Pelotas, a UFPEL e o diabo que mora nos detalhes dos discursos

Desde que tenho memória, há nela alguma relação com universidades. Quando era criança pequena lá em Guadalupe, um pequeno longínquo bairro da mui leal cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, convivia com a vida universitária de meu pai, trabalhador da segurança pública que resolveu virar “dotô” aos quase quarenta anos. “Seu” Gilson se orgulhava muito de ter se tornado bacharel em direito pela UFRJ aos quarenta e um anos, mais do que ser Detetive-inspetor da polícia civil do Rio de Janeiro, e lidava com isso com o mesmo orgulho que eu lido hoje por ter a chance de ser um doutorando em história pela Universidade Federal de Pelotas. 

Porque nem a graduação dele, nem meu quase doutorado foram conquistados no kinder ovo, ainda mais sendo em uma universidade federal. Além disso, talvez nós cariocas tenhamos um defeito enorme de respeitar para caramba termos uma universidade federal em nossa cidade, o mais estranho é que os niteroienses também se orgulham de sua UFF, e os capixabas que conheci se orgulhavam de sua UFES ou os meus amigos mineiros de Belo Horizonte ou de Montes claros se orgulham de sua UFMG e UNIMONTES. Outras pessoas insanas são os porto-alegrenses e seu orgulho da UFRGS.

Já os pelotenses, os médios ou não, tem um problemaço com a UFPEL e eu desconfio que é porque ela representa a chance de quem se forma ou se torna mestre ou doutor por ela sair de Pelotas, mas isso é uma dedução advinda do ITdK, ou Instituto Tirei do Karma (é outro nome, mas proibido neste horário), a questão real é que há uma rejeição de discussão do papel da universidade na cidade, mesmo ela sendo central para vida econômica, social e cultural do município.

Qualquer debate em torno dos problemas da UFPel se transforma numa atrapalhação de planos que nunca são feitos, em qualquer partido, em qualquer lugar, o tom é quase sempre o mesmo. Praticamente só quem se importa com os rumos da UFPel são os discentes, docentes e servidores Técnico-administrativos em Educação,mesmo sendo um caso onde o orçamento da universidade tenha um peso gigante direto e indireto na sobrevivência desta ex rica cidade esquecida pelo Deus do desenvolvimento.

Com um orçamento de cerca de 70 milhões, a UFPEL está longe de ter o peso da UFRJ, a maior universidade do país e que em 2021 tinha um peso de 31 milhões mensais, gastos em serviços, salários,etc e que geraram uma circulação econômica para cidade do Rio considerável, mesmo sendo uma capital com orçamento bilionário, mas o impacto da UFPEL na economia de Pelotas é tão considerável que mexe com o mercado imobiliário e de consumo diretamente.

Em 2015, a UFPEL tinha  18,4 mil alunos e 2,6 mil servidores, fora os professores, e todos impactam a economia da cidade, consomem na cidade, gastam energia elétrica na cidade, pegam Uber ou ônibus na cidade, gastam gasolina, tomam seu cafezinho, ainda mais com uma população que gira em torno da universidade e que está perto de ser em torno de 1% da população total de Pelotas.

Falta aumentar a integração entre Universidade e o Município? Falta. Falta uma campanha para reitoria que pense nisso e uma campanha para prefeito que identifique isso? Falta, mas é estranho que os debates nos fóruns políticos de pelotas sejam feitos ignorando a contribuição da universidade e como os efeitos de seus rumos políticos interferem nos rumos políticos da cidade.

Os governos do PSDB e do PP que destroem a cidade não ocorrem por acaso, ocorrem pro uma cultura que nega a necessária construção de uma relação entre município e universidade como dois companheiros de uma viagem em que a população exige e necessita que uma harmonia e simbiose entre ambos forneça a produção de dias melhores para todos.

Desde convênios na saúde a projetos com a Engenharia, é enorme a quantidade de meios que outros estados e municípios deixam como exemplo para nós, especialmente a esquerda, e o que fazemos com isso?

A experiência como militante do PSOL e agora do PT em Pelotas não é auspiciosa. E em contato com companheiros de outros partidos de esquerda não é incomum ouvir a mesma coisa: a companheirada, e parte significativa da população, rejeita a universidade em seus discursos e falas.

Claro, o elitismo que cerca o meio universitário é refletido nessa relação, mas ele também existe nas universidades do país todo e a população tem uma relação com isso de forma diferente, sabendo diferenciar a tolice do elitista da necessidade de ter uma universidade.

Um caso clássico dessa relação de valorização pelo povo de suas universidades é a UERJ sendo respeitada e defendida por deputados de direita na ALERJ pelo eco negativo de suas impopulares tentativas de fechá-la, obrigando os nobres parlamentares miliciano-fascistas a arrumarem meios alternativos de destruí-la, como aparelhar a universidade em esquemas de corrupção.

O mesmo ocorre na USP ou na UNIFESP, ou na UFES, na UFC, mas em Pelotas não. O mesmo orgulho que perambula sorrisos quando um filho vira “bixo” some nos papos de boteco e cafeterias. Nos fóruns virtuais a virulência é maior, nos jornais a UFPel só entra quando assunto é polêmico. E nos debates partidários muitas vezes a UFPel é mencionada como um embate que atrapalha até a ausência de debates.

