Na Transversal do Tempo: Representação negra no horror – Robin R. Means Coleman e Duane Jones

As representações dos negros nos filmes de horror são historicamente de coadjuvantes sacrificáveis ou estereótipos racistas, na maioria sendo o combo das duas coisas. Este é o primeiro de uma série de quatro vídeos que vai buscar abordar a relação entre horror, política e a representação de afro descendentes na cultura pop e vai focar na autora Robin R. Means Coleman e no ator Duane Jones, a Doutora como a melhor pesquisadora e organizadora de uma reflexão de de categorias que nos ajudam a entender a questão e o Ator como o protagonista da virada da representação dos afro descendentes no cinema de horror.

Na Transversal do Tempo – Conteúdo sobre História em um papo relaxado sobre a História, datas importantes, cinema, séries e música.
A cada semana um novo conteúdo sobre a relação entre História, cultura, cultura pop e política.

O Socialismo precisa deixar de ser macho,adulto, cis,hetero e branco

Privilégio branco é uma categoria fundamental para ser discutida em partidos socialistas, inclusive a partir da métrica onde a maior parte da estrutura de pensamento que balança o berço de seus programas é resultado da escrita de homens brancos.

Além disso, a posição da identidade de gênero, orientação sexual e o peso etário é parte um debate fundamental que precisa por em xeque a hierarquia destas condições na construção de privilégios a partir do eixo do macho,adulto, branco, hétero e cis.

E por que essas questões? Porque o debate étnico-racial, de gênero e identidade de gênero são, junto com debate ambiental e questão etária, os pavimentadores de discursos belíssimos que não constroem alicerces dignos dos arabescos escritos e lidos em voz alta nas assembleias.

Em entrevista recente ao podcast Mano a Mano de Mano Brown, Lula se enrolou todo para responder sobre a posição do PT diante da ausência de um número relevante de pessoas pretas nos cargos de direção do partido. 

No PSOL, o debate sobre a negritude é tão insuficiente que só em seu sétimo congresso se chegou a uma resolução que formaliza cotas para igualdade racial e de gênero nas direções, e ainda há uma falta de representação indígena e LGBTQIA +.

Diante da paulatina conquista de peso político na marra por parte das minorias políticas, se faz mais que necessário o debate a respeito da posição no processo revolucionário de quem, como eu, faz o bingo da branquitude masculina cis heteronotmativa. 

Porque é provável que muitos de nós entendem que seu limite é o de sermos espectadores, da mesma forma que uns tão brancos quanto nos acusam de “síndrome de princesa Isabel” ou companheiros pretos e pretas, talvez com razão, de fazermos token com suas dores e trajetórias.

Só que a questão é mais objetiva e menos afeita à falta de razoabilidade de todos os ovos numa mesma cesta de ataques e confusões. Há homens brancos cis hetero na classe trabalhadora, e a não ser que se defenda uma tolice como a de seu extermínio, é preciso que estes estejam alinhados e aliados às lutas das minorias políticas.

Sim, amigos, amigas e amigues, não se fará revolução nenhuma sem gente branca, o que também não significa que essa gente branca,que é sim parte do problema, precise ser eterna protagonista da luta de classes e liderança natural dos processos decisórios,eleitorais, de formação,etc.

Há uma necessidade de abdicação coletiva de protagonismo pela branquitude masculina cis hetero normativa e construção ccncreta das alegorias e adereços do Carnaval de índios, LGBTQIA+, negros, mulheres e adolescentes.

Porque se “numa sociedade racista não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, como escreveu a companheira Angela Davis,  também não basta ser “tolerante” à diversidade de gênero, identidade de gênero, de orientação sexual, de cultura. 

A tarefa da branquitude começa por sair da frente e assumir esse papel necessário de fazer o que é aparente se tornar uma regra. 

Não basta comemorar paridade de gênero e raça na bancada federal se as direções não compõem essa paridade nas suas composições, se os programas não se dobram à relevância dos debates teóricos e políticos de fora do mundo europeu e se os cargos majoritários (e a maioria dos proporcionais) são disputados sempre pro homens cis brancos e heteros.

Tem que ter Marx, Lênin e Trotsky na formação política? Claro, mas porque não ter Fanon, C. L. R. James, Mariátegui, Angela Davis e outros tantos, tantas e tantes que ocupam na marra seu espaço teórico de produção, mas cuja formação tradicional dos partidos políticos e correntes fazem com que os militantes que melhor se informam e formam não conheçam?

Quantas Revoluçẽos são discutidas sem uma menção à imensa Revolução Haitiana? Quantos sabemos das rebeliẽos africanas no Brasil?

Não há caridade ou senso de auto salvamento na defesa que faço aqui, pelo contrário, é o pragmatismo da obviedade que as condições objetivas da conjuntura nos impõe, ou é falso que a branquitude é o que dá lastro ao neoliberalismo fascista de Bolsonaro, Guedes e do PSDB?

A tristeza de perder Marielle produziu o fenômeno palpável, mensurável, da multiplicação de ocupação de mulheres e trans pretas no espaço político. Erika Hilton, Érica Malunguinho, Benny Briolli, Talíria Petrone, Renata Souza, Mônica Francisco, Luana Alves, Áurea Carolina, Karen Santos, são, todas e todes, parte de um fenômeno que faz com que a realidade se imponha como fato.

Esse fato nos obriga a pensar o papel da branquitude,masculina cis heteronormativa como liderança natural dos processos políticos e eleitorais empartidos socialistas sob pena do socialismo defendido sem o elemento crítico da questão étnico-racial, de gênero e identidade de gênero ser um socialismo supremacista branco.

A pena da não observação e discussão da questão, apelando pro discurso vazio e para “inglês ver”, é a ampliação do fosso entre companheiros de diversa tez, cultura, gênero ou identidade de gênero e permissividade que acaba num sectarismo interno e externo que reproduza a secessão que o racismo, a homofobia e misoginia estrutural já produzem no dia a dia.

Se não formos o partido que queremos ser,não poderemos ser a realidade socialista que desejamos construir.

A Classe Operária vai na padaria

O título faz uma gracinha com o filme “A Classe operária vai para o Paraíso” de Elio Petri, filme político italiano de 1971, mas o tema não é exatamente uma piada.

A questão é que após eleição pululam análises sobre o quadro geral e que invariavelmente são rasas, porque consideram apenas os vencedores das eleições e não analisam o quadro geral; dramáticas, porque fatalmente se prendem na dor da derrota em vez do sabor dos processos e avanços; e conservadoras, porque tratam política como corrida de cavalo.

O eleitor em geral é tratado como o grande culpado, o grande vilão, o cão, o danado, o sete pele, aquele que trai nosso desejo espantado pela vitória a partir do sonho, aquele que não faz jus ao dom da consciência política.

E os partidos, especialmente da e pela esquerda, são também vilões porque falam pras paredes, dizem idiomas inteligíveis, remetem a sábios vetustos de contos de horror, pútridos em seu isolamento e incapazes de liderar a inerme classe operária rumo ao caminho pavimentado e uma Revolução escolástica, positivista e meio bocó.

