Mais que um golpe, o Brasil corre risco de colombianização

É bastante corrente em textos na imprensa, blogs e de analistas políticos o risco de golpe pró Bolsonaro em 2022.

Nas redes sociais o golpe substitui o fim do mundo na placa do velhinho americano que anda pelas ruas de Nova York anunciando “O FIM DO MUNDO ESTÁ PRÓXIMO!”, e pululam medos a partir de ameaças cada vez mais vazias de Forças Armadas e Bolsonaro.

Já escrevi algumas vezes a respeito porque meu palpite é o de que golpe se constrói, mas só se dá quando há força para isso e a força da ala das Forças Armadas mais arraigadamente pró-Bolsonaro se foi. E com os dados disponíveis nos artigos acadêmicos e na imprensa é difícil se perceber algo além de palpites que corroborem ou desmintam o meu.

Por que diferencio alas pró-Bolsonarismo das Forças Armadas? Porque entendo que esteja bastante explícito que não há essa unidade toda no interior das FA, como via de regra não há em campo social nenhum, tampouco uma unidade política global que o Bolsonarismo catalisa.

Como eu entendo isso? A partir de percepções que a gente vê da enorme diferença entre blocos do próprio Exército e entre as Forças Armadas pela História, coisas que vão desde como interferir na política até a concepção de composição étnico-racial de cada Força.

Há literatura e pesquisa de militares contra a ditadura de 1964, das divisões das FA desde 1954 a respeito da intervenção na política, sobre as distintas interpretações, pela direita, entre Jovens Turcos e Tenentes, a divisão entre militares nacionalistas e pró-EUA durante a transição pós ditadura Vargas e por aí vai.

A gente pode de saída distinguir qualquer grande campo social ou corporação a partir da ideia de que todo coletivo humano complexo contém dissidências. Mas pelas características implícitas nas Forças Armadas fica difícil mensurar o grau de diversidade e diferença de concepções em seu interior. E isso se complica mais ainda quando falamos das polícias militares, porque elas são mais diversas entre si e contemplam uma complexa rede de micropoderes que não respondem de forma orgânica a comandos centrais, além do fato de como todo organismo social de variada composição ter o germe da diferença e da divergência em seu interior.

Esse preâmbulo todo é para discutir aqui a potencialidade de um golpe em um cenário onde o governo derrete, ass Forças Armadas tem um apoio cada vez menor e tem digitais em toda a crise envolvida na pandemia e no vacinoduto.

Além disso, 51% da população brasileira declara ter medo das polícias.

Ou seja, se as Forças Armadas, mesmo gozando ainda de prestígio, vêem  este apoio popular derreter pela adesão ao bolsonarismo, as polícias mais ainda, como grandes forças de opressão à maior parte da população, recebem apoio da cada vez menor classe média de de uma classe alta que sempre adorou apoiar as forças de repressão a pretos e pobres que protegem seu patrimônio contra as hordas bárbaras que produzem sua riqueza.

Mas além da perda de apoio, para cada militar que arrota golpe, outros tantos sinalizam que preferem desembarcar do golpismo para tentar a sorte em outra canoa. Por amor ao país? Não, por medo da lama na cueca.

A fala de militares ameaçando as instituições são para atiçar o cagaço monumental que especialmente a esquerda tem das Forças Armadas, mas inspiram pouca confiança na própria força e alertam mais para sua fragilidade.

A ocupação em massa de militares do Exército em cargos de confiança no governo exṕlica a desenvolvura golpista de parte das Forças Armadas, mas as dissensões públicas dos comandos em episódio recente, a visita do comandante do Exército ao Piratini e até o corajoso discurso do general sem tropa presidente do STM ameaçando golpe se Lula for eleito explicam mais o mato sem cachorro que as FA vivem do que o contrário.

Pujol e cia lá atrás saíram para tirar o próprio da reta, mas significaram que vários tiraram o seu da reta com eles, o foco do golpismo e do bolsonarismo ficou com os militares da reserva e da ativa que bancaram Pazuello e escreveram uma notinha contra o Senador Aziz ontem.

Mas o mais importante é que golpe não só se constrói, mas se dá. quem pode dar golpe dá o golpe, quem ameaça quer ganhar tempo, e tudo o que o Bolsonarismo e as Forças Armadas pró-Bolsonaro não têm é tempo.

Para começar a elite empresarial e a imprensa já escolheram seu campeão: Eduardo Leite.

E com um campeão, com mais de um ano para construí-lo, o que se busca é primeiro ocupar o espaço que Bolsonaro deixará e em segundo lugar é ameaçar Lula à vera com a ampliação das dificuldades de acordo deste com a elite econômica.

E haverá espaço para ocupar o lugar de Bolsonaro? Será uma imensa surpresa se Bolsonaro chegar na eleição de 2022 capitaneando o vacinoduto que tem novos capítulos todos os dias e expõe inclusive as Forças Armadas à lama de uma corrupção que eles juravam que só a esquerda tinha em seu interior.

O recibo do Ministério da Defesa com uma ameaça de golpe para se defender das denúncias de corrupção que chegam cada vez mais perto de Braga Netto só faltou ter CPF na nota.

General também lê jornal, as tropas também vêem TV e tem que ter uma suspensão da descrença enorme para acreditar que ninguém sabia que às barbas milicas  dançavam pedidos de propina, e isso em um governo cujo presidente tem um histórico de denúncias de peculato a partir da rachadinha, funcionários fantasmas,etc.

Para piorar, família de soldado também morre de COVID, com cloroquina e tudo e com mais de 500 mil mortos é cada vez menos provável que as tropas passem ao largo da mortandade que causa o governo que não compra vacina, mas quer ganhar propina em cada compra.

O resultado catastrófico na economia, que só beneficia os muito ricos e a possibilidade nada remota de derrota no primeiro turno em 2022, a ponto do campo neoliberla achar que dá para Leite entrar no jogo, fecham a tampa do processo que provavelmente chegará ao impeachment de Jair.

Isso tudo explica o derretimento de Bolsonaro, a ausência de condições objetivas para um golpe, a falsa unidade militar em torno do governo e a incapacidade de tornar os 25% que ainda apoiam Bolsonaro uma força capaz de dar um golpe de estado.

Mas existe o problema real que os 25% que apoiam Jair podem protagonizar a partir do momento em que se percebe a derrota. E não, não é uma invasão ao Congresso nos moldes trumpista,s isso ai seria a burrice mor que nem o mais estúpido Heleno é capaz de cometer, mas a colombianizaão do Brasil, com acirramento dos ataque à esquerda, a lutadores e avitistas do meio ambiente, direitos humanos e liderançãs populares, inclusive as da direita.

Porque o processo de aumento da violência política não existe nem a unidade das Forças Armada,s menos ainda as das política,s não faltam soldados das cada vezs mais espalhadas nacionalmente e presentes milícias para agir em nome de um projeto de poder que sempre parte da ausência de ordem e é sócio atleta da desestabilização.

É no domínio da arte da desestabilização, da violência política e da construção do caos que Bolsonaro e o Bolsonarismo prosperam.

Não reconhecer a derrota em 2022 é um problema cada vez menor, sendo que a possibilidade de Jair não ser candidato é cada vez maior. Da mesma forma o potencial de derretimento de uma candidatura Bolsonarista torna a derrota no primeiro turno menos dependente dele e mais do desempenho de Eduardo Leite, cuja candidatura tem o mesmo programa econômico bolsonarista, mas ataca na prática os pontos frágeis do programa lulista: a questão LGBT, por exemplo.

Diante disso as forças Bolsonaristas podem optar por agir dentro de um projeto que tem menos preocupação com a eleição em sie mais na construção de um golpe real e concreto que independe de eleições e de seus resultados. Nesse sentido é menor a capacidade de organização de um golpe nos moldes bolivianos e maior a capacidade e potencialidade de desestabilização do fazer política em si, tornando o atuar no mundo democrático um risco de vida.

As ameaças cotidianas de morte a parlamentares da esquerda, em especial os do PSOL, o próprio feminicídio político de Marielle Franco, tudo isso aponta para uma rede de desestabilização que pode nos colocar em um cenário de violência política nos moldes colombianos e mexicanos para as próximas décadas.

As redes de ataque não precisam ser financiadas às claras ou correndo riscos de investigação direta e podem inclusive usar o know how da ditadura que usava financiamento empresarial para clusters clandestinos de tortura, e que espalhou pros esquadrões da morte, e hoje milícias, a forma política das máfias com um projeot político anticomunista, racista, machista e LGBTFóbico histórico.

Golpes nos moldes clássicos já foram abandonados pelas próprias elites e forças Armadas para derrubar Dilma e isso não foi à toa.

 Sem apoio externo, com cláusulas democráticas nos principais acordos comerciais, qualquer movimento golpista com tanques na rua põe em risco modelos econômicos inteiros, em que economias complexas como a nossa não podem enveredar sob risco imenso de perda de mercados.

Em um quadro que o próprio bolsonaro desestruturou a economia com uma política ecocida, genocida, com zero investimento público e sem a menor ideia de como fazer política, mesmo indireta e liberal, de fomento, é cada vez menor a margem de manobra golpista clássica em um ambiente onde o mercado já sofre sançẽos públicas, diretas ou indiretas, com perda substancial de espaço internacional.