Não é pouco o problema, ainda mais quando se vê que em todo canto é prioritário para esquerda debater desde a participação ou não na UNE até as disputas da reitoria e DCE, em Pelotas não. 

A naturalização da desimportância de algo tão importante ou até de uma espécie de elefante na sala de um município que tem uma jóia, mas cisma em achar que não precisa dela, é um fenômeno raro para observadores mais atentos.

Diante de uma crise que envolve os três setores que compõe a universidade, ignorar o impacto político de cerca de 1% da população consumidora da cidade em pé de guerra por questões políticas internas da universidade, mas que também impacta internamente o campo da esquerda e pode gerar problemas em nosso confronto contra o fascismo, é tipo não tratar um câncer de pele porque acredita no uso de babosa.

É um caso clássico de negacionismo político e histórico, é como pregam os anti-racistas Morgan Freeman (Se não falar sobre algo ele desaparece), só que não adianta ignorar algo que é inerentemente impactante no dia a dia político da cidade e das cidades, e tem reflexo direto na forma como a juventude enxerga a política e os partidos políticos, em como a população percebe o cotidiano político e em como nós vamos lidar uns com os outros daqui a três meses, que é perto para caramba das eleições municipais.

Às vezes os discursos são apenas hipérboles ou slogans, mas às vezes eles significam a semeadura de desastres, e por vezes o que ninguém diz é uma forma eloquente de expressão.

Diante dos conflitos que estão acontecendo nas eleições para a reitoria, o que estamos realmente dizendo para a cidade, para a esquerda e para nós mesmos?

Não é uma pergunta para saber quem tem razão, mas uma pergunta para saber quem e o que vai sobreviver politicamente depois do processo.

O Socialismo precisa deixar de ser macho,adulto, cis,hetero e branco

Privilégio branco é uma categoria fundamental para ser discutida em partidos socialistas, inclusive a partir da métrica onde a maior parte da estrutura de pensamento que balança o berço de seus programas é resultado da escrita de homens brancos.

Além disso, a posição da identidade de gênero, orientação sexual e o peso etário é parte um debate fundamental que precisa por em xeque a hierarquia destas condições na construção de privilégios a partir do eixo do macho,adulto, branco, hétero e cis.

E por que essas questões? Porque o debate étnico-racial, de gênero e identidade de gênero são, junto com debate ambiental e questão etária, os pavimentadores de discursos belíssimos que não constroem alicerces dignos dos arabescos escritos e lidos em voz alta nas assembleias.

Em entrevista recente ao podcast Mano a Mano de Mano Brown, Lula se enrolou todo para responder sobre a posição do PT diante da ausência de um número relevante de pessoas pretas nos cargos de direção do partido. 

No PSOL, o debate sobre a negritude é tão insuficiente que só em seu sétimo congresso se chegou a uma resolução que formaliza cotas para igualdade racial e de gênero nas direções, e ainda há uma falta de representação indígena e LGBTQIA +.

Diante da paulatina conquista de peso político na marra por parte das minorias políticas, se faz mais que necessário o debate a respeito da posição no processo revolucionário de quem, como eu, faz o bingo da branquitude masculina cis heteronotmativa. 

Porque é provável que muitos de nós entendem que seu limite é o de sermos espectadores, da mesma forma que uns tão brancos quanto nos acusam de “síndrome de princesa Isabel” ou companheiros pretos e pretas, talvez com razão, de fazermos token com suas dores e trajetórias.

Só que a questão é mais objetiva e menos afeita à falta de razoabilidade de todos os ovos numa mesma cesta de ataques e confusões. Há homens brancos cis hetero na classe trabalhadora, e a não ser que se defenda uma tolice como a de seu extermínio, é preciso que estes estejam alinhados e aliados às lutas das minorias políticas.

Sim, amigos, amigas e amigues, não se fará revolução nenhuma sem gente branca, o que também não significa que essa gente branca,que é sim parte do problema, precise ser eterna protagonista da luta de classes e liderança natural dos processos decisórios,eleitorais, de formação,etc.

Há uma necessidade de abdicação coletiva de protagonismo pela branquitude masculina cis hetero normativa e construção ccncreta das alegorias e adereços do Carnaval de índios, LGBTQIA+, negros, mulheres e adolescentes.

Porque se “numa sociedade racista não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, como escreveu a companheira Angela Davis,  também não basta ser “tolerante” à diversidade de gênero, identidade de gênero, de orientação sexual, de cultura. 

A tarefa da branquitude começa por sair da frente e assumir esse papel necessário de fazer o que é aparente se tornar uma regra. 

Não basta comemorar paridade de gênero e raça na bancada federal se as direções não compõem essa paridade nas suas composições, se os programas não se dobram à relevância dos debates teóricos e políticos de fora do mundo europeu e se os cargos majoritários (e a maioria dos proporcionais) são disputados sempre pro homens cis brancos e heteros.

