Imprensa, democracia e uma crítica ao antipetismo liberal, Tabata Amaral e Malu Gaspar.

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Na última semana vi ótimos jornalistas liberais apoiando golpe na Venezuela porque “Era contra um ditador” e destilando um ódio mal disfarçado a Lula que não destilam em metade ao Bolsonaro, que dizem combater.

Não existe apoio digno a golpe, não existe, mesmo contra ditadores.

A diferença entre golpe e revolução é farta na literatura, basta ler o dicionário de política de Bobbio e se entende a enorme diferença, e o Norberto trata Revolução como um golpe em proporções populacionais de engajamento com transformação estrutural.

Um Putsch, que foi o que tentaram fazer contra a Venezuela, é um atentado á democracia, mesmo uma democracia autoritária, como via de regra desde 2008 todas são, como a de Maduro.

Se Maduro é ditador, Alckmin, Dilma, Tarso, Cabral, e agora Witzel, Bolsonaro e Moro também são.

Perseguiram ativistas, processaram gente por portar Pinho sol, atiraram com bala de borracha e até armamento letal em ativistas, matam a população negra a rodo, em uma escala genocida, usam snipers para matar pretos pobres, estimulam a morte de indígenas e sem terra, atuam para permitir o armamento de milícias rurais para exterminar sem terra e liberar o morticínio de pretos e pobres por policiais,e por ai vai.

Então cês vão me desculpar, mas essa linha lógica de apoiar com fome um golpe de estado patrocinado pelos EUA em nome da “democracia” porque “Maduro é ditador” é um equivoco, pra ser gentil.

Eu apoio Revoluções? Apoio. Revoluções são golpes? Em muitos sentidos? Sim.
A diferença é que ou são apoiados por um levante populacional que ou o precede ou o segue ou são apenas golpes de estado.

Revoluções que o pais passou, se passou, ou foi o mais próximo disso? A Independência, talvez a Abolição ou a Revolução de 1930. que foram precedidas de longos embates, armados inclusive, e transformaram a sociedade como um todo e a própria estrutura do poder, inserindo novos elementos populacionais no cenário político e mexendo com as estruturas sócio-econômicas e culturais, mas isso é papo pra longas horas de debate teórico.

Mas apoiar golpe apenas para derrubar um ditador que se luta contra,ignorando a auto-determinação do povo Venezuelano, que esse ditador foi eleito, e que nenhum dado faz com que se veja um levante popular concreto contra ele, e isso mesmo em estados onde ele tem menos poder e cujo alinhamento não é a Maduro nem a Guaidó, mas a um chavismo anterior a Maduro?

É impressionante como alguns jornalistas trataram a entrevista do Lula com oito Vezes mais dureza do que o dia a dia de Bolsonaro. Bolsonaro é alvo de “ironias finas” e críticas até duras, mas aquém do ódio destilado contra Lula.

Lula precisa fazer penitência, autocrítica, plantar bananeiras recitando a Salve Rainha ajoelhado no milho enquanto se chicoteia, mas a mesma imprensa que faz falsa simetria com “os dois lados do radicalismo político” pra vender Tabatas Amarais se recusa a fazer uma mínima versão disso que chamam de auto-crítica.

Malu Gaspar diz que as críticas da esquerda à Tabata Amaral são porque “ela não é esquerda suficiente”, com altas doses de ironias. Que grande democrata e intelectual temos que sequer consegue conceber que existem divergências mais amplas entre o que eles, da imprensa, chamam de esquerda, não?

Aliás, essa leitura de ser “esquerda” pra parte da imprensa adaptou uma versão estadunidense da divisão política ou é impressão minha?

Sério que entender as proximidades e distâncias com a Tabata Amaral, por ela ser uma liberal e não uma socialista ou comunista ou parte do grupo ideológico tradicional da esquerda, em síntese anticapitalista, é apenas julgá-la “não sendo esquerda suficiente”? Isso é o melhor que uma jornalista especializada em política pode fazer?

Não sei em que ponto faltou leitura, pesquisa ou apenas uma clareza na percepção e exposição do próprio alinhamento ideológico. pra ser gentil.

Não é problema nenhum ser liberal, Malu e a Tabata tem muitos pontos em convergência com a esquerda tradicional (anticapitalista, socialista e comunista) e pontos de divergências centrais, reconhecê-los com respeito é um bom caminho, o desprezo ao que não entende, e nem tenta entender, é um péssimo caminho pra quem prega uma suposta unidade que não pratica.

Aliás, é fundamental que liberais dignos do nome, como a Tabata Amaral, a Malu Gaspar e outros, se assumam como tal, que assumam a defesa do liberalismo na linha Democrata moderada estadunidense no Brasil, cuja direita dificilmente é melhor que um Republicano anti aborto e que via de regra é composta de um Tea Party piorado enquanto brandem um suposto programa “liberal”. Até o conservadorismo no Brasil fede a um integralismo verde-oliva, e é francamente reacionário.

Então é sim bem vinda a Tabata e outros com seu liberalismo socialmente engajado, mas um liberalismo, pró-capitalismo e francamente pouco apegado à percepção do geral como divergência e não como “ideias que não tem mais lugar”. Agir como se a ideologia liberal pré-Marx fosse mais atualizada com seu misticismo teológico da mão invisível do mercado, mas com preocupações sociais, não fosse um socialismo utópico aplicado à contemporaneidade do que uma concepção teórica e política, com enorme base filosófica (Epicuro e Hegel pra começar), organizada por Marx e que é constantemente repensada, debatida, discutida, dentro e fora da academia, inclusive por liberais, por outros ramos da filosofia e da ciência política.