Para piorar o cenário pro campo bolsonarista golpista, a conjuntura exige um modelo econômico de fomento ao consumo interno equilibrado com uma diplomacia presidencial , para que a economia devolva à própria elite uma manutenção da taxa de lucros que caiu com a aposta insensata no golpismo necroliberal que nos deu Bolsonaro.

Então até a aposta em Leite tem um significado de construção de uma força para além de 2022, capaz de pelo menos rivalizar economicamente com Lula e o PT. Ou seja, qualquer manobra precisa contemplar a desestabilização do cenário sem a explícita face das instituiçẽos armadas, porque a economia exige que os caminhos pro desenvolvimento dos negócios predatórios não seja mais feitos à luz do dia.

Neste cenário, o que frutifica é a lógica subterrânea da violência política com tintas milicianas e não um golpe nos moldes clássicos com tanque na rua. Esse modelo inclusive sequer precisa ter peso estratégico, ou seja, pode ser o de fundamentar mandatos parlamentares capazes de obter nichos de mercado e de domínio político que atrapalhem a democracia sme a necessidade de um golpe com um ditador lhe liderando.

É preciso atenção sim pras movimentações, mas pensando também nos modelos amplos que nos podem desestabilizar com maior potencial destrutivo que um golpe militar clássico.

Senta que lá vem História! – Exército, PM, Edson Luiz e Marielle #DesarquivandoBR #MariellePresente #NãoÀintervenção

 

Comentários a respeito de Marielle e de John

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Escrever não é fácil, nunca foi, mas às vezes é preciso.

Tentei e tento refletir sobre o mundo, com meus erros e acertos, com meus medos e ódios, com meus amores, ócios e desejos.

Sou historiador e tenho por dever de ofício uma observação que não tem o direito de negar a si mesmo a tarefa de perceber o hoje, o cotidiano e suas questões.

A gente podia dizer “Desisto, o mundo é duro demais pra nós, vou embora” e não ia adiantar nada.

Sempre existem opções, a maioria escolhe se omitir e vai se omitindo, alega que foi iludido por x, y ou z, apoia canalha aqui, calhorda acolá, lulismo, dilmãe, etc.

As pessoas apoiam sonhos vãos, por questões menores entram no discurso que desqualifica luta e ai quando a bad bate mete “lutamos, dizemos, cantamos e nada acontece. Estou com medo” porque trata política como slogan, como micareta, como clube de debate chá das cinco impotente , nefelibata, cruelmente omisso.

A gente diz “Marielle, Presente!” ou tantos juvenais e Raimundos, tantos Júlios de Santana que são cruzes sem nome, sem corpos, sem data, mas são memórias de um tempo onde lutar por seu direito é um defeito que mata.

E diz porque precisa.

Eu digo isso há tempos, digo e perco, perco a rodo, perco, apanho, choro, sofro, a opção é mole, muitos as tomam, eu nunca tomei, não consigo ficar dois anos sem lutar, por mais que eu me jogue na academia.

Mas há quem desista e fique “desesperado”.

O desespero é o pior conselheiro. O medo é um dos melhores.

Quem tem medo tá atento, quem desespera ficou anos esperando para poder desesperar.

Quem espera nunca alcança, quem desespera também não.

Pessoas morrem todo dia, todo maldito dia, muitos de nós são executados, outros são esmagados pelo capitalismo, outros tantos são destroçados por pistoleiros, outros morrem do coração, muitos de câncer.

E seguimos, e precisamos seguir, temos o dever histórico de seguir, optamos, assumimos esse dever histórico.

E sim eu fico puto com desistir e se omitir, mas essas são opções.

Desesperar também, como sair da vida sem nem sempre pra entrar pra história.

Tudo isso é opção e deve ser respeitada.

O que não dá é ler, ver e sentir que muitas vezes o discurso do desespero nada mais é do que reduzir toda a batalha do “Nenhuma a menos” ou o “fascistas não passarão” que foram cunhadas com sangue nosso, alma nossa, vidas nossas a “frases”.

Durruti morreu dizendo “Fascistas não passarão!” e não passaram, não em vão e não sem porrada. Eles perderam no fim.

E só perderam porque lutamos, mesmo em minoria, mesmo sendo derrotados depois por capitalistas que nos traíram.

Igual os Curdos em Kobane, igual os índios no Brasil ou os anarquistas em 2013.

Eu não posso desistir, eu não posso me desesperar nem posso parar e não porque  sou herói, mas porque não posso sacanear quem negou liberdade concedida, quem deu a vida pra alimentar a força da nossa esperança, não tenho esse direito, não temos esse direito.

Desculpa, não temos esse direito.

E precisamos parar de confundir esperança e mobilização com salvação nacional, idem confundir história com uma lei de repetição do passado ad infinitum.

O que aconteceu em 1968 vai se repetir? Nope.

Pode haver até ampliação da intervenção militar? Pode.

Vai haver ditadura? Não sei, acho difícil.

Por que? Porque as democracias ocidentais pós-2008 já ampliaram o estado policial sem precisar de ditadura.

Os assassinos de Marielle não foram oficialmente do Estado, no máximo membros do Estado agindo às margens, mesmo que margens conhecidas, do poder do Estado.

Há anos leis antiterrorismo, aperto nas fronteiras, negações de espaço, de identidade, de possibilidade do outro são parte do discurso mundial da direita.

Trump, Le Pen, Piñera, May, Bolsonaro, Temer, Dória, Kataguiri, todos são a negação do outro, a negação da possibilidade do outro, a desumanização do diferente, a negação da alteridade.

O capitalismo não precisa da democracia, não mais, ela é problema, atravanca o caminho.

Não acreditem em mim, leiam a entrevista do Giovanni Levi no fim do livro “Micro-História, trajetória e imigrações”, na página 258:

“Hoje o problema é ver como se pode observar a reconstrução das solidariedades, o que me parece ser interessante. Dou um exemplo disso: a democracia não é mais um modelo. Até os anos 90 se pensava que a democracia era um modelo porque havia uma participação popular e desenvolvimento econômico. Depois, paulatinamente, o que ocorreu é que o desenvolvimento se separou das democracias. Quem se desenvolvia era a China, e não a Europa, ao mesmo tempo em que os governos democráticos começaram a inventar sistemas antidemocráticos. Nesse sentido, começou a ser mais importante a governabilidade do que a representatividade. Um exemplo: a reforma que começaram a fazer na Espanha neste mês [outubro]. O partido que tem a maioria de votos não tem a maioria absoluta, tem 18% e possui maior representação na administração pública. Temos muitos partidos, mas vence o que tem um voto a mais. É a verdadeira degeneração democrática. Isto é um produto dos últimos 25 anos, e paulatinamente os modelos democráticos se degeneram bem como as democracias. “

E isso se repete no Brasil.

Tá nítido, tá na cara e vem em andamento desde o fim dos anos 2000, já em 2009 e 2009, ampliou-se o estado repressor, cada vez menos se construiu um estado democrático, já sob o PT.

É culpa do PT? Sim e não.

É porque ele foi o condutor da primeira fase, mas o processo é mundial pós-crise de 2008 (E até de antes) e o PT como bom leitor de conjuntura e seguidor delas fez sua parte nessa construção e deve ser cobrado por isso.

Temer é fruto disso, é parte disso, um agravador disso, mas um agravador oportunista, que inventou a intervenção no Rio sem respaldo sequer dentro das forças policiais e armadas, por mais que o teatro tenha sido feito para parecer que sim.

A intervenção foi feita inclusive com pouco apreço pelo bom senso com o fichamento coletivo de moradores de comunidades, fruto de um despreparo, falta de planejamento alinhado a um conceito de povo e de ameaça muito mais pra anti-comunista demente que pra força armada cuidando de algo.

A execução de Marielle foi feita sob as barbas do Exército, que despreparado da mesma forma em que foi todo arrogante pra cima da ação, mesmo que com cisões internas, ignorou o concreto, o real.

E o concreto costuma tratar arrogância com escárnio.

O Estado foi pego de surpresa com a execução de Marielle Franco e com o recado embutido na execução de Marielle Franco.

O Estado ignorava a luta por Direitos Humanos e o discurso de luta por direitos Humanos, surfando na onda de quem defendia que Direitos humanos são defesa de bandido.

Só que mataram uma vereadora e o discurso de Direitos Humanos foi executado  sob as barbas dos que defendem que iria ocorrer maior segurança com uma linha dura militar que pretendia inclusive evitar novas comissões da verdade e surfar na carta branca para agirem como soldados em guerra em território estrangeiro.

A segurança sob militares tomou cinco tiros na cabeça.

E isso foi um recado, um recado que foi dado pros ativistas da favela, pro povo preto,  lutadores de DH, pra Marielle e pro PSOL de forma nítida, cristalina e arrogante, e era um recado pra causar medo, mas o resultado foi inverso,  porque o medo de alguém morrer meio que vai pro espaço quando alguém morre.

A própria cadeia de comando que possa estar envolvida em ações criminosas deve ter ficado perdida, correndo da sala da cozinha porque um grupo de jênios resolveu matar uma vereadora negra contra a Intervenção no Rio.

O recado também foi um recado indireto que foi dado pras Forças Armadas, que não soube responder.