Tem que ter Marx, Lênin e Trotsky na formação política? Claro, mas porque não ter Fanon, C. L. R. James, Mariátegui, Angela Davis e outros tantos, tantas e tantes que ocupam na marra seu espaço teórico de produção, mas cuja formação tradicional dos partidos políticos e correntes fazem com que os militantes que melhor se informam e formam não conheçam?

Quantas Revoluçẽos são discutidas sem uma menção à imensa Revolução Haitiana? Quantos sabemos das rebeliẽos africanas no Brasil?

Não há caridade ou senso de auto salvamento na defesa que faço aqui, pelo contrário, é o pragmatismo da obviedade que as condições objetivas da conjuntura nos impõe, ou é falso que a branquitude é o que dá lastro ao neoliberalismo fascista de Bolsonaro, Guedes e do PSDB?

A tristeza de perder Marielle produziu o fenômeno palpável, mensurável, da multiplicação de ocupação de mulheres e trans pretas no espaço político. Erika Hilton, Érica Malunguinho, Benny Briolli, Talíria Petrone, Renata Souza, Mônica Francisco, Luana Alves, Áurea Carolina, Karen Santos, são, todas e todes, parte de um fenômeno que faz com que a realidade se imponha como fato.

Esse fato nos obriga a pensar o papel da branquitude,masculina cis heteronormativa como liderança natural dos processos políticos e eleitorais empartidos socialistas sob pena do socialismo defendido sem o elemento crítico da questão étnico-racial, de gênero e identidade de gênero ser um socialismo supremacista branco.

A pena da não observação e discussão da questão, apelando pro discurso vazio e para “inglês ver”, é a ampliação do fosso entre companheiros de diversa tez, cultura, gênero ou identidade de gênero e permissividade que acaba num sectarismo interno e externo que reproduza a secessão que o racismo, a homofobia e misoginia estrutural já produzem no dia a dia.

Se não formos o partido que queremos ser,não poderemos ser a realidade socialista que desejamos construir.

Nada se repete, nem o Sol

O movimento da vida não deixa que a vida seja sempre igual, já disse Gonzaguinha numa canção que remete a Heráclito de Éfeso.

Não precisamos, no entanto, ir à Éfeso da Antiguidade para conversarmos sobre o momento político e os movimentos de partidos, governo e oposição na conjuntura política do Brasil.

Primeiro precisamos entender os limites das ações dos partidos pró e contra Bolsonaro, do Exército e das forças armadas a partir do hoje e não a partir de um conjunto de exemplos e momentos históricos anteriores isolados numa caixinha de cristal que faz a história se repetir, e sem sequer ser como farsa.

Primeiro precisamos pensar no Exército e nas Forças Armadas como algo mais complexo do que sonha a vã análise política de quintal.

Talvez desde 1870, o Exército e as FA são compostas de frações que atuam politicamente de forma aberta. Já havia republicanos e abolicionistas em um Exército e Marinha dominados por monarquistas pró-escravidão no século XIX. 

A República foi declarada viva por um general monarquista que ironicamente se tornou o primeiro presidente da República, e parte do apoio à nascente República veio de senhores de escravos descontentes com o rumo que o Império deu à questão da compra e venda de gente preta. Não que o Imperador fosse santo, mas quando ele resolveu fazer uma mísera ação que prestasse,atendendo à crescente pressão abolicionista (E republicana), deu ruim pro Barba. 

Desde os primeiros anos da República o Exército e a Marinha, depois acompanhados pela FAB na segunda metade do século XX, foram atores fundamentais na política nacional. 

Desde a proclamação da República, depois com a Revolta da Armada, passando pela Revolução de 1924 e depois a Revolução de 1930, Tenentes, Jovens Turcos, República do Galeão, Golpe de 1964, Abertura, Anistia, Governo Temer e Bolsonaro, Exército e FA atuam e atuaram politicamente e forma aberta, e demonstra divergências em como essa atuação se dá.

Sempre ao lado dos donos de Terra, Senhores  de Engenho, Terras e Gentes, as Forças Armadas e o Exército jamais concordaram monolíticamente em como punham em prática seu governo platônico autoritário de Extrema Direita.

Essa divergência também contava com a ideia de como intervir no cenário político, jamais sobre não intervir. Da mesma forma, a compreensão da necessidade de alianças políticas com políticos tradicionais foi palco de divergências e ainda é, com maior ou menor aversão ao que hoje se organiza em torno do Centrão.

O tom reacionário dos governos defendidos pelas diversas frações das Forças Armadas nunca foi problema para nenhum membro delas, as FA são instituições de extrema-direita ou pelo menos ultra conservadoras (aqui e no mundo), mas não há uma concordância explícita sobre o caráter do governo que defendem. 

Há nas FA a mesma relação de entendimento ou aversão à necessidade de alianças com forças políticas de fora do campo quentinho de sua ideologia reacionária que há na esquerda como um todo. 

 Há nas Forças Armadas a mesma divisão entre práticos e idealistas que há no campo da esquerda, as diferença é que na esquerda a gente se encontra nas lutas, nas Forças Armadas o encontro se dá na disputa por meios de usar o Estado para receber um pagamento sobre um idealizado serviço público nos defender de nós mesmos através da sabotagem da nossa frágil democracia. 

