre o nazi fascismo devorador de mundos e sonhos e a democracia pela esquerda de um projeto que entregou um país melhor do que recebeu.

Fracassa também o nazi fascismo em construir mais do que uma minoria de malditos canalhas que por misoginia, LGBTQIA+fobia,transfobia, racismo, xenofobia e masculinidade tóxica, pau pequeno físico e moral como resistência do que é a real salvação da civilização: a resistência anti opressão.

Talvez seja por isso que o mundo dos tempos expõe o ódio de classe de parte da suposta intelectualidade, do germe do fsascismo da imprensas dita liberal, que chama incêndio à estátua do Borba Gato de terrorismo e cala sobre a Cinemateca em chamas e monumentos à Marielle e Marighela sujos de tinta.

Porque os movimentos que põem para baixo as estátuas da supremacia masculina cis hetero adulta branca, expõem o pau pequeno moral de uma civilização que tem o focinho de porco de usar o fardo do Homem branco como álibi para destruição, são uma tsunami que ataca a longa duração. E da queda da Bastilha ao incêndio de Borba Gato tem muito mais ferramentas de onde saiu o movimento da vida que não quer e nem deixa que a vida seja sempre igual.

É a energia da transformação do desespero em sonho que vive a maldição de quem sustentou o nazi fascismo nos muitos poderes e é do desespero de quem se vê em queda que se alimentam sonhos de governos democráticos, para que sejam possíveis caminhos de debate das tantas formas de revoluções necessárias.

A Economia Moral da Multidão gera a Economia Moral dos Afetos, o entendimento econômico de onde investir sentimentos e energia que geram a produção mediada de novos campos dos sonhos. 

E nestes campos morre à míngua a indústria do ódio.

Entre o otimismo da vontade e o pessimismo da razão

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O Governo Jair Bolsonaro expõe as tripas da direita e da elite em praça pública, mas também expõe o imobilismo e a incerteza de uma esquerda que ao mesmo tempo que se organiza no âmbito institucional se fragiliza no espaço público, na rua.

E isso ocorre porque esta mesma esquerda nos mais variados graus prefere se esconder em ambientes controlados do que arriscar a disputa pelas consciências na rua.

Esse fenômeno já ocorreu a partir de 2013, quando parte da esquerda, inclusive a dita esquerda radical (De PSOL a PCO), preferiu criminalizar arroubos de ação direta destrutiva a discutir e disputar essa galera que quebrava vidraça.

Se preferiu, do alto de uma razão irracional e negacionista dos movimentos históricos, por água no moinho da criminalização, de processos, despolitização e violência policial contra os mais radicais (Parte dos socialistas, anarquistas e autonomistas) apostando numa manutenção no poder por inércia de uma ex-querda cada vez mais social-democrata (pra ser gentil) que fazia acordos pornográficos com a extrema-direita entregando anéis e dedos achando que o lulismo sozinho sustentaria dinastias de democratas com pendores sociais no Planalto.

À criminalização pelos discurso se seguiu a criminalização pela justiça, pela polícia, especialmente depois da mal explicada morte do cinegrafista Santiago, com uma nova geração de esquerda vendo novas lideranças não alinhadas à esquerda partidária ser presa, processada, ver a vida ruir e seguir sendo transformada em pária por tentar mudar o mundo.

De Gilberto Maringoni (PSOL-SP) e parte das correntes do PSOL atacando autonomistas e anarquistas (FIP, etc) como “Vândalos protofascistas” até Tarso Genro e Agnello Queiroz (governadores do RS e DF, respectivamente, eleitos pelo PT) enviando suas polícias atrás de ativistas (entre eles ativistas do PSOL), a folha-corrida que mancha a trajetória das esquerdas, com as digitais no esvaziamento da rua pela esquerda com sua ocupação pela extrema-direita, é algo continuadamente omitido pelos mais simplórios e rasos emissores de “análise” sobre as conjunturas, e que hoje acham lindo eximir Dilma de culpa pelo seu ocaso.

Não à toa há um coro de animação histérica sobre revoltas mundo afora e que adora Cânticos dos cânticos da euforia alucinada que repete “Não passarão” para o fascismo, enquanto eles não só passam como dão ré. O problema é que esse coro não rima com o movimento.

O grau de organização e organicidade dos discursos de redes sociais é perto de zero, e mesmo com o crescimento de organização e organicidade de uma revolta palpável nos partidos de esquerda(difícil medir em organizações autonomistas e anarquistas, mas apostaria que também está alta a procura de organização), isso não tem se refletido numa mobilidade de ação que mantenha essa galera entusiasmada.

E parte do problema é que se vende sonho, não se vende o trabalho e a organização necessária para agir e transformar.

Não é um fato incomum para a esquerda o discurso que alimenta “primaveras” não ir além do conversê pra organizar essas primaveras.

Porque transformar exige tocar em vespeiros (homofobia, racismo, machismo estruturais, por exemplo), e ninguém quer tocar em vespeiro e arriscar perder voto, ou poucos topam o risco.

Mais seguro gravar com o Quebrando o Tabu.

As manifestações pela educação foram maiores do que as contra a Reforma da Previdência e pouco se tentou aprender com isso. Pior, pouco se tentou avançar no debate sobre educação em si, pouco fomos além do debate que discute o quanto a universidade precista ir mais pra rua e divulgar sua serventia.

A questão é que a educação atinge todos e especialmente atinge uma galera em formação que mesmo tendo sido pega pela perna pelo Novismo liberal, percebe que a vida não é filme, você não entendeu, e foi pra rua discutir e disputar a necessidade de universidades públicas, porque sentiu na pele e isso lhes deu experiência, experiência que é a base da formação de consciência.

Já a Previdência é um campo onde a disputa está com quem já está às vésperas de se aposentar ou é adulto e tem convicções menos flexíveis com relação a seu dia a dia e seu futuro, convicções que por vezes lhe são deletérias.

A aposentadoria é, pros mais jovens, uma utopia, um futuro, que hoje quase não mais existe.

E o bombardeio sobre o quanto a Deforma da Previdência era necessária, é algo que beira os vinte anos e buscando exatamente sua destruição. Qualquer opinião que revelasse ser uma manobra de opinião pública tinha oitocentas dizendo que a esquerda era negacionista.

Destruir o ensino público ninguém vai dizer às claras como disse que era preciso destruir a previdência. E mesmo assim não conseguiram passar a capitalização.

A questão é que o fôlego da resistência via educação parou, e por quê? Porque parte dos atores que estavam envolvidos na não construção concreta da resistência à Deforma da previdência percebeu que perderia o controle da indignação se continuasse a apoiar os movimentos contra o desmonte da educação, pior, ainda comemora como vitória a manobra do Desgovenro Bolsonaro de, a dois meses do fim do prazo para sua utilização sem que isso impactasse no exercício de 2020, liberar recursos cortados em março.

Mas parou o fôlego? Não exatamente, apenas se reduziu e agora precisa de mais esforço para reavivar a chama, especialmente quando é visível que o neoliberalismo está nas cordas por conta dos movimentos de resistência no Equador e Chile.

Mas como lidar com isso se a esquerda via de regra prefere agir como coro de contente em rede social do que segurar o rojão de organizar, filiar, agir para concretizar seu aumento nos espaços possíveis.

Há interessantes campanhas de filiação, ao PSOL por exemplo, mas isso basta?

Não, porque é preciso existir ações públicas cotidianas que façam as pessoas se sentirem úteis, é preciso também curso de formação abertos e didáticos, com o cuidado de jamais se tornarem cursos de doutrinação (não dá pra confundir formação com proselitismo de dogma), e são muito precisos meios de ação de convencimento para além de divulgação de atos e ações.

Isso tudo é uma ideia de construção de organização partidária, há outros caminhos possíveis, e é didático pra evitar que militância se confunda com a enojante mistura de culto à personalidade com discurso esfuziante de uma alegria militante que nada faz além de divulgar um “Não passarão!” sem práxis que impeça o fascismo de passar.

Porque é disso que faz parte da militância, que confunde a necessária ação contra o desânimo, focada na nossa memória e nos nossos fetos, com uma falsa felicidade estagnada que não constrói porra nenhuma e ainda fica saudosa de péssimas experiências porque hoje estamos literalmente fudidos na mão de um presidente com banca de miliciano.

Não, amigos, não estamos vencendo. Estamos perdendo de um time ruim por 7×1, o gol que fizemos foi de honra e o fato de outros times estarem virando o jogo, ou perto de iniciarem a virada, não faz da esquerda do Brasil mais do que observadora enquanto a extrema-direita vem de novo ameaçar nosso gol.

A mobilização do Chile está vencendo a extrema-direita, mas é lá, não é aqui e não estamos fazendo muito para trazer aquela indignação pra cá, além de comemorar e chorar vendo a foto dos outros, enquanto mugimos “saudades do meu ex” e achamos Maia democrata.

Com o Desgovenro Bolsonaro em derretimento acelerado e sendo questionado por elite e direita, sentamos em cima do gol de honra marcado em março com nossas mobilizações pela educação e achamos que tá bom porque dá pra esperar de um a três anos (dá?) pra demover Bolsonaro de sua cadeira que mancha de óleo nosso litoral e a vida de pescadores e povos originários, amplia o número de feminicídios e crimes de ódio, queima a Amazônia e avança sobre terras indígenas.

Não adianta pedir a queda de Salles e Weintraub se o chefe deles poderá nomear outros dois canalhas.

Não adianta ter medo de Mourão ignorando que a bola da queda de Jair tá quicando na nossa frente e a gente tá deixando Maia e Toffoli o manterem no poder enquanto as digitais do assassinato de Marielle, rachadinhas e aparelhamento criminoso do poder avançam sem suar.

O otimismo da vontade do nosso discurso é delusional e tenta calar o pessimismo da razão que explicita nossa imobilidade.

Sim, a imprensa liberal erra ao dizer que a esquerda está parada na institucionalidade, porque nessa ela não está, mas acerta, sem mirar lá, pra dizer que ela tá omissa na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapé,

Com exceção dos indígenas, povos originários, Sem teto e Sem terra, o restante da esquerda tá olhando pra ontem, e em vez de ser pra revolução Russa tá olhando pros governo Lula como se fossem o Reino Encantado de Aruanda.

A gente precisa do pessimismo da razão, porque estamos perdendo e o fato do time de lá ser ruim e o juiz ter cansado de roubar não transforma o resultado uma vitória.

Mas também precisamos de um otimismo da vontade real, que faça com que, mesmo com todas as tretas, a gente levante no dia seguinte e faça acontecer as organizações, os atos, as produções de conhecimento e programa, as ações necessárias.

O otimismo da vontade não é um alento pro pessimismo da razão, mas o combustível pra, de forma realista, transformar a realidade que faz a razão ver tanto pessimismo.

É fundamental sairmos do transe que sonha com a volta de Lula como nosso Dom Sebastião de Garanhuns e pormos em prática movimentos de organização e organicidade que permitam que a conjuntura mude e que ele possa ser o Dom Sebastião de Garanhuns pra quem precisa de um homem pra chamar de seu.

Temos que pôr em prática movimentos que permitam que saibamos quem mandou matar Marielle e porque Jair, Flávio e Queiroz estão desde sempre produzindo canalhice e fake news sobre ela.

Pra sairmos do transe é preciso construir meios de irmos pra rua, é preciso fazer banquinha com material, discutir no cotidiano, filiar gente, chamar passeata, cobrar as lideranças porque não estamos agora gritando “Fora Bolsonaro!” e estamos tentando derrubar ministro.

Há um latifúndio para nosso otimismo da vontade ocupar e há uma conjuntura violenta que o pessimismo da razão precisa ver.

E pra vencermos é fundamental agirmos com o primeiro, enxergando com o segundo.

Para futurar-se o país precisa desbolsonarizar-se.

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O futuro de um país em escombros é um futuro distópico sob um comando inepto no que constrói e ferozmente capaz quando é para destruir sob a cor branca de um cristianismo genocida, machista,misógino, lgbtransfóbico e racista.

Os ataques cotidianos dos Bolsonaro e seus asseclas de ministério ao cotidiano da vida dos brasileiros vai da reforma da previdência ao desmonte da fabricação de remédios à ampliação da política genocida que estimula a violência policial,passando pela ampliação da destruição da CLT e pela política de privatização enrustida das universidades públicas com ataque à produção científica e violação explícita da liberdade de cátedra nas Públicas transformadas em Organizações sociais com comissões de controle da produção docente, que inclui um Escola sem partido próprio, sem contar a ausência de investimento nas faculdades de humanas, não lucrativas aos olhos tecnocratas da canalha.