A ação da Polícia Civil antecipando que foi execução e não há outra hipótese é um berro , um grito claro que o aparato de segurança do Rio está rachado e que a PC não quer amaciar pra PM e menos ainda curtiu virar assessor de milico.

A sugestão da PF pelo inepto do Jungman foi um tímido, incompetente e tímido, aceno que o governo iria meter as mãos no caso pra tentar salvar sua barra enquanto interventor, mas isso sem passar pelo Interventor em si.

Um Interventor que está em estranho e absurdamente omisso silêncio.

Ou seja, o caso levou a uma desmoralização gritante da intervenção, não à toa jornaleiros estão tentando emplacar o agá que a execução prova o acerto da intervenção, uma Intervenção cujo interventor não se posiciona diante de um flagrante caso de zombaria a seu poder e de sérios problemas na cadeia de comando.

Um general comanda uma Intervenção onde ocorre uma execução e quem fala é um subordinado, afinal o chefe da PC é um subordinado do general enquanto secretário de segurança?

Quem fala pelo comandante é ou seu porta voz ou ele mesmo, um subordinado significa que o comandante não comanda.

Um comandante militar que não comanda e não responde a um recado. mas uma esquerda que prontamente respondeu: Vamos pra cima e com medo mesmo!

A execução de Marielle levou a uma mobilização que a esquerda não fazia há anos.

Gente como eu foi às ruas mesmo desencantado há anos, voltou e voltará a militar exatamente porque percebeu-se acuado diante de uma perda completa de controle por reacionários, defensores de polícia violenta,etc.

A mobilização tem muita gente jovem, muito oportunista, muito sonho, muita gente que sabe que ou luta ou roda.

No que vai dar isso? Não sei, mas o clima azedou pra defesa do Bandido Bom/Bandido morto e pra quem chama esquerdista de safado o tempo todo em rede social ou no dia a dia.

E por que azedou? Porque nos percebemos gente de novo, que precisamos de abraços e cuidado, porque mulheres pretas pobres se viram mortas com suas filhas e filhos desamparados,porque um motorista de Über fazendo bico porque sua esposa estava com salário atrasado pelo Governo do Estado foi executado, porque a Maré chorou,o Alemão chorou, o Guabiroba chorou.

A morte e o luto são fronteiras, são pórticos que nos exigem um tipo de atitude, uma ação e uma percepção do mundo, uma contemplação da finitude para que mudemos a vida.

A sociedade está de luto. Mesmo quem discordava de Marielle.

Não ficou em pé a narrativa, nenhuma narrativa que culpa a vítima e seu partido por sua morte, nem  a tentativa de dizer que foi assalto, quem defende isso está passando por canalha.

Liberais saíram da toca também, o Estado Democrático de direito voltou a ser defendido.

Ninguém faz pauta positiva sobre vereador do PSOL nos Jornal Nacional, da Globo ou Jornal Hoje porque quer.

Menos ainda nos sites, menos ainda nos púlpitos, ONGs.

Um limite foi ultrapassado e para além dos 100 mil de 1968.

Edson Luiz era um estudante, podia ser seu filho,mas e Marielle Franco?

Tem uma diferença entre Edson Luiz e Marielle Franco que universaliza o medo pânico,  tira liberais e até conservadores da cômoda posição de achincalhadores de socialistas e os impõe a defesa do Estado Democrático de Direito.

A diferença é que Marielle era uma vereadora, podia ser o do seu partido.

A esquerda estava isolada, nas cordas, quase nocauteada, vivendo da busca por um salvador da pátria, vivendo sob uma martirização fake de um ex-presidente cúmplice de oligarquias bandoleiras. Agora não está mais.

O luto e a dor colocou a esquerda na rua, para se abraçar, lamber suas feridas, se reconhecer, se reentender e sua rede de solidariedade e seu ethos que está acima das disputas fratricidas por maioria em partidos, por candidaturas ou discursos.

Em nome disso discursos mudaram, ganharam ou perderam força.

O discurso de Lula perdeu força e fôlego, o próprio Lula admitiu que a tragédia de Marielle é uma tragédia, a dele não.

Já o discurso de Freixo e Boulos ganhou força e fôlego.

Querendo ou não o PSOL ganha com seu discurso e tem material intelectual, moral, e político pra discutir a principal pauta da eleição de 2018: A segurança.

A economia era um tema que divida atenções, e é um ponto fraco do PSOL, mas a execução da Marielle mudou o eixo, colocou ou pelo menos ampliou a segurança no colo de todos os presidenciáveis.

E armar mais a polícia não é exatamente a melhor saída em discurso, imagina defender mais armamento pra polícias que matam vereadoras?

A narrativa, por mais que amanhã inventem outro culpado, aponta pra policias como executores de Marielle, as balas vieram de um lote comprado pela PF em 2006, lote este que também teve munição usada na chacina de Osasco e Barueri em 2015 , onde três policias militares foram condenados.

Esse estrondo na narrativa de segurança pública como um terreno de armas e guerra, que abrange basicamente toda a direita, de Alckmin a Bolsonaro, não é pouca coisa.

Quem não se mexer com  o discurso nessa área, em que a defesa de que estamos em “guerra Civil” aponta pra ampliação da violência nas favelas e vilas,  vai dançar.

Porque todas as vilas, Favelas estão vendo o resultado de uma política de confronto eterno e de policias montadas no discurso racista de de criminalização da pobreza.

Marielle era uma deles, era uma das moradoras de favela, periferia, era preta, era mulher, era alvo.

Pretas e mulheres, mulheres pretas, sentiram na alma essa dor.

E Marielle foi além de si, foi além de nós, tomou as lentes, a mídia, os discursos, seja da Raquel Dodge ou da Yeda Crusius do PSDB, seja do Parlamento Europeu, ela e seu discurso forma além da esquerda, além das fronteiras do Rio e do Brasil.

O discurso de Marielle percorre o pais e o mundo, jornais o explicam, e esse discurso tem uma galera que o repete há anos: Seu partido.

E um partido onde um líder do movimento dos Sem Teto e uma índia são candidatos a presidente, em que lutadores com discurso igual ao de Marielle Franco vão todos os dias pras ruas defender a mesma ideia.

Quem era antes alvo achincalhado por reacionários crentes de uma superioridade sustentável, hoje desfruta de um holofote e percepção prioritária de pertencimento a um valor compartilhado positivamente por milhares, milhões, mundo afora, país e Rio afora.

Até participantes de You Tube vão falar disso agora, vários, com milhões de seguidores, estão se mobilizando pra tratar do trema em uma ação anti reaça.

Sabe o Rogerinho do Ingá? Vai gravar vídeo sobre política.

Parece que o jogo virou, queridinha!

Alckmin, Doria, Bolsonaro estão em silêncio, alguns estrategicamente, porque iriam ser confrontados com os números de sua polícia, outros por incompetência, medo, soberba ou tudo isso junto.

Seus bots estão tentando emplacar o discurso que foi assalto, mas perdem a olhos vistos a narrativa.

É hora da pauta ser mantida com a junção de suas singularidades e  transversalidades com a economia, moradia, educação e saúde.

É preciso consolidar o esforço de discutir o estado democrático de direito, sua polícia.

E sim, é preciso falar de polícia, falar da polícia que mais morre e mais mata, da polícia que se acha herói, mas é bucha de canhão.

E que sim é pra pedir o fim da polícia militar e que isso não é pedir o desemprego pra policiais militares, mas o fim de uma corporação que apodreceu por nascer de árvore envenenada de racismo.

Policiais precisam saber que eles precisam também viver e que a lógica de guerra os mata tanto quanto eles matam e é preciso que eles sejam cidadãos, civis, empregados, treinados, com suporte psicológico, técnico-científico,estrutura de inteligência, moradia, alimentação, equilíbrio físico e mental para exercer sua tarefa.

A esquerda precisa enfrentar este debate com clareza e chamar quem diz que defendemos bandidos pelo nome: Mentiroso canalha.

Defende bandido quem defende a manutenção de uma estrutura de depauperação do trabalho policial que é criadouro de milicianos.

Defende bandido quem defende que a polícia permanece despreparada e ganhando mal, mas mega armada, pra satisfazer sadismos de parte da população que vive com um medo construído cotidianamente por jornais, sites e políticos que lucram politicamente, e às vezes não só, com o acirramento e uma cultura de guerra racista e que divide estados em territórios e mata vereadoras.

E sim, dá medo. Mas é preciso avançar.

Tá com medo? Vai com medo mesmo.

Nova Ditadura? Não há nada que me identifique isso, embora exista sim uma ampliação dos mecanismos de controle estatal sobre o indivíduo, mas isso existe desde sempre e nem sempre virou ditadura.

Mais precisamente a ideia de uma identificação do cidadão pelo Estado, o famoso RG, é fruto da amplificação do estado autoritário desde o fim do XIX, em todo o mundo pipocaram ditaduras, mas nem sempre ocorreram ditaduras, mesmo em estados como os EUA que tem imenso controle sobre o indivíduo.

Isso reduziu de tamanho dos anos 1950 até os anos 1980, mas voltou a acirrar e hoje vive novamente uma espécie de ápice do estado policial.

E esse estado policial no Brasil era a base com que se sustentava o discurso ultra-conservador, mas parte de quem lucra com ele atravessou o rubicão.

Hoje o clima mudou e pro lado da esquerda, é preciso aproveitar isso, sem precisar se oportunista, mas ampliando nossas pautas e nossos debates.