A questão é que no Clube Militar ou no Campo dos Sonhos as bravatas militares são facilmente ecoadas pelos papagaios de pirata do governo perfeito,na prática a história é outra.

E aí é que entra o limite da realização dos planos militares e Bolsonaristas sobre o mundo da política. Porque do negacionismo da pandemia à satanização da ciência, passando pela tosqueira da ideia de economia e aos esquemas amadores de corrupção com estelionatários o que Bolsonaro tem é um governo militarizado, incompetente e sem salvação.

A um ano da eleição o Governo Bolsonaro torce para que o crescimento econômico seja uma salvação que junto a uma vacinação mal feita, sem plano sem vacina suficiente o ponham como competidor contra Lula, um cara cujos governos tiraram as pessoas do mapa da fome, pôs filhos e netos de gente pobre nas universidades, criou um mercado de cultura nacional, descentralizado e que nos pôs em um ciclo virtuoso de criação e empoderamento de mulheres pretas, de novos atores da canção e da música, gerou novas economias e mercados.

E o que Jair oferece? Nada. Mesmo o tal crescimento econômico que ele apregoa ter ignora o que é em si. Depois de uma queda de 9% da economia, o que se tem ao “crescer” não é crescimento, é retomada e sem política de emprego e renda, que não há, não chega na ponta. Pior, trata crescimento vegetativo como ganho.

Qual a saída dos militares? Ouro, ou melhor, mineração, numa lógica totoca que põe a maior economia da América do Sul como  dependente ainda de uma lógica que valoriza mais a extração de minérios e o agronegócio que a produção de dados, cultura e de diversificação da economia.

E o Guedes? Bem, ele tá lá para gerenciar fundos e privatizar,não tem a mais vagas ideia de como produzir qualquer política econômica, nem uma política econômica ruim.

Um governo sem rumo nenhum depende de muito mais que um PP mais interessado em crescer como dominante no parlamento que em gerir qualquer país.

E aí é que erra a análise que põe o PP no governo como a salvação do governo, no máximo estancar a sangria de um impeachment, torna mais difícil, e faz com que o partido dominante tenha meios de se viabilizar como um partido que engloba a votação parlamentar pró-Bolsonaro, o colocando como um grande player na Câmara em 2023.

Talvez fique difícil derrubar Bolsonaro em um impeachment, mas dificilmente o governo deixa de ser um governo zumbi sem uma franca e improvável virada econômica pela via de um programa de investimento estatal e de emprego e renda que dê,milagrosamente, resultado em um ano.

Aprovar Mendonça no STF é ruim, mas o número de boiadas que podem passar na Câmara se reduzem, se fortalece o apoio a uma realização das eleiçẽos em 2022, se estabelece uma mancha na quase morta imagem de outsider do ex-Capitão e põe o PP como um partido que buscará se viabilizar como vencedor nas eleições de deputados, em disputa com o PSD de Kassab pelo controle do Centrão.

Talvez seja até um plano coordenado de dois partidos importantes do Centrão, com movimentos para tanto enfraquecer a tal Terceira Via como para constituir um caminho com um pé em cada canoa importante das eleições no ano que vem.

Bolsonaro continua derretendo, mas agora a agenda da extrema-direita passa a ter um gerente competente para se viabilizar como uma tor perigoso no segundo cenário  mais perigoso para nós: o Congresso.

E o PP buscará ampliar seu domínio no Senado, especialmente com o Rio Grande do Sul a partir da candidatura Heinze, que ainda tem mais quatro anos de mandato.

Do outro lado do Centrão, o PSD se estabelece como ator para ser interlocutor do PT no segundo turno e num cada vez mais provável governo Lula.

Ou seja, os dois lados do coração do Congresso estão buscando por um lado ampliar seu papel na composição do parlamento, por outro anular qualquer campo que tente se intrometer na disputa entre PT e Bolsonaro.

E ambos os movimentos disponibilizam uma dedução verossímil: PP e PSD já entendem que Lula estará eleito, mas também entendem o peso ea necessidade de ter o Congresso nas mãos para controlar a agenda.

O papel da esquerda qual é? Primeiro organizar uma resistência que derrote Bolsonaro E o Bolsonarismo, agora, se possível com o impeachment, avançando na conquista de coraçẽos e mentes para derrubar uma tentativa de  hegemonia conservadora que tentou silenciar o crescimento da luta anti opressão. 

O segundo desafio é constituir um campo de poder no congresso capaz tanto de governar com Lula quanto de avançar com o futuro governo com pressão pela esquerda.

Há setores da esquerda que perdem tempo demais na periferia deste debate e da construção de alternativas, sem organizar um planejamento de ação que componha uma construção de campo real. 

No entanto há num cômputo geral ações importantes por parte do MTST, Boulos, campos do PSOL e do PT e que apontam para um investimento concreto, dentro e fora da institucionalidade, para fazer frente a esses dois difíceis desafios.

É fundamental avançar na percepção dos movimentos da vida para que o caminho se dê sem uma derrota antecipada, ou uma vitória de Pirro. 