Aliás, ideias tem data de validade? Se tivessem o perfil socrático de Paulo Freire não existiria.

É fundamental que liberais exista,mas seria de bom tom que respeitassem a divergência, inclusive a crítica aos limites de sue alinhamento à esquerda, em vez de ridicularizarem o que os expõe como o que são.

E nãos e iludam, parte do PSOL, PT, PSB,etc são compostas por liberais como a Tabata, se você votou nestes partidos pode ter votado em alguém com u perfil próximo si, não precisa de certificado pra se dizer de esquerda, viu?

A REDE tem esse perfil, programático inclusive.

O que tem que ver é esse antipetismo que transforma o PT no diabo fugindo da cruz e que se torna muito mal disfarçado no discurso, no sentido da análise de discurso, de parte da imprensa, especialmente a que compõe a falsa simetria.

Esse antipetismo fez com que parte dos apoiadores de Marina em 2014, uma liberal com origem na esquerda, tenha apoiado Bolsonaro em 2018 , Abraham Weintraub entre eles.

Inclusive a mesma imprensa faz forfait pra se lembrar exatamente o que fez durante as eleições em nome de uma suposta defesa da democracia, hoje, quando ela precisa ser defendida concretamente, não mexe metade da palha que os demais membros da sociedade mexem.

A democracia quando sob ameaça recebe da imprensa o tratamento que muitos críticos de cinema dão à arte, uma odiosa observação não participante e supostamente crítica.
Precisamos de mais que intérpretes do real, viu? E sim, é um sentido marxista.

Amigos, a crítica ou é acompanhada da ação ou é apenas cagação de regra omissa.

E sigam o exemplo do Jânio de Freitas, do Gaspari, que são ácidos contra todos os governos, sem se omitirem na defesa REAL da democracia.

Não precisamos sequer concordar ideologicamente com eles para sabermos disso, como não precisamos achar Mino Carta o supra sumo da pureza da esquerda para respeitar sua luta em defesa CONCRETA da democracia, como idem o José Roberto Toledo, entre outros.

Mas é preciso sabermos com quem estamos lutando a defender a democracia.

Nós, que fizemos oposição ao PT anos a fio pela esquerda, nunca vimos muitos destes liberais nas nossas trincheiras. É sempre bom termos novidades, mas é preciso que lembremos sim quem esteve onde e quando.

Quem ocupa esta trincheira também ocupa a defesa de golpes contra o que consideram ditadores?

Quem ocupa essa fronteira também ocupa a resistência contra o que os jornais que ajudaram a eleger com falsa simetria e é mais próximo de Maduro do que eles mesmos assumem? Abro mão.

Essa defesa de golpes não é a da democracia.

O anti-intelectualismo da extrema direita e o anti-intelectualismo de louvor ao naif na esquerda

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O lance bacana da internet e das redes sociais é que cada um tem sua chance de produzir reflexões públicas, e até de tentar ser genial. O lado ruim é que cada um tem sua chance de produzir reflexões públicas, e até de tentar ser genial, inclusive este que vos escreve.

Digo isso porque todo santo dia, como usuário fervoroso de Twitter e leitor voraz de tudo o que cai nas mãos e olhos digitaleitores, vejo reflexões, ou algo que o valha, a respeito da intelectualidade, das escolas, universidades, etc e fico impressionado como muitas vezes se tocam os dedos fervorosos em produzir análises, ou algo assim, no que tange à aversão à intelectualidade. Estes dedos por vezes aproximam a extrema-direita de uma esquerda às vezes nem tão extrema assim.

Com a morte do jornalista Ricardo Boechat tive o desprazer de ler um autor indicando que a diferença entre Boechat e o jornalismo que ele produzia e os novos jornalistas é, pasmem, que as escolas de jornalismo “obrigam” os alunos a olharem os dois lados e por isso eles fazem coisas como dar voz aos dois lados entre os defensores da existência do aquecimento global como algo produzido pelo homem e os negacionistas do clima. O texto é até bem escrito, tem um peso narrativo com uma certa dramaticidade e estaria tudo bem se ele não fosse mais um texto que romantiza o jornalismo autodidata e reduz a “escola de jornalismo” a uma deformação, ignorando o estado, as linhas editoriais, o mercado editorial, os laços políticos dos donos de jornais e do corpo editorial, os processos de enquadramento das editorias pelos donos da voz e a própria diversidade da “escola de jornalismo”.

O problema é que a gente lê os textos e enxerga o discurso e esse discurso é o mesmo que reduz a necessidade de formação técnica do jornalismo em nome de uma suposta “pureza” de uma profissão que não precisa estudar (qual profissão não precisa de estudo?) para realizar suas ações.

Boechat podia até ser um jornalista gigante, mas também era um jornalista que tinha sua posição pela circulação entre chefias e proprietários de jornal, que com seus iguais era igualitário, mas não exatamente com os diferentes, além de só produzir o bom jornalismo que produzia porque seguia os mesmos parâmetros, pasmem, das “escolas de jornalismo”, que não se construíram como escola, assim como nenhuma escola, aprendendo jornalismo com padeiros, assim como padeiros não aprendem a fazer pão com historiadores.

Assim como toda escola, as reflexões teóricas só aparecem no jornalismo pela produção de uma reflexão sobre as produções práticas no jornalismo antes das escolas aparecerem. E é o corpo de ofício do jornalismo que enxerga na própria profissão algo que exige uma necessária formação para sua própria manutenção, como diversas profissões no decorrer da história (Historiadores, jornalistas, professores, por exemplo, são categorias que se profissionalizam a partir do século XIX).