Como este que vos escreve acha uma bobagem, sem tamanho a ideia de que quando a gente acerta o mérito é nosso e quando não dá a culpa é do povo e acha que marxismo é positivismo, coisa que é que nem Cachaça com Strogonoff, no mesmo copo, eu passo dessa.

Primeiro que o povo é gente para danar.

Muita mesmo, juro. muita gente para atingir, muita informação para passar, muito programa para discutir, muitos corações e mentes para lidar em cenários imprevisíveis na prática. 

Povo é tanta gente que precisa de muita coisa para mudar marés, precisa de imprensa, texto, subtexto, rádio, tv, dinheiro e perna para transformar conquistas históricas, como o SUS, em vilãs e ter gente que defenda sua destruição.

Até onde eu sei o alcance das mídias da esquerda é muito menor que o das mídias todas da direita.

E também acredito firmemente que o contrafluxo das mensagens seja uma mão de obra danada para reverter década e meia ou mais de sabotagem. Mas  a digressão não ajuda o texto.

A esquerda, que não é una e nem será, porque somos muitos e muitos tem em si divergẽncias de fundo , também não tem o dom mágico da condução porque a população não é estúpida.

Tampouco uma união idolatrada e idílica, meio dodói da cuca, sem olhar as diferenças normais, naturais e saudáveis no interior da esquerda, salva essa lógica de condução.

A esquerda precisa de um monte de coisa para resolver uma pancada de problemas e também vencer eleições, até porque precisa construir a sustentação de vitórias eleitorais para além de uma primavera solta na mão de um bêbado.

O que a esquerda não precisa é um retorno à lógica de que ela é a condutora do processo de revoluções e transformações e não parte deles, de dentro, vivendo o dia a dia e sendo referência e não condutora, de povos que entram em ebulição por chegarem numa consciência política e de classe advinda da experiência e da compreensão do real à sua volta.

E uma esquerda atada em uma unidade sem união é uma esquerda incapaz de se mover em um cenário onde ser diversa a faz melhor e maior.

A Revolução Russa foi feita por Bolcheviques, Mencheviques, Socialistas Revolucionários, Anarquistas, Soldados, Camponeses e Huskies Siberianos e não por um corpo unitário e ciente de um programa único. Quem vende essa ideia tá mentindo ou é tosco.

E as demais Revoluções não foram diferentes, porque as Revoluções não são chá das cinco, brother!

Revoluções não tem um plano, não são um caminho lindinho com flores de fogo, projetado pelo Niemeyer.

Lênin liderou uma revolução com Trotski e outros tantos porque foi sagaz nas costuras, pulou nas tábuas certas, soube ir, vir, rever pontos, insistir em outros e foi visto como referência.

E a gente só sabe disso depois, na hora ninguém sabia de sua liderança mais a fundo do que o impressionismo, e a aposta, permitia.

A quente, geral sabia no íntimo que ir por aquele caminho era uma aposta, por mais racional que ela fosse.

E aqui é que entra nossa necessidade de propor uma reflexão sobre nossa relação com a classe, com as eleições, com o trabalho diário. 

A gente precisa sair do marxismo hegeliano que chuta o real como o Vitinho batendo pênalti em vez de ir pro básico do marxismo: catar dados, olhar para eles, pensar sobre eles e ir pro pau.

Era tão óbvio que a Paula venceria no segundo turno em Pelotas como era muito difícil a virada do Boulos em São Paulo. A gente só conta depois para não reduzir o entusiasmo da rapaziada.

Mas também é imensamente óbvio que a gente tem um caminho menos duro pela frente, há pistas sobre como ir e vir nessa lama diária da luta e porque é importante o que vivemos nos últimos meses.

Porque o saldo organizativo, o crescimento eleitoral, a ampliação da participação de negros e negras, de LGBTQ+, de transgênero, de indígenas, de mulheres, não foi pouca coisa, como não foi pouca coisa o tamanho da virada em Sâo Paulo.

A Classe Operária não tá perdida no tempo, nem vestida para matar ou em um casamento grego sonolento em plena tarde de segunda-feira.

A Classe operária não vai para Paris. 

A Classe Operária vai na padaria, corta o cabelo, pede comida, pede ajuda, faz seus corre, sente o drama, corta a marcação e marca um gol de mão com a mão de Deus.

E para falar com essa Classe Operária a gente precisa ir na padaria e conversar com ela, brigar com ela, trocar com ela, passar  recibo, lidar com o dia a dia. 

A Classe Operária não quer uma fórmula de como lidar com ela, porque ela não é uma entidade esfuziante do marxismo idealizado, ela é aquela gente que toma cerveja com a gente, que faz o pão da gente, que atende a gente no caixa do banco ou do supermercado e que é nosso colega de escola, como aluno ou professor, e de universidade.

A gente não vai liderar essa Classe Operária se a gente tiver com ela uma relação colonizadora e achar que campeonatos se ganham sem ganhar jogo a jogo, metro a metro, casa a casa.

E para ganhar esse jogo precisamos ir além dos méritos nas eleições de gente preta, trans, lgbt, mulheres e indígenas, precisamos ter um partido que concretamente seja um projeto de socialismo antirracista, antiLGBTQfobia e anti misoginia.

Para isso precisamos começar já um planejamento de futuro que mostre um partido mais colorido do que nossas representações, e as da esquerda em geral, são craques em mostrar.

Precisamos fazer do antirracismo um projeto concreto  e para isso precisamos avançar sempre, respeitando o que já construímos, mas olhando para as falhas que sempre tivemos a cada eleição e avançar para um planejamento que seja mais construtor e que revele um partido melhor.

Não é pouco o que o PSOL faz pelas lutas das minorias políticas, mesmo assim não é ideal a forma como ele lida cotidianamente com as demandas necessárias para a superação das opressões.

Isso significa que o partido muda e melhora a cada período, mas que também não se faz absolutamente nada em um passe de mágica.

Acertamos muito nos últimos períodos, mas isso revela também que as tarefas urgentes de ampliação da qualidade de nossos acertos só aumentam de complexidade e de urgência.

Precisamos avançar e para isso precisamos amar, curtir, dançar, discursar, produzir, ocupar como faz um Black, brother!

A História em tempos lacradores é solenemente ignorada

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Volta e meia nos deparamos nas redes sociais com textos sobre figuras representantes das minorias colocadas da seguinte forma: “conheça a história da figura x, solenemente ignorada pelos livros de história”.

Ai a gente, historiador mala, vai no Scielo e no Google Scholar e pesquisa pelo nome da figura x ou y e tem lá umas oitocentas pesquisas feitas a respeito da figura.

Tem livros também, na maior parte das vezes, ou teses e dissertações que poderiam estar publicadas e são públicas, mas que são (rá) solenemente ignoradas pelas pessoas, em geral jornalistas e formados em outras graduações, que, com acesso à pesquisa, optam pelo caminho mais fácil de demonizar a História em vez de divulgar o trabalho sobre minorias existente, e que cresce a olhos vistos a cada ano e época, na academia.

