O título faz uma gracinha com o filme “A Classe operária vai para o Paraíso” de Elio Petri, filme político italiano de 1971, mas o tema não é exatamente uma piada.
A questão é que após eleição pululam análises sobre o quadro geral e que invariavelmente são rasas, porque consideram apenas os vencedores das eleições e não analisam o quadro geral; dramáticas, porque fatalmente se prendem na dor da derrota em vez do sabor dos processos e avanços; e conservadoras, porque tratam política como corrida de cavalo.
O eleitor em geral é tratado como o grande culpado, o grande vilão, o cão, o danado, o sete pele, aquele que trai nosso desejo espantado pela vitória a partir do sonho, aquele que não faz jus ao dom da consciência política.
E os partidos, especialmente da e pela esquerda, são também vilões porque falam pras paredes, dizem idiomas inteligíveis, remetem a sábios vetustos de contos de horror, pútridos em seu isolamento e incapazes de liderar a inerme classe operária rumo ao caminho pavimentado e uma Revolução escolástica, positivista e meio bocó.
Como este que vos escreve acha uma bobagem, sem tamanho a ideia de que quando a gente acerta o mérito é nosso e quando não dá a culpa é do povo e acha que marxismo é positivismo, coisa que é que nem Cachaça com Strogonoff, no mesmo copo, eu passo dessa.
Primeiro que o povo é gente para danar.
Muita mesmo, juro. muita gente para atingir, muita informação para passar, muito programa para discutir, muitos corações e mentes para lidar em cenários imprevisíveis na prática.
Povo é tanta gente que precisa de muita coisa para mudar marés, precisa de imprensa, texto, subtexto, rádio, tv, dinheiro e perna para transformar conquistas históricas, como o SUS, em vilãs e ter gente que defenda sua destruição.
Até onde eu sei o alcance das mídias da esquerda é muito menor que o das mídias todas da direita.
E também acredito firmemente que o contrafluxo das mensagens seja uma mão de obra danada para reverter década e meia ou mais de sabotagem. Mas a digressão não ajuda o texto.
A esquerda, que não é una e nem será, porque somos muitos e muitos tem em si divergẽncias de fundo , também não tem o dom mágico da condução porque a população não é estúpida.
Tampouco uma união idolatrada e idílica, meio dodói da cuca, sem olhar as diferenças normais, naturais e saudáveis no interior da esquerda, salva essa lógica de condução.
A esquerda precisa de um monte de coisa para resolver uma pancada de problemas e também vencer eleições, até porque precisa construir a sustentação de vitórias eleitorais para além de uma primavera solta na mão de um bêbado.
O que a esquerda não precisa é um retorno à lógica de que ela é a condutora do processo de revoluções e transformações e não parte deles, de dentro, vivendo o dia a dia e sendo referência e não condutora, de povos que entram em ebulição por chegarem numa consciência política e de classe advinda da experiência e da compreensão do real à sua volta.
E uma esquerda atada em uma unidade sem união é uma esquerda incapaz de se mover em um cenário onde ser diversa a faz melhor e maior.
A Revolução Russa foi feita por Bolcheviques, Mencheviques, Socialistas Revolucionários, Anarquistas, Soldados, Camponeses e Huskies Siberianos e não por um corpo unitário e ciente de um programa único. Quem vende essa ideia tá mentindo ou é tosco.
E as demais Revoluções não foram diferentes, porque as Revoluções não são chá das cinco, brother!
Revoluções não tem um plano, não são um caminho lindinho com flores de fogo, projetado pelo Niemeyer.
Lênin liderou uma revolução com Trotski e outros tantos porque foi sagaz nas costuras, pulou nas tábuas certas, soube ir, vir, rever pontos, insistir em outros e foi visto como referência.
E a gente só sabe disso depois, na hora ninguém sabia de sua liderança mais a fundo do que o impressionismo, e a aposta, permitia.
A quente, geral sabia no íntimo que ir por aquele caminho era uma aposta, por mais racional que ela fosse.
E aqui é que entra nossa necessidade de propor uma reflexão sobre nossa relação com a classe, com as eleições, com o trabalho diário.
A gente precisa sair do marxismo hegeliano que chuta o real como o Vitinho batendo pênalti em vez de ir pro básico do marxismo: catar dados, olhar para eles, pensar sobre eles e ir pro pau.
Era tão óbvio que a Paula venceria no segundo turno em Pelotas como era muito difícil a virada do Boulos em São Paulo. A gente só conta depois para não reduzir o entusiasmo da rapaziada.
Mas também é imensamente óbvio que a gente tem um caminho menos duro pela frente, há pistas sobre como ir e vir nessa lama diária da luta e porque é importante o que vivemos nos últimos meses.
Porque o saldo organizativo, o crescimento eleitoral, a ampliação da participação de negros e negras, de LGBTQ+, de transgênero, de indígenas, de mulheres, não foi pouca coisa, como não foi pouca coisa o tamanho da virada em Sâo Paulo.
A Classe Operária não tá perdida no tempo, nem vestida para matar ou em um casamento grego sonolento em plena tarde de segunda-feira.
A Classe operária não vai para Paris.
A Classe Operária vai na padaria, corta o cabelo, pede comida, pede ajuda, faz seus corre, sente o drama, corta a marcação e marca um gol de mão com a mão de Deus.
E para falar com essa Classe Operária a gente precisa ir na padaria e conversar com ela, brigar com ela, trocar com ela, passar recibo, lidar com o dia a dia.
A Classe Operária não quer uma fórmula de como lidar com ela, porque ela não é uma entidade esfuziante do marxismo idealizado, ela é aquela gente que toma cerveja com a gente, que faz o pão da gente, que atende a gente no caixa do banco ou do supermercado e que é nosso colega de escola, como aluno ou professor, e de universidade.
A gente não vai liderar essa Classe Operária se a gente tiver com ela uma relação colonizadora e achar que campeonatos se ganham sem ganhar jogo a jogo, metro a metro, casa a casa.
E para ganhar esse jogo precisamos ir além dos méritos nas eleições de gente preta, trans, lgbt, mulheres e indígenas, precisamos ter um partido que concretamente seja um projeto de socialismo antirracista, antiLGBTQfobia e anti misoginia.
Para isso precisamos começar já um planejamento de futuro que mostre um partido mais colorido do que nossas representações, e as da esquerda em geral, são craques em mostrar.
Precisamos fazer do antirracismo um projeto concreto e para isso precisamos avançar sempre, respeitando o que já construímos, mas olhando para as falhas que sempre tivemos a cada eleição e avançar para um planejamento que seja mais construtor e que revele um partido melhor.
Não é pouco o que o PSOL faz pelas lutas das minorias políticas, mesmo assim não é ideal a forma como ele lida cotidianamente com as demandas necessárias para a superação das opressões.
Isso significa que o partido muda e melhora a cada período, mas que também não se faz absolutamente nada em um passe de mágica.
Acertamos muito nos últimos períodos, mas isso revela também que as tarefas urgentes de ampliação da qualidade de nossos acertos só aumentam de complexidade e de urgência.
Precisamos avançar e para isso precisamos amar, curtir, dançar, discursar, produzir, ocupar como faz um Black, brother!
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