Tem uma pancada de livros úteis pra entender o que é jornalismo e sua história, quando a ideia da construção técnica e teórica do jornalismo surgiu e não dá nem pra iniciar algo relativo a isso aqui. Sugiro ler “Uma história social da mídia” do Peter Burke e Asa Briggs, “Insultos impressos” da Isabel Lustosa, “Televisão: tecnologia e forma cultural” do Raymond Williams, “História da Imprensa no Brasil: 1911-1999” do Nelson Werneck Sodré, “História da imprensa no Brasil” da Tânia Regina de Luca e Ana Luíza Martins e “História cultural da imprensa: Brasil, 1900-2000” da Marialva Barbosa, esses livros tendem a dar uma ilustrada na mente das pessoas a respeito dos jornais e jornalismo e evitar bobagens escritas e impressas.

O que me incomoda aqui, no entanto, é que o discurso não é tosco só por desconhecimento, mas por uma ideia completamente alarmante que traduz algo com uma compilação de conhecimentos de uma diversidade ímpar, como via de regra toda cadeira acadêmica e científica, como uma anedota, uma distorção do que é.

A escola de jornalismo é mais exatamente uma diversidade chamada “Escolas de jornalismo”. Porque tem que ser muito tosco pra achar que as escolas de jornalismo da UFRGs, Católica de Pelotas, UFPel, UFRJ, PUCs são a mesma coisa e produzem o mesmo tipo de pessoa. E tem que ter uma estupidez peculiar em acreditar, e verbalizar isso, que o jornalista formado pelas “escolas de jornalismo” é uma besta idêntica a outras bestas formatadas pela forma das escolas e que é ele o responsável pela cobertura da imprensa e não as linhas editoriais e os detentores do poder de produzir a mensagem final das folhas.

Nem vou mencionar que nem o editor é tão poderoso nem o jornalista tão vítima aqui, porque há dissensões entre editoriais e donos de jornal e entre mandos e desmandos de editoriais e redações, e eles se traduzem muitas vezes nas entrelinhas do texto, pra não complicar a vida dos cidadãos que cometem essas “reflexões”, mas é fundamental expor essas questões e perguntar se estas pessoas sequer veem filmes sobre jornalismo.

Veja bem, nem vamos exigir que as pessoas leiam, mas vejam filmes. Tá lá em “Spotlight”, “Todos os homens do presidente”, “The Post”, “Síndrome da China”, “Rede de intrigas”, “Um Dia de Cão”, “Quarto poder”, “A Primeira Página” e até “O homem que matou o facínora” e “Íntimo e pessoal”, que reproduzem diferentes épocas do jornalismo e suas questões e explicitam o peso das editoriais, dos assinantes, dos anunciantes, as diferenças entre o jornalismo antes da exigência da formação acadêmica e com essa exigência em cada época (via de regra não é exatamente fácil descobrir, viu?).

E indo mais longe, chega a ser ofensivo ignorar que Boechat era tão bom quanto o são jornalistas que saem das faculdades de jornalismo e chegam a superar, como ele superou, as exigências das editoriais e ganham sua independência, como Gabriela moreira, Cecília oliveira, Leandro Demori, Lúcio de Castro, Paulo Vinícius Coelho, Mauro Cézar Pereira, Bob Fernandes, entre outros. Tem várias biografias no Portal dos Jornalistas, confirmem .

Essa tábula rasa da formação em jornalismo é típica da discussão enviesada que culpabiliza a escola pela distorção da percepção, quando ela nem é a montra condenada, fenestra, sinistra, nem a panaceia ilustrativa como se digladiam os simplistas para impor anos dourados e bobagens afins a processos e questões complexas.

E sabe o pior? A lógica culpabiliza o ensino por questões que são mais complexas, por questões políticas, pelas relações de trabalho e pela própria diferença de classe e controle de instituições sociais como a imprensa. É, via de regra, um discurso tão anti-intelectual quanto o discurso da extrema-direita que fala em Terra Plana ou que diz que ensino de história é doutrinação, ou o de jornalistas, pasmem, que dizem que qualquer um pode escrever história e que os historiadores pretendem uma reserva de mercado ao terem sua própria mecânica de crítica e análise de fontes que outras categorias não tem e evitam aprender. Da mesma forma que é uma simplificação do trabalho do jornalista e sua redução, pior ainda, criminaliza o “ouvir o outro lado”, como se ouvir o outro lado na questão do aquecimento global fosse o problema e não a distorção dessa percepção pela editoria alinhada com petroleiras ou agronegócio.

Sabe o Boechat? Ótimo jornalista, mas prestem atenção em sua trajetória no Jornal da Band e tentem perceber uma linha que seja crítica ao agronegócio, que é um grande parceiro do Grupo Bandeirantes. Se acharem me avisem, eu vou agradecer, mas eu duvido que exista porque nem o ótimo Boechat tinha o poder de atropelar a linha editorial definida pelo dono do veículo, sabe?

Esse é um exemplo de como o discurso anti-intelectual, que distorce Marx inclusive, é um problema que permeia toda a sociedade e não apenas a direita. Muitos apelam para uma dicotomia entre um saber popular perfeito, uma espécie de idade do ouro, e um saber acadêmico vil e elitista, uma espécie de negativa do conhecimento que remete às tentações religiosas de queimar o que ofende ao senso comum.