Mas pra não ficar pedante a gente busca também no Google puro e, batata, tá lá também oitocentos textos a respeito das figuras. O que demonstra o óbvio: Nenhum dos textos lacradores postos sobre figuras “solenemente ignoradas” brotou do ar nas mãos de Clio ou de uma árvore do conhecimento plantada na casa dos autores lacradores de redes sociais.

O conhecimento, pasmem, nasceu de pesquisa de outras pessoas.

Por que então em vez de meter um “solenemente ignoradas” não se divulgam as fontes acadêmicas ou não a respeito das figuras?

A resposta eu não sei. Nem acho legal deduzir, mas há elementos para serem debatidos.

Dizer que as figuras históricas indígenas, negras, mulheres e LGBTQ+ estão alijadas dos livros didáticos do ensino médio e fundamental é extremamente importante, mas ignorar sua presença na produção da história dizendo que são “solenemente ignorados” pela história é obliterar a produção historiográfica existente a respeito, é inclusive desestimular os estudos feitos por negros e negras, indígenas, mulheres de todas as etnias, trans e LGBTQ+ na academia.

Há uma ânsia clara pela glória da revelação, e isso tem muito de um sentido que junta uma urgência de mostrar pessoas ignoradas pelos governos e editoras na produção de livros didáticos com a busca pelos quinze minutos de fama que fazem da cultura da lacração um terreno fértil para ações discutíveis, quanto não são intencionalmente organizadas para produzirem nós de notoriedade e de controle de uma linha de produção de informação.

Os livros didáticos também ignoram os clubes carnavalescos negros de Pelotas e o Jornal A Alvorada, jornal negro abolicionista fundado no século XIX, entre outras manifestações de uma organização de homens e mulheres negras que é raríssima em outra parte do país, mas sua história existe e é contada, não foi ignorada pela História nem pelos livros de história.

Laudelina Campos de Melo tampouco foi “solenemente ignorada pelos livros de história”, o livro “ETNICIDADE, GÊNERO E EDUCAÇÃO: Trajetória de vida de Laudelina de Campos Mello” foi lançado em 2016, e tem, pasmem, inclusive um site anunciando esse lançamento e ele é de uma organização centrada na figura dela, que tem uma produção de informações a respeito.

Por que não anunciar isso e deixar claro que Laudelina tá longe de ser esquecida, inclusive pela academia?

Há inclusive produção acadêmica a respeito da luta em incluir biografias como as de Laudelina nos livros didáticos.

O que é mais útil, declamar, erroneamente, que ela é ignorada pelos livros de história ou ladear pela luta da inclusão de sue nome nos livros didáticos?

A autora Fernanda Crespo, tem artigos, como citado acima, e sua dissertação falando exatamente do uso da biografia de Laudelina, e não só, nos livros didáticos. Ela ignora Laudelina em sua escrita, que poderia, e deveria, virar livro?

O texto “O Brasil de Laudelina: usos do biográfico no ensino de história” é uma luta, é o retrato embasado de uma luta, como chamar isso de “solenemente ignorar Laudelina nos livros de história”?

E ainda há toda uma produção não acadêmica a respeito de Laudelina, biografias publicadas em sites, porque isso não é citado dando a fonte em vez de ignorar isso também como história e também como divulgação, quem ganha com esse discurso que coloca os “livros de história” como vilões, num ataque velado à academia?

Aliás, é preciso deixar bem claro que é mais fácil o discurso contra hegemônico na academia do que fora dela.

A academia com toda a sua estrutura rançosa e conservadora ainda é um espaço mais permeável à luta negra, indígena, feminista, LGBTQ+ que fora, especialmente nas ciências humanas.

Em livros não acadêmicos é difícil perceber como se percebe em livros como o da Anita Prestes sobre A Coluna Prestes, uma ressalva a respeito da dificuldade de encontrar registros de homens e mulheres negras participantes dela.

Ou na biografia de Prestes de Daniel Aarão Reis que faz uma menção direta a discursos racistas de Lourenço Moreira livro no clássico “A Coluna Prestes Marchas e Combates”, discurso esse combatido pelo próprio Prestes.

Procurem na produção não acadêmica se há esses elementos ou se há o debate sobre a composição étnica de movimentos políticos ou de gênero.

Há, mas em muito menor quantidade.

A história das mulheres, por exemplo, foi uma demanda do movimento com amplo eco no interior da academia, não brotou da cabeça da Michelle Perrot, mas foi amplamente assumido por ela e por outras mulheres.

O GT Nacional Emancipações e Pós-Abolição da ANPUH não existe pra jogar bingo.

Idem os GT Estudos de Gênero, Estudos Étnicos, Negros: história, cultura e sociedade, História Ambiental, Indígenas na História, História da África que não estão organizados na ANPUH pra brincar.

E isso na história, que é menos aberta, a meu ver, que outras áreas das ciências humanas como a Antropologia e Sociologia.

Então, jura que as figuras dos movimentos negro, indígena, de mulheres e LGBTQ+ são “solenemente ignoradas” pela História?

Pode se discutir o déficit de sua representatividade no amplo decorrer da historiografia, mas não no pós-descolonização, especialmente depois dos anos 1950 e 1960.

O reflexo imediato do pós segunda-guerra e da descolonização no mundo e do pós-ditadura no Brasil foi o avanço da inclusão na História de todo o debate étnico racial, pró-LGBTQ+, feminista,etc.

Olhem ao redor! Vocês acham que os ataques cotidianos às ciências humanas por parte do conservadorismo nasce em árvore?

Em momentos onde o Escola sem partido e outros movimentos de direita vivem para desqualificar o trabalho de profissionais sérios em suas áreas o discurso de desqualificação do trabalho acadêmico por quem se entende de esquerda é um desserviço e contém um germe de transformar em uma ligação falsa a ideia de construção do conhecimento acadêmico com o elitismo de parte da composição da academia.

E isso em um momento onde precisamos sim debater o pensamento colonizado dentro da academia, sem, no entanto, transformar toda a academia em afiliada a ele.

Ignorar a produção descolonizada da academia em nome de uma palavra de ordem limitada e limitante é um tremendo desserviço.

Senta que lá vem História! – Fascismo, educação, redes sociais e luta pela democracia

Apropriação cultural, racismo à brasileira e piração branca mancham ideologias e formações acadêmicas.

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À minha maneira eu sempre fiz parte da luta antirracista, sempre, desde sempre, foi sempre um elemento fundamental inclusive para meus estudos de história e sociologia da cultura, quando cursei ciências sociais.

Estudei bastante escravidão, muito, tentei ler o máximo sobre racismo, só parei quando as circunstâncias acadêmicas me guiaram por outros caminhos, envolvidos em outro pedaço da história que sempre estudei, que foi a Coluna Prestes.

Li textos políticos da quarta Internacional ao anarquismo, passando por textos maravilhosos do SWP inglês tratando da íntima relação entre capitalismo e racismo.