Eu sei que o tempo andou mexendo com a gente, que a felicidade é uma arma quente.

Mas é preciso que a gente grite que queremos decidir sobre nossas vidas e que não podemos perder mais ninguém.

E Marielle lutava por isso, morreu lutando por isso, e nos deixou o legado de sua luta.

E é preciso que a gente faça o sol nascer e sempre lembremos dela e dessa legião que se entregou por um novo dia.

É preciso que a gente cante e agradeça sempre essa mão, essa voz, essa alma calejada e solidária, todas essas almas calejadas e solidária,s que nos deu tanta alegria.

Porque a felicidade do negro é uma felicidade guerreira.

 Obrigado, Marielle!

Assim como na educação, a crise na segurança pública também é um projeto

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Segurança pública no Brasil, como na educação, sempre foi um tema onde se fala muito um jogo de jargões pavoneados e pouco se estabelece um tipo de projeto concreto de organização de alguma coisa dignamente chamável de organização.

Nem pela direita, nem pela esquerda quaisquer projeto de segurança são manifestados de forma inteligente, organizada, nada.

A direita brande o “Bandido bom é bandido morto”, a esquerda o “Fim às prisões e legalização das drogas” e no meio de ambos o Rio do Caos segue tranquilo, in tocável, rumo ao destroçamento da ideia de estado democrático de direito.

Claro que existem pesquisadores e proponentes de projetos de Estado de segurança em todos os espectros ideológicos, mas nada, nenhum sobrevive ao cotidiano da ausência de projetos de Estado por partidos e organizações do teatro político brasileiro.

Nem quando a esquerda aponta corretamente pro fim da PM e reorganização do sistema de segurança pública sob a ótica da autoridade civil se tem projeto concretamente, salvo um Rolim aqui e ali.

Partido nenhum discute nem com a sociedade, nem com a academia, quaisquer projetos de segurança pública aceitável.

Não temos política de ronda, não temos política de inteligência, de ciência forense, de ocupação das ruas, de relação com as comunidades, de produção de mecanismos de investigação decentes, de estabelecimento de um ethos aceitável de cuidado com o lado criminal do estado democrático de direito, nada.

A direita propõe execução sumária com hiper potencialização do policial, a esquerda reage a isso e nem um nem o outro lado apontam qualquer mísero sinal de um projeto nem de genocídio nem de organização do estado policial com o fim da guerra às drogas.

Vejam bem: até o “Bandido bom é bandido morto” é um projeto de genocídio sem projeto, é um genocídio arte, moleque, que não respeita tática e vai na vibe da intuição do genocida.

Assim como na educação se perde um minuto pra dizer “Precisamos valorizar o professor” como se isso fosse mais do que a obrigação e se tornasse um projeto de educação, a esquerda aponta pro “precisamos valorizar o policial” como se  isso bastasse.

Da mesma forma o fim do penalismo, uma baita ideia, se perde numa discussão bizantina sobre ausência completa de penalidade aos crimes sem sequer projeto de transição entre o modelo atual e o que se defende.

Porque pra administrar o estado precisa sim ter pragmatismo, só que isso é confundido com negociata pra conquistar base parlamentar e não como ferramenta de estabelecimento de medidas práticas para a execução de iniciativas baseadas em ideias.

Eu também quero o fim da PM, mas se isso não é dito que é o fim da instituição  Polícia Militar com a absorção dos policiais em um modelo civil com transição, treinamento e superação de problemas, como queremos que os PMs entendam e aceitem?

Porque eu tenho plena certeza que chega próximo a zero o número de policiais que defende a permanência da Polícia Militar defende isso porque acha que o modelo militar é melhor, mas deve chegar perto de uns 90% o número destes mesmos policiais que acreditam que a defesa do fim da PM é a defesa de todos na rua e ausência completa de polícia, para a alegria dos boateiros reacionários e amantes das milícias e políticos ultra-reaças.

Da mesma forma que quem ouve “Legalização das drogas” acha que legalizar as drogas e é por pra vender cocaína em loja de doce.

E como superar isso? Primeiro assumindo o debate sobre segurança e indo além desse papo reducionista. Segundo é tirar os dois bodes da sala.

A unificação das polícias é provavelmente menso importante que o estabelecimento de um sistema de segurança concreto, com controle social, cadeia de comando, inteligência e ciência forense.

A legalização das drogas é um problema de segurança porque a guerra às drogas é a única política de segurança hoje, uma política sem plano. sem projeto, muito ruim e que não pode pautar o debate que vai além da segurança e tem a ver com liberdades e direitos civis de uso de substâncias por parte de indivíduos adultos, saúde para os que abusam e organização tributária para absorver a produção relativa à demanda.

A legalização das drogas é tirar as drogas do mundo da segurança pública.

Então, pra crise da segurança pública, e da educação, deixarem de ser projeto é preciso um outro projeto, ou outros projetos para a sociedade, é preciso iniciativa política pra isso, de partidos, universidades,etc, senão fica nesse papo brabo e nada se resolve.

Tem partido gritando contra a intervenção militar? Parabéns!, então mexe a bunda e propõe um projeto de sistema de segurança pública ou inicia um plano de debate que envolva as instituições e proponha um plano minimamente consensual de gestão.

Idem pra educação. Tem que discutir que educação queremos, que tipo de teoria a embasa, que cadeia de comando precisamos produzir e que tipo de estudante queremos que saia do sistema.

Sem isso o que temos é chilique.

 

 

 

 

 

As esquerda e o Teatro dos Vampiros

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Entre as certezas e as pseudo-problematizações (que não problematizam porra nenhuma porque ignoram uma caralhada de detalhes do que pretendem analisar) o que mais me impressiona é a percepção que a esquerda tá atônita e imóvel.

A conjuntura tá mais confusa que roteiro do David Linch, aponta pra uma puta merda em torno da consolidação de um ethos autoritário e tal e coisa e carambola, com esgarçamento de pactos sócio-comunitários de solidariedade e tal, mas há brechas visíveis de enfrentamento a isso tudo, inclusive a Temer e sua gangue. Janot faz movimentos, Carmen Lúcia idem, mas esses movimentos isolados não levam a nada sem pressão popular.

Há, claro, gente nas ruas, especialmente no Rio, há o quadro do ES onde a esquerda não interfere no âmbito do discurso, não disputa discurso, mas pouco mais que isso.

No RS e RJ por mais que o funcionalismo fosse à rua e apanhasse da PM foram extintas autarquias e secretarias chave e vão ser privatizadas em nome do ajuste fiscal a CEDAE e a CORSAN, que acho que são o carro chefe da onda nova de privataria, a água,.

Faltou o resto do povo, faltou mais gente, faltou ir na direção, e não contra, o povo que foi às ruas e não era exatamente o povo mais reaça.

Mas a esquerda optou pela relação de consciente imobilidade, acreditando em uma salvação via eleição em 2018, como parou tudo acreditando em uma vitória em 2016, que não veio.

As análises de conjuntura não contemplam a conjuntura, as realidades, não analisam pesquisas, nada.

Temos uma séries de sinais, signos, representações e discursos em confronto e em curso, confrontos esses que por vezes dão vitórias à esquerda.

Familiares de PMs ocupam a frente de quartéis e parte da esquerda preocupa-se mais em “denunciar” as contradições existentes entre a repressão às ocupações de estudantes e a tolerância com a de familiares de PMs do que a de colocar de forma séria como a direita usa as táticas da esquerda em nome de suas necessidades e o quanto esse debate deve ser feito para que essa direita não criminalize os atos da esquerda.

Ou mesmo dialogando com esses familiares e seus amigos e parentes sobre o quanto o PM ali, que é representado pela família, é tão humano e tem necessidades quanto o estudante e que não, o estudante não é vagabundo, apenas está lutando por suas necessidades assim como eles pelas suas.

Precisamos apoiar os PMs e suas manifestações? Não sei, hoje eu não apoiaria, mas mostrar a seus parentes o quanto eles são injustos com quem luta do outro lado é um caminho de pelo menos criar grilos nas cucas.

As denúncias a fascistas e racistas, misóginos e homofóbicos às empresas, a própria denúncia de empresas por misoginia, racismo,etc tem criado marketing negativo e demissões de preconceituosos, cria um ambiente onde se vê que a punição pode ser pecuniária e de imagem, onde quem sofre as punições tem a oportunidade de refletir, e empresas idem.

Essa tática é uma tática que vem dando pequenas vitórias às lutas anti opressões, mas o que faz parte da esquerda com elas? Reclamam que elas por vezes dão visibilidade aos reaças.

A mesma preocupação não aparece quando se fala em Bolsonaro ou Bolsominions.

Blocos de carnaval por debate entre os foliões de fé, aqueles que vão sempre, abolem cantos racistas e homofóbicos e misóginos de seu repertório e em vez de reconhecermos isso como avanço, que poderia se espalhar para outros blocos a partir do momento em que foliões se incomodam e discutem isso com seus pares, parte da esquerda acha muito ruim um tal de pós-modernismo que só existe no discurso dela.

As análises de conjuntura passam pelo capitalismo, mas não falam da economia e suas mudanças com Trump; Passam pelo Superbowl,mas não fala da cultura pop cada vez mais combativa em relação a direitos humanos,etc; tratam da economia e auditoria da dívida, mas não trabalham com a capilarização do debate sobre economia, ecologia e necessária descentralização do poder como um todo.