E o problema é que nem existe essa separação entre conhecimento popular e conhecimento acadêmico, como nenhum dos dois é 100% livre de equívocos. Há conhecimento popular no conhecimento acadêmico e conhecimento acadêmico no conhecimento popular. A base da história é uma produção cultural vinda da tradição grega dos aedos, que era uma tradição popular, e que se reinventou para produzir análises menso poéticas e mais objetivas, e que hoje discute essa mesma objetividade, assim como o faz o jornalismo. As técnicas jornalísticas são hoje na academia um repensar das técnicas produzidas nas páginas dos jornais por uma tradição do trabalho feitas desde as origens do ofício. Da mesma forma como a música, a pintura, a própria engenharia sai do campo popular e se formaliza como uma formação reproduzível pelas universidades e escolas, o jornalismo, a história, as ciências sociais o fazem em seus espaços, e neles se encontram os bons estudantes, professores e profissionais e os ruins, e todos eles enfrentam sistemas que são frutos de disputas cotidianas e cuja hegemonia tenta silenciar de forma violenta as dissensões.

É lamentável que parte da esquerda seja simplória e orgulhosamente limitada e reproduza o mais tosco discurso de desvalorização do estudo e da teoria.

Uma dica, quando Marx escreveu nas Teses sobre Feuerbach que “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo”, ele não tava dizendo que era pra parar de estudar filosofia ou que a filosofia nos impedia de transformarmos o mundo, viu?

Senta que lá vem História! – Exército, PM, Edson Luiz e Marielle #DesarquivandoBR #MariellePresente #NãoÀintervenção

 

Retrato de um historiador enquanto esquerda: Ou o desabafo do homem comum supostamente intelectualizado.

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Escrever sobre política hoje em dia me cansa bastante.

Especialmente porque hoje não sei exatamente como me localizar dentro do espectro político a não ser pela ideia de ser de esquerda e ser anarquista.

Mas mesmo sendo de esquerda e anarquista, ou me enxergando desta forma, não consigo entender nenhum encaixe claro no que vejo a maior parte das pessoas defender como “ser de esquerda”, da mesma forma que me incomoda demais a ideia das pessoas de entenderem o que é ser inteligente ou “pensar” e sim os dois assuntos tem profunda relação.

E a relação entre o encaixe num modelo de ser de esquerda, seja um modelo da direita ou da esquerda, e o incômodo com a ideia das pessoas sobre sua própria inteligência, bondade e seu “pensar” se entrelaçam exatamente porque ambos tangenciam a ausência de certezas absolutas e a percepção que na maior parte das vezes o que constrói hoje os grupos mais “sólidos” das ideologias é de um arrogância que só encontra paralelo na própria estupidez.

Além disso, a maior parte dos processo ideológicos e seus grupos se encastelou na desumanização de si mesmo e do outro, na destruição de laços de solidariedades e também na politica enquanto performance.

Da xenofobia, racismo, homofobia, machismo e misoginia como armas para atingir o outro até a aceitação de tortura, assassinatos, inclusive os de reputação, defesa de tutela de um povo conscientemente tido como estúpido e até sacrificável diante dos grandes objetivos, tudo obedece a um mesmo caminho de transformação das grandes narrativas ideológicas em defesas de credo dogmático, de cariz autoritário.

E o objetivo final, de em tese mudança da sociedade para melhor para que o tal povo, essa entidade metafísica,seja liberto ou tenha sua vida melhorada? Ah,que se dane! O povo, o tal povo, se perde no meio das grandes narrativas e é atropelado como por um caminhão chamado de “Fins”, que por acaso justificam os meios.

E os meios acabam sendo apenas o domínio do outro, muitas vezes mimetizado em aparato ou estado ou país,mas no fundo é o domínio sobre o outro.

E nessa toada o que não vira “mimimi”, vira secundário dependendo do espectro ideológico do qual se ouve o discurso.

Por que se ouve o discurso? Porque a maior parte dos entes dos espectros ideológicos em curso não debatem ou dialogam, discursam.

E isso não ocorre apenas os portadores de discursos plenos de sublimação de traumas e ódios anteriores, de mediocridades mal alimentadas e patologias.

Isso ocorre com comunistas, anarquistas, sociais democratas e até com liberais, que um dia foram até bons parceiros em diversas lutas e hoje parece terem se colocado como ovelhas disponíveis para oportunistas elitistas dançarem seu mambo sobre nossas sociedades.

Envolvam tudo isso numa arrogância de almanaque e temos o debate político cotidiano.

E não, isso não reflete nenhuma sociedade radicalizada,mas uma sociedade conservadora e apenas aparentemente polarizada.

Essa aparência de polarização se dá no ajustamento dos grupos em nichos firmes de defesa de interesses da classe dominantes envoltos em discursos mais ou menos liberais ou mais ou menos “comunistas”. No final das contas nenhum dos discursos busca nenhuma transformação ou se organiza em qualquer espectro claro para fora da institucionalidade e que tenha algum tipo de cara de participar do lado proletário da luta de classes.

O proletário nesse suposto embate aparece como eleitor ou vítima. E o mesmo vale para negros, mulheres, índios, LGBTs, etc.

Quando vota a favor o proletário é consciente. Quando vota contra ou é mortadela, ou pobre de direita.

E tome silenciamento.

Mas podemos avançar nesse debate se analisarmos o crescimento do fascismo no Brasil e o avanço idêntico do discurso de “vai estudar” ou “A má educação é o que fez do Brasil o que é hoje” e defesas de nova moral ou da família ou da pátria,sempre falando em educação e de educação e civilidade como elementos que andam de braços dados e de elogios a outros países,etc..