São muitos, cotidianos, os ataques que ampliam-se quando incluímos a agenda de liberação dos agro-tóxicos, a agenda da violação de territórios indígenas, de seus corpos e estímulo ao genocídio de etnias inteiras, sem falar no desmonte da política ambiental, que não para nos órgãos, mas chega nas floresta, nas políticas de combate aos elementos que ampliam o aquecimento global,etc.

E tudo isso ocorre quanto setores inteiros que se jactam de serem democratas preferem tergiversar sobre o que acontece sob seu nariz.

Enquanto ex-ministros de várias áreas se reúnem para efetivamente denunciar a agenda catastrófica dos Bolsonaro, setores como o jornalismo supostamente liberal Global de Bial (rimou, foi?), o parlamento sob o tacão “renovador’ de Tabata Amaral e seus blue caps, o liberalíssimo e supostamente democrata Fernando Henrique Cardoso, brincam de serem uma oposição bem humorada à catástrofe gerando mais força e energia para ampliar o ataque à esquerda, que fica cada vez mais claro que é um inimigo preferível ao protofacismo uber liberal de Bolsonaro, que à resistir à agenda da barbárie.

O “Future-se”, agenda de desmonte das universidades públicas explicita e publicamente inspirada em Milton Friedman, é mais um passo, grave e acelerado, na destruição de uma estrutura conquistada pela população brasileira em uma sequência temporal que remete ao reinado de Dom João VI, passa pela ampliação na ditadura militar, renova-se com o choque neoliberal de FHC (que quase a matou) e ganha, com erros e acertos, a faceta inclusive da expansão universitária sob Lula.

Segundo o MEC para “futurar-se”, a universidade pública precisa adequar-se a uma agenda de venda de naming rights, de imóveis, construção de comissões de avaliações de professores,incluindo revisão de sua liberdade de cátedra, buscar “autonomia financeira”, vulgo obter financiamento privado para cumprir demanda e dever público, e virarem, na prática, produtoras de patentes e start ups com cancelamento de qualquer curso inviável no âmbito do lucro, tudo de humanas.

O interessante é que a apresentação tosca de ministro e companhia torna patente o desconhecimento optativo da realidade da produção científica brasileira e tomam o preconceito de classe contra as universidades públicas (ou a omissão malandra do real para tentarem fornecer meios de lucro fácil a parceiros estratégicos? Nunca saberemos!).

As universidades públicas já produzem inovações, patentes,etc, sem falar na ampla produção científica das humanas, que são de ponta, e chegam a uma quantificação de que são responsáveis por 95% da produção científica do país. Se há uma falta de projetos para a absorção pela sociedade da produção científica é menos um fator de má gestão das reitorias e mais uma ausência de gestão DO ESTADO do que ele produz através delas.

Ou seja, o problema sempre foi mais os Weintraub que os reitores e as universidades em si que fazem milagre com o que recebem por ano e que lidam com financiamento caiu a ponto de terem suas verbas de custeio atacadas.

E isso se soma à própria ideia dos cortes, ou seja, Weintraub inviabiliza o funcionamento das universidades e acena para um projeto de facilitação de contratação e gestão com capacidade de absorção de verba privada, e enriquecimento de professores e reitores, enquanto aponta que a alternativa é a penúria.

É a tática clássica da privatização com requintes de crueldade. E o Ministro e seus asseclas não avisa ou informa da desigualdade existente entre regiões e que condenaria universidades como a do Recôncavo Baiano ou a de Codó, no Maranhão, passando pelas Federais de Rio Grande, Santa Maria e Pelotas, no Rio Grande do Sul, a pelo menos reduzirem seu papel social e existencial a um nível mil vezes menor do que são hoje, ou até ao fechamento.

Esse tipo de política impacta do acesso da população ao ensino superior à própria economia de regiões inteiras.

Fechamentos de cursos, redução de tamanho de universidades, impactarão a economia e a vida das sociedades de cidades pequenas e médias que se reestruturaram depois da expansão universitária dos anos lula, que foram, e ainda são, elementos de uma política de desenvolvimento social, científico E econômico.

A capacidade de auto-financiamento de universidades é reduzido e inclui um nível de competição entre elas que fatalmente retornará o modelo de acesso ao nível dos anos 1980, quando apenas as federais das capitais, e nem todas, terão como se manterem com insumos produzidos pela captação de recursos na esfera privada. Universidades do sul e sudeste de fora das capitais tendem à extinção ou pelo menos à redução de sua existência às faculdades de engenharia, medicina, administração, economia e talvez, apenas talvez jornalismo.

Na maior parte das universidades a tendência é ao fechamento ou à redução drástica de cursos, nas universidades das capitais, salvo uma ou outra, a tendência é a manutenção de cursos de uso rápido pelo mercado, voltados para ciência e tecnologia, biomédicas e já excluindo os cursos de humanas.

A ausência de política para as ciências humanas, por exemplo, teriam impacto da manutenção de memória em museus e arquivos à pesquisa sobre ela, que geram luz sobre elementos de fatos históricos ignorados pela história tradicional que é estruturada na capacidade de compreensão histórica militar do Bolsonarismo, onde Duque de Caxias é mais importante que os negros assassinados na Batalha dos Porongos, traição Farroupilha a um de seus batalhões mais heroicos em nome da paz com o Império. Sem falar na produção da geografia, do serviço social.

E filosofia, teatro, dança? Pois é, tudo isso,que impacta o cotidiano das cidades de formas muitas vezes ignorada, como a produção de eventos e de ações culturais e sociais nas cidades de até 200 mil habitantes que são praticamente a vida cultural local, vai virar lenda.

Há o impacto no ensino, pois com menos universidades de humanas haverá uma queda, ainda maior do que já existem no número de professores e isso impacta menos as escolas privadas, onde se mantém sempre um certo número de professores à mão, que as públicas, até que essa política faça o que pretende: extinguir a presença do ensino de humanas nos mais variados níveis do ensino.

A prática do governo Bolsonaro na educação é uma síntese do que é o governo no amplo espectro: um projeto de destruição da base social e do próprio tecido social rumo a um projeto de necrogoverno, voltado pra venda da morte, com alto elitismo e encastelamento de quem pode pagar circulado de auto defesa, no ninho de seus privilégios com a barbárie sendo o legado pros mais pobres e até pra classe média batoré que votou nele por que tinha pobre pegando o avião que ele hoje já não pode mais pagar porque sua venda de queijo, que ele achava que o colocava na mesma classe o Lehmanm, faliu.

Enquanto isso se põe em marcha tanto os liberais Bial e FHC, quanto a “esquerda” Tabata Amaral, cujo projeto para a educação dialoga com o desmonte proposto pro Weintraub, preferem jogar fogo no anti-comunismo calhorda adulando Mourão que acusar a barbárie pelo nome que tem. E a esquerda em sua maioria, especialmente o meio sindical e o lulo-petismo, fica à deriva jogando o peso das mobilizações para as comunidades de educação, universidades e estudante ignorando o papel central dessa agenda na resistência a Bolsonaro.

A esquerda também se omitiu na disputa contra a reforma da previdência, tendo sido pelo menos lerda no combate, inclusive batendo cabeça sobre “versões da reforma que atacasse realmente privilégios” sem apresentá-las e escusando-se claramente de ir para as ruas na velocidade e frequência necessária para produzir massa crítica para que as mobilizações ganhassem o peso e a frequência necessária.

Pior, salvo raras exceções, a esquerda impôs uma agenda sobre as reformas que reduziram a massa crítica e a frequência das mobilizações pela educação. Não sei esperando o que, mas a esquerda parou quando devia avançar, permitindo que Weintraub produzisse o “projeto” de futuro de uma educação onde o futuro é sua morte. Demos tempo para que ele respirasse, ele respirou e soprou o fogo do inferno sobre o projeto de educação para além do lucro.

A esquerda também se omite na busca sim de um “Fora Bolsonaro’ diante do vil crime que é a existência dessa massa miliciana no poder e os ataques ao povo, ao país, às minorias, ao meio ambiente EM TODOS OS ASPECTOS DO GOVERNO.

Hipnotizada pelas revelações do The Intercept sobre Moro e companhia, hipnotizada procurando Queiroz, a esquerda se reduz a mandatos e as redes sociais perdendo tempo e massa de acirramento da disputa criada desde maio com a explosão do 15M nos encheu de energia e nos apontou os caminhos.

Submetendo a agenda quente da política cotidiana à agenda fria do “Lula livre”, as esquerdas também submeteram a energia da transformação, que perpassa o debate, pelo menos o debate, sobre a derrubada de Bolsonaro à política frágil, fria e oportunista do parlamento e dos acordos possíveis que tentam minimizar os efeitos do Bolsonarismo via institucionalidade.

Óbvio que a libertação de Lula é uma agenda, óbvio que denunciar os processos ilegais que o aprisionaram é importante, mas também é óbvio que não é uma agenda central dentro do cotidiano de lutas que precisam salvar vidas de forma imediata, que lutem contra a aceleração da violência contra indígenas e ativistas ambientais, contra a destruição das universidades e contra a aceleração da política de insegurança genocida que o governo patrocina.

No dia da votação da Reforma da previdência tinha movimento fazendo tuitaço Lula Livre! Em meio a uma busca de encerramento das investigações sobre a execução de Marielle, e que tem relação com a suspensão das investigações sobre Flávio Bolsonaro (coincidência?), tem movimento fazendo tuitaço Lula livre.

Precisamos dessa agenda no tamanho que ela precisa ter: enquanto parte existente de uma agenda maior de luta por N agendas imediatas envolvendo dos LGBT aos indígenas passando pela universidade, é uma defesa da civilização contra a barbárie, onde Lula ser libertado, me desculpem, ocupa um lugar, mas não o trono principal do cenário.

Me importa muito mais, e não só por ser do PSOL, descobrir quem mandou matar Marielle e o quanto isso se intrinca com a própria existência da máquina que elegeu Bolsonaro e seus filhos e o quanto isso é parte de uma política de criem organizado imbricando no estado via milícias e que tem expansão cronica país afora sob os olhos cúmplices de um ministro da justiça venal.

Lamento se isso passa por secundarização de lutas ao contrário,mas não sei se notaram a casa tá caindo enquanto quem defende essa agenda ficou anos dizendo que as “lutas identitárias” e as lutas de “minorias radicalizadas com projetos irreais” eram quinta coluna da esquerda e agora tenta impor a agenda de defesa da libertação de Lula à agenda de defesa da civilização contra a barbárie fascista.

Óbvio que nem toda a esquerda papou mosca, nem todo mandato fico preso no papel pega mosca do passado, nem todo partido ficou olhando pra ontem ou deixou de produzir mobilização, mas o grosso da esquerda ficou esperando Godot.

Agora temos uma mobilização marcada para agosto, ela tem como foco a defesa das universidades, mas ela precisa se fazer construir de forma ampla incluindo o debate com a sociedade sobre como a política de Bolsonaro é, como um todo, um ataque à sociedade e não apenas às universidades. Aliás, é fundamental que a gente defenda as universidades demonstrando que um ataque a universidades é um ataque à venda do João, que o doce de Pelotas não virou patrimônio cultural escrevendo sozinho sua história, que as panelas de barro do Espírito Santo não viraram patrimônio cultural, e tudo o que envolve esse reconhecimento, por que um anjo ditou o texto a Moisés.

O futuro de nossa existência enquanto sociedade livre depende de um futura-se que envolve desbolsonarizar-mos o país. E isso envolve comprar a briga de expor que os 30% que o apoiam precisam ser reduzidos com a exposição de que estes são os defensores do sofrimento de 70% dos que não veem o governo como um governo digno do nome.

A gente precisa parar de brincar de liberal de apartamento quando enfrentamos um governo que desmonta mais do que o estado, mas o aparato civilizatório, o debate político democrático, que ofende instituições históricas como o Itamaraty, que desmonta uma política de vinculação com a luta pelos direitos humanos que vem existindo desde os anos 1940 e que desmonta uma política de desenvolvimento científico que à duras penas sobreviveu desde Dom João VI à duas ditaduras, à crises econômicas e pode morrer sob as patas do cavalo huno de Bolsonaro.

A gente também precisa parar de se omitir no apontamento das responsabilidade de quem em nome de uma política de defesa da economia neoliberal se omite no apontamento da devastação bárbara do estado promovida pelos Bolsonaro.

São muitas as tarefas, são muitas as bandeiras e são muitas as demandas, mas elas convergem na busca de superação de um governo que derrete a olhos vistos inclusive em sua principal base de apoio e que já perdemos todas as desculpas supostamente democráticas que nos impedia de defender sua queda.

Breves comentários sobre o #15M e o #30M

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Os cortes orçamentários na educação feitos pelo Ministro Abraham Weintraub tiveram dois novos capítulos de resistência ao planejamento de destruição da educação feito pelo governo Jair Bolsonaro na figura do inepto ministro da educação e também ao próprio governo em si, reanimando os movimentos sociais e a esquerda a ocuparem as ruas.