Perde-se mais tempo ensinando padre a rezar missa sobre a Globo que perceber que um determinado debate feito a partir da globo penetra em camadas de discurso e cultura popular que nunca tivemos como fazer antes (Além de deixar claro que existem realizadores até na Globo que confrontam determinado discurso conservador).

Enfim, estamos em um momento de imobilidade estéril, broxa, de uma esquerda que se pretende super intelectualizada, mas no máximo é bibliófila e papagaio de autor, que pouco se encoraja pra um debate teórico de fôlego, que inclua ortodoxia e heterodoxia, que vá a fundo na análise do real e na busca de organização.

A esquerda é espectadora de uma luta política onde caminhamos pra uma instrumentalização do autoritarismo a partir da louvação da influência do exército como polícia cotidiana e lastro moral da sociedade.

Em uma perspectiva que analisa Hobbes como pai do fenômeno de entrelaçamento dos conservadores com a violência, autoritarismo e repressão em nome da manutenção da ordem: A esquerda até sabe que o homem é o lobo do homem, mas esquece que ele também pode ser o bom selvagem, e ai compra o discurso do Leviatã, largando o pacto social na mão.

A esquerda comprou o discurso hobbesiano, mas como ele entra em confronto com uma série de elementos de seu próprio ethos ela entra em tela azul.

E nesse quadro é tolice esperar vitórias eleitorais e temeridade não se preparar pro pior.

E em uma realidade onde reforma do ensino médio empala a disciplina de história, chega a ser irresponsável esperar 2018 para resistir.

Há tempo de tentar diminuir o prejuízo que pode levar a sociedade a um quadro de perda de décadas de conquistas e de avanço no discurso anti-conservador, mas para isso esse tempo precisa ser usado.

Esse é o nosso mundo, já dizia Renato Russo, o que é demais nunca é o bastante e a primeira vez é sempre a última chance.

Cada vez mais o que temíamos avança: O germe do fascismo perdeu a vergonha, mas a Esquerda pensa em 2018

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Morreu um estudante! Podia ser seu filho!

Primeiro “ativistas” pelo impeachment atacavam quem usava vermelho e ironizávamos faixas e cartazes pedindo o “fim do comunismo” ou “intervenção militar constitucional”.

Depois atrizes, atores, cantores, professores começaram a ser agredidos verbalmente, ou até fisicamente, nas ruas e nas redes sociais.

Ontem um pai matou seu filho, pois o jovem participava de movimentos sociais e apoiava as ocupações contra a PEC 241/55.

Os comentários nas notícias a respeito do homicídio culpam a vítima, como sempre, pelo crime, pois o pai perdeu a cabeça depois de ter perdido o filho “para a doutrinação comunista nas escolas”.

Hoje manifestantes ocuparam o plenário da câmara com palavras de ordem pelo “fim do comunismo” e “por intervenção militar”, e quando foram retirados com muito mais gentileza do que qualquer servidor público que ocupou algum plenário de câmara ou assembleia legislativa jamais recebeu., foram aplaudidos e recebidos aos gritos de “Patriota”.

A cada dia aumenta o grau de violência contra Transgêneros e LGBTs, ontem uma ex-candidata a vereadora transgênero e de esquerda sofreu um atentado e quase foi assassinada.

Todos os dias aumentam o grau de notícias sobre feminicídio e homicídio homofóbico.

Mas a esquerda discute 2018.

Trump eleito nos EUA, Le Pen assanhadíssima, direita britânica ganha protagonismo no BREXIT.. Mas a Esquerda pensa em 2018.

Cada caixa de comentário é um drops de barbárie, um teaser do cotidiano, os jornais e jornalistas ignoram, ou fingem que ignoram, e transformam todas as manifestações em vandalismo, exceto as que interessam, como as pelo impeachment de Dilma.

Fascistas crescem entre os eleitores, crescem como elemento crucial do cotidiano cultural. Seus termos e palavras viraram moeda corrente nas escolas, entre pais, nas ruas, na padaria.

Naturaliza-se a morte de um jovem porque o pai é anti-comunista.

E a cada aplauso que os Bolsonaro recebem, cada apoio, cada uso por PMDB e Tucanos dessa malta de extrema-direita pra consolidar seu poder, momentâneo, no governo, e esse germe cresce.

O anticomunismo de almanaque, inflado por Veja, Reinaldo Azevedo, MBL, torna-se algo mais perigoso do que patético.

O antipetismo, o “vai pra Cuba”, são todos primos da bala que matou Guilherme Irish.

O Escola sem Partido é a arma que mata Guilherme Irish todos os dias.

O combate “à ideologia de gênero” é a mancha de sangue nas mãos de cada comentador, cada prefeito eleito, cada vereador, cada imbecil homicida que se esconde por baixo das letras em caixa alta nos portais e ri como psicopata pra sublimar suas neuroses.

Mas eles não ligam e a Esquerda pensa em 2018.

Desde 2003 existem denúncias sobre MV-Brasil, Olavo de Carvalho, Rodrigo Constantino e o avano de uma extrema-direita organizada em torno de falsidades, de distorção, homofobia, machismo, misoginia, mas a Esquerda estava satisfeita no governo e se aliou ao PMDB, e tirou a esquerda não apartidária das ruas.

Ontem morreu Guilherme Irish, assassinado por seu pai, um imbecil reacionário, um estúpido, uma distorção da existência incapaz de entender minimamente qualquer coisa que não fosse a violência.

Hoje invadem a Câmara dizendo que este congresso é “comunista” e promove uma “ditadura comunista” e pedindo “intervenção militar”.

Não é coincidência.

Menos ainda é coincidência a canalhice de Temer e Folha de São Paulo vinculando este protesto fascista com os protestos de servidores estaduais no Rio de Janeiro.

Ainda dá pra tentar reverter isso, mas a Esquerda pensa em 2018.

Do Impeachment ao stalinismo: A ampliação do silenciamento de mulheres, LGBT, Negros e índios

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O Brasil passa por milhares de problemas hoje.

Pós-impeachment de Dilma ele acrescentou a uma crise econômica gravíssima dentro de um contexto mundial, um nível de ruptura institucional complicadíssimo pra quem vive a luta institucional.

Acrescente a ampla descrença no sistema político brasileiro que vem em um crescendo ao menos desde 2013 um avanço de conservadores, amplifique com desconfiança tácita em todos os partidos, um judiciário ativista com flexibilidade ética, um governo interino ilegítimo e uma esquerda imobilizada, voilá, temos um caldeirão pronto pra requentar o caos.

Pra piorar o governo ilegítimo acha que o impeachment os legitima pra uma guinada de 180º na linha política já tímida do governo anterior em relação a direitos e a esquerda partidária pira na batatinha endossando o que o Governo Dilma e o PT mais querem: A irreflexão sobre os anos de concessões que pavimentaram o golpe transformada em apoio acrítico, recheado de pânico, ao Partido dos Trabalhadores como se um golpe fosse uma espécie de morte, que a tudo santifica.

É de um lado Alexandre de Moraes afirmando que usará a lei antiterrorismo pra meter a porrada em manifestante e quem criou a lei antiterrorismo e foi cúmplice de violência contra manifestante na copa e sócio do agronegócio no ataque a indígenas dizendo que são lados opostos, porque Dilma foi apenas péssima em DH, enquanto Temer é o horror.

Só que tudo fica mais pantanoso e até leviano quando nos pegamos lendo atitudes que envergonharia a esquerda se essa não tivesse perdido a noção de ética e do que é nossa moral em relação à da burguesia faz tempo, nessa marcha de naturalização do Stalinismo como se fosse pragmatismo e da secundarização de lutas como se fosse “foco na Luta de Classes”.

Bem, o PT e parte da esquerda partidária não satisfeitos em mimetizar a mídia corporativa para atacar Temer, como se precisasse, também está utilizando o momento crítico pra fazer uma caça às bruxas a toda a esquerda que atuava nos movimentos ampliando as pautas e exigindo mais direitos, especialmente os movimentos calo pro PT e governo como LGBT, Mulheres, Negros, Índios, Trans, etc.

Além do clássico “Não é hora de criticar o PT” temos agora o “Essa galera que problematizava turbante, essas ‘‘feminazis’’ são também participantes do golpe!” e variações da ladainha numa ressurreição do movimento de criminalização de ativistas produzido em 2013 que chegou ao ponto dos MAV do PT espalharem fotos fake de anarquistas empunhando bandeira nazista, foto manipulada por Photoshop que apagou o A anarquista e pôs a suástica.

Pra completar ninguém da esquerda partidária faz a mínima autocrítica sobre sua participação na criminalização de anarquistas e autonomistas feitas de 2013 pra cá, e não só, atua pra aparelhar as ocupações de escolas e transformar todo movimento de resistência a Temer em parte da “Frente Povo sem Medo”.

Se juntarmos o avanço de silenciadores secundarizadores de luta tentando silenciar mulheres e negros com o aparelhamento da indignação não é difícil entender o que temos pela frente: além da luta antifascista, que não recebe um pingo de ajuda dos partidos da ordem como PT, PSOL e PSTU, ainda temos um avanço de uma concepção stalinista de esquerda que é um avanço autoritário terrível para a esquerda.