O medo do Golpe precisa ser um ator menor na análise e  precisa existir uma construção real de meios de resistir a um campo conservador permanente no congresso que consiga meios até de inviabilizar um governo de centro-esquerda.

A ideia de que novos 1964 estão vindo é uma âncora, não porque a História se repita como farsa, mas porque nada se repete, nem o sol.

Mais que um golpe, o Brasil corre risco de colombianização

É bastante corrente em textos na imprensa, blogs e de analistas políticos o risco de golpe pró Bolsonaro em 2022.

Nas redes sociais o golpe substitui o fim do mundo na placa do velhinho americano que anda pelas ruas de Nova York anunciando “O FIM DO MUNDO ESTÁ PRÓXIMO!”, e pululam medos a partir de ameaças cada vez mais vazias de Forças Armadas e Bolsonaro.

Já escrevi algumas vezes a respeito porque meu palpite é o de que golpe se constrói, mas só se dá quando há força para isso e a força da ala das Forças Armadas mais arraigadamente pró-Bolsonaro se foi. E com os dados disponíveis nos artigos acadêmicos e na imprensa é difícil se perceber algo além de palpites que corroborem ou desmintam o meu.

Por que diferencio alas pró-Bolsonarismo das Forças Armadas? Porque entendo que esteja bastante explícito que não há essa unidade toda no interior das FA, como via de regra não há em campo social nenhum, tampouco uma unidade política global que o Bolsonarismo catalisa.

Como eu entendo isso? A partir de percepções que a gente vê da enorme diferença entre blocos do próprio Exército e entre as Forças Armadas pela História, coisas que vão desde como interferir na política até a concepção de composição étnico-racial de cada Força.

Há literatura e pesquisa de militares contra a ditadura de 1964, das divisões das FA desde 1954 a respeito da intervenção na política, sobre as distintas interpretações, pela direita, entre Jovens Turcos e Tenentes, a divisão entre militares nacionalistas e pró-EUA durante a transição pós ditadura Vargas e por aí vai.

A gente pode de saída distinguir qualquer grande campo social ou corporação a partir da ideia de que todo coletivo humano complexo contém dissidências. Mas pelas características implícitas nas Forças Armadas fica difícil mensurar o grau de diversidade e diferença de concepções em seu interior. E isso se complica mais ainda quando falamos das polícias militares, porque elas são mais diversas entre si e contemplam uma complexa rede de micropoderes que não respondem de forma orgânica a comandos centrais, além do fato de como todo organismo social de variada composição ter o germe da diferença e da divergência em seu interior.

Esse preâmbulo todo é para discutir aqui a potencialidade de um golpe em um cenário onde o governo derrete, ass Forças Armadas tem um apoio cada vez menor e tem digitais em toda a crise envolvida na pandemia e no vacinoduto.

Além disso, 51% da população brasileira declara ter medo das polícias.

Ou seja, se as Forças Armadas, mesmo gozando ainda de prestígio, vêem  este apoio popular derreter pela adesão ao bolsonarismo, as polícias mais ainda, como grandes forças de opressão à maior parte da população, recebem apoio da cada vez menor classe média de de uma classe alta que sempre adorou apoiar as forças de repressão a pretos e pobres que protegem seu patrimônio contra as hordas bárbaras que produzem sua riqueza.

Mas além da perda de apoio, para cada militar que arrota golpe, outros tantos sinalizam que preferem desembarcar do golpismo para tentar a sorte em outra canoa. Por amor ao país? Não, por medo da lama na cueca.

A fala de militares ameaçando as instituições são para atiçar o cagaço monumental que especialmente a esquerda tem das Forças Armadas, mas inspiram pouca confiança na própria força e alertam mais para sua fragilidade.

A ocupação em massa de militares do Exército em cargos de confiança no governo exṕlica a desenvolvura golpista de parte das Forças Armadas, mas as dissensões públicas dos comandos em episódio recente, a visita do comandante do Exército ao Piratini e até o corajoso discurso do general sem tropa presidente do STM ameaçando golpe se Lula for eleito explicam mais o mato sem cachorro que as FA vivem do que o contrário.

Pujol e cia lá atrás saíram para tirar o próprio da reta, mas significaram que vários tiraram o seu da reta com eles, o foco do golpismo e do bolsonarismo ficou com os militares da reserva e da ativa que bancaram Pazuello e escreveram uma notinha contra o Senador Aziz ontem.

Mas o mais importante é que golpe não só se constrói, mas se dá. quem pode dar golpe dá o golpe, quem ameaça quer ganhar tempo, e tudo o que o Bolsonarismo e as Forças Armadas pró-Bolsonaro não têm é tempo.

Para começar a elite empresarial e a imprensa já escolheram seu campeão: Eduardo Leite.

E com um campeão, com mais de um ano para construí-lo, o que se busca é primeiro ocupar o espaço que Bolsonaro deixará e em segundo lugar é ameaçar Lula à vera com a ampliação das dificuldades de acordo deste com a elite econômica.

E haverá espaço para ocupar o lugar de Bolsonaro? Será uma imensa surpresa se Bolsonaro chegar na eleição de 2022 capitaneando o vacinoduto que tem novos capítulos todos os dias e expõe inclusive as Forças Armadas à lama de uma corrupção que eles juravam que só a esquerda tinha em seu interior.