Esse discurso do “vai estudar” e a “síndrome de vira latas” são primos de um desprezo mórbido pelo povo brasileiro, que tem muito ou quase tudo de racismo (Mas isso é outro assunto).

O Brasil não dá certo porque a educação ruim, dizem,e por isso o reacionário ou o mortadela precisam estudar para se encaixarem numa ideia de sociedade que caiba nos discursos.

E o que eles sabem da educação? Do que é educação? Do que é História? Nada.

É a educação o problema? E se é como resolvê-la? Porque se for repetir essa educação que acham que ensinar história é decorar data em história e fórmulas em Física, a gente vai permanecer com problemas.

E na real educação para a maioria dos discursos serve para hierarquizar a sociedade e criar meios para que o ente que “sabe” domine o outro “que não sabe”.

E eis que ai reaparece a figura do ”povo”,seja no discurso fascista, seja no discurso comunista e até no cínico discurso dos novos liberais you tubbers que “lacram”.

Porque este discurso, esta narrativa ignora qualquer tipo de diálogo construtor de cidadania no sentido mais amplo: Um pensamento critico que entenda a polifonia das sociedades e construam em comum entre professores e educandos o caminho para cada disciplina em cada aula e cada turma ou escola.

E é aqui que entra o desabafo de um historiador de esquerda que se entende anarquista,mas tem dificuldades enormes tanto com os grupos que compõe a esquerda quanto com o dogmatismo anti libertário que virou a anarquia em geral.

Porque não me transformei em historiador para repetir a produção de uma historiografia que ignora o coletivos de vozes presentes nas sociedades, que silencia as vozes menos audíveis, as de cor mais preta e índia, as vozes femininas, que secundariza lutas ou que elenca o que deve ser a grande narrativa das transformações.

Me transformei em historiador para procurar dar voz aos silenciados e pra entender o outro como parte integrante das transformações coletivas, jamais pra tentar encaixar os diferentes em caixotes de papéis preestabelecidos e estanques.

Não me transformei em historiador pra brincar com a direita a chamando de idiota, mas pra desconstruir através do diálogo o que a direita diz e que é violentador para os coletivos ou para fomentar um combate ininterrupto aos discursos de ódio com o respeito que todo inimigo merece e deve ter, sem menosprezar inteligências, da mesma forma que não menosprezando o grau de solidariedade inerente às comunidades.

Não me tornei historiador para silenciar a miríade de evangélicos atribuindo a todos o papel pusilânime de parte dos fieis e da maioria das lideranças evangélicas. Nem pra transformar uma escolha de fé em estupidez.

Me tornei historiador para dar voz aos silenciados e não para ampliar o silenciamento em nome de uma narrativa que se pretende superior ao homem, ao nós, ao coletivo, à pessoa.

Me tornei historiador não pra dizer “Vai estudar”, mas pra dizer “Discordo de ti e tenho fontes que ajudam a ti a entender melhor”.

Sou historiador para tentar contar a história vista de baixo e não pra tentar contar melhor a historia dos de cima em nome de uma idolatria maluca que não vale nem o pão quentinho da padaria da esquina.

E pra fazer política com o conhecimento, não pra encaixar o conhecimento na política martelando-o numa forma que o distorce.

Porque é preciso politica no conhecimento, sem que isso signifique um desprezo ético pela busca da verdade, ela existindo ou não, ela sendo apenas uma representação do real, um reflexo de um espelho distorcido ou não.

Porque também é preciso muito humanismo e amor no conhecimento, sem que isso signifique dançar ciranda enquanto se omite sobre a prisão do Rafael Braga.

Pode dançar ciranda, mas sem lembrar do Rafael Braga e lutar por ele é vandalismo.

E é preciso fundamentalmente respeitar o povo, sua cultura, fé, seu lugar, seu falar, sua festa, sua cor.

Respeito não significa transformar a pessoa em bibelô tropicalista, mas inclusive discutir e brigar com ele se preciso, lembrando quem mais morre na luta de classes e na lógica de defesa das grandes figuras.

Precisamos repolitizar a política!

E relembrando aos navegantes que humildade não é fingir não ter conhecimento e ter conhecimento não é super poder, nem aumenta a dimensão humana de quem quer que seja.

A ignorância do outro é um elemento que nos ajuda a entender a nossa própria capacidade cognitiva. Se a ignorância do outro pra ti é motivo pra transformá-lo em inferior a ti, você realmente não entendeu nada,

 

Senta que lá vem História! – Teoria, política e escola

Senta que lá vem História! – Hobbes, filmes de zumbi e o medo como discurso na política

A Esquerda, a Direita, Eleições, Catequese e Colonização

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Eu voto nulo e faço campanha pro voto nulo, todo mundo sabe,mas não dá pra deixar de comentar eleições e como elas se dão, e como o comportamento da esquerda é equiparável ao da direita com relação aos mais pobres.

Os rumos eleitorais nas grandes cidades tendem a uma enorme confusão.

A direita encontrando mais dificuldade do que esperava e a esquerda, que contava com a eleição certa de Luciana Genro e Freixo e a reeleição de Haddad, enfrenta dificuldades extra nas suas caminhadas.

Parte do problema e das dificuldades da esquerda vem menos da fantasia de uma unidade mitológica perdida e mais da perda de capilaridade de sua organização no decorrer dos anos 1990,2000 e 2010.