Participei de movimentos sociais de luta antirracista, mesmo sendo branco e com uma certa sensação de estar no lugar errado por fazer parte da etnia que oprime negros desde sempre, mas fui aceito e por isso participei, e sempre tangenciei e fiquei de olho no debate, porque é fundamental e necessário.

Visões da Liberdade”, “Cidade Febril”, “Trabalho lar e Botequim” de Sidney Chalhoub; “Revoltas escravas no Brasil” de Joaquim José Reis e “Negociação e conflito” dele e do Eduardo Silva; “As Camélias do Leblon” de Eduardo Silva, tudo isso me ajudou a ter um bom cenário sobre o processo de formação da sociedade brasileira a partir da escravidão como base formadora de uma estrutura cultural racista.

O debate sobre apropriação cultural eu leio pelo menos desde 2007.

Inclusive percebi a relação com a mesma categoria a partir do conceito de Representação do Chartier e entendi que esse debate permeia o que Joyce Appleby, Lynn Hunt e Margareth Jacob escrevem na introdução de “A Telling the Truth about History”:

A maior parte dos norte-americanos aceitou uma única narrativa da história nacional como parte de sua herança e esta narrativa é tratada como objetividade e essa objetividade reclamada foi usada para excluir grupos inteiros de participação plena na vida pública do país.”

Serve pro Brasil e serve pro debate em torno da apropriação cultural e em especial sobre como brancos, inclusive, pasmem, intelectuais brancos, estão reagindo a este debate.

E não, não vou nem falar da questão da jovem branca que relatou uma suposta agressão feita a ela por uma negra porque ela usava turbante.

Isso foi parte de um processo de extrema tristeza com o teor dos textos, subtextos, falas, colocações e reclamações de pessoas brancas, muitas como formação universitária de porte, doutores inclusive, que me parece que o episódio que sequer se sabe se foi real, foi apenas um catalisador de um urro de parte da população letrada branca brasileira contra o que eles consideram um absurdo: A negativa pelo menos textual de que são senhores absolutos de toda a cultura.

Como assim apropriação cultural se a cultura circula e influencia a todos? Perguntam alguns.

Se apropriação cultural não pode porque usam calças se calças são invenções europeias? Vomitam outros.

O que tem em comum as duas perguntas e a maioria dos absurdos que lemos vindos de gente branca supostamente intelectualizada, informada, militante, libertária,etc? Ignorância, e uma ignorância por opção em um mundo de fácil pesquisa e apreensão de saber.

A maioria dos intelectuais e militantes brancos ou não pesquisou ou se contentou com o básico a respeito do debate sobre apropriação cultural.

Pior, bastam exemplos escolhidos a dedos da estupidez militante de alguns elementos dos movimentos negros e indígenas que partem pro ataque individual pra combater um processo, e um debate, que discutem o sistema, para que os intelectuais e militantes brancos se sintam satisfeitos em jogar todo o debate pro lixo, toda a militância pela janela.

Senso crítico transformado em senso comum? Tá tendo.

E por que?

Poderia dar inúmeras explicações, mas racismo organiza todas.

Por que racismo explica todas essas manifestações?

Porque gente com capacidade cognitiva pra ser professor universitário, e militância de esquerda ou liberal de fôlego e muita leitura e ferramental analítico complexo tá ignorando todos os intelectuais negros, todas as manifestações teóricas negras, brancas, indígenas e europeias a respeito de apropriação cultural ou tudo o que é similar a ela e perambula na academia para sustentar que aquela utilização plena das culturas a seu bel prazer branco é direito inalienável, foda-se se o debate feito pelos movimentos negros tá cagando pro uso individual e apontando um fenômeno sistêmico de opressão.

De Djamila Ribeiro falando em apropriação cultural a orientalismos do Edward Said; de Chartier a Joyce Appleby; de Ginzburg a Benedict Anderson passando por todos os historiadores brasileiros que falam em cultura, tudo isso é lixo diante da necessidade atávica de exemplos ruins que vão de Beatles a calça comprida, além de ressuscitarem “aculturação” como palavra válida (Deus meu!) para sustentar que “apropriação cultural é bobagem!”.

Tudo está servindo para que manifeste e resguarde o privilégio branco de a tudo utilizar, inclusive simbolicamente, mesmo quando este uso não está sendo atacado, apenas está sendo informado que a sociedade branco normativa e seu capitalismo se apropria de elementos culturais de outras culturas não hegemônica para seu usufruto e lucro, ressignificando estes elementos, colocados anteriormente como pejorativos até que o uso branco os resgatasse do domínio das classes “inferiores” ( talvez também “perigosas” a partir do que se lê em Chalhoub) e estabelecesse um uso validado pela cultura dominante.

Parece difícil de entender?

A mim não.

Perceber a apropriação cultural impede branco de usar turbante e índio de usar calças? Não me parece.

Brancos são perseguidos por usarem turbantes? Se no caso de UMA PESSOA BRANCA supostamente perseguida se criou tanta polêmica eu acredito que se fosse um fenômeno realmente concreto, que possuísse mais que UM caso físico e no máximo centenas de casos em redes sociais onde os debates caem pra essa lama, como se todos os debates em internet e em redes sociais não fossem de baixíssimo nível, acho que o Jornal Nacional teria especial de trinta minutos, não?

O fato é que as exceções ao debate viraram o debate em si na ótica das pessoas brancas e essa lente faz um enorme sentido: Ela é um alarme de que quando privilégios são atingidos tudo ganha outras cores.

O que dói é que essa gente sequer se toca que reproduz opressão com seus chiliques lacradores e desinformados, ofendem, reduzem mais ainda a suposta civilização que dizem defender.

E ignoram trabalhos sérios feitos por críticos e acadêmicos a respeito da apropriação cultural do samba por parte da classe média branca carioca, que deu em Bossa nova inclusive, ou do funk que seguiu o mesmo caminho, de marginal a herói e símbolo da cultura brasileira.

É só perceber o samba, analisar o samba e sua absorção pela classe média e elite branca pra sacar o que é apropriação cultural, não dói, não mata.

Quer outra música? “Vá cuidar de sua vida” de Geraldo Filme, gravada também por Itamar Assumpção em Pretobrás I, ela é um desenho musical da apropriação cultural do samba, da capoeira e da religiosidade afro-brasileira, a partir dali fica facílimo entender.

Duvida?

Lê ai:

Vá cuidar da sua vida
Diz o dito popular
Quem cuida da vida alheia
Da sua não pode cuidar
Crioulo cantando samba
Era coisa feia
Esse é negro é vagabundo
Joga ele na cadeia
Hoje o branco tá no samba
Quero ver como é que fica
Todo mundo bate palma
Quando ele toca cuíca
Vá cuidar…
Negro jogando pernada
Negro jogando rasteira
Todo mundo condenava
Uma simples brincadeira
E o negro deixou de tudo
Acreditou na besteira
Hoje só tem gente branca
Na escola de capoeira
Vá cuidar…
Negro falava de umbanda
Branco ficava cabreiro
Fica longe desse negro
Esse negro é feiticeiro
Hoje o preto vai à missa
E chega sempre primeiro
O branco vai pra macumba
Já é Babá de terreiro.