O recibo do Ministério da Defesa com uma ameaça de golpe para se defender das denúncias de corrupção que chegam cada vez mais perto de Braga Netto só faltou ter CPF na nota.

General também lê jornal, as tropas também vêem TV e tem que ter uma suspensão da descrença enorme para acreditar que ninguém sabia que às barbas milicas  dançavam pedidos de propina, e isso em um governo cujo presidente tem um histórico de denúncias de peculato a partir da rachadinha, funcionários fantasmas,etc.

Para piorar, família de soldado também morre de COVID, com cloroquina e tudo e com mais de 500 mil mortos é cada vez menos provável que as tropas passem ao largo da mortandade que causa o governo que não compra vacina, mas quer ganhar propina em cada compra.

O resultado catastrófico na economia, que só beneficia os muito ricos e a possibilidade nada remota de derrota no primeiro turno em 2022, a ponto do campo neoliberla achar que dá para Leite entrar no jogo, fecham a tampa do processo que provavelmente chegará ao impeachment de Jair.

Isso tudo explica o derretimento de Bolsonaro, a ausência de condições objetivas para um golpe, a falsa unidade militar em torno do governo e a incapacidade de tornar os 25% que ainda apoiam Bolsonaro uma força capaz de dar um golpe de estado.

Mas existe o problema real que os 25% que apoiam Jair podem protagonizar a partir do momento em que se percebe a derrota. E não, não é uma invasão ao Congresso nos moldes trumpista,s isso ai seria a burrice mor que nem o mais estúpido Heleno é capaz de cometer, mas a colombianizaão do Brasil, com acirramento dos ataque à esquerda, a lutadores e avitistas do meio ambiente, direitos humanos e liderançãs populares, inclusive as da direita.

Porque o processo de aumento da violência política não existe nem a unidade das Forças Armada,s menos ainda as das política,s não faltam soldados das cada vezs mais espalhadas nacionalmente e presentes milícias para agir em nome de um projeto de poder que sempre parte da ausência de ordem e é sócio atleta da desestabilização.

É no domínio da arte da desestabilização, da violência política e da construção do caos que Bolsonaro e o Bolsonarismo prosperam.

Não reconhecer a derrota em 2022 é um problema cada vez menor, sendo que a possibilidade de Jair não ser candidato é cada vez maior. Da mesma forma o potencial de derretimento de uma candidatura Bolsonarista torna a derrota no primeiro turno menos dependente dele e mais do desempenho de Eduardo Leite, cuja candidatura tem o mesmo programa econômico bolsonarista, mas ataca na prática os pontos frágeis do programa lulista: a questão LGBT, por exemplo.

Diante disso as forças Bolsonaristas podem optar por agir dentro de um projeto que tem menos preocupação com a eleição em sie mais na construção de um golpe real e concreto que independe de eleições e de seus resultados. Nesse sentido é menor a capacidade de organização de um golpe nos moldes bolivianos e maior a capacidade e potencialidade de desestabilização do fazer política em si, tornando o atuar no mundo democrático um risco de vida.

As ameaças cotidianas de morte a parlamentares da esquerda, em especial os do PSOL, o próprio feminicídio político de Marielle Franco, tudo isso aponta para uma rede de desestabilização que pode nos colocar em um cenário de violência política nos moldes colombianos e mexicanos para as próximas décadas.

As redes de ataque não precisam ser financiadas às claras ou correndo riscos de investigação direta e podem inclusive usar o know how da ditadura que usava financiamento empresarial para clusters clandestinos de tortura, e que espalhou pros esquadrões da morte, e hoje milícias, a forma política das máfias com um projeot político anticomunista, racista, machista e LGBTFóbico histórico.

Golpes nos moldes clássicos já foram abandonados pelas próprias elites e forças Armadas para derrubar Dilma e isso não foi à toa.

 Sem apoio externo, com cláusulas democráticas nos principais acordos comerciais, qualquer movimento golpista com tanques na rua põe em risco modelos econômicos inteiros, em que economias complexas como a nossa não podem enveredar sob risco imenso de perda de mercados.

Em um quadro que o próprio bolsonaro desestruturou a economia com uma política ecocida, genocida, com zero investimento público e sem a menor ideia de como fazer política, mesmo indireta e liberal, de fomento, é cada vez menor a margem de manobra golpista clássica em um ambiente onde o mercado já sofre sançẽos públicas, diretas ou indiretas, com perda substancial de espaço internacional.

Para piorar o cenário pro campo bolsonarista golpista, a conjuntura exige um modelo econômico de fomento ao consumo interno equilibrado com uma diplomacia presidencial , para que a economia devolva à própria elite uma manutenção da taxa de lucros que caiu com a aposta insensata no golpismo necroliberal que nos deu Bolsonaro.

Então até a aposta em Leite tem um significado de construção de uma força para além de 2022, capaz de pelo menos rivalizar economicamente com Lula e o PT. Ou seja, qualquer manobra precisa contemplar a desestabilização do cenário sem a explícita face das instituiçẽos armadas, porque a economia exige que os caminhos pro desenvolvimento dos negócios predatórios não seja mais feitos à luz do dia.