O primeiro ato em 15 de maio teve uma força inesperada para governo e mídias, pondo mais de um milhão e meio nas ruas em todos os estados e mais o Distrito Federal, levando à chamada de outro ato neste dia 30 e obrigando o governo a responder com a convocatória de suas bases para defendê-lo, apenas sete meses depois de sua eleição.

Apesar dos esforços de governo, mídias e da ala liberal da própria oposição em superestimar o peso de manifestações a favor de Bolsonaro, a dinâmica de comparação entre seus adeptos e quem resiste a ele é de flagrante contraste.

No 15M as manifestações puseram milhões nas ruas. Provocando Bolsonaro a agir segundo sua natureza, dobrando a aposta e não só convocando atos a seu favor, como animando seu ministério a ampliar o grau de ataques, via AGU com ação no STF pedindo policiais nas universidades para reprimir professores “doutrinadores” via MEC com o ministro inacreditavelmente impondo um decreto que “proíbe manifestações políticas nas universidades” e sugere que pais e alunos denunciem professores.

Os atos a favor foram inacreditavelmente pequenos para um governo com apenas sete meses de eleito e cinco de vida, pressionaram o congresso com ataques a sua maior bancada, o Centrão, e ampliaram uma crise que forçou a apoiadores da Reforma da Presidência a tentarem pactos incluindo STF e Câmara via Rodrigo Maia e Toffoli para salvar a Reforma das ações do presidente da República. As ações de Bolsonaro, que se foram inteligentes ao ameaçar as Reformas foram um desastre ao provocar o congresso e ampliar a crise de relacionamento entre poderes, provocou novas derrotas na Câmara e Senado, jogaram a crise no colo do Presidente do STF, que estava livre de ataques fora do arco dos Bolsonaristas radicais e que agora tem associações de magistrados contra seu engajamento político partidário.

Pra piorar Weintraub cortou recursos que eram destinados ao Museu Nacional e ainda culpou a bancada do RJ pelos cortes, causando a ira inclusive entre deputados cariocas apoiadores do governo na Câmara. Não satisfeito editou decreto proibindo a autonomia das universidades na gestão de seus sites e impondo a ela suma proibição de manifestação política em suas dependências, com censura direta a professores e estímulo ao denuncismo pro parte de alunos e pais, atacando estudantes como se fossem “forçados a participarem de atos contra o governo”.

O resultado é que novamente as manifestações contra o governo foram maiores e com forte engajamento para além de partidos e movimentos de esquerda, envolvendo docentes, discentes, funcionários, reitores e comunidades na defesa da educação, com peso expressivo no RS, PR, RJ, SP, Nordeste como um todo e Distrito Federal, só tendo menor peso nos estados do Norte.

No dia 30 de Maio, hoje, que é quando escrevo esse texto, os atos tem menor tamanho que os do dia 15, mas mantém forte engajamento e uma enorme capilaridade, tendo forte presença em cidades do interior dos estados, como Pelotas, São Carlos, Feira de Santana e por ai vai. E com presença populacional que cobre um percentual enorme na relação com a população em geral. Se em Pelotas no dia 15 foram dez mil, no dia 30 não foram menos que cinco mil. Atos em São Carlos, Campina Grande, Feira de Santana,etc forma enormes para suas cidades. A presença de reitores em cidades como Pelotas tornam o peso político maior ainda e ultrapassa a crítica dos atos como partidarizados exclusivamente pela esquerda e ampliam o debate em torno da necessidade de defender o que é público.

As mobilizações mantiveram um forte engajamento mesmo sendo chamadas em um curto espaço e contando com o desestímulo de setores liberais que assustaram-se com o forte teor de resistência a mais que os cortes da educação, mas ao próprio projeto econômico do governo, que envolve também resistência à Reforma da Previdência, aos ataques a indígena,s LGBTs, mulheres, negros e negras,etc.

Não à toa hoje surge entrevista da deputada Tábata Amaral, uma das campeãs de uma “nova política não polarizada” que acha normal e bacana dizer que existe corte bom e possível para as universidades, na contramão da defesa do público que se estabelece como discurso necessário que parte da sociedade para as mobilizações pela educação. Tudo isso pela defesa de setores por ela representada de alguma Reforma da Previdência, contra a resistência popular à que mexam na Previdência social (55% da população brasileira é contra qualquer reforma).

Em uma conjuntura de crise econômica e inépcia do governo Bolsonaro, a movimentação de salvamento da Reforma da Previdência puxou o freio de mão de vários setores que resistiam a Bolsonaro, parte do Centrão e parte da “oposição propositiva (PDT de Tábata Amaral e Ciro Gomes, por exemplo), mas não foram eficientes na desconstrução da resistência pela educação.

Talvez porque assoberbados no aprendizado sobre como as democracias morrem se esqueçam de lutar pelo salvamento da pobre Democracia, ocupados que estão em atuar para o salvamento do mercado.

A questão é que se a análise sobre a esquerda nas mídias e parte da suposta esquerda progressista insiste em dizer que nada se faz, que quase tudo é uma redução ao petismo lulista e que não existe oposição, existe sim uma profunda movimentação de resistência que se não tem completamente as tintas partidárias na sua construção tem um forte DNA de uma multiplicidade de esquerda que remete a um lado de 2013 negligenciado nas análises sobre os movimentos de junho daquele ano: as ocupações de escola.

Afoitos em culpar 2013 pela queda da “Era de Ouro” da esquerda no governo, ignorando que os governos Lula e Dilam forma de centro, no máximo de centro-esquerda, analistas só enxergam naquele ano o gene da movimentação de direita que pariu MBL e Bolsonaro, ignorando as ocupações de escola e o avanço das lutas ditas identitárias.

E são aqueles que ocuparam escola que por sua vez ditam uma nova percepção das lutas hoje e atuam numa movimentação mais horizontal sem excluir atuações de partidos. A presença de uma juventude mais negra, mais periférica, mais LGBT, com forte presença de mulheres, e muitas mulheres negras, em cada ato é um dado mais que bem vindo na análise do que vem por ai.

Além disso, no que tange à experiência de uma classe trabalhadora em profunda discussão, praticamente no divã, do que é e como age com quem para se emancipar e viver bem, a presença em espaços de resistência de estudantes, servidores, terceirizados, professores e da sociedade em geral permite um grau de compartilhamento de experiências que tende a um avanço na conscientização política. A própria saia das universidades de seu canto no ringue, demonstrando para a sociedade seu peso no seu dia a dia, da saúde à economia, é um passo mais do que bem vindo para barrar projetos de destruição do público e recuo democrático.

As manifestações em seguida de Bolsonaro, Weintraub, General Heleno, dando dicas de que se triplicará a aposta na repressão às universidades tem forte potencial explosivo para ampliar um movimento que mesmo com repressão, frio, chuva não saiu das ruas e ganhou espaço vívido com presença em jornais de 126 cidades e 26 estados mais o DF. Este forte potencial explosivo ocorre com ampliação da resistência no congresso ao governo e de queda de popularidade em todos os setores da população.

Pra complicar a vida de Bolsonaro, se um movimento com menos de cem mil em todo o Brasil fez o congresso e o Centrão repensarem sua ofensiva contra seu governo, o que ele espera da manutenção de milhões nas ruas a favor da educação, com forte pressão de reitores, prefeitos e vereadores das cidades em que há universidades em 26 estados e no DF?

Se o peso das manifestações do dia 26, com números ínfimos na relação com a população e com o próprio eleitorado do governo, forma superestimadas, o que mídia, liberais,etc farão com a manutenção da resistência contra Bolsonaro,Weintraub e cia?

No xadrez das pressões é visível o menor peso numérico de Bolsonaro. O próximo movimento do governo pode ser sua ruína.

Havan, o tipo de trabalho e emprego gerado e as cidades.

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A chegada das lojas Havan na cidade de Pelotas trouxe ao cenário político pelotense uma tensão entre forças políticas que se movem em um cenário de falsa polaridade. Talvez agraciadas pela influência das redes sociais, as tensões e relações de força se põe, muitas vezes de forma intencional, como pró ou contra o emprego, quando há questões muito sérias a serem debatidas sobre a chegada da loja, seu perfil empregatício, seu impacto no planejamento urbanístico da cidade e no próprio modelo de gestão da economia por parte do município, que, não se enganem, tem sua cota de responsabilidade pela crise econômica que passamos, ao menos local.

O próprio Conselho Municipal de cultura denunciou ao Ministério Público a implementação da loja no espaço do Jockey Clube da cidade com base em uma série de violações às leis que regem o patrimônio cultural, ao Plano diretor da cidade,etc. A prefeitura de Pelotas, que depois se declarou a favor em vídeo onde ataca o PSOL por ser, segundo a prefeita Paula Mascarenhas em sua proverbial ausência de apego à verdade factual, contrário à geração de empregos na cidade via Zaffari e Havan, se manifestou contra a chegada das lojas à cidade em parecer anterior à sua, súbita, mudança de ideia. Aliás, a prefeita tanto mente que afirma que seus representantes no CONCULT foram a favor da implementação das lojas no local quando a votação sobre o parecer contrário foi unânime no conselho.

O presidente do conselho esclarece a questão em matéria do Diário popular:

Horas após a prefeita Paula Mascarenhas (PSDB) publicar nas redes sociais sua posição sobre a possibilidade de rompimento de contrato entre os grupos Havan e Zaffari com o Jockey Club, o Conselho de Cultura de Pelotas (ConCult) também se manifestou. O órgão reafirmou que o parecer contrário à lei (leia a íntegra) que permitiu a negociação entre o clube e as empresas recebeu apoio unânime entre os integrantes do conselho. “Esse parecer foi votado e aprovado de forma unânime, inclusive com participação da prefeitura, com votos dos assentos da prefeitura no Conselho de Cultura”, diz Daniel Barbier, presidente do ConCult, sobre o documento encaminhado à Câmara de Vereadores e que embasou denúncia encaminhada ao Ministério Público. Segundo ele, a reunião onde o assunto foi discutido e em que o parecer recebeu aval de todos os integrantes do conselho foi registrada em ata que está com a Secretaria Municipal de Cultura (Secult). “O parecer foi construído não só pelos representantes da prefeitura, como também da UFPel, UCPel e IFSul”, completa Barbier. (DIÁRIO POPULAR, 27 de abril de 2019)

O problema é que a prefeitura usa uma questão de fácil apelo, os supostos duzentos empregos que seriam gerados apenas pela Havan, como arma política para atingir a principal força de oposição, mesmo em que se pese que, na Câmara, o PSOL votou a favor do projeto de alteração legal para que a loja da Havan e da Zaffari fossem implementadas no local.

A questão toda, e que criou o impasse legal,é que a Câmara votou em um projeto colocando a não alteração da função social do clube, e o CONCULT alertou que havia outros problemas na questão, sob o ponto de vista estritamente legal, que não foram observados pela câmara.

A Câmara foi induzida ao erro, e o PSOL por consequência também. A Prefeitura pressionou a sociedade para agir de forma absolutamente irracional contra o PSOL, enquanto por sua parte Luciano Hang, o grande amigo do presidente inepto que comanda o país com recordes de desemprego enquanto o dono da Havan promete empregos que não diz como criará e que qualidade terão, chantageia a cidade com ameaças de retirar uma loja que não abriu ainda, antecipando as chantagens como as que fez em Jaraguá do Sul, quando ameaçou fechar a loja se a Câmara não mudasse o horário de funcionamento do comércio,permitindo a abertura domingo.

O Ministério Público posteriormente, à revelia do bom senso, afirmou não ver impedimento para a instalação das lojas, mesmo o CONCULT colocando que há sim violações ao Plano diretor e à própria lei de registro e tombamento de bens culturais.

A responsabilidade do MP foi de sancionar algo que terá impactos posteriores à cidade, e cabe ao MP arcar com as consequências dela, a nossa responsabilidade é compreender o que está em jogo, economicamente e politicamente, com esse caso.

Em primeiro lugar há uma franca utilização do caso, um clássico do uso da suposta geração de empregos como álibi, para atacar a esquerda, mesmo quando ela atua diretamente para exercer uma função para a qual foi eleita, no caso do CONCULT e da Câmara, que é o de agir para preservar os interesses da sociedade em suas várias camadas e demandas.

A ação da prefeitura e das forças da direita e centro direita na cidade contra o PSOL e o companheiro Dan Barbier foram o puro suco do oportunismo satanizador da esquerda, que de forma pateticamente irônica a prefeita Paula diz em reuniões pertencer, enquanto PSDB e asseclas flertam com o limite da irresponsabilidade, que devem ter aprendido com o supra tucanato via FHC ao apoiar não só a flexibilização das leis de proteção ao patrimônio na cidade como ignorar Plano diretor e qualquer bom senso de planejamento urbanístico permitindo a instalação de lojas em uma região que talvez seja o maior nó de trânsito da cidade, só pra começar, com dois hipermercados, universidades e enorme fluxo de trânsito na direção da zona norte.