Portanto quando vocês demonstram esse grau de ignorância coletiva pra justificar que se mantenha a apropriação cultural e silenciam o debate como um todo, escrotizando inclusive grandes intelectuais negros, e muitos brancos também, vocês apenas reproduzem um racismo silencioso e encubado no meio da alma branca da sociedade brasileira que t[á tão enrustido que não é enxergado.

Vocês escrotizam o que negros gritam há décadas, cantam e dançam, produzem na universidade, discutem na música, nas artes plásticas, na poesia, nos debates, na militância e tudo porque o privilégio de a tudo absorver por parte de uma elite branca é absoluto na cabeça de todos.

Quando vocês ridicularizam um debate sério vocês silenciam toda uma militância, toda uma luta étnica.

Talvez porque a maioria de vocês jamais viveu algo que era desprezado por ser do subúrbio virar chique porque foi pra zona sul do Rio. E tudo o que você viveu vendo ser chamado de tosco e brega virou chique porque outros passaram a fazer iguala você em endereços mais próximos do centro da cidade.

E isso ocorre sempre no Rio, por exemplo.

O trem do samba era basicamente algo que amantes do samba, suburbanos em sua maioria, curtiam, hoje é um evento que gentrificou-se e afasta as pessoas pobres que antes iam até o evento, a cada dia um evento que exclui os próprios moradores de Oswaldo Cruz que antes iam em peso e hoje não conseguem pagar a cerveja que vende ali, na maioria pelo contrário, trabalham vendendo a cerveja, servem os zona sul quando antes se divertiam.

Mas as pessoas tão intelectualizadas, brancas e lindas não percebem, porque vivem isso de longe, apenas leem a respeito e quando leem algo que invade sua zona de conforto… ai amigo, te segura porque o chilique é alto.

Sobre Capitães do mato e a comparação do “pobre de direita” com eles

quilombo

Como a maioria dos negros forros que se mantinham forros os Capitães do Mato eram homens que lucravam com o trabalho de rastreamento de escravos fugidos e isso incluía o papel de mediador mais do que o de capturador violento.

Lendo ‘Negociação de Conflito do João José Reis e Eduardo Silva a gente compreende que a maior parte dos Quilombos no Brasil eram temporários, que a maioria das fugas, especialmente do século XVIII em diante, eram temporárias também e consistiam em algum tipo de mecanismo reivindicatório.

Capitães do Mato como uma espécie de “Domingos Jorge Velho” são mais lenda que realidade.

A maior parte dos capitães do Mato era negro ou índio e deveriam poder transitar nas trilhas E nos Quilombos, assim podendo conseguir informações sobre escravos e índios fugidos.

Negros e índios armados caçando outros negros e índios? Em uma sociedade sob medo perene de negros armados acho difícil que existissem.

Às vezes brancos livres também eram capitães do mato,mas brancos eram absoluta minoria no país, poucos realmente livres, a maioria camponesa e fixada à terra através de mecanismos de relação econômica onde o senhor mantinha alguns brancos livres para o exercício de funções específicas (Ferreiros, carpinteiros, pequenos agricultores de víveres e pecuária para a alimentação das grandes fazendas,etc).

Capitães do Mato exerciam uma função de enorme importância para serem pobres. Na maior parte das vezes eram pessoas com profundo conhecimento de terreno e de escravos.

Tinham prestígio? Tá.

Pobres em sua maioria eram negros ou mestiços, alguns poucos brancos e nenhum deles tinha prestígio nenhum. Capitães do Mato podiam não ser exatamente pobres,mas eram pretos em sua maioria, e ser preto não dava prestígio, como raramente dá hoje.

A saga do homem livre no Brasil durante o período de escravidão era uma coisa complicadíssima pra brancos, imagina pra pretos,né?

O Capitão do Mato não era vilão de desenho animado, assim como os escravos de ganho que possuíam outros escravos não eram os burgueses negros do mal.

O Capitão do Mato era um sujeito que conhecia o terreno e tinha trânsito, por isso a maioria era preto ou índio, nas mais diversas comunidades, inclusive as quilombolas, para que pudesse reencontrar pretos fugidos e mediar na maioria dos casos este retorno deles às fazendas.

Havia capitães do mato canalhas e violentos como mediadores e negociadores, como em todos os casos e funções.

Capitães do mato não eram pobres, pela função específica, eram menos parte do sistema de repressão que os feitores, porque muitos eram livres sendo pretos e tinham uma função complexa onde o excesso e a violência reduziam a capacidade de mediação e trânsito e por ai vai.

Mas nem tosdos eram livres, fica a dica, e mesmo assim também não eram exatamente pobres mesmo não livres.

Wu fico até convictamente constrangido de ter de dizer isso,mas a esquerda jura que não vê absurdo em demarcar uma parte inteira da classe como idiota porque não pensa como a parte “boa” e pior, a colocá-la como uma vilã de almanaque construído a partir de visões da escravidão que demarcavam a sociedade em classes e em papéis determinados de forma maniqueísta como se a sociedade fosse construída como um mundo de heróis e vilões?

E sério, antes de existirem classes no Brasil se classifica o mundo dividido em classes.

Antes de qualquer organização industrial e concretamente capitalista onde burguesia e proletariado ficam claramente construídos enquanto classe, e isso só passa a ocorrer a vera a partir da primeira década do século XX, é impossível usar categorias como classe pra falar da sociedade escravocrata.

Pior,sem conhecer as dinâmicas da sociedade escravocrata fica complicadíssimo limitar os papéis exercidos pelas diversas figuras, etnias e estamentos em limites estanques entre heróis e vilões.

Piora mais quando além de todo o equívoco construído em cima da ignorância se transforma boa parte da sociedade de hoje em um tipo de ente negativo que é violentamente ofensivo, por ser tomado como burro e por transformar uma maioria absoluta de gente preta em “capitão do mato” a partir de uma visão equivocada deste que o coloca como “caçador de pretos”.

E revela demais, revela ignorância, elitismo, messianismo, desprezo pela consciência que o outro tem, distanciamento do outro, transformação do outro em um tipo de animal rebelde que renega a condução e se isso é revolucionário meu nome é Tamanco.

Não só é absurdo comparar pobre de direita com capitão do mato, como é anacrônico e revela absoluta ignorância sobre o caudal cultural que compunha as organizações sociais e as diferentes partes da estratificação social durante o período da escravidão.

Aliás, revela um problema sério da esquerda de pindorama de conhecer pouco o próprio país, sua história e o que tem de estabelecido na historiografia sobre a escravidão.

João José Reis, Flávio dos Santos Gomes, Sidney Chalhoub, Eduardo Silva pesquisaram a escravidão e a pós-abolição por décadas e tem nos livros deles material o suficiente pra que se entenda a sociedade escravocrata sem esse tipo de anacronismo.