O que isso quer dizer? Quer dizer que dos anos 1990, onde havia núcleos do PT espalhados por praticamente todos os bairros das grandes cidades, até os anos 2010, onde nem o PT manteve o que tinha nem o PSOL avançou sobre os espaços deixados pelo outrora maior partido da esquerda, a organicidade dos partidos de esquerda não só minguou como foi transformada numa mudança metodológica de organização que priorizou a formação de burocracias à formação de contingente militante e politização consciente nas cidades e interior.

Enquanto isso a direita, especialmente a vinculada a grupos evangélicos, construiu sólida expansão nas periferias e cidades do interior via velhos métodos, centros sociais e clientelismos, e novos atores, a participação cada vez mais ativa de religiosos neo pentecostais na política e inserção forte das igrejas na construção de laços de solidariedade comunal nos mais diversos locais dos grandes centros urbanos e interior.

Em resumo: A esquerda optou pelo eleitoral a partir do voto de opinião, a direita ampliou seu arco de ação fazendo trabalho de base cotidiano via igrejas e centros sociais e gerou um enorme contingente de gente que não só apoia candidatos de direita,mas os apoia ideologicamente, fazendo parte orgânica, especialmente via igrejas, das forças políticas que os mantém.

Exatamente, gafanhoto! A direita construiu militância capilarizada, enquanto a esquerda focou em manutenção de militância orgânica de classe média e expansão de apoiadores não militantes a partir de laços mais próximos do clientelismo, especialmente via lulismo, que de identificação ideológica.

E o segundo caso muitas vezes muda de lado pelos mesmos laços, e ainda passa a participar de um tipo de organicidade ideológica conservadora.

São vinte anos de transformações na direita e na esquerda, e é óbvio que isso daria em mudança no quadro eleitoral.

Nesse meio tempo outro fenômeno também cresceu nas periferias: Uma esquerda não partidária que não se identificava com a esquerda sucrilhos e combatia a direita evangélica.

Essa galera caiu dentro de uma posição apartidária,mas crítica, quando não anarquista e autonomista.

Muitos dessa esquerda periférica votam, outros não, todos são politizados e buscam um debate politizado a partir do ethos da própria periferia, seja via RAP, seja via organizações como núcleos socialistas (O IFHEP em Campo Grande no Rio é um exemplo), seja via coletivos de educação popular ou assembleias populares das periferias.

Toda essa galera tem posição combativa pela esquerda e critica fortemente o viés elitista da esquerda partidária tradicional.

E ai temos um fenômeno interessante: A direita dialoga com essa esquerda, mesmo sem contar com seu apoio e sabendo disso,mas a esquerda partidária a ataca.

E por que? Porque o pastor que aglutina os laços de solidariedade comunal que o sustentam politicamente sabe que o filho da Dona Naná que é anarquista e não vota nele é filho da Dona Naná, Primo do cumpadre meu Quelemem, irmão do Riobaldo, namorado da Zuleica, filha do marceneiro João, todos da igreja, menos o o filho da Dona Naná, que é bom menino e que isso de anarquia vai passar.

O Pastor pode estar errado no diagnóstico,mas na relação não. Ele sabe que o sujeito que ele vai combater na favela tem mãe, e a mãe é da igreja, e que os laços não podem ser rompidos, ele vai precisar conversar,mesmo com condescendência e mal disfarçado nojinho,mas vai ter de conversar.

E o assessor do vereador do partido bonito que dança tambor de criola na Lapa? Porra esse fica ofendidíssimo porque aquele fudido preto e pobre da favela do Jacó não vota no seu candidato que é a salvação da porra toda com sua proposta de fazer uniformes escolares de cânhamo que geram energia a partir da absorção da luz do sol e carregam celulares enquanto o corno fica no sol esperando duas horas pelo ônibus.

Como assim a esquerda não merece o voto da periferia?

Talvez seja porque a periferia nunca viu a esquerda, nem comeu, só ouve falar.

Esse comportamento se dá de forma simples: Catequese e colonização.

Sim, a esquerda espera uma reação de gratidão do fudido àquela que lhe leva a luz da consciência política de cima pra baixo à esquerda de quem entra. Logo ela que desperdiça domingos de sol que podia gastar na praia à passos de sua casa pra levar a luz da consciência política à esses bárbaros da favela é desprezada? Como assim não se consegue mais catequizar o pobre?

Talvez amigo, porque a direita montou posto avançado de colonização enquanto tu aparece apenas com o evangelho surrado de um marxismo cambeta.

O evangelho que vale é o do pastor que tá ali dando a cara tapa todo dia e não do missionário catequético e caquético que aparece do nada falando de um Deus Estado socialista mágico que tende a puni-lo se ele não gostar de seu messias.

Aliás, bora combinar que a esquerda que aparece pra catequizar também quer colonizar a periferia, né?

E por isso a esquerda que tá na periferia também repudia tanto o socialismo amarelo quanto o bispo Machado.

Mas quando a esquerda partidária vai entender isso? Nunca, ela sequer entende que passar na casa de alguém não é morar lá, imagina questões complexas.

O Hegelianismo travestido de Marx que a esquerda partidária insiste em usar, a partir da versão de São Lênin-Zizek-Mujica, impede por seu idealismo que a dialética funcione.

Por isso temos uma esquerda marxista sem Marx, sem antropologia, sem sociologia, sem samba.

E enquanto isso a direita tem o evangelho, e laços de solidariedade comunal, e diálogo com o filho da Dona Naná, mas o problema pra esquerda é quando o cozinheiro escreve.

 

Da diversidade da subversão e do ethos transformador

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Primeiramente #Molotov .