O grau de ataques recebidos pelo PSOL, vereadora Fernanda Miranda e ao presidente do CONCULT vão das redes bolsonaristas a apoiadores do PSDB, MBL,etc, e chegam às raias da ameaça. E estes ataques são também responsabilidade da prefeita Paula Shild Mascarenhas que, à revelia da honestidade intelectual e política, reduz assunto sério á politicagem rasteira em nome de um sonho de reeleição que sua figura pública arrogante dá como certa, mas que seu espírito imperial não permite que seja sem tentar destruir o que considera seu principal adversário político, o PSOL.

O descaso da prefeitura com o patrimônio cultural da cidade é um forte argumento para a compreensão do uso oportunista da questão da Havan, ignorando impactos urbanísticos e culturais, para se cacifar de forma irresponsável junto a um eleitorado carente de emprego e renda.

O sete de abril fechado há séculos; o prédio do Banco do Brasil em frente à prefeitura entregue às moscas sem nenhuma ação da prefeita e seu grupo de amigos encastelado no paço municipal para preservar e dar um fim social ao mesmo; o abandono do centro da cidade, que possui uma enorme quantidade de imóveis com características arquitetônicas passíveis de criação de uma rede de preservação, especialmente por muitos terem um estilo art decó com fácil identificação, sem nenhuma ação que tente ao menos mapear as características históricas variadas da cidade e dar um fim social e de identificação deles, inclusive com criação de um aparelho de visitação turística, movimentando economicamente o centro e por fim o descaso com a ocupação do Mercado Municipal onde a prefeitura vem sendo repetidamente cúmplice de uma busca de seu esvaziamento de frequência popular em nome de uma elitização, com a cumplicidade dos permissionários, que só dificulta a vida econômica dos mesmos permissionários, ao lutar contra as rodas de samba, a sexta Black,etc, tudo isso indica que a Prefeitura não entende cultura como parte da vida e da economia, pior tem uma visão tacanha da economia.

E ai entra o segundo ponto: a prefeitura trata a Havan como tábua de salvação porque à ela o assunto economia é uma questão de desgosto profundo, inclusive por sua conhecida incompetência em enfrentar a parte que lhe cabe no latifúndio da crise econômica, tendo políticas de geração de emprego e renda em vez de se abraçar numa tábua de salvação ilusória com impacto diminuto em uma cidade com cerca de 300 mil habitantes, com um enorme contingente de desempregados.

Quais as ações da prefeitura em prol da geração de emprego e renda de forma clara, direta, construtiva? Por que sonhar e digladiar-se por dois empreendimentos com impacto urbanístico grave ao invés de atuar para a implementação de programas de incentivo às pequenas e médias empresas com a prefeitura atuando como fiadora de empreendimentos que auxiliem a geração de empregos? Com seus muitos laços, cursos, viagens, abraços com governador, presidente, amigos industriais,etc não existem canais perceptíveis de financiamento de programas deste tipo visíveis para a prefeitura? Sua qualidade como gestora é tão diminuta que nada sai além do seguir uma cartilha disponibilizada pela Comunitas?

Em março o BNDES anunciou uma linha de crédito de financiamento a pequenas e médias empresas com valores de até 500 mil reais por ano sem limite de faturamento, a prefeitura não teria interesse para enviar a prefeita ou seu secretariado para discutir algo que permitisse um programa de incentivo às pequenas e médias empresas locais e gerasse empregos e renda que inclusive permitiriam que parte do uso do retorno financeiro pelos empresários e empreendedores ficasse em Pelotas e não fossem passear entre Brusque e supostos impulsionamentos de fake news contra adversários políticos? A prefeita e o atual governador que juntos se jogaram na aliança com o Bolsonarismo no rio Grande do Sul são incapazes de atuar com seu aliado para promoverem ações de fôlego e impacto duradouro na cidade além de ações marqueteiras com impacto daninho ao município no longo prazo e sob a ameaça constante dos humores de Hang?

E temos a última série de questões: Que tipo de emprego Hang criará? Empregos cuja necessidade torna os trabalhadores alvos fáceis do abuso moral, inclusive com forte pressão eleitoral? E por que interessa à prefeitura esse tipo de emprego, que tipo de laço ou aliança une Hang e Paula visando as eleições de 2020? As perguntas não são apenas ilações, dada a forma como Hang foi criando uma fama de ir além do razoável,para ser fofo, no que tange a seus apoios eleitorais e uso de sua máquina econômica para fortalecê-los.

Em 2018, últimas eleições, Hang foi acusado e processado de por ameaçar fechar lojas se Bolsonaro não vencesse, atuando como abusador moral coletivo, e posteriormente foi processado pela OAB por chamar advogados de “abutres” tendo sido obrigado pela justiça a apagar posts com a ofensa. Hang também tem questões relacionadas a problemas com pagamento ao INSS dos repasses necessário à previdência e foi processado por isso desde 2006, tendo sido alvo de processos que chegaram ao STF (a partir da página 54 do link citado), não à toa é um feroz apoiador da capitalização presente na Reforma da Previdência do Guedes.

A Havan, na pessoa de seu proprietário Luciano Hang, foi processada pelo MP-SC por diversos crimes cometidos, entre eles “facilitação de descaminho, descaminho, falsificação, crime contra o sistema financeiro e ordem tributária, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha”, e seu crescimento, durante os governos petistas, foi noticiado pela Folha como alvo de pelo menos duas condenações criminais por evasão de divisas e sonegação fiscal, tendo sido inclusive condenado em 2015 por lavagem de dinheiro.

Ou seja, a Havan tem um histórico de assédio moral, lavagem de dinheiro, não pagamento à previdência e débitos trabalhistas, ou seja, não pagamento correto de direitos trabalhistas e repasse desse direito à previdência e FGTS (Será por isso que seja tão fã da reforma trabalhista e da previdência?), e é esse tipo de emprego que queremos em Pelotas? Ou o apoio da prefeitura a Hang talvez não seja pelo emprego?

Porque acreditamos que existem projetos disponíveis e em prática no mundo todo, no Brasil também de encubadoras de empresas, de medidas de geração de emprego e renda via pequenas e médias empresas, de empoderamento das redes de economia solidária (A Índia é um oceano de projetos desse tipo que cabem em nossa realidade) que se promovidas e no médio prazo já geraria empregos e aqueceria a economia, em um impulso que poderia, pasmem, ter um efeito duradouro, mas esse feito é tão reluzente quanto uma estátua da Liberdade na Tablada?

A própria fala, a construção do discurso da Prefeita diz mais sobre sua intencionalidade do que as ações, já que nada fez durante seu mandato pra promover emprego e renda enquanto a vinda da Havan “caiu do céu” para dar à ela um ar de geradora de empregos, dado que o Pacto pela paz nos cemitérios não reduziu a violência na cidade, reduziu a frequência de pessoas nas ruas, e a renda dos donos de bar e de casas noturnas e ainda acumulou queixas de violência policial e contra a mulher.

Em uma conjuntura de desemprego no estado cuja taxa chega a 11%, comemorar 200 vagas diz tanto sobre nossas vulnerabilidades e necessidades quanto sobre as incompetências municipais que moram no Paço. Com 300 mil habitantes e praticamente 3000 desempregados, tendo perdido 757 postos de emprego em 2018 e recuperado apenas 15 em 2019, 200 vagas não seria de se comemorar, a não ser que essa comemoração seja para ocultar a inapetência em produzir políticas de emprego e renda que fortaleçam a economia no âmbito social, econômico direto e indireto de forma duradoura.

A imperatriz do Paço não conhece outro meio de agir, dado que a única política de geração de emprego e renda é ocupar cargos de confiança com indicados pelos aliados políticos conhecidos ou não. Pra que apoiar o pequeno e médio comerciante que se vê na necessidade de ampliar uma rede de crédito via cadernetas,o velho fiado, para manter clientes que consomem cada vez menos e tem mais e mais dificuldades em pagar suas contas se existe uma estátua da Liberdade na Tablada para fingir que produziu algo?

Mas durará o discurso quando a pressão predatória de Hang começar para a Câmara flexibilizar a legislação outra vez em nome de tornar possível que Hang obrigue funcionários a trabalharem domingos e feriados, implementando sua megaexploração que quer que todos trabalharem em TODOS OS feriados do ano?

Terá o sindicato do comércio, setor que representa 49% dos trabalhadores de Pelotas, a impressão positiva que prefeitura e sua base tentarão dar à ideia? Em Santa Maria o sindicato apoiou, o daqui irá pagar o preço por 200 empregos que são prometidos à todas as cidades e que servem de muleta para a incompetência de prefeitos e governador na geração de empregos no estado?

São perguntas que exigem uma reflexão ampla sobre que tipo de emprego defendemos, que tipo de projetos temos para as cidades, que tipo de economia entendemos ser a mais correta e se não precisamos estar mais atentos às nossas defesas, de ficarmos na defensiva enquanto a direita age de forma absolutamente desonesta para encobrir suas incompetências e vilanias.

Nessa hora é fundamental sabermos em que trincheiras, e com quem, estaremos.

O messianismo iluminista por trás de “A esquerda está perdida”.

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Se a gente for pesquisar no Google usando a frase “a esquerda está perdida” teremos doze milhões e quinhentas referências. Duvida? Testa, eu te garanto porque testei.

Há referências de 2007 usando esta frase, a mais recente é um artigo da The Intercept, escrito pela Rosana Pinheiro Machado e Tatiana Roque explicando para nós, celerados e completos estúpidos ocasionais, que as esquerdas permanecem perdidas.

O interessante disso tudo é que o argumento muda pouco, muda mais a figura em torno da qual se organizam os argumentos. Antes era Lula e o PT, depois mudou para acrescentar a estes figuras do neo-PDT, como Tabata Amaral e Ciro Gomes, sobre quem atribuem o epíteto de serem “de esquerda”.

O fim do argumento é que a crítica, o posicionamento, a postura contrária até, em vez de configurar democracia e pluralidade configura “fogo amigo”.

Não é surpresa, não só as esquerdas brasileiras, cuja base originária stalinista é difícil de se livrar, têm uma base autoritária, como via de regra a sociedade, como por ser em grande número parte da academia tem o germe da negação do contraponto e do embate como parte da democracia.

A crítica ácida é tida como ataque, a dureza idem, porque ambas, as esquerdas e a academia, tem um modelo de comportamento e convivência que confundem unidade com uniformidade e educação e fraternidade com curso na Socila (antiga escola de “etiqueta” do Rio de Janeiro).

Há um modelo de comportamento que confunde respeito ao outro com aceitação tática e acrítica de seus posicionamentos, quando via de regra é o inverso que configura respeito.

Respeitar a Tabata Amaral deveria consistir em ser duro crítico tanto ao posicionamento liberal dela na educação e na economia quanto a seu relacionamento com a fundação Lehman, ao mesmo tempo em que se valoriza seu preparo, sua inteligência e sua qualidade parlamentar na defesa do que acredita, idem no combate ao autoritarismo e neo-fascismo de Bolsonaro e dos Vélez da vida, as posições são convergentes ao invés de mutuamente excludentes.

Respeitar o outro inclui respeitar as diferenças e sim criticar o outro faz parte do respeito.

A questão é que há mais do que usar discursos como cunhas ou ter posições anti-fascistas como aliadas, há disputas que permeiam a política como um todo e que inclui disputas entre pró e anti-capitalistas.

Não dá pra esquecer que a Deputada Tabata Amaral é a favor da Reforma da Previdência, mesmo discordando da de Bolsonaro e que seu discurso contra Vélez foi tecnicista e tem o perfil de uma defesa de educação liberal, com ênfase no papel das fundações, que consiste na ampliação do papel privado na educação e menos papel do estado e isso, queridos, é algo que nosso programa enquanto PSOL, como a maioria dos programas da esquerda, tem como dever bater de frente.

Até seu elogio ao combate a Vélez tem que ser cuidadoso e parar no que consiste na defesa do estado democrático de direito, quando isso resvala na defesa de um estado tutelado pelo neoliberalismo a gente precisa apontar sim, e faz parte da democracia, pasmem, entender isso.

Mas há outros problemas, como o de parte da imprensa e da academia, e infelizmente de uma suplente de deputado federal pelo PSOL, tratar as esquerdas, que se organizam de formas diversas, como algo a ser tutelado e guiado pelo universo porque “parou no tempo” ou “está cega”, como se houvesse uma percepção extra sensorial em alguns iluminados para dizer o que organizações complexas e cujas representações tem mecanismos seus de construção de atuação como ela se deve comportar e, pior, de fora e de cima.