É de uma estupidez solene transformar o “pobre de direita” num ente criado pelo imaginário “intelectual” sobre o Capitão do mato, majoritariamente negativo e que ignora tudo o que foi produzido até hoje a respeito.

O que esperar de quem ignora que as fugas pra quilombo não são como aparece em Escrava Isaura, que a maioria dos Quilombos não foi Palmares, que a relação de boa parte dos escravos com seus senhores foi, especialmente pós Haiti, tão transformada que transformou o imaginário de Pelourinhos e chicotadas em lenda?

Claro que na cabeça dessa galera as Sinhas Pretas, que possuiam escravas, eram calhordas opressoras, ignorando toda a relação de escravidão em posse de ex-escravo como caminho mais rápido pra alforria,né?

E os Capitães do Mato que viraram menos os caras que trabalhavam na mediação entre pretos fugidos e senhores, nem sempre sendo violentos e homicidas,mas também atuando como leva e traz de reivindicações, pra que analisar isso?

O que esperar de uma galera que, pensando no século XX e XXI, pensa que no imaginário do período de escravidão o contrário de escravo era senhor e não “homem livre”, porque a ideia de liberdade foi, em toda a sociedade, algo construído a partir do fim do século XVIII?

Como explicar pra essa gente que a figura do Capitão do mato “retirando os escravos da liberdade” seria inútil em uma sociedade onde a liberdade para negros, e até pra brancos, era um treco impossível, como é até hoje, dado que a determinação da situação de livre ou escravo era principalmente a cor da pele, e não eram raros os forros reescravizados?

Já ouviram falar em “muros invisíveis”? Pois é. Dá até preguiça ler esse tipo de comparação e pior, ler a defesa disso como normal.

Se a esquerda quiser tem alguns livros fundamentais, como “Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil” do João José Reis e Flávio dos Santos Gomes, “Camélias do Leblon” do Eduardo Silva, “Visões da Liberdade” do Sidney Chalhoub, e pra fazer a relação sobre o “pobre de direita’ e o distanciamento que a esquerda faz do próprio marxismo pra formular esta bobagem, recomendo ” A formação da Classe Operária Inglesa” e “Costumes em Comum” do Edward Palmer Thompsom.

A Esquerda, a Direita, Eleições, Catequese e Colonização

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Eu voto nulo e faço campanha pro voto nulo, todo mundo sabe,mas não dá pra deixar de comentar eleições e como elas se dão, e como o comportamento da esquerda é equiparável ao da direita com relação aos mais pobres.

Os rumos eleitorais nas grandes cidades tendem a uma enorme confusão.

A direita encontrando mais dificuldade do que esperava e a esquerda, que contava com a eleição certa de Luciana Genro e Freixo e a reeleição de Haddad, enfrenta dificuldades extra nas suas caminhadas.

Parte do problema e das dificuldades da esquerda vem menos da fantasia de uma unidade mitológica perdida e mais da perda de capilaridade de sua organização no decorrer dos anos 1990,2000 e 2010.

O que isso quer dizer? Quer dizer que dos anos 1990, onde havia núcleos do PT espalhados por praticamente todos os bairros das grandes cidades, até os anos 2010, onde nem o PT manteve o que tinha nem o PSOL avançou sobre os espaços deixados pelo outrora maior partido da esquerda, a organicidade dos partidos de esquerda não só minguou como foi transformada numa mudança metodológica de organização que priorizou a formação de burocracias à formação de contingente militante e politização consciente nas cidades e interior.

Enquanto isso a direita, especialmente a vinculada a grupos evangélicos, construiu sólida expansão nas periferias e cidades do interior via velhos métodos, centros sociais e clientelismos, e novos atores, a participação cada vez mais ativa de religiosos neo pentecostais na política e inserção forte das igrejas na construção de laços de solidariedade comunal nos mais diversos locais dos grandes centros urbanos e interior.

Em resumo: A esquerda optou pelo eleitoral a partir do voto de opinião, a direita ampliou seu arco de ação fazendo trabalho de base cotidiano via igrejas e centros sociais e gerou um enorme contingente de gente que não só apoia candidatos de direita,mas os apoia ideologicamente, fazendo parte orgânica, especialmente via igrejas, das forças políticas que os mantém.

Exatamente, gafanhoto! A direita construiu militância capilarizada, enquanto a esquerda focou em manutenção de militância orgânica de classe média e expansão de apoiadores não militantes a partir de laços mais próximos do clientelismo, especialmente via lulismo, que de identificação ideológica.

E o segundo caso muitas vezes muda de lado pelos mesmos laços, e ainda passa a participar de um tipo de organicidade ideológica conservadora.

São vinte anos de transformações na direita e na esquerda, e é óbvio que isso daria em mudança no quadro eleitoral.

Nesse meio tempo outro fenômeno também cresceu nas periferias: Uma esquerda não partidária que não se identificava com a esquerda sucrilhos e combatia a direita evangélica.

Essa galera caiu dentro de uma posição apartidária,mas crítica, quando não anarquista e autonomista.

Muitos dessa esquerda periférica votam, outros não, todos são politizados e buscam um debate politizado a partir do ethos da própria periferia, seja via RAP, seja via organizações como núcleos socialistas (O IFHEP em Campo Grande no Rio é um exemplo), seja via coletivos de educação popular ou assembleias populares das periferias.

Toda essa galera tem posição combativa pela esquerda e critica fortemente o viés elitista da esquerda partidária tradicional.

E ai temos um fenômeno interessante: A direita dialoga com essa esquerda, mesmo sem contar com seu apoio e sabendo disso,mas a esquerda partidária a ataca.

E por que? Porque o pastor que aglutina os laços de solidariedade comunal que o sustentam politicamente sabe que o filho da Dona Naná que é anarquista e não vota nele é filho da Dona Naná, Primo do cumpadre meu Quelemem, irmão do Riobaldo, namorado da Zuleica, filha do marceneiro João, todos da igreja, menos o o filho da Dona Naná, que é bom menino e que isso de anarquia vai passar.

O Pastor pode estar errado no diagnóstico,mas na relação não. Ele sabe que o sujeito que ele vai combater na favela tem mãe, e a mãe é da igreja, e que os laços não podem ser rompidos, ele vai precisar conversar,mesmo com condescendência e mal disfarçado nojinho,mas vai ter de conversar.

E o assessor do vereador do partido bonito que dança tambor de criola na Lapa? Porra esse fica ofendidíssimo porque aquele fudido preto e pobre da favela do Jacó não vota no seu candidato que é a salvação da porra toda com sua proposta de fazer uniformes escolares de cânhamo que geram energia a partir da absorção da luz do sol e carregam celulares enquanto o corno fica no sol esperando duas horas pelo ônibus.

Como assim a esquerda não merece o voto da periferia?

Talvez seja porque a periferia nunca viu a esquerda, nem comeu, só ouve falar.

Esse comportamento se dá de forma simples: Catequese e colonização.