Os caminhos ideológicos da esquerda traduzem as contradições próprias do campo contra hegemônico a partir de sua miríade de campos dentro e fora do marxismo tradicional.

Quando coloco campo contra hegemônico é proposital pra fugir da terminologia “Progressista” onde são encaixados uma outra miríade de grupos que nem sempre são participantes de qualquer noção ética de transformação social ou ruptura ao status quo, entre eles liberais democratas, capitalistas desenvolvimentista de linha keynesiana, etc.

Por que os caminhos da esquerda hoje, tida como dispersa e fragmentada, traduzem as contradições inerentes a este campo contra hegemônico? Porque a esquerda jamais foi esse monólito vivo em torno do ideário marxista.

E isso se tornou mais eloquente pós-crise do estruturalismo decorrente dos efeitos da segunda guerra mundial e da racionalização do genocídio a partir do nazifascismo provocando uma crise na própria narrativa moderna da razão como libertadora e mãe do progresso.

Inclusive esse é mais um motivo pra crítica do uso do termo “progressista” para definir quem atua no campo contra-hegemônico, mais conhecido como esquerda. Porque a lógica moderna do progresso traduz uma percepção de avanço das forças produtivas que despenca na ideia do domínio antropocêntrico da Terra com desprezo absoluto ao meio ambiente, e também a um etnocentrismo que põe na frente a concepção moderna do progresso industrial e científico branco ocidental como medida de todas as coisas e culturas.

Dessa crise “da razão” emergiram muitas formas novas de transformação contra-hegemônica, mas também ressurgiram formas antigas e que estavam em campo desde muito tempo antes, como a própria ideia de anarquia que por muitos anos foi submersa pelo marxismo-leninismo, nem sempre apenas com a hegemonia ideológica e cultural, mas com violência (vide 1936 na Espanha).

Além do ressurgimento de campos ideológicos antigos como a anarquia e o autonomismo, surgem novas formas de debate contra-hegemônico como as que nascem a partir do feminismo e da luta LGBT, como a teoria Queer; A própria ideia de organização política dos povos originários, com seus paradigmas teóricos próprios que compreendem o mundo, a sociedade e as formas de transformação para além do que as teorias ocidentais propõe, mesmo que dialoguem com elas em algum momento; As construções ideológicas das populações africanas e do Oriente médio e Ásia a partir do caudal cultural e teórico produzido na descolonização, com ações que incluem o pan-africanismo e o marxismo, mas também releituras de ambos e transformações que traduzem valores próprios como a filosofia Ubuntu.

Para além disso as teorias produzidas na História, Filosofia e nas Ciências sociais apontam para novas saídas teóricas passíveis de serem utilizadas, como de fato o foram, por movimentos.

Pensadores como Ginzburg, Foucault, Thompsom, etc, fogem dos paradigmas centrais ao marxismo-leninismo e apontam para novas interpretações possíveis da vida humana e das organizações sociais que não eram contempladas quando Marx produziu suas teorias no século XIX ou quando Lênin se organizou misturando a teoria marxista a uma percepção fordista da política. Ou se eram contempladas o eram de forma absolutamente embrionária.

Se já haviam esses movimentos nos anos 1920 ou 1930, com críticos como Walter Benjamin tanto trabalhando com a crítica à construção marxista-leninista como mecânica quanto apontando o progresso, e a própria noção de História como irmã do progresso, como um processo de inevitável libertação da humanidade a partir do desenvolvimento técnico, como se a sociedade e a tecnologia fatalmente se abraçassem um dia numa era de ouro do humano, eles triplicaram em participação, peso e vivência no pós-segunda guerra e produziram tantas transformações quanto possível na própria ética da transformação no campo contra-hegemônico.

E desde os anos 1960 em especial esses movimentos e caminhos se tornaram cada vez mais diversificados e mais contundentes na ampla raiz de uma crítica complexa, completa e permanente de todos por todos e da própria ideia de transformação social.

E o que isso nos mostra? Nos mostra muitas possibilidades de análise e entre elas está desde a própria percepção das transformações como parte fundamental para o avanço das ideologias de transformação, com resultados práticos, até a própria reação de parte da esquerda outrora absolutamente hegemônica a esta diversidade e à própria crise de estabelecimento de sua ideia de unidade como hegemônica entre o diversificado plano de consciência dos movimentos de transformação.

Além disso, esse confronto entre a miríade de movimentos de transformações e os outrora campos hegemônicos do ideário de transformação põe também em confronto a própria ética da transformação, ou seja, o ethos que permite a compreensão da moral deles (Dos opressores) e da nossa (quem busca as transformações).

Não é incomum que nos embates e nas lutas pela representação do ideário da transformação o amplo espectro da ética inerente aos mais diversos movimentos seja mandado pro espaço em nome da punição daquele que disputa com o outro o papel de representante da transformação social e política (Seja ela a revolução, a anarquia, a igualdade de gêneros ou o fim do racismo ou tudo isso junto). Não é incomum as acusações mútuas entre os campos de serem traidores de uma causa em especial ou de uma bandeira ou de um campo de significados que simbolizam a revolução. E não é incomum todos estarem certos.

A diversidade da subversão por vezes é tomada como panaceia ou como veneno, quando não é nem um nem outro e sequer deveria também significar diversidade do ethos transformador.

A diversidade da subversão é um fenômeno histórico que traduz uma nova percepção do real como multifacetado e intraduzível de forma única pelas mais diversas ciências e teorias (incluídas ai as ditas exatas), algo que se não é consenso é cada vez mais perceptível nos debates ocorridos no interior das ciências humanas, e não só.