E vocês vão me desculpar se eu enxergo ai, mal de um historiador que pesca indícios e detalhes e lida com comunicação e discurso, um reflexo da ideia de “digital influencers” que permeou a ascensão da nova direita: não se organiza um núcleo contra nada em lugar nenhum, mas usa o blog, a coluna no site ou o vídeo no you tube para tentar na pancada enfiar uma ideia goela abaixo de organizações complexas com as quais não se dialogou ou se tentou sequer pensar.

Nem com os/as parlamentares dos partidos de esquerda que de alguma forma tentam organizar a esquerda enquanto oposição, com relativo sucesso, nem com movimentos sociais nem com núcleos, nem com militantes se pensa ou senta? É mesmo de cima pra baixo que se mete o discurso e dane-se?

E aí mora a arrogância, intelectual inclusive, de ignorar o contexto, os grupos, as pessoas, o difícil trabalho diário para taxar uma diversidade inteira de “A esquerda” e pior, se posicionar como douto professor e guia de caminhos.

E isso se espalha por blogs, podcasts, contas pessoais dos divulgadores de jornais, jornalões, que fazem isso com interesse editorial,etc como se tudo isso fosse apenas algo corriqueiro e não um posicionar-se como criador de regras gerais para problemas complexos que sequer os analisou para compreender.

E tem mais, há posições editoriais que adoram essas opiniões supremas e suspensas no ar da arrogância político-intelectual e que se fingem de uma isenção superior sem assumir um lado diretamente, no caso em específico o apoio direto a um perfil liberal democrata que se enfia na esquerda sei lá porque cargas d’água, como se um oligarca como Ciro Gomes fosse parte de uma tradição de diversidade que inclui Brizola, Prestes, Lula, Chico Mendes, Freixo,etc.

Sem contar que é óbvio que essas posições editoriais tem um lado político e fazem parte de uma disputa simbólica pela hegemonia do que é “esquerda”.

Respeito isso, é parte do jogo, o que não dá é não assumir o lado, não entender as diferentes formas de atuar nas esquerda e taxar como uma grande lei dogmática que “A esquerda está perdida”. Está? Que esquerda? O que é esquerda? Você está falando com os anarquistas antifa que perambulam todo dia caindo na porrada com neonazi, os membros socialistas do PSOL, a esquerda que tangencia o liberalismo do mesmo partido, os capas do PT, os núcleos militantes socialistas do PT, os prestistas no PDT, a Tabata Amaral, o MPL, os autonomistas, com quem você tá falando? De todos ou de nenhum deles?

E perdida porque? Há um guia que ignora as diferenças contextuais e conjunturais, os micro combates, as disputas simbólicas, as leituras de realidade em conflito e que contém também a disputa pela hegemonia cultural em torno de uma percepção neoliberal da realidade e uma diversa, que aponta para um anticapitalismo, e muitas vezes para um anticapitalismo ecossocialista? Que guia mágico é esse que faz tábula rasa de toda a complexidade em uma lei geral inóspita, redutora e estupidificante de todo um complexo ideológico?

A própria tese de perdição da esquerda propõe um dogma guia. E nem precisa ser analista de discurso pra perceber que isso rima demais com o marxismo vulgar ortodoxo que secundariza lutas e divergências em nome de “algo maior”, que só é definível pelos interesses imediatos do grupo político que defende aquele algo.

Nada mais parecido com este discurso do que o discurso que culpou o #Elenao pela vitória de Bolsonaro porque precisava-se “de pautas econômicas’, ou o que ficou treze anos dizendo “não é hora de criticar o governo, precisamos lutar contra a direita” enquanto Lula abraçava o Maluf.

Deve ser por isso que a pesquisa no Google sobre “a esquerda está perdida” tem doze milhões e quinhentos resultados, porque faz aniversário percepção autoritária da diversidade que confunde unidade com uniformidade.

A esquerda não precisa de guia, precisa de organização e organicidade, trabalho de base e trabalho diário.

Perdido está quem ainda acha, mesmo com todos os doutoramentos, que existe um guia possível para situações e organizações complexas.

Pegar fogo nunca foi atração de circo, mas de qualquer maneira pode ser um caloroso espetáculo

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Escrevi no Twitter e compartilho aqui: Vargas não criou o Ministério do Trabalho por amor à causa ou bondade divina, mas porque o movimento operário e sindical estava talvez no momento mais forte da história nos anos que forma de 1917 a 1960, só comparável aos anos 1980 e 1990.

O PCB crescia absurdamente desde que Prestes se tornou dirigente, mesmo preso pós intentona Comunista, se enraizava nos anos 1930, o movimento operário e sindical tinha tido um extremo sucesso na primeira grande greve geral no país, a de 1917 e vinha em crescimento acelerado desde o fim do Império, mas ganhou fôlego extra nos anos 1920, especialmente sob influência da Revolução russa nos movimentos anarquista e comunista (nascente naqueles anos).

Os anos 1920 tinham junto com o movimento operário uma ebulição política que atingia a classe média recém-nascida e rachas nos pactos das oligarquias brasileiras, oque levava a um estado de ruptura plausível e que a Revolução de 1930 não conseguiu estancar de todo, levando à resistência armada inclusive, como a Revolução Paulista de 1932.

Diante de um quadro como esse era inevitável alguma tentativa de organização de instrumentos de controle e mediação com relação aos movimentos de trabalhadores, e a polícia como arma contra as mobilizações sociais já havia fracassado na primeira república. E Vargas a partir daí, e com inspiração no fascismo italiano, criou mecanismos de controle, tutela e mediação com relação aos trabalhadores a partir das leis trabalhistas e principalmente do Ministério do Trabalho.

As leis trabalhistas atenderam diversas demandas históricas dos trabalhadores, e não tem, nenhuma inspiração fascista, e arrefeceu a dinâmica de reivindicações do movimento operário, tirando certa força e protagonismo do movimento operário radical, já os instrumentos de fiscalização e controle pelo estado da vida sindical atacaram o coração do movimento laboral radical, tutelando-o economicamente a partir do imposto sindical, que facilitou a vida das burocracias, e reduzindo o grau de liberdade de organização, tornando ilegal oque não fosse tutelado pelo estado.

Vargas usou com maestria a arte aprendida com inspiração no castilhismo e no borgismo rio-grandense: movimentos de pêndulo onde o diálogo com as forças sociais dependiam da possibilidade delas atingirem o coração dos governos. De trabalhadores à elite os movimentos de repressão e cessão tornavam a vida das oposições um inferno, impedindo-as de agir em confronto sempre e permitindo que os apoios aos governos fossem duradouros e tivessem menos divisionismos, pois os governos mediavam e confrontavam em igual peso e força dependendo da correlação de forças.

Assim como Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros forma às armas e às negociações com elite, movimento operário e sindical e classes médias e, diferentes momentos, Vargas repetiu as ações, mas criou mecanismos de estado onde atendia reivindicações históricas por um lado, atacava a autonomia sindical por outro e por um terceiro campo reprimida duramente o movimento que se tentava organizar à parte da tutela estatal inclusive abrindo mão do imposto sindical e da vinculação com o estado.

Assim, o Ministério do Trabalho virou um enigma e um impasse, ao mesmo tempo que por diversas questões e atribuições também se tornava uma ferramenta de fiscalização do cumprimento das regulações do mundo do trabalho que vinham a ser reivindicações históricas dos movimentos operário e sindical. Ao mesmo tempo o organismo feito para tutelar e policiar o movimento também era instrumento de garantia das demandas históricas de suas hostes. O que fez com que os trabalhadores historicamente passassem a defender aquele que também era o instrumento de seu controle pelo estado.

A arte de Vargas não é pouca cosia, ela garantiu que haveria por parte do estado um perfil moderador entre trabalhador e patrão e isso foi mantido até mesmo pelos governos da ditadura civil-militar de 1964 e seu profundo anticomunismo.

O mesmo caminho tomou o Serviço de Proteção ao índio/FUNAI. Criado em 1910 e implementado em 1918 como parte dos mecanismos de afastamento da igreja católica de funções que tinham a necessidade de participação do estado, e fazendo ainda parte da separação entre estado e religião pós proclamação da república, o SPI se tornou FUNAI e parte do cotidiano da política indigenista do Brasil. Primeiro com um perfil de integrar o indígena de forma tutelar à sociedade nacional, depois para produzir meios para que os indígenas se desenvolvessem de forma autônoma, com respeito à sua cultura e valores como comunidades que ocupavam territórios da união e tinham na FUNAI meios de mediação com relação à sociedade nacional.

De forma parecida com o Ministério do Trabalho, o SPI/FUNAI foi de ferramenta de controle e tutela a garantidor de direitos, mesmo contendo elementos de retirada de autonomia da organização autóctone de povos indígenas. Os ministérios e secretarias relacionados à reforma agrária que desde 1985 se estabeleceram como formas mais ou menos mediadores das relações dos movimentos pela
terra com as políticas agrícolas do Estado Brasileiro, criando, em correlação com os Ministérios da Agricultura, mecanismos de algum tipo de mediação de conflitos entre agronegócio e sem-terra.

Mesmo quando foram capitaneados por opositores às políticas tidas como avançadas de ação em cada frente de batalha destes nas políticas de estado, representavam características do Estado Brasileiro que se enraizaram para o mal e para o bem, tornando-se parte intrínseca do bom funcionamento de qualquer governo.

Só que com Bolsonaro os setores mais radicalizados da elite entenderam que era hora de implodir o que consideram “travas ao funcionamento de quem trabalha”: vincularam a FUNAI ao ministério da agricultura, francamente anti-indígena, puseram um ruralista na reforma agrária e acabaram com o Ministério do Trabalho o colocando sob o Ministro – Juiz – Super Herói Moro.. O bonito disso é que todos eles eram mecanismos de proteção sim, mas não ao trabalhador.

Vargas, os positivistas e os governos pós-ditadura entenderam o óbvio: sem uma mediação do Estado e uma política DE ESTADO de gestão de conflitos, algo que via de regra é presente desde o Império, o bicho pega, bebê chora e mãe não vê.

E ninguém entendeu isso por amor à causa ou generosidade, mas porque pouca coisa é mais presente no Brasil que o barril de pólvora eterno das relações étnico-raciais, de classes, de gênero e trabalhistas.

Foi com base nisso que os positivistas da primeira república criaram meios de lidar com indígenas, depois de tomarem na cabeça com oitocentas revoltas como Canudos, Contestado, Revolta da Armada, Revolta da Vacina, Revolta da Chibata, e tentar organizar, primeiro nos estados e depois nacionalmente, meios de lidar com trabalhadores. Vargas chegou a isso nos idos de 1935 e Sarney em 1985 com a organização de meios de lidar com a reforma agrária.

E essa política de Estado de mediação e tutela está sendo com Bolsonaro atingida no coração.

Claro, há outras considerações para nos preocuparmos, mas outros escreverão estes textos, minha abordagem é apontar pra bobagem em curso.

Porque o movimento menos organizado que está sendo atacado por Bolsonaro é o sindical, que possui pelo menos cinco centrais sindicais e sindicatos em todo território nacional com variados graus de força e enorme poder de mobilização, mesmo enfraquecidos.

No lado dos defensores da Reforma agrária e fundiária o MST e MTST são extremamente organizados, sendo que o MST hoje é também uma força econômica na área de agroecológicos.

Indígenas estão on fire desde o primeiro governo Dilma e são fácil a vanguarda da resistência ao capitalismo agroexportador e predatório hoje em dia.

Juntem a isso o esvaziamento ou ataque direto ao movimento de mulheres aos movimentos LGBT+ com uma ministra misógina e homofóbica na secretaria de Direitos humanos, sob a qual estará a secretaria de mulheres e, se for mantida, a de políticas LGBT+.

E o que temos com isso tudo? O circo pegando fogo.

Acrescentem a nítida ameaça de punições ao Brasil por atos que atacam o acordo de Paris, reforçado no G20 e com impactos inerentes no dia a dia da OMC, e também problemas com a educação e o mercado da educação pelo patrocínio ao Escola sem Partido vindo do governo eleito (UNDIME e Fundação Lemann assinaram manifesto contra o ESP indicando que secretários municipais de educação e organizações empresariais não estão brincando na oposição ao projeto), além de reações dos mercados árabes à sugestão de transferência da embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém e temos um caldo cultural da zona.

O Governo Bolsonaro atirou para todos os lados e acertou, reforçado inclusive pela opção preferencial em bater de frente com partidos ao nomear nomes pertencentes a eles ignorando suas direções, como se fosse uma dinastia que chegou ao poder por direito divino.

Só que em vez de dinastia o que me parece é que teremos um circo, e pegando fogo, algo que nunca foi atração de circo.