Sim, a esquerda espera uma reação de gratidão do fudido àquela que lhe leva a luz da consciência política de cima pra baixo à esquerda de quem entra. Logo ela que desperdiça domingos de sol que podia gastar na praia à passos de sua casa pra levar a luz da consciência política à esses bárbaros da favela é desprezada? Como assim não se consegue mais catequizar o pobre?

Talvez amigo, porque a direita montou posto avançado de colonização enquanto tu aparece apenas com o evangelho surrado de um marxismo cambeta.

O evangelho que vale é o do pastor que tá ali dando a cara tapa todo dia e não do missionário catequético e caquético que aparece do nada falando de um Deus Estado socialista mágico que tende a puni-lo se ele não gostar de seu messias.

Aliás, bora combinar que a esquerda que aparece pra catequizar também quer colonizar a periferia, né?

E por isso a esquerda que tá na periferia também repudia tanto o socialismo amarelo quanto o bispo Machado.

Mas quando a esquerda partidária vai entender isso? Nunca, ela sequer entende que passar na casa de alguém não é morar lá, imagina questões complexas.

O Hegelianismo travestido de Marx que a esquerda partidária insiste em usar, a partir da versão de São Lênin-Zizek-Mujica, impede por seu idealismo que a dialética funcione.

Por isso temos uma esquerda marxista sem Marx, sem antropologia, sem sociologia, sem samba.

E enquanto isso a direita tem o evangelho, e laços de solidariedade comunal, e diálogo com o filho da Dona Naná, mas o problema pra esquerda é quando o cozinheiro escreve.

 

Sobre o trauma de infância dos racistas com a reparação aos negros pela escravidão

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O esforço estoico de racistas que querem questionar a reparação histórica aos negros porque “existiam negros que possuíam escravos” e “italianos pobres não recebem reparação” chega a ser comovente, seria comovente ao menos, se não fosse uma completa estupidez.

O sistema era escravista, praticamente todos os que podiam tinham escravos, inclusive escravos possuíam escravos, mas nenhum escravo era branco.

Negros escravizavam outros negros sim, assim como eram escravizados por brancos.

Assim como o tráfico negreiro era comandado por brancos e quem possuía o maior contingente de escravos, todos negros, eram os brancos.

O percentual de negros possuindo escravos era ínfimo em comparação com o percentual de brancos que possuíam escravos.

E lembrem-se os escravos em qualquer caso, eram negros.

Negros não podiam por lei nem guardar dinheiro, nem ter posses, não podiam comprar terras.

Se o dono de escravos era negro e ele fosse também escravo, ele não seria dono concretamente desses escravos, o dono seria o branco que o possuísse.

Mesmo o negro livre tinha limitação de posse de bens e escravos e poderia sofrer se houvesse contestação de posses por algum branco.

Sobre a relação entre negros escravos e imigrantes a gente precisa de números: perto de seis milhões de negros escravizados chegaram ao Brasil, a quantidade de imigrantes europeus não chega a um terço disso.

Imigrantes Europeus jamais chegaram ao Brasil com sua cidadania e até sua humanidade retirada.

Imigrantes brancos chegaram ao Brasil podendo ter posses, tendo status de ser humano, muitos, a grande maioria, receberam terra e participaram de projetos de colonização.

Nenhum negro que tenha chegado ao Brasil antes da abolição chegou de outra forma que não escravizado.

Mesmo o pequeno número de escravizados que conseguiu fama e fortuna é nada perto do enorme contingente que não só permaneceu escravizado até a morte, como assim também foi com seus descendentes.

Pra piorar todos, absolutamente todos, os negros jamais conseguiram retomar completamente seu status de seres humanos aos olhos da sociedade, mesmo pós abolição.

Trezentos anos de escravidão construíram uma cultura de inferiorização de negros que ainda não foi reparada, e inclusive é reforçada a cada dia em que racistas utilizam de argumentos toscos pra tentar negar a necessária reparação histórica que a sociedade brasileira deve aos negros.

Então é preciso reparação sim, e beijinho no ombro pra esse recalque babaca de branquinho com cagaço de perder privilégio passar longe.

Eu eurocêntrico: Ou da crítica como álibi pro analfabetismo funcional

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A galera perde a mão na crítica por vezes por absoluto analfabetismo funcional.
 
Me chamaram de eurocêntrico porque cito num texto uma porrada de autores, entre eles Frantz Fanom e Ashata shakur (Martinicano e estadunidense, respectivamente), e colocava que era fundamental dialogar teoria com MCs,funk,etc, com a comunidade, porque é fundamental mesmo.
 
Em vários momentos, até nesse texto, coloco que a teoria e a ação ou são da periferia pro centro ou dançam.
 
Sim, as pessoas leram (Leram?) a citação aos autores e ignoraram o texto, e desconhecem parte deles.
 
Também citaria João José Reis e Eduardo Silva, como já citei várias vezes, ou Chalhoub,mas eles são historiadores que tem uma contribuição teórica menos simples de ser transferida pro debate político em si (Vá lá dá pra fazer isso com Negociação e Conflio,mas Thompsom já aborda a mesma coisa),mas preferi citar as fontes teóricas mais amplas e mais facilmente transferíveis pro debates (E fontes dos debates propostos pelos eutores citados ai).
 
E também ignoraram o alvo do texto pra dizer que “Não cito todas as variantes da esquerda”, óbvio, eu me dirigia a uma variante, o que eu chamo de Esquerda de Apartamento©, seria no mínimo anti-didático citar todas as variantes de esquerda NESTE texto.
 
As pessoas não me lêem, não me conhecem, não procuram saber, não interpretam nem um textão “lacrador” (como se referiram a meu texto), mas são ágeis no julgamento (agilidade nem sempre é qualidade).
 
Isso não é problema, seria se não incluissem uma acusação de racismo porque uso o termo “nego” uma vez no texto, termo esse que cresci usando e ouvindo no subúrbio do Rio sendo emitido por todas as cores.
“Nego”, “negozinho”, é uma terminologia comum do Méier em diante. É negativo? Nunca percebi desta forma ou fui alertado a respeito.
 
Se for eu não tenho problema nenhum em parar de usar, basta me informarem a respeito, a questão é julgar tudo pelo uso de um termo ou porque sequer conseguem prestar atenção no conteúdo de um texto, seu contexto (todo texto tem contexto perceptível nele mesmo, basta ler) ou a forma que se aborda.
 
Ter cuidado e crítica são fundamentais, especialmente pra alertar sobre racismo, misoginia e homofobia, p.ex.,mas complica se o uso da crítica vira outra coisa, algo como caça às bruxas e gincana do purismo.
 
Pra me conhecer basta clicar no nomezinho presente no perfil e procurar nas minhas postagens o racismo,a homofobia, a misoginia, procurar minhas abordagens.
 