E sim, esse momento contém mais perigos do que podemos imaginar. O avanço do Stalinismo dentro do campo das esquerdas naturaliza o autoritarismo como solução.

Some a contaminação autoritária da esquerda à ampliação do caudal autoritário na sociedade como um todo e o resultado não é exatamente cheiroso.

Se a esquerda é autoritária e a sociedade também é não há Chapolin Colorado que nos salve.

Em tempos onde escolas ocupadas sofrem ataques violentos de estudantes financiados pela direita para agredir quem as ocupa é perigosíssimo transformar quem deveria resistir a isso em espelho.

A complexidade dos problemas e da conjuntura exige mais do que uma reação dura aos ataques conservadores, ela exige uma reação qualitativa ao avanço do conservadorismo.

Não precisamos e nem podemos responder autoritarismo com flores, mas também não precisamos ou podemos responder ao conservadorismo com autoritarismo centralizador, silenciador e até misógino e racista.

É nessa hora que precisamos entender a diferença entre nós e eles. E ela não é só de um suposto lado que ocupamos e arbitrariamente definimos como se fossem uma manifestação binária maniqueísta.

A diferença entre nós e eles é também de valores, de busca de abolição de hierarquias, classes, fronteiras, opressões.

E não, isso não é sonhador, isso é identitário, estruturante.

Não podemos manipular manchetes pra desqualificar Temer, não precisamos disso, temos a defesa dos DH e a luta contra sua violação como tarefa, e isso já dá um enorme caldo pra batermos no governo ilegítimo.

Não, não precisamos sacanear movimentos autônomos ou a luta contra o silenciamento, debatedora do lugar de fala, e contra a apropriação cultural racista pra supostamente focar na luta de classes sufocando “desvios”, porque a luta anti racista e contra privilégios,misoginia, machismo e homofobia SÃO A LUTA DE CLASSES.

E também não precisamos fantasiar o governo Dilma pra chamar Temer de um horror.

Essa é inclusive a hora de E-XI-GIR do PT uma plataforma de real guinada à esquerda, uma reversão programática do que vinha fazendo, concretizando promessas jamais cumpridas, isso pra começar, e não para agirmos como esquerda domesticada pronta a servir o tutor do Campo da esquerda na hora em que ele precisa, mesmo sem merecer uma linha de confiança.

Precisamos inclusive entender que as fragilidades do governo Temer tem tudo pra miná-lo mais cedo do que a imprensa encantada com o governo reaça deseja e sequer percebe. E que essas fragilidades fatalmente porão de novo o PT no governo, ou ao fim de 180 dias ou em 2018,mas que recebendo endosso ao que foi Dilma baseado numa espécie de amnésia causada pelo pânico teremos a continuidade de governos terríveis pra DH, meio ambiente, indígenas, favelados, etc..

Não basta, portanto, resistir a Temer, derrubá-lo, precisamos também derrubar no PT o que levou Temer a ser presidente ilegítimo.

E não faremos isso com silenciamento e adesão acrítica, precisamos de mais e um bom começo é saber que nossa moral e a deles não é a mesma.

Porque o samba é pai do prazer, o samba é filho da dor: Sobre o impeachment

SAMU-27402014

Não pretendia escrever hoje. Primeiro porque pretendia fazer um texto mais racional sobre o impeachment e o quanto ele significa de derrota pra todos nós da esquerda.

Segundo porque analisar as coisas com algum tipo de cabeça quente nos leva ao serros e analisei muita coisa recentemente e acho que poderia ser útil reavaliar as análises e tentar entender onde errei.

Mas todo o processo de impeachment, todas as declarações, o anticomunismo de almanaque, o racismo, a misoginia e o elogio aos torturadores e a 1964 deixaram o gosto amargo de uma derrota coletiva que marcará mais do que deveria a todos nós de esquerda, partidária ou não.

Porque o que tá acontecendo hoje é terrível pra todos minimamente alinhados com a esquerda, partidária ou não.

O desfile do Brasil diante da TV, o Brasilzão construído e estabelecido por três séculos e meio de escravidão, cinco séculos de autoritarismo hiper hierarquização, divisão étnica radical, pouco ou nenhum respeito aos direitos humanos, demonstrou o caldo de chorume que não derrotamos em 2003 e que voltou com força total de 2014 pra cá.

Não, não vou cair na lenga lenga do “pior congresso da história do país”, primeiro porque não é, segundo que esse congresso foi eleito em sua maioria com base nos acordos que quem repete este bordão patrocinou com votos baseados na política do medo ou nos votos “críticos” que esta angariou.

Mas vou cair na lenga lenga de que assassinamos a pauladas uma chance e tanto de sustentar neste país uma revisão drástica do que gerou a ditadura, e deixamos pra lá em nome do eleitoralismo.

Sim, nós, a esquerda como um todo, temos culpa nisso.

Nós perdemos, nós construímos esta derrota.

A esquerda partidária por se negar em construir qualquer centímetro de real enfrentamento das questões relacionadas a DH, abertura de arquivos da ditadura, revisão de matriz energética, reforma agrária, etc (Nem a esquerda radical comprou essas brigas a vera). A esquerda anarquista e autonomista errou muito menos, foi mais vítima que cúmplice, mas por muitas vezes parte dela, ao optar pelo sectarismo diante da necessária percepção que deveria pensar mais no estratégico das lutas. Esse erro é menor, muito menor, mas existe.

Se parte das organizações anarquistas e autonomistas foram as únicas que construíram o trabalho de base necessário pro enfrentamento do erro da esquerda partidária, outra parte sabotou essas organizações, e ainda sabota, com base em uma leitura mecânica e dogmática de cânones. E ainda sabota, quando apela pra dogmatismo maluco contra a solidariedade a MST e indígenas mortos, porque o MST apoia o PT.

Agora, principalmente o PT, mas também o PSOL, fizeram acordos, se negaram a enfrentar, construíram sua “eleitoralidade” com base nos acordos que alimentaram PP, PTB, PSD, PMDB, etc país afora, partidos esses que hoje abandonam o barco e promovem um golpe.

Enquanto o PMDB servia pra encarcerar quem resisti às remoções pra construir estádio pra Copa ele não era golpista, né?

Enquanto a CNV foi ignorada e sabotada, só arquivos da ditadura permaneceram fechados, essa direita que diz “Tchau,querida!” no microfone enquanto elogia Ulstra não era lembrada como golpista e inimiga, não? Já a Sininho…

Enquanto as ruas eram ocupadas pela esquerda, PT e PSOL fizeram o diabo pra desviar o foco da violência policial culpando Black Blocs pela repressão que todos sofremos, como se precisasse de provocação pra polícia meter a porrada.

Agora as ruas foram ocupadas pela direita que ama Bolsonaro, e Dilma sequer fez uma linha de crítica ao elogiar a ocupação “Pacífica” das ruas por ela como parte da democracia. A nossa ocupação das ruas, tão pacífica quanto, foi tratada a pontapés e um oficial da polícia militar que apanhou porque reagiram à violência de sua tropa teve a solidariedade da presidência.

Só que independente disso o PT representa toda a esquerda, o PT por sua construção traz consigo a simbologia do que a direita odeia, e representa aos olhos da maioria da população o que todos lutamos.

A direita sequer consegue entender que há mais que comunismo na esquerda, e sua política de agitação e propaganda consolidou essa percepção junto à população.

Dias e dias de Jornal Nacional e o impeachment do PT se transformam também na derrota de toda a esquerda, que precisa se reconstruir em um terreno minado por muitas traições por parte da esquerda partidária entre si e contra a esquerda anarquista e autonomista.

Agora apelam, e apelarão, pra uma unidade que para nós significou encarceramento.

Pior, precisamos dessa unidade, porque Torturadores que provam o gosto de carne humana após uma vitória, tomam gosto por ela.

A derrota do PT hoje pavimenta um terreno de destruição das CLT, ampliação da aplicação da lei antiterrorismo pra todos os movimentos sociais, expansão mais violenta ainda da fronteira agrícola, ampliação da violência policial, da tortura, etc contra pretos e pobres nas grandes cidades, ampliação da paranoia e violência misógina e homofóbica, etc..

O vermelho que eles odeiam agora será o nosso sangue nas ruas.

Não duvidem, a escala de violência contra quem usa vermelho* e lutadores da esquerda se ampliará.

Quem recuou no enfrentamento a coronéis, na defesa do meio ambiente, dos indígenas, quilombolas, das mulheres e LGBT foi o PT.

Quem pariu Belo Monte e empoderou Katia Abreu e seus jagunços foi o PT.

Quem rifou a legalização do aborto, das drogas, a ampliação da luta anti homofobia e anti misoginia nas escolas foi o PT.

Quem patrocinou a Samarco, a Vale e inclusive ainda esse ano conseguiu praticamente anistiá-las foi o PT.

Quem fez os acordões em nome da “governabilidade” que alimentou esses demônios foi o PT, mas a alma que pagará o pacto é a nossa.

O nosso caminho é rude, duro, doloroso, mas precisamos caminhá-lo, sem nunca esquecer de cobrar a quem deve pela criação dessa situação.

Mas precisamos criar um novo caminho, um novo samba, sem rasgar a velha fantasia, porque o samba é pai do prazer e é filho da dor. E dessa dor precisamos construir um samba melhor.