Ao gerar prejuízos para a elite e revolta em setores organizados da população, pouca coisa é mais palpável que, pelo menos, um retorno ao clima pré-revolução de 1930, e sem a base de apoio das oligarquias de São Paulo e parte do país, como visto nas declarações de próceres de DEM e MDB, apenas o apoio fugas de uma população que quer, pra ontem de tarde, emprego e renda.

Dificilmente um conjunto de ataques aos trabalhadores, movimentos sociais, indígenas e sem teto e sem-terra ficarão sem resposta.

Dificilmente haverá apoio da comunidade política organizada na defesa de um governo que promete muitas guerras, mas não conta exatamente com um exército e nem garante entregar o carro-chefe desejado pela elite econômica: a reforma da previdência.

Parece que teremos um caloroso espetáculo.

As idas e vindas de Bolsonaro e as questões da esquerda

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Bolsonaro tem como tática anunciar medidas, testar com isso a opinião pública, e recuar caso a medida causa tremores em sua popularidade.

Pode ser chamada de Guerra híbrida, tática de propaganda de guerra, mas também de tática “Bode na sala”, que não é nem moderna, nem de guerra, mas funciona. Ou a teoria do sofá, onde um homem que flagra sua esposa com um amante no sofá da sala, troca o sofá.

Em qualquer dos casos é importante entender, e prioritário para a esquerda, onde tá o nosso papel no debate a respeito das ações e como nos organizarmos em relação a elas. Porque é uma perda de energia abrupta a reação imediata a ações que podem ser desmentidas posteriormente, e nos coloca como alvos de propagação, junto com a mídia, de “fake news” nas correntes de informação das redes bolsonáricas. A mídia não tem como evitar, nós sim.

Também é fundamental discutir o quanto as reações às idas e vindas contribuem para a perda do foco na organização da resistência e o quanto nós erramos em não produzir nossas narrativas e informações a partir de análises nossas, combatendo a desinformação bolsonária sem sequer precisar do uso da mídia tradicional.

Porque as narrativas são feitas por Bolsonaro ignorando qualquer possibilidade de conterem verdades, o apelo a jargões e à desinformação é uma tática concreta, apelar para a busca pelos seus seguidores, e por boa parte de seus eleitores, da verdade ou algo semelhante é bobagem, tudo se torna uma narrativa onde o Capitão não quis dizer o que disse, e é fake news ou canalhice da esquerda apresentar o que ele concretamente disse ou fez.

Mas não é pra convencer os convictos que precisamos de nossos canais, mas pra fornecer versões para quem não é convicto ou para que sirvam no futuro de aviso sobre os caminhos que a irresponsabilidade coletiva, inclusive de parte da esquerda, nos colocou e impôs.

Outro elemento é que Bolsonaro et caterva já deram mais do que provas que além de daninhos são extremamente incompetentes e irresponsáveis, como parte do eleitorado brasileiro que o colocou lá.

Da transferência da embaixada brasileira para Jerusalém à nomeação de um chanceler com zero experiência em missões no exterior como chefe diplomático, discurso anti-islâmico e alinhado a Trump, passando por ameaça de fusão do ministério do Meio Ambiente com o da agricultura, tudo isso gera prejuízos diretos ao agronegócio e ao país, porque o Brasil lidera a venda de carne para muçulmanos e países muçulmanos já apontam rompimento com o mercado brasileiro pela aproximação de Bolsonaro com Israel e porque as ações com a liberação dos agrotóxicos e ataques ao ministério do Meio ambiente podem reduzir nossas vendas relacionadas à produtos certificados como produzidos de forma sustentável. Mas a trapalhada arrogante com o Mais Médicos, Bolsonaro faz tudo isso chegar a um outro nível, e isso vindo de um presidente eleito que cometeu tantas ações tresloucadas dando prejuízo a tantas pessoas e grupos sociais que será um milagre se, nesse ritmo, ele chegar a agosto com o apoio popular e do mercado angariado.

Isso se alia ao desconhecimento do mínimo traquejo na liada com congresso, mercado, estrutura do serviço público e mínimo funcionamento da máquina do estado.

Ignorar que o orçamento do ano futuro é votado este ano é gravíssimo para um superministro da economia, não?

E mesmo controlando a narrativa agora, enquanto presidente eleito, ele não controla toda ela e no caso dos Médicos Cubanos não controla praticamente nada dela.

Ele tem toda uma alegação que Cuba escraviza os médicos que aqui estão e que daria asilo a eles e que os está libertando, mas essa narrativa não resolve o problema da população interagir com eles e não só tê-los como únicos médicos disponíveis, mas tê-los como médicos com técnicas de abordagem e lida com os pacientes que os tornam importantíssimos dado o cuidado, a atenção, etc.

Toda a questão alegada por ele que foi Cuba quem se retirou e não que foi a causa do discurso dele cobrando revalidação de diplomas dos cubanos e contratos individuais com cada médico, o que foge do contrato estabelecido com a estatal cubana que recebe o valor destinado aos médicos como valor total do contrato e repassa parte a eles, sendo parte dirigida às suas famílias e parte financiando o programa de envio de médicos ao exterior, é falsa e independente se cola ou não, não resolve o problema, porque o problema permanece e é ele quem precisa resolver, inclusive tendo no colo a bomba do uso de cubanos e outros estrangeiros apenas nos casos onde médicos brasileiros não quiseram assumir.

Ah, a culpa é de Cuba? Claro, isso cola na narrativa anticomunista, mas agora ele precisa resolver o problema, afinal são milhares de médicos a menos no programa, atingindo toda a saúda de enorme contingente de municípios onde o programa era a úncia garantia de permanência dos médicos no local, porque apenas os cubanos que vinham pelo convênio firmado entre o estado Brasileiro e o Estado Cubano eram os médicos disponibilizados par ao local e que aceitaram ser destinados até lá.

Ele fala em asilo aos cubanos, mas por que apenas um caso pediu asilo aqui? E as demais missões de Cuba nos demais países no exterior, porque nenhum o país, nem mesmo os EUA, pedem revalidação do diploma? E por que em vez de impor a revalidação como condição, não negociou a implementação do processo de forma negociada para pôr em prática uma demanda da ala conservadora dos conselhos regionais de medicina, apresentando um calendário de revalidação que não impedisse a permanência do programa e nem afrontasse um estado parceiro com base em estupidez ideológica?

Até porque Cuba é a segunda nação estrangeira que mais aprova e tem a sétima maior taxa de aprovação no Revalida, superior inclusive à de médicos Brasileiros formados no exterior, que é exatamente o que cobra Bolsonaro como alegação espantalho (além da suposta escravização dos médicos cubanos), sua medicina e seus médicos são elogiados pela ONU e todo o seu sistema de saúde e de ensino de medicina são exemplos mundiais, gostem os anticomunistas de galinheiro ou não.

Além de tudo isso o STF autorizou a dispensa de revalidação do diploma para os Cubanos, ou seja, as colocações de Bolsonaro forma feitas e produzidas para causar o rompimento, inclusive porque ele afirmou em campanha que prenderia os médicos. Ele estava realmente preocupado com as condições dos cubanos aqui presentes como alega via twitter?

Correntes de watsap, uso de twitter acusando um estado soberano de escravizar cidadãos ou qualquer outra balela inventada por Bolsonaro, que agravam o problema, não vão resolver a perda destes profissionais reconhecidos mundialmente e que desfalcarão o atendimento de 29 milhões de brasileiros, com a perda de 8.332 cubanos dos 18.240 dos médicos do programa, quase metade dos mais de 63 milhões de pessoas que eram assistidas pelo Mais Médicos.

Esse problema se agrava quando a Frente Nacional de Prefeitos pede publicamente a revisão da ação e cobra Bolsonaro, e não Cuba, para que resolva isso.

A questão, como diria Lênin: que fazer?

Primeiro precisamos parar de correr atrás das linguiças jogadas como iscas para cachorro por Bolsonaro e sua militância e apontar pro óbvio: eles são incompetentes.

E nem precisa iniciar o governo, é pra ontem, as ações deles já nos imputam prejuízos concretos, já nos detonam, não precisa nem torcer contra, a arrogância de terem vencido a eleição os põe como imperadores que nunca foram ou serão e os tornam vulneráveis e já os desgastam antes de assumir.

Pra que correr da sala para a cozinha sobre nomeações? Precisamos correr para bater no diplomata posto como chanceler e que exporá o país a sanções internacionais, oficiais ou não e que nos trará prejuízos, além de criar ruídos no Itamaraty, cujos membros não gostaram nada de verem um neófito nomeado chanceler à frente de quadros representativos e de longa experiência. É como se Jair tivesse nomeado um capitão pra chefiar o exército.

É preciso reagir à ministra da agricultura ser uma líder pela liberação total dos agrotóxicos, é preciso reagir ao avanço do Escola sem partido e agora à irresponsabilidade que fez municípios perderam atendimento médico por causa de xenofobia anticomunista lastreada por corporativismo médico brasileiro que não coloca médicos à disposição nem em periferias de grandes cidades.

Cuba decidiu sair dos Mais Médicos por pura irresponsabilidade xenofóbica, anticomunista e até com tintas racistas de Bolsonaro sustentando uma demanda de uma corporação pouco afeita ao juramento de Hipócrates, e cuja participação em sua campanha teve até recém eleitos ao CREMERJ.

Aliás, a posse da nova direção do CREMERJ não só teve a presença de Flávio Bolsonaro, como parte da diretoria fazendo gestos de arma na mão as seu lado deixa muito claro o que pensa parte importante dos membros da medicina brasileira. E a postura em relação aos cubanos e o Mais Médicos não só não é recente, como é um reflexo dessa unidade entre uma corporação médica brutalmente mercantilista e conservadora, com extremo desapego à qualquer perfil de medicina social e de serviço público.

A fala em 2013 do presidente do CREMERJ de que os médicos cubanos “não eram médicos no Brasil, mas intercambistas”, as manifestações contra os médicos nos aeroportos, com o ápice de médicos brancos vaiando a chegada de profissionais cubanos, negros em sua maioria (e isso é sintomático) em Fortaleza só deixam claríssimo o perfil, reforçado pelo corporativismo do CFM em nota contra críticas do ministro da saúde aos médicos brasileiros no Mais Médicos e seu silêncio quando uma atitude estúpida destrói a saúde em milhares de municípios, de um setor da população, de uma corporação pouco afeita à compreensão de qualquer ideia de benefício e serviço público, pouco engajamento na melhoria real de salários e estrutura de trabalho para sua classe e muito fã de manter privilégios.

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Flávio Bolsonaro em festa de posse da atual diretoria da CREMERJ

Bem, o corporativismo médico foi atendido e pago por seu apoio a Bolsonaro, e a população nessa?

É aí que a gente entra.

Precisamos hoje estar do lado da população em cada detalhe, da construção de uma agenda anti escola sem partido, em defesa do SUS e da previdência ao trabalho cotidiano em cada base de estruturar a resistência e deixar claro que p anticomunismo via watsap é quem produz tragédias e não a esquerda.

São muitas as ações que exigem desde formação de núcleos e comitês até aulas públicas para expor as questões, indo às ruas, olho no olho, lembrando que a esquerda é feita de gente.

Bolsonaro é incompetente, bateu de frente com muita gente e muitos grupos, precisamos sair dessa rede de defesa do estado, de defesa da política macro que acaba virando uma defesa de governos anteriores e pouco age na ideia de construção coletiva pela esquerda, na reação a Bolsonaro estamos ficando do lado de adversários e não do jeito certo.

O governo ultraconservador nos está cooptando para um centro ideológico por nossa posição reativa, precisamos ser ativos e contrapor isso com uma postura de formação e informação e de ação pró-ativa contra hegemônica.

Precisamos ir além de reproduzir o discurso sobre o quanto o país perde em exportação de carne e apontar que o Brasil do agronegócio é duplamente perigoso, tanto por ampliar os ataques ao meio ambiente como por atacar a agroecologia real dos pequenos agricultores que é quem produz alimento de verdade no Brasil. Precisamos atacar a falsidade de que o agronegócio agrotóxico é sustentável e mesmo é eficiente, apontando a realidade da produção agroecológica, saudável e real, contra o desperdício e envenenamento feito a partir do agronegócio agroexportador e tóxico.

Precisamos atuar para lutar contra a desinformação que faz com que a população pense que a escola pública é pior que a privada e que a universidade pública nada faz ou produz, quando é o contrário.

O ensino privado é, na escola e universidade, pior que o público salvo raríssimas exceções, mesmo o setor público sofrendo com contínuas sabotagens com relação a recursos e tendo via de regra um público que tem diversos níveis de impeditivos para um melhor desempenho em testes como PISA, de falta de estrutura urbana a atendimento de saúde, passando por falta de acesos a bibliotecas , museus,etc . O resultado médio dos alunos de escolas públicas é comparativamente melhor do que os da escola privada.