Neste cenário, o que frutifica é a lógica subterrânea da violência política com tintas milicianas e não um golpe nos moldes clássicos com tanque na rua. Esse modelo inclusive sequer precisa ter peso estratégico, ou seja, pode ser o de fundamentar mandatos parlamentares capazes de obter nichos de mercado e de domínio político que atrapalhem a democracia sme a necessidade de um golpe com um ditador lhe liderando.

É preciso atenção sim pras movimentações, mas pensando também nos modelos amplos que nos podem desestabilizar com maior potencial destrutivo que um golpe militar clássico.

Uma Frente ampla não se resume ao presidente

Plenário da Câmara aprova, em votação simbólica, suspensão de decreto sobre sigilo de documentos.

Se você olhar a cor dos parlamentares no congresso nacional já percebe um dos problemas que a esquerda precisa superar.

Um bom olhar já deixa claro o tamanho de nossa crise de representatividade e as camadas da luta de classes dentro da institucionalidade.

Se aprofundarmos a observação e partirmos para uma análise da origem social, do tamanho do patrimônio, da base que sustenta cada mandato a coisa não melhora, piora.

Sem uma percepção global dos desafios que a conjuntura impõe para a população e com isso para a esquerda, não entenderemos completamente o processo dialético de resolução de nossos problemas políticos imediatos.

Por que essa observação? Porque dialética é uma palavra usada a torto e a direito pela esquerda, mas pouco compreendida como método, inclusive é colocada como base de teorias e não como uma metodologia que produziu teorias.

O processo dialético que Marx utilizou não difere da dialética Hegeliana, mas usa outras bases onde se aplica a dialética, e aqui mora o equívoco das analises e visões que se apropriam da superfície do marxismo, incorrendo no marxismo vulgar que Hobsbawn descreve em “Sobre a História”, e ignoram o coração do processo de aplicação da dialética pra por a prova o processo racional no plano da superestrutura ao teste da práxis, que é a análise colocada na prova dos nove da infra estrutura.

A partir dessa dialética qualquer percepção que foque em nomes para disputar eleições, seja para a presidência ou pra governos estaduais, esbarra na ausência de dois elementos cruciais: um programa que dispute a sociedade e um planejamento que dê conta da unidade de ação na busca do executivo com uma forte bancada que permita reverter reformas e ataques a direitos, que permitam reconstruir o país destruído sob Bolsonaro e o congresso e assembleias mais conservadores, pra não dizer fascistas, da história.

E onde tá a contradição dialética? Na apresentação de soluções ideais, praticamente cloroquinas ideológicas, para problemas práticos.

Quando nomes e um arremedo de programa, na prática uma carta de intenções, são postos como elementos de disputa de uma sociedade fortemente fragmentada por um genocídio pandêmico em curso, fome, desemprego recorde, violência política e crimes de ódio, oque se está colocando é uma busca de adequação da conjuntura em um plano ideal, vivido em uma bolha superestrutural que não tem lugar na prática cotidiana.

Não existe solução em tese pra fome, desemprego, ecocídio, genocídio e violência política, não existe responder a uma necessidade de refundar o país econômica, política e moralmente com cartas abstratas da auditoria da dívida, defesa do socialismo, defesa de uma democracia plebiscitária e moralismo contra a corrupção que no fundo pouco difere da análise rasa do lavajatismo mais torpe.

Não adianta falar em reverter as reformas sem pensar num programa que permita que elas sejam revertidas, que faça com que uma nova hegemonia política se crie, que estabeleça parâmetros programáticos passíveis de serem postos em prática.

Existem forcas políticas que falam sobre questões de gênero, étnico-raciais, ecossocialistas a partir de obviedades já amplamente conscientes nos campos onde os debates são feitos, e insistem nisso como “tese”ou “contribuições”, sem que uma linha sequer de programa real, prático, de defesa concreta das minorias políticas e de uma refundação ecológica da economia e da política entre em campo.

A luta ambiental e a defesa do meio ambiente nào se sustentam só com o necessário reconhecimento do aquecimento global, da necessidade de apoio aos povos originários e da defesa genérica de um ecossocialismo que repete como papagaio a defesa da agroecologia, mas não a integra nem a um planejamento democrático, menos ainda a um processo que englobe transição energética, de empregos, reversão de parâmetros centralizadores da política e da economia.

Existem exemplos práticos: em 2020 discutimos e disputamos eleições municipais, inclusive em Pelotas com quilombo e território indígena próximo, sem que uma linha de programa para os povos originários fosse discutido e sem que uma linha de programa que contemplasse a necessidade de uma percepção ecológica da cidade, e seu papel na transição energética, fosse defendida em público.

Coisas simples como parcerias com as universidades da cidade pra desenvolver um plano de transição energética pra energia solar em prédios públicos, passível e plausível e implementável, forma postos na mesa. Nem vou falar de projetos mundialmente colocados como o aquecimento em pontos de ônibus com base em energia solar, mas do simples pensar saídas de transição energética e no papel da cidade nisso.