*Essa sacada quem teve foi a Niara

O tempo, novamente, e a política

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Fernand Braudel dedicou toda sua vida à História de Longa duração. Entendia que o tempo histórico se dividia em atemporal, longa e curta duração, e a percepção das pessoas no decorrer da história e sobre cabia nesse tipo de esquema analítico, ou de metodologia analítica sobre a História.

Se explico mal peço perdão, quem quiser uma percepção mais acurada da obra do historiador sugiro que leia esse texto, ótimo por sinal.

Li fragmentos de “O Mediterrâneo” de Braudel, onde ele formula parte dessa percepção, mas nunca deixei de enxergar a percepção do tempo na política sem me lembrar de Braudel.

O “Tempo da Política” poderia ser encaixado segundo a definição de Braudel de “tempo curto” que é o tempo dos acontecimentos, de curta duração. Braudel “Fala do evento como algo explosivo, que enche a consciência das pessoas, mas que, ao mesmo tempo, não dura”.

E cada evento no Brasil, como via de regra mundo afora, o tempo dos eventos vira o protagonista das consciências, ganha roupagens definitivas, torna-se “análise”.

Impossível não comparar com análise de jogos de futebol ou basquete. Cada lance de movimentos torna-se “lance decisivo”, como se o tempo da política se dobrasse automaticamente a cada lance como um jogo se dobra.

Só que o “Tempo da Politica” por mais que seja o tempo dos eventos e seja fruto e pai da curta duração também tem uma duração peculiar em relação ao tempo dos jogos. E a ansiedade não é a melhor conselheira para sua análise.

Os eventos como protagonistas da análise do “Tempo da Política” tem seu papel e sua fundamentalidade, porém os eventos não podem ser os únicos protagonistas. Há leituras e leituras dos eventos e há camadas de percepção sobre os eventos que precisam ser analisadas.

Cada evento possui seus recortes de classe, de gênero, de ideologia, de etnia, de orientação sexual, de identidade de gênero, de grau de educação formal, e a percepção deles também obedece a cada recorte desses.

Sete dias são irrelevantes diante do “Tempo da Política”, que obedece um calendário formal e informal relativo ao tempo dos pelitos eletivos.

Sete dias são fundamentais diante do “Tempo da Política”, que obedece à busca de superar o outro nos pleitos eletivos.

Parece contraditório, mas não é.

O “Tempo da Política” é tanto o espaço entre os pleitos, e as próprias eleições, como o uso do espaço de tempo para a construção de candidaturas e de organização de grupos políticos para as disputas. Com relação ao tempo cronológico, sete dias são irrelevantes em relação ao espaço de dois anos. Em relação ao espaço de tempo necessário para construir ataques ou defesas de um grupo político a outro mirando as eleições à frente, sete dias são fundamentais.

Considerando que estamos em pleno ano eleitoral, o “Tempo da Política” ganha uma percepção mais alinhada ao tempo da disputa e não ao tempo da construção de hegemonia.

Nas últimas duas semanas vivemos movimentos de pêndulo em relação à disputa entre PT e PSDB mirando 2016 e 2018.

Se o PT através de Lula foi alvo de ataques via Lava Jato e MP-SP e respondeu á altura, a oposição lidou com relativa desenvoltura ao pôr milhões nas ruas no dia 13/03.

A questão é: O que isso significa para 2016 e 2018? E mais, o que isso significa para a manutenção do mandato Dilma?

Primeiro vamos lembrar que se a oposição logrou êxito em por milhões nas ruas contra o PT e o governo Dilma, esse êxito foi relativo quando nomes estabelecidos por mídia e por parte dos próprios movimentos como substitutos naturais de Dilma na presidência receberam sonoras vaias paós afora (Com preocupante apoio a figuras públicas identificadas com a extrema direita).

Em segundo aspecto vamos lembrar que o perfil das ruas foi muito pouco popular e mais elitista, embora numericamente isso possa parecer loucura, como bem definiu a Datafolha (Que convenhamos tem pouco a ganhar distorcendo esse dado).

Em terceiro lugar vamos considerar que o mapa dos protestos teve seu centro gravitacional onde a oposição teve maioria dos votos nas eleições de 2014, com exceção relativa do Rio de Janeiro, onde os votos de Marina e Aécio superaram com larga folga a votação de Dilma (O que nunca ocorreu com Lula, por exemplo).

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Mapa do resultado das eleições presidenciais no primeiro turno das eleições de 2014 produzido pela Folha de SP.

Tendo esses aspectos em mente vamos tentar deixar o impressionismo de lado e trabalhar com cada etapa analítica como faria Jack “The Ripper”, ou seja, por partes.

No plano eleitoral o cenário deixa claro que para essas eleições teremos uma forte rejeição ao PT, secundada por uma forte rejeição a PSDB e PMDB, e só ai teremos uma busca de alternativas eleitorais por parte da população.

Nesse cenário é preciso ter em mente que o recorte analítico da própria rejeição é feito em cima de um perfil de manifestante claramente branco e de elite, o que em termos populacionais é no máximo um terço da população geral. Ou seja, as classes médias e altas dos centros urbanos do centro-oeste, sul e sudeste, que é muita gente, deve rejeitar os maiores partidos e optar por alternativas.

Cravar que essas alternativas serão automaticamente ligadas a Bolsonaro é açodado e pouco preciso, mas é inevitável perceber que sim, estamos vendo uma consolidação da extrema-direita dentro de um período democrático. Desde o fim da ditadura essa extrema-direita não ousava dizer o nome, agora ousa.

A própria escolha do 13/03 como data para as manifestações contra o governo e o PT deixavam claro uma tendência nesse sentido, as vaias a Aécio e Alckmin só reforçam a percepção.

Não podemos também ignorar a chance de parte desse movimento ser hoje mais próximo de Marina, em se observando que parte da composição das manifestações seja de perfil liberal clássico, antiestatista, porém não necessariamente autoritário, e amante de generalidades como uma “paz social” meio anódina.

Ou seja, eleitoralmente podemos ter um cenário de aumento de prefeituras ligadas à extrema-direita e à REDE de Marina, ao menos no bloco centro-sul do mapa do Brasil.

A possibilidade dos maiores derrotados nas eleições serem o PSDB e o PMDB e não o PT, considerando que a chance do PT permanecer sendo vencedor no norte-nordeste não é ilusória e que a crise de representatividade pegou todos os três principais partidos do cenário político, não é nada remota. A tendência é da extrema-direita e da REDE de Marina (que aqui entendo estar no centro do espectro ideológico) galgarem postos como interlocutores dos descontentes, mas sobre votos anteriormente identificados com tucanos e peemedebistas.

Os votos descontentes com o PT, mas outrora seus eleitores, devem migrar pra Marina também, em menor grau pro PSOL ou até pro Raiz de Erundina, filiado democraticamente ao PSOL, mas provavelmente a maioria salta no colo da REDE, que não é tão liberal quanto os tucanos, nem autoritária quanto os Bolsonaros e nunca foi identificada como Linha auxiliar do PT, como o PSOL.

Ainda no plano eleitoral, mas pensando em 2018, é cedo dizer que o PT é o maior derrotado, aliás, o perfil das manifestações tende ao inverso, a reforçar o PT como salvaguarda da democracia junto de Marina Silva, que se descola proposital e inteligentemente do perfil oposicionista clássico encontrado nas manifestações (embora tenha tudo pra receber parte dos votos que sairão dali).

Hoje o PT sofre um grande abalo em uma popularidade que ficou praticamente uma década no auge, porém ainda mantém-se na preferência de boa parte da população e tem na figura de Lula um enorme trunfo para 2018. Para abalar esse trunfo é preciso mais, mas muito mais, que a campanha midiática e jurídica contra ele, que até o momento tem basicamente nenhum elemento para prendê-lo e condená-lo, único fator que o levaria a não ser um fortíssimo player para 2018.

Com as manifestações ficou claro que todos são malvistos pelo perfil médio dos manifestantes, exceto Marina e Bolsonaro, porém poucos podem se descolar o perfil que vaia Aécio e Alckmin, apenas Marina e Lula.

E relembremos: O perfil médio dos manifestantes não é o perfil médio da população.

O PT sofre com elementos clássicos do desgaste político de quatro mandatos presidenciais, além disso sofre com a crise econômica mundial e seu gerenciamento aqui pelo governo Dilma, e também paga o preço das próprias políticas de afastamento de sua base social em nome da aproximação com o perfil de gerenciamento político e econômico do capital produzido pelos tucanos e peemedebistas. Porém o PT tá longe de estar morto e ainda tem a seu lado um imaginário social construído em uma década.

Se o PT não goza mais da confiança absoluta de sua base social e de quem recebeu do estado chances de melhoria de vida, o outro lado também não goza, e no imaginário social em caso de perigo: vote no PT.

Esse movimento já encontra fácil percepção nas redes sociais e nas conversas cotidianas ao entendermos a reação de apavoramento de parte da base social do PT que havia rompido com ele e que agora volta cândida e sofridamente a seu colo em sua defesa contra “a direita”, mesmo que Katia Abreu continue no governo.

Enquanto isso os principais nomes para a sucessão de Dilma são rejeitados pelos manifestantes em pleno epicentro do poder tucano.