No caso da universidade, a universidade pública produz quase 100% de nossa ciência atualmente, iniciando na ciência milhares de jovens brasileiros, ampliando a capacidade de atuação de milhões de pessoas, avançando na produção científica do país. E entre as mil melhores universidades do mundo, em ranking de 2014 , o Brasil tem dezoito, nenhuma universidade privada, todas públicas.

Em ranking mais recente o Brasil tem trinta e seis universidades, mas as públicas estão lá e das privadas apenas a PUC (com unidades do Rj, RS e Campinas) e a UNISINOS, estão presentes. Então que ineficiência é essa do setor público?

Para desconstruir a desinformação são fundamentais exposições públicas de ações educativas e atos, abertura de redes de apoio mútuo, especialmente de afeto e psicológico, de compartilhamento de experiências e produção de iniciativas de resistência.

A narrativa escapou do controle de Bolsonaro, ele não tem competência pra recuperá-la.

O debacle das grandes narrativas

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Não é nada novidadeiro o debate a respeito do fim das grandes narrativas a respeito da história, política, etc. Pelo contrário, há análises que fazem uma profunda reflexão a respeito das grandes explicações sobre os processos históricos e sociais desde o fim do século XIX e início do século XX.

Nietzsche já fazia reflexões que questionavam a história e seus fios explicativos como “excesso de memória”. Walter Benjamin entendia as grandes explicações estruturalistas, embora ele não usasse essa terminologia, como um viés explicativo parelho ao das mitologias e religiões, a própria ideia do progresso como um desejo transformado em pensamento, quase um pensamento positivo, que antecipava a história e buscava um final dos tempos parecido com o fim de narrativas ficcionais. Aqui a história para ele era narrada como uma espécie de ficção que se assemelhava às novelas e folhetins.

Dos anos 1950 do século XX em diante a crítica às grandes narrativas a ao estruturalismo, às definições gerais, universais, que faziam tabula rasa das experiências complexas da humanidade, tornando-as mensuráveis, praticamente definindo leis gerais das ciências sociais e da história, como se fosse possível para uma gama complexa de sociedades diversas ter seus movimentos exprimíveis como o são os fenômenos físicos ou químicos a partir de suas leis naturais (sendo que estas desde os anos 1920 também eram questionadas como universais por suas ciências ditas “naturais”).

De lá pra cá a ideia de nacionalidade, raça, gênero, orientação sexual, identidade de gênero, sexualidade, entre outras questões, foram flexibilizadas pela ampliação do arco analítico em torno dos fenômenos humanos e sociais.

Não houve um processo ideológico, no sentido político, que especificamente deu andamento à produção de diversificação explicativa sobre cultura, sexualidade, gênero, identidade étnica, não foi um processo ordenado e planejado para tal, mas a explosão de diversos movimentos e reivindicações das mais diversas áreas e identidades, do feminismo à luta antirracista passando pela luta LGBT e pelas reivindicações de autonomia de países colonizados pelos Europeus, especialmente na África e Ásia.

Esses processos levaram à ampliação da percepção da própria ideia de indivíduo à reavaliação dos processos analíticos herdados do século XIX, pois se havia, e há, princípios fundamentais para as bases do pensamento científico, também havia reducionismos como os que não incluam percepções filosóficas de civilizações profundamente marcadas pela oralidade, como grandes grupos indígenas das Américas e austrália e as nações africanas, cuja história pré colonização europeia era passada através de gerações pela cultura oral.

Escrevo esse preâmbulo porque parte dos ruídos ocorridos nas eleições recentes no Brasil, e no mundo, se dá nos marcos de ações e reações em torno dos embates que se estruturam pela retomada das ideias naturalizadas historicamente em torno de elementos como nacionalidade e sexualidade e quem repudia as amarras supostamente civilizacionais impostas a negros, indígenas, mulheres, LGBT e transgêneros.

Não raro abraçados pela extrema-direita, os valores explicativos de razões que ultrapassam as ditas identidades são estabelecidos na estrutura de explicações universais sobre a história, as nações e características ditas como “natas” a respeito do que são homens, mulheres, negros, indígenas, etc.

Ou seja, tudo o que foge de explicações rígidas embasadas e envelopadas pelo mofo do século XIX como “homem e mulher são o que Deus inventou” ou “negro e índio são indolentes” é transformado e uma degeneração de uma ideia de purismo nacional e da própria ideia de indivíduo, e transformados em ações externas, propostas de fora pra dentro do “coração da nação”, por “comunistas” e outros inimigos naturais do bom senso branco hétero.

Esse embate simplificado aqui é fácil de perceber e identificar no discurso reacionário contra as lutas chamadas “identitárias”, pois o embate político organizado em torno dos valores explicitados é de comum percepção, mas ele também se encontra na contrariedade de parte da esquerda contra o movimento #Elenão, no Brasil, culpado por 9 entre 10 militantes pelo crescimento de Bolsonaro no fim do primeiro turno.

O equívoco inicial na avaliação da culpabilidade de um movimento suprapartidário de cariz feminista contra a extrema-direita só foi enrustido, e um pouco reduzido, quando matéria da Folha de São paulo deu conta de um milionário esquema de divulgação de notícias falsas organizado em torno da mesma extrema-direita e que explica com muito mais facilidade o crescimento do candidato alvo dos movimentos do que a ranzinzice reacionária da esquerda com os mesmos.

No mesmo período também ocorreram declarações desastrosas por parte de José Dirceu e Gleisi Hoffman dando conta de uma vitória do PT muito antes do fim do primeiro turno, mas a esquerda menso atenta preferiu culpar o movimento de mulheres por um crescimento de Bolsonaro alegando que a culpa era que “o movimento não tinha pauta clara e deveria focar no econômico”, como se o movimento suprapartidário e poli ideológico tivesse que construir consensos que não conseguiram os partidos e movimentos não relacionados especificamente com mulheres, indígenas, negros e l!!br0ken!!

Pior era a velha e carcomida busca de produzir a superioridade do econômico sobre todas as coisas, ensaiando um marxismo caquético e pouco oxigenado, mesmo depois de mais de 50 anos de embates e debates por marxistas, ingleses, franceses, etc.

Sabe tudo oque se produziu em história, sociologia, antropologia e ciência política? Ignorados porque o formulismo em caso de não compreensão da enorme transformação nas percepções do real sempre culpará o “identitário” ou o “pós-moderno” pelos males não percebidos nos encaixes forçados das velhas fórmulas.

Pior é imporem uma ideia de marxismo que ignora os aspectos culturais e o processo de formação das consciências de classes e que diverge do próprio Marx, que se explicava que sim, a cultura tem elementos do econômico em sua organização, e do político, também definia o processo ideológico como uma produção que impunha uma percepção ilusória do real pela burguesia ao proletariado, através dos aparelhos de reprodução ideológica (igrejas, jornais, escolas, etc).

A questão é que com uma maior percepção das variantes que compõe a individualidade, os papéis executados pelas pessoas, que são mais que homens ou mulheres, mais que proletários em oposição a burgueses, mais processos de percepção do domínio e opressão burguês sobre o proletariado foram perceptíveis, assim como mais e mais percepções sobre como parte do proletariado não atua para romper as amarradas que o impõe a classe dominante.

E essa percepção foi e é fundamental para uma identificação do processo que se relaciona com a construção da consciência de classe, seu caráter por vezes diáfano, as dinâmicas que se interpõe entre esta consciência e o todo da classe operária e as cunhas das opressões transversais que atuam também no interior da classe operária onde também persiste a misoginia, o machismo, a LGBT fobia, o racismo, a xenofobia, e porque isso interfere na conquista da consciência de classe e como as classes dominantes utilizam os preconceitos que sustentam as opressões como ferramentas de domínio de classe.

Por isso é fundamental perceber que as tais lutas “identitárias” não são outra cosia além da própria luta de classes, porque lutar contra todas as opressões é fundamental para lutar contra o que divide a classe trabalhadora e com isso ampliar os meios pelos quais a experiência e identificação de laços que nos unem maiores que nossas diferenças é fundamental para que conquistemos a consciência de classe.

As grandes narrativas abolindo a diferença e as chances dos processos que ocorrem no interior das classes ganhem aluz e sejam entendidos como parte dos grandes processos, e fundamentais interventores nestes grandes processos, silencia as diferenças e faz eco não com a supressão das opressões que nos dividem, mas com a manutenção delas.

E também concorrem para o silenciamento das complexas formas e processos que formam as experiências únicas das classes operárias nos mais diversos contextos e conjunturas, inclusive territoriais.

A classe operária britânica não foi formada como a brasileira, não teve a mesma experiência da escravidão criando uma complexidade de processos que incluíam um contingente imenso de trabalhadores colocados abaixo inclusive da classe trabalhadora, sendo desumanizados neste processo: os negros escravizados. Também não viveram a mesma experiência a classe trabalhadora estadunidense, que tem uma outra complexidade que forma as dinâmicas diferentes das relações étnico-raciais e a própria diversidade de formas de escravidão e de legislatura a respeito da escravidão nos mais diversos estados.

Ao contrário de ingleses e franceses, brasileiros e estadunidenses viveram parte da história com a ideia de serem humanos enquanto negros e índios não eram, eram animais ou assemelhados, não possuíam a identidade que faziam com que brancos e negros não fossem parte de uma mesma classe, sequer fazendo parte da mesma espécie.

Essa construção cultural durou séculos e perdura dificultando a identidade entre brancos e negros como partes de uma mesma classe. O racismo aqui serve para dificultar a construção e conquista da consciência de classe.

A própria relação entre gêneros e a busca de direitos entre homens e mulheres, a relação com a presença da homossexualidade, tudo isso varia de acordo com as experiências históricas nos diferentes contextos históricos, geográficos, políticos e sociais.

A experiência LGBT e das mulheres sob o islã atravessa a própria dinâmica da construção de um debate a respeito de classes.

As grandes narrativas produziam ferramentas teóricas fundamentais para a compreensão do mundo, mas também a partir delas foram produzidas outras contribuições que dão conta da maior complexidade da percepção do real. Inclusive a própria ideia do real.

As novas sociedades, mais e mais complexas, ainda funcionam em uma percepção macro, de acordo com as grandes narrativas, mas elas possuem limites que não alcançam fenômenos como o bolsonarismo e a resistência a ele.

Apesar das semelhanças entre bolsonarismo e fascismo clássico dos anos 1930, ou mesmo com Trump ou Erdogan, as diferenças explicam o fenômeno de forma mais explícita, diz mais sobre nossa sociedade e alimenta mais nossas táticas de resistência.

Isso não significa que Bolsonaro, Trump ou Erdogan não sejam neofascistas, mas exatamente por isso precisam ser diferenciados do fascismo clássico e suas estruturas.

O caldo cultural que Trump construiu em sue fascismo de novo tipo uniu inimigos “naturais” como Ku Klux Klan, neonazistas e supremacistas brancos.

Bolsonaro uniu em torno de si estatistas amantes da ditadura, neoliberais sem escrúpulos, neonazistas e amantes da milícia, o que os une é apenas o ódio a quem resiste à opressão e à democracia.

Esse fascismo de novo tipo se relaciona com a maior complexidade de identificação do próprio indivíduo enquanto uno, ou seja, o indivíduo que se pretende organizado em uma ideia simples de ser humano, e confronta as dinâmicas de negros, índios, mulheres, LGBT e trans, se enxerga não como um portador de uma identidade brasileira una, mas como um contrário às bandeiras que fragmentam, sob sua ótica, a nação, a ideia de homem e mulher, a ideia de Deus, etc. Com isso ele se une aos que resistem às mesmas coisas que ele, não por uma identidade em comum, mas por uma contrariedade em comum.

O indivíduo do fascismo de novo tipo é tão fragmentado quanto o indivíduo que luta contra o racismo, a homofobia e a misoginia. Ele também é um branco, pobre, muitas vezes LGBT e morador da mesma periferia do negro, pobre, também LGBT e antimachista, mas sua contrariedade ao que rompe com a grande narrativa da “normalidade” o faz optar por uma união com quem tem pensamentos radicais contra sua ideia de nação, mas que comunga com ele contra a ideia de desfazimento desta normalidade.

A “normalidade” é seu valor e ele a defenderá se aliando a todos os que querem combater os” vermelhos”, categoria inventada para dar a entender que há um simplismo que faz o combate entre diferenças enormes ser um simples “nós contra eles”.

Essa percepção da fragmentação do indivíduo, tudo o que isso envolve não vem de uma “pós-modernidade’ que é o espantalho teórico de parte da esquerda, mas de investigações da esquerda britânica, alemã, estadunidense e francesa e tem uma profunda raiz no marxismo, assim como é de Marx que parte a ideia de experiência como fundamental para a consciência de classe e das diferentes formações da classe operária, debate que faz parte da ideia das opressões serem elemento fundamental para dividir a classe.