A diversidade no ethos transformador é que é um problema e dos grandes.

Porque a diversidade da subversão é filha dileta da expansão das formas de luta e dos campos de embate contra a opressão, que produzem amplos espectros de vitórias e de exposição das forças conservadores e do Estado a uma miríade de táticas e demandas que não os permitem muitas saídas simplificadoras.

Prendem anarquistas? Autonomistas atuam. Prendem comunistas? Grupos feministas estão nas ruas. Universitários reprimidos? Secundaristas ocupam escolas.

Entre todos esses existem comunistas ortodoxos e não ortodoxos, autonomistas tradicionais e novos, black blocks, feministas interseccionais e radfem, movimento negro unificado ou que inclui brancos, movimento indígena com raízes partidárias e autonomistas, entre todos existem foucaultianos, confederalistas libertários, anarquistas, autonomistas, malucos, etc.

E todos participam da enorme tarefa de transformação do mundo com o estabelecimento de uma polifonia onde vários mundos acabam se tocando e dialogando, na marra.

Isso é o estado da arte da diversidade teórica e da liberdade de ação política conquistada pela contestação, dentro e fora da academia, e que permite de tudo um pouco nas ruas, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê.

Essa diversidade teórica e liberdade de ação política nasce da própria crítica às amarras teóricas e políticas produzidas no campo contra-hegemônico pela ascensão do marxismo-leninismo como resposta única a todas as questões produzidas no espectro contra-hegemônico que contemplassem as transformações necessárias nas sociedades contra toda forma de opressão.

Essas amarras nasceram e cresceram desde a ascensão de Lênin ao poder na URSS com silenciamento de todas as contradições internas e externas aos bolcheviques, muitas vezes com uso do exército vermelho de Trotski, e viraram um Leviatã sob Stálin e com o crescimento do peso geopolítico da URSS e seu controle sobre os partidos comunistas mundo afora.

Não à toa dois dos momentos de explosão da miríade de movimentos e concepções de luta nascem na e da explosão teórica pós-1960, período onde também ocorre o primeiro rompimento coletivo com o Stalinismo partindo da própria URSS e tendo reflexos na saída da China do estado de parte do Komintern, e após a queda da URSS nos anos 1990.

O resultado das reações à diversidade teórica e liberdade de ação política pós-1960 vem sendo, primeiro pelos PCs e agora pelos partidos da esquerda tradicional (em geral trotkistas) mundo afora, bem similares: Descrédito a tudo o que foge da ideia de “unidade”, que no fundo é busca de uniformidade; desqualificação das teorias contra hegemônicas não partidárias como “pós-modernas” , mesmo que a maioria ainda compartilhe de boa parte dos paradigmas da modernidade e o pior dos casos, o desvio ético que contempla o abandono do ethos da transformação em nome da garantia de espaços de poder, em geral burocráticos, que permitam o confronto com vantagens operacionais contra as mobilizações diversificadas, ou mais gerais e autônomas. Essas vantagens nos confrontos incluem uso do aparato policial de governos, processos judiciais e sim, tem muito a ver com a concepção fordista e até militarizada (Trotski defendia inclusive a ideia de militarização de sindicatos na revolução russa) de movimentos sociais e organizações políticas.

E ai é que está parte do problema do rompimento com o ethos transformador.

Porque o ethos transformador inclui na práxis cotidiana a ideias de reprodução ética de valores aos quais se deseja espalhar para toda a sociedade, ou seja, não adianta defender igualdade de direitos entre gêneros e etnia e incorrer em racismo ou machismo.

Não adianta ser contra transfobia e ser transfóbico, homofóbico, etc. Não adianta querer a liberdade da sociedade via revolução e encarcerar quem diverge de você, ou desejar que alguém morra de forma brutal por ser seu adversário, mesmo ele sendo um torturador ou defensor de torturadores.

A diversidade de meios de luta contra hegemônica é positiva, a flexibilização ética do ethos transformador não.

Há uma bela diferença entre pacifismo e contraposição à barbárie com barbárie.

Precisamos manter a lógica de ampliar a diversidade de percepções, interações, construções contra hegemônicas, a diversidade não nos enfraquece, fortalece e “pira” o poder.

Se nesse meio tempo essa diversidade também enfraquece as forças políticas organizadas em torno das burocracias, paciência e problemas deles.

Enfrentemos os resultados disso, pensemos e construamos a resistências à opressão com ou sem essas forças, com ou sem parlamentares, mas não esqueçamos da necessária manutenção do ethos transformador.

Parte da diferença entre nós e Bolsonaro é saber a nossa ética. Quem esqueceu ainda dá tempo de lembrar.

A própria ideia da catalogação ideológica em caixinhas determinantes e limitadoras é parte de um processo redutor do outro ao limite ideológico imposto. Por isso limites como “anarquistas não podem votar” ou “marxistas tem de ser centralistas democráticos” são parte da redução e da simplificação, que contém uma boa dose de autoritarismo.

O limite do pertencimento ao campo contra-hegemônico deveria ser menos doutrinário e mais ético, menos autoritário e mais libertário, menos redutor e mais amplificador e pode ser resumido na luta contra a opressão e contra o capital como porto seguro de todas as opressões a partir das opressões de classe.

Precisamos ir além do sistema e pensar pra fora dele. Ir além do voto, ir além das caixas, mas sem desgrudar de nossa ética fundamental: Não podemos ser como quem combatemos.