E o que isso significa para a manutenção do mandato Dilma?

Bem, se considerarmos a linha sucessória, a rejeição das manifestações aos nomes de Temer, Aécio e Alckmin, ao risco institucional que seria empoderar Cunha, ao risco político óbvio de assumir dois anos de governo em plena crise econômica mundial, ouso dizer que Dilma se mantém no cargo.

E vou mais longe: Não vimos ontem um crescimento real da oposição, ao contrário, vimos uma concentração dela onde ela já era grande.

Se olharmos os números gerais podemos até tender ao susto, mas se olharmos o mapa e avançarmos na análise com cuidado, os atos não ganharam peso numérico real para além da elite e para além do centro-sul.

Pra complicar o cenário, um impeachment de Dilma em 2016 paralisaria o estado brasileiro por meses a fio, e isso paralisaria o fluxo de financiamento dos municípios pela união, lembrando que cerca de 20% do orçamento dos municípios vem do fundo de Participação dos Municípios, mas o peso de programas da União no orçamento deles vai muito além disso.

Muitos dizem que o PMDB ao sair do governo o faria cair, mas se considerarmos que o que faz o PMDB ser um dos principais partidos do país, ou o maior, é sua capilarização e presença nas prefeituras, e o quanto pesa estar no governo federal para a eleição de prefeitos, mudamos de ideia.

Em resumo, as manifestações de 13/03 podem, e vão, ligar o alerta, mas não podem ir muito além disso. Elas dão conta do crescimento da oposição dentro de um espectro de classe definido, da redução da participação da esquerda na composição política da classe média e da elite, mas não dão estrutura nem apoio definido a um determinado tipo de percepção ideológica que embasa os principais partidos do país, pelo contrário, elas deveriam ligar o alerta pra boa parte deles.

E o que o “Tempo da Política” tem a ver com isso? Bem, tudo.

Primeiro temos o tempo da construção de uma dicotomia ideológica que artificialmente opõe “comunistas corruptos” a “defensores do Brasil”, os segundos embasados numa perspicaz e particular noção de ética que apela pra defesa da legalidade apenas para prender os comunistas. Esse tempo foi o tempo construído nos últimos 13 anos pela extrema-direita a partir de uma junção galática de ignorância com espaço midiático fornecido por jornais para vender noções dicotômicas do tempo da Guerra Fria como pertencentes ao cotidiano político até hoje. Esse tempo conquistou um espaço político visível, e perigosamente tendente à expansão se considerarmos o papel de multiplicação que o recorte de classe presente nessas manifestações possui.

Ou seja, esse tempo de construção de imaginário é um tempo que possui características de expansão da duração e se relaciona com o tempo de desmonte da percepção ideológica que levou o PT ao poder.

E esse tempo da de desmonte da percepção ideológica que levou o PT ao poder começa até antes de sua chegada ao poder, quando desde 1996 já começam análises que dão conta da paulatina vitória no interior deste partido de setores mais alinhados com a social-democracia clássica, a comparação com o Labour Party inglês é inevitável.

Em relação à dicotomia ideológica, podemos dizer que a extrema-direita tende ao crescimento, enquanto a esquerda partidária tradicional tende, no imaginário político, a reduzir seu papel.

Em paralelo a isso temos a consolidação de um terceiro campo que flutua entre o liberalismo clássico na economia e o liberalismo politico, e que se divide em muitos partidos, influenciando parte da classe média e se distanciando das ideologias relacionadas à esquerda radical. Essa característica é encontrada em legendas como PSOL, REDE, Raiz, PV, PSB. Esse campo oscila entre PSDB e PT (exceto REDE e Raiz) e ocupa espaços ideológicos à esquerda de um e de outro (Incluídos REDE e Raiz). Alguns tem um verniz socialista, mas no fundo são, no máximo, liberais políticos com tendências sociais-democratas clássicas.

Esse tempo é o tempo político da construção de cenários duradouros para a politica brasileira e sua democracia.

Em segundo lugar temos por outro lado a permanência de valores relativos às ditaduras brasileiras do século XX e que se estabelecem como âncoras para a maturidade do estado democrático de direito, essa permanência de valores é como a permanência de um tempo em outro, como se a raiz do passado agarrasse a construção do presente e tentasse retornar num futuro próximo.

O imaginário presente até tende a ver nesse fantasma de natais passados um desenho de futuro, porém a conjuntura aponta para outros aspectos da realidade. Esse fantasma é só um totem para o estabelecimento de uma ala do espectro ideológico dentro do tabuleiro das disputas pelo estado, não representa ameaça real de golpe de estado.

Em terceiro e último lugar está o tempo da percepção política das classes populares em relação ao teatro político.

Esse tempo persiste em uma multiplicação de noções que permeiam desde a decepção até o imaginário político imediato, passando pela percepção da crise, da ocupação militar das favelas, da repressão a indígenas e quilombolas, da remoção de pobres de suas casas para a Copa do Mundo e olimpíada, do uso de polícia contra filhos de pobres que ocupavam escola para terem uma educação melhor, passa pela inflação e passa pela fome.

Esse tempo remete a uma série de noções de imaginário, simbologia, discursos e análise objetiva do real e não é percebido pelas lentes do Fantástico.

Esse tempo vê redes sociais, esse tempo vê TV, esse tempo lembra de Getúlio, esse tempo tem toda uma tradição que se enxerga em Lula, e em Marina, enquanto quem sobreviveu.

Esse tempo não está sendo ouvido.

Tá tendo golpe!

fai

Em tempos de manifestação com transmissão ao vivo e polícia a favor é fundamental tratarmos do dito Golpe contra “a esquerda” e dos pavores noturnos que povoam o imaginário e o cotidiano de boa parte dos apoiadores dos últimos governos, de suas linhas auxiliares e da esquerda partidária como um todo.

Porque golpe tá tendo sim, já teve e permanecerá tendo, não exatamente como a narrativa busca vender, mas como o contexto político e a conjuntura permitem perceber.

Tá tendo golpe já em 2002 com a “carta ao povo Brasileiro”. Desde 2003 tá tendo golpe, desde antes da reforma da previdência tá tendo golpe.

Tá tendo golpe desde quando o neodesenvolvimentismo do PT, apoiado por CUT e PCdoB, deu as caras no país usando o BNDES para financiar o avanço do capitalismo brasileiro mundo afora.

Tá tendo golpe desde quando o neodesenvolvimentismo achou de bom tom retomar processos de construção de megaempreendimentos hidrelétricos engedrados pela ditadura militar na Amazônia, iniciando por Belo Monte, atingindo o meio ambiente e todas as nações indígenas que residem ali, auxiliando a expansão da fronteira agrícola e com ela as balas das milícias ruralistas.

Tá tendo golpe desde quando os governos do PT frearam a titulação de terras quilombolas e indígenas, permitiram o avanço da PEC 215 e ameaçam direitos indígenas e quilombolas país afora, pouco ou nada protegendo nações inteiras do extermínio pelas mãos do mesmo agronegócio da ministra Kátia Abreu e de Bumlai, amigo do Lula.

Tá tendo golpe desde quando os governos do PT sequestraram o MST e o MTST, boa parte do MAB e a maioria dos movimentos sociais organizados e que viviam nas franjas do PT, em nome de um processo de domesticação que atacou o coração das lutas e da mobilização popular.

Tá tendo golpe desde que os governos do PT desapropriaram menos terras que FHC.

Tá tendo golpe desde que os movimentos e governos do PT fizeram eco à criminalização da pobreza e dos movimentos sociais para construírem a “Copa das Copas”, removendo pessoas de suas casas, prendendo manifestantes e ativistas, cassando seus direitos constitucionais, oferecendo tiro, porrada e bomba a quem apontava os superfaturamentos, as violações de DH promovidas pelos tantos governos.

Tá tendo golpe desde quando os governos do PT promoveram e/ou apoiaram a ocupação militar das favelas.

Tá tendo golpe desde que os governos do PT abraçaram os do PSDB criminalizando o MPL, autonomistas, anarquistas e qualquer um que não estivesse no campo aceito pela ordem.

Tá tendo golpe desde que os militantes do PT fundaram seu ethos discursivo, sua práxis, na destruição do outro, tornando tudo o que não batia bumbo pro avanço de sua versão de gerência do capital, de forma distorcida chamada de “de esquerda”, de “fascismo”.

Tá tendo golpe desde que praticamente toda a esquerda virou linha auxiliar desse governo genocida, etnocida, ecocida.

Tá tendo golpe sim, e um golpe que afastou toda a resistência das ruas, com base em tiro, porrada, bomba e processos judiciais e as deu à direita.

Tá tendo um golpe urdido pelo PT e continuado pela direita que o PT fingiu combater enquanto se aliava a ela em um clube de negócios que os iludiu a ponto de acharem que faziam parte do quadro social permanente.

A resistência a esse golpe (promovido pelo PT de 2003 pra cá e continuado pela trupe de Temer, Aécio, Cunha, Bolsonaro, pelo MBL e seus movimentos protofascistas) pode ocorrer e ocorrerá, já está ocorrendo, mas não pelos vitupérios da milícia boquirrota do petismo, e sim pelas mãos de quem ocupa escola.

Resta saber se o PT vai continuar apoiando o golpe ou vai dar uma reviravolta e apoiar a resistência. Duvido que ocorra.