As grandes narrativas não tiveram seu debacle apenas a partir de espantalhos teóricos, elas forma percebidas como portadores de incorreções quando expostas a realidades complexas e às novas conjunturas de avanço do capital e da ampliação absurda da complexidade das organizações sociais sob o eternamente transformado capital.

Novas famílias geraram novas homofobias e misoginias, ascensão de classe para negros originaram novos racismos.

A própria ideia de uma divisão de classes binária ou dividida em ricos, remediados e pobres tem problemas de se manter em pé a partir das diferenças entre os ricos, as classes médias e as diferentes classes operárias.

O operário especializado da Volkswagen não é a mesma coisa do operador de telemarketing.

São muitas as questões a serem postas e tornariam este texto longo demais, mas a ideia de que precisamos debater nossas bases teóricas as respeito das grandes narrativas precisa ser encaminhada e organizada.

Porque é parte deste debate a construção de ferramentas de combates aos ataques que as classes trabalhadores sofrem das elites e de seus aliados no interior de cada classe.

Duas ou três coisas a respeito do medo

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Deimos e Fobos, filhos do Deus Ares em representação para uma HQ. seus nomes em português significam medo e terror.

O medo é um bom conselheiro, mas não pode ser jamais o único. Enquanto resposta instintiva é uma ferramenta da evolução para nos permitir sobreviver aos percalços da existência e às suas ameaças.

O sábio Riobaldo de Guimarães Rosa já proferia o célebre adágio “viver é muito perigoso” no clássico “Grandes Sertões: veredas”, sem, no entanto, esquecer que “Deus existe mesmo quando não há, já o diabo não precisa existir para haver”.

A junção das duas frases não é sem eira nem beira, é um recado claro do sertanejo ficcional sobre duas coisas importantes: o perigo do cotidiano e a diferença entre as coisas existentes e as não existentes, o real e o imaginário, inclusive em relação ao perigo.

A dádiva existe mesmo inexistindo, o dano não precisa existir para haver, mas saber a diferença é fundamental pros passos cotidianos.

Nos últimos dias o medo é um fator novamente intrínseco ao processo eleitoral. Inclusive ele é um visitante permanente em períodos eleitorais desde que o PT foi primeiramente ameaçado nas urnas pelo PSDB, mas ganhou fôlego extra a partir da possibilidade de eleição de uma chapa francamente favorável à repressão ditatorial, ao racismo, misoginia, homofobia e tudo o que você puder imaginar de contra civilizatório, inclusive a tortura.

É salutar o medo, ele é um combustível interessante para a luta antifascista, ignorar a realidade montando o cavalo-branco da suposta neutralidade aparentemente pacífica não nem sinal de pacifismo quanto mais de bom senso.

Só que esse medo em exagero ultrapassa o limite do aviso do perigo e transforma-se em grilhão, imobilidade. Faz com que o rugido do predador de torne o predador, e sabemos que por vezes estes usam o rugir para aproximar, e não afastar, suas vítimas.

O combate ao fascismo, além de necessariamente conter a crítica aos cúmplices de sua alimentação, exige que o medo se torne aliado da coragem e não da covardia, e a coragem exige inteligência.

Há questões que precisam ser ditas e analisadas com cuidado. Uma delas é a rede de boatos que se espalhou nas redes sociais sobre as ameaças dos seguidores de Bolsonaro de atacarem a marcha do dia 29/09.

Essa ameaça tem o sentido do rugido dos predadores, que por vezes mostram que estes não necessariamente são leões, talvez parecendo mais com hienas ventriloquistas.

Por que digo isso? Porque já basta o Mourão e a ex-mulher para sabotar a campanha do #Elenão.

Uma tragédia no sábado 29S seria um tiro de canhão na cabeça da campanha, que está em momento crítico com a primeira queda e aumento de rejeição, fuga do mercado que outrora a apoiava e ficou ressabiado com coisas como o manifesto assinado por meio mundo bancário e a capa da The Economist.

Se a polícia reprimir os atos dará combustível não ao Inominado, mas à resistência a ele.

Os boatos a respeito de uma trama anarquista e antifascista para causar tumulto são apenas meios de tentar dissuadir os mais pobres de irem aos atos.

É fundamental contrapor não com mais medo, mas com informação: haverão creches em vários atos, haverá atenção extra para com a segurança, as autoridades estão cientes, partidos e movimentos também estão tomando cuidado extra para com a segurança e juntos somos mais fortes.

Isso não torna os atos mais seguros, sabemos.

Porque toda aglutinação coletiva é perigosa por si mesmo, pelos riscos inerentes a fenômenos de multidão, mas não os torna também mais inseguros do que ir num parque no fim de semana ver um concerto ou ir num bloco carnavalesco.

Em todas essas situações o risco de uma explosão de boiada, de uma tragédia, existe e é contornado pela civilidade, bom senso e senso de coletividade presentes.

Não ir ou se deixar acreditar nos boatos e ameaças é perder por W.O.

Sim, sabemos que ocorreram situações de agressão concreta, e estão sendo apuradas e pesam contra os autores e seus candidatos.

Não esqueçam que o brasileiro médio é amante do discurso de paz, mesmo sele sendo explicitamente violento em diversas situações, fruto de nossa cultura bipolar que se diz amante da paz, mas tolerou 300 anos de escravidão.

O brasileiro médio espanca a parceira na frente do filho, mas nunca na praça.

Outra questão é sobre o alcance da rede do candidato e seus grupos de watsap. Ninguém nega que são um instrumento poderoso, mas o poder é limitado ao acesso das pessoas, à interlocução e à reação que recebem.

Usuários de Watsap são em torno de 120 milhões, contra 127 milhões no Facebook, em ambos os casos ocorre o fenômeno da bolha, ou seja, os usuários se aglutinam em grupos fechados, por maiores que sejam, e acabam replicando a si mesmos ad eternum.

Sim, são dois terços da população, mas não são toda a população, um terço não usa nenhum dos dois, e mesmo quem os usa não está inteiramente jogado na recepção conforme prega e acredita ser real os fãs da chapa quente amante do Torturador.

A presença desses fãs em grupos da família tem o fenômeno de levar o histrionismo deles para o interior de onde estávamos em tese livres do linguajar e do ódio inerente, só que esse histrionismo esconde um detalhe fundamental: eles não controlam a recepção do que dizem.

Somem isso ao tipo de relação familiar médio no Brasil onde os crimes, pecados, opiniões, por vezes são todos aclimatados em plásticos bolha e transformados em mistérios tão poderosos que fizeram da obra de Nélson Rodrigues um sucesso de público e crítica.

E é de mau gosto reduzir a inteligência da nação a pessoas que ignoram que quem só consegue repetir “fake news” para TODAS AS NOTÍCIAS CONTRA O CANDIDATO, e não o fazem sobre as notícias contra os adversários deste. É o repetidor que acaba parecendo o doutrinado que imputa aos adversários essa condição.

Não dá pra desprezar o bom senso coletivo de qualquer sociedade, viu?

E por favor, não comparem Trump com Bolsonaro e o que ocorreu nos EUA com aqui.

O voto nos EUA é facultativo, aqui não,a imensa maioria da população não vota e os Democratas não foram competentes para reduzir o impacto do alistamento pelos republicanos da maioria necessária, e nem vou falar aqui em possibilidade de fraude.

O mais próximo entre as situações é o ascenso do discurso fascista e a incompetência das esquerdas em ajudarem ao TSE a informarem sobre a necessidade de recadastramento do título e biometria, coisa que foi anunciado aos quatro ventos, inclusive na TV, meses a fio, a a esquerda, sabendo da maré fascista cada vez mais alta, fingiu que não viu.

Mas o ascenso do fascismo lá tem um movimento, aqui outro. Lá o movimento foi de real expansão,m de ampliação do arco de influência de KKK, supremacistas brancos et caterva. Aqui não, aqui o que se expande é menos intenso do que o que se revela.

O discurso do Brasileiro bom de bola e de samba, boa praça, é muito bonito no imaginário que esconde o medo imobilista. A sociedade brasileira tem uma saudável louvação á alegria, mas também um doentio amor estrutural pela hierarquia e violência.

Isso significa que essa mesma sociedade hoje tem sim um terço praticamente defendendo tortura, racismo, misoginia, homofobia e anticomunismo brutal. E não, combater esse terço não pode ser feito sem levar a quem apoia o candidato a confrontar com o racismo, homofobia, etc que defende, conscientemente ou não, menos ainda desprezar a enorme possibilidade de ser uma defesa consciente, mesmo hipocritamente guardada a sete chaves no cofre da hipocrisia.

É tapar o sol com a peneira fingir que o cara que defende um candidato que acha que uma ditadura era bacana e que precisaria matar pelo menos 30 mil pessoas, não esconde seu ódio a negros e indígenas, seu desprezo homicida a LGBTQ+ e mulheres e fala abertamente em fuzilar comunistas, não sabe oque diz e o que reproduz.

O mais sábio é não ser condescendente com a população que o apoia e deixar claro que sim, eles defendem oque o candidato deles defende.

A gente precisa parar de distorcer continuadamente o “Brasileiro Cordial” do Sérgio Buarque de Holanda. Não é de cordialidade, viu?

O bombardeio que atinge Bolsonaro não é, tampouco, algo elogiável sob diversos pontos de vista. Veja, Folha, Estadão, O Globo são todos cúmplices de seu ascenso, assim como a omissão do PT em atacá-lo desde antes, inclusive por ter participado diretamente de seu ascenso e do de Feliciano quando abriu mão da CDHM e por ter barrado a revisão da lei da anistia proposta apor Luiza Erundina enquanto governo e presidência da Câmara dos Deputados.

Esse movimento ajudou a produzir a ampliação do fenômeno inclusive com o Deputado aparecendo em atos pedindo a revisão da lei seguido de manifestantes que eram o embrião do que vemos hoje.

Veja teve, até pouco tempo, colunistas que minimizavam a repressão na ditadura militar, que cunharam o tempo “Esquerdopata” transformando uma divergência ideológica em patologia similar à psicopatia, que em nome de um combate ao “Bolivarianismo do PT”(oi?) estimulavam a representação do PT como uma ditadura e não como um partido que se organizava nos mesmos moldes fisiológicos dos demais que eram apoiados pela revista, e por ai vai.

A Folha tinha até outro dia Kim Kataguiri como colunista, com um texto que vinculava todas as pantomimas anticomunistas de galinheiro, fake news e outras distorções e em editorial chegou a chamar a ditadura de 1964-1985 de “ditabranda”.

Estadão e O Globo nem se fala, além de cotidianamente produzirem peças de propaganda anticomunista de fim de feira ainda em editoriais fazem ataques cotidianos pouco diferentes dos ataques dos antros da direita amanta da volta da ditadura. A Globo com Arnaldo Jabor fez sucesso entre os fãs da extrema-direita esfuziante com seus discursos e com o William Waak salivando ao falar “Bolivarianos” ao se referir à esquerda.

Em resumo: quando foi interessante o ex-militar servia e teve seu discurso alimentado para servir de base de operações anti PT.

E não chamo de Capitão ou ex-Capitão por que nomear com a mesma patente de Luiz Carlos Prestes uma figura dessas é de certa forma um ataque frontal ao bom senso e um crime historiográfico.

O mesmo Alckmin que hoje é auxiliado pro Vejas e afins em seu discurso contra o PT e a escuridão de Bolsonaro sofre porque sua base foi alimentada anos a fio com esse mesmo discurso, desfilou entre os portadores do discurso bolsonárico e tinha entre seus assessores um indivíduo que minimizava os crimes da ditadura.

Assim como Lacerda em 1964, eles achavam que iriam se safar quando o Pitbull voltasse da guerra contra as esquerdas.

As revelações tardias de Veja e Folha sobre Bolsonaro são um enorme impacto em sua campanha e podem ajudar a qualquer movimento civilizatório a confrontar e a derrotar o ex-militar nas urnas, mas não reduzem o impacto de sua candidatura na consolidação de um pensamento de que é possível vencer sendo porta-voz do arbítrio e da barbárie. E isso tem as digitais da mídia e dos partidos da ordem, inclusive quem hoje se põe como adversário direto (Mesmo não movendo institucionalmente esforço concreto na derrota do fascismo).

Esse impacto tem a ver muito com a recepção, a visualização das capas de revista e jornais nas próximas duas semanas são uma pancada forte, a repercussão nos grupos de Watsap, Facebook e twitter idem, e não é exatamente fácil se defender apenas com declarações de que são fake news nos grupos da família.

A pregação a convertidos tem alcance limitado.

É fundamental, no entanto, que atuemos cotidianamente, superando o medo, utilizando-o como conselheiro de alcance limitado e como combustível da reação.

Porque é preciso acreditar e é preciso coragem.