Querer em todo texto uma citação à todas as variantes da esquerda é de foder. Ou o Facebook agora vai precisar ter nota de pé de página?
Até porque se a pessoa que leu, e tá na esquerda, não consegue entender que quando a gente aponta Esquerda Brasileira de Apartamento© (chamar de generalização algo que eu cito nome a nome seus participan tres ou referências deles é dose) aponta para uma determinada Esquerda Fora Temer©(Tá repetido isso no texto inclusive), ela tem problemas sérios.
Ou todo autor que critica a Esquerda é automaticamente posto na caixinha da direita?
 
Transformar todo um texto em racista porque se usa um termo que pode vir a ser racista, não sei se é, uma única vez dentro de um contexto específico nada racista?
 
Chamar alguém de Eurocêntrico porque não entendeu o texto (Ignorar um parágrafo inteiro e a nacionalidade de Frantz Fanom pra chamar o autor de eurocêntrico é de foder)?
 
Não dá.
 
E com todo respeito, quem utiliza a ferramenta da crítica pra agir dessa forma é reflexo enorme do que apontei no texto a que me refiro: Falta de formação.
 
Não porque a esquerda precise ter toda leitura do mundo, não,mas ela precisa saber ler, e saber ler não é o exercício automatista de ler um texto inteiro, mas é ler, entender, possuir ferramental pra ir além de entender, efetuar a crítica do que leu e formular dali pra frente.
 
E com todo respeito: a maior parte da esquerda não faz mais uma mísera linha de análise do real que não seja um amontoado de lugares comuns mal escritos, anarquistas inclusive.
A fundamentalidade da esquerda sim ter programa que ensine teoria grossa (Tem enorme material produzido fora da Europa, viu?) é cada dias maior.
Inclusive é óbvio que a esquerda precisa ensinar a ler, sim, a ler, a ler textos inteiros e textos complexos, atuando inclsive como reforço pra quem começa universidade.
 
E sim, isso é A Esquerda Brasileira©. Sim, é de Apartamento©.
A minoria da esquerda é popular.
A minoria da esquerda partidária e a extrema minoria da esquerda nao partidária, são populares, são feitas de gente pobre e preta das favelas e bairros pobres.
Nunca vi o PSOL em Oswaldo Cruz, nunca vi anarquista em Santa Cruz, organizado não.
Tem sim esquerda não partidária em barirros pobres, mas ela não representa a maioria destes bairro e nem aponta pra isso. E basta ler meus textos pra saber que mesmo assim louvo sempre que posso o trabalho dessa esquerda não partidária, que tenho o GEP como referência, o MOB, a FARJ, a FAG.
A minoria de anarquistas está nas organizações de luta cotidiana, a maioria tá na internet chamando o coleguinha de eurocêntrico sem entender texto.
A Esquerda Partidária tá tão Ciranda Cirandinha© que sai de Starbucks em Starbucks gritando Fora Temer, Fora Feliciano, Fora Cunha enquanto a direita cassa nossos direitos e nos caça nas ruas, especialmente mulheres,negros e lgbts.
 
As marchas antifascistas são em menor número e com menos gente dos que as confirmações nos eventos de Facebook.
 
Vão nas comunidades anarquistas, por exemplo, tem mais gente querendo determinar se tu é “anarquista evrdadeiro” do que gente querendo dialogar com teoria.
É mais fácil aparecer anarco sindicalista chamando confederalista libertário de “traidor do movimento porque Bookchin defendeu que anarquista vote” (A rapaziada não entende sequer o contexto dessa defesa dentro da realidade estadunidense) e dizer que árvore e índio que se organizem como os trabalhadores se organizam, do que gente afim de construir alguma coisa pra além da teatralidade do “ser de esquerda”.
Nessas comunidades a rapaziada se escandaliza mais quando um companheiro diz que a luta sobre a prostituição, a favor ou contra, é uma questão que diz respeito à mulheres, cis ou trans, no máximo também a homens, cis ou trans, envolvidos com prostituição e chama de “doutrinado” porque se defende algo que é BÁSICO: Feminismo é um debate que deve ser feito entre mulheres.
 
Não muito mais longe, entre autonomistas se transformou em moda dizer que anarquistas são exemplo perfeito de quem só vê o lado bom de sua forma de luta, jamais admitem fracassos, ou seja, somos novamente um mundo onde a luta virou competição, a meritocracia invadiu o sistema da esquerda,né?
 
E a esquerda partidária com “Fora Temer”?
Outra questão é “Professores são também de direita!” ou “E tem professores que são de esquerda apenas no discurso!”, sim queridos, também tem “Esquerda” que só é “esquerda” em rede social, mas o texto era claro: A esquerda tem trocentos professores e é incapaz de organizar formação em seus vários espaços.
 
Eu centrei fogo na Esquerda Fora Temer,mas não só ela comete isso, quantos de nós estuda para além da obrigação formal?
Jura mesmo que as trezentas comunidades anarquistas nas redes sociais são compostas de quem realmente assim se pensa, mas opta comodamente pra nunca se organizar entre anarquistas fora da bolha e não tem problema nisso? Tá.
 
Quantos de nós leu minimamente? Poucos, e não me venham com papo de “Existe a sabedoria das ruas e nem todo mundo sabe ler texto pesado”, porque é bulshit.
 
Por que é bobagem? Porque a sabedoria das ruas não perde porra nenhuma em ganhar a companhia de ferramental teórico da pesada, vão por mim.
E nem o intelectual perde porra nenhuma em dar ouvidos às ruas, e ser das ruas, a não ser que o “sábio das ruas” esteja impregnado de um anti-intelectualismo estéril e tão burro quanto o nojinho elitista do intelectual de apartamento.
 
Ninguém precisa gostar de funk pra ouvir funk e funkeiros, nem amar Chartier pra aprender com Chartier, ou Fanom, ou Shakur ou Bookchin…
 
Só que sim, precisamos ler, precisamos saber Bahktin, precisamos ler Ginzburg, precisamos saber Shakur, precisamos de Samora Machel (Foda-se se ele era stalinista!), precisamos dar mais atenção às categorias nativas, de quem produz teoria com rap.
E precisamos de Marx, engels, Trotski, Nakunin, Kropotkin, Malatesta…
 
Mas precisamos antes de mais nada acordar pra vida e parar de fazer causinho babaca porque precisa “lacrar” o outro.
 
Aliás, “textinho lacrador”? Meçam vocês por suas réguas, amigos, não a todos.
Nem todo mundo usa rede social pra fazer forfait ou tentando pagar de mais brabo que o colega de escola.
O “ser de esquerda” virou valorativo moral, rótulo qualitativo das pessoas, e não identidade política que se estabelece enquanto ação.
O “ser de esquerda” virou uma versão menos ativa que o “ser vegano”, é sociedade do espetáculo, é representação, é teatralidade estéril.
Pois é, enquanto isso seguimos sem formação, com poucos de nós voltados pra entender mais e mais dor eal, dialogar amplamente com tudo e todos que permitam-se ao diálogo transformador seremos essa merdinha isolada, purista, burra, tosca e limitada.
 
Porque é sempre mais fácil atuar como grilo falante de mal humor que propor qualquer porra.
 
A crítica, arma da transformação, quando vira álibi, torna-se inerme.