Esse problema continua em outros campos temáticos e setoriais, mas o coração do problema, que envolve essa dificuldade, está na ausência de um programa partidário no PSOL que sustente um pensar programático duradouro e de longo prazo.

Sem um programa, toda a sustentação dos projetos políticos e eleitorais é feita no calor e na superfície de um cotidiano onde a reflexão é um crime.

Isso é muito útil para forças onde conscientemente a fragilidade na produção de metodologia e pensamento que enxergue o real com o máximo de plenitude possível é inversamente proporcional à força na imposição de hegemonia burocrática.

Se sua resposta aos desafios de cada contexto não podem ir além de uma palavra de ordem embrulhada em superficialidades programáticas, a saída é um conjunto de choques retóricos aliados à manobras pouco éticas como um tratamento de acusação ética contra divergências políticas, realizações de congresso e a saudável diversidade política.

A questão é que independente de eleições, mas incluindo-as, sem um programa que planeje resultados que incluam todo o PSOL, que abordem um crescimento que envolva as diversas forças e que contenha saídas programáticas pra um país sendo assassinado, sem um planejamento de crescimento parlamentar que organize uma intervenção no congresso que reverta os atrasos promovidos pelo fascismo e pelo neoliberalismo, toda a retórica é natimorta.

E sem esse planejamento, ou mais, um reforço consciente na transformação do partido em uma entidade forte, independente e capaz de influenciar programaticamente os debates com as demais forças políticas, permaneceremos no lugar quentinho que agrada seitas e conjuntos organizativos pouco afeitos aos desafios da democracia.

Sem um partido, tanto faz se a defesa ;e de uma mesa de construção de programa em busca de uma unidade que inclua unidade eleitoral ou o lançamento de candidatura própria, estaremos sempre correndo atrás do nosso próprio rabo enquanto o atraso avança suas boiadas no congresso e a sociedade nos enxerga com desconfiança, inclusive por parte da esquerda independente.

Sem um programa e um planejamento que não se restrinja a lançar João pra presidente e Maria pra governadora, mas que pense em uma chapa parlamentar e que forneça meios pra Fernanda, pro Fernando, pro Obdúlio conquistarem a Assembleia e a Câmara, que permita um abalo na estrutura dos discursos, que entenda a necessidade de HOJE agir pra causar a agitação e propaganda das ideias que construímos, que permita a formação de um programa coletivo, que envolva a sociedade, o que estamos fazendo é o jogo do contente do militante autocentrado.

Discursos podem parecer radicais, basta um entrelaçamento de palavras certas no tom exato, mas só o são quando fornecem ferramentas pra sociedade e pra classe trabalhadora sustentar uma resistência contra as opressões que os atingem.

Essa lição, de que a esquerda precisa disputar a sociedade para além do voto, dentro de uma perspectiva moral e de valores, é o centro do problema de uma esquerda que não enxerga a conjuntura em sua totalidade porque prescinde disso pra manter uma hegemonia de pouco espaço político, mas mantenedora do micro poder que só é revolucionário na garganta.

E é a partir dessa superação necessária, que precisa ser um debate maduro sobre programa, planejamento de inserção social, eleitoral e de valores, que precisa estar no debate sobre a constituição de frentes amplas de esquerda e que tenham meios de inserir um debate de fôlego na reconstrução de um país que vive em um genocídio em curso.

Quando estamos morrendo, é no mínimo saudável que o Rolando Lero que existe em nós tome tento.

O beijo de Tânato

Thanatos é a personificação da morte na mitologia grega, um filho da Noite (Nix) com a Escuridão (Érebo), filhos do Caos e entidades, todos, anteriores à própria família de divindades que habitavam o Olimpo. 

Thanatos é parte do mundo onde reina Hades, mas é mais antigo e perene que o Deus das profundezas, do mundo inferior, dos mortos e dos mistérios.

Hades reina um mundo onde Thanatos vive e perambula, mas Thanatos permanece, Hades não, porque até os deuses morrem.

Todo este preâmbulo é mais que um nariz de cera, é um ensaio pro discurso sobre a pulsão de morte que a sociedade brasileira libertou quando elegeu Jair Bolsonaro.

Eu sei, você já leu aqui mesmo neste blog, escrito por mim mesmo, que há aspas nessa “sociedade brasileira”, pois há, Bolsonaro foi eleito por de trinta e nove por cento do total de eleitores. Mesmo assim ele foi eleito com apoio considerável da sociedade e ainda é, na prática, apoiado por gente demais.

Isso não o torna popular como parte da narrativa da imprensa empresarial, da direita e da esquerda masoquista curte repetir todo dia, mas faz com que seja óbvio que a pulsão de morte seja imperativa para parte considerável da sociedade brasileira, e essa pulsão encarna na aparência, discurso e canalhice pérfida e fétida de Jair Bolsonaro.

Ainda mais quando essa ala que aceita existir no mesmo universo que Bolsonaro controla parte da economia, e não se enganem, é aí que mora o terço, menos que isso, que ainda apoia Jair com amor.

O fato é que por obrigação, necessidade, desespero ou por ter um foda-se irresponsável ligado, a sociedade acha que a vida é assim, a pandemia acabou e a morte nos os tocará.

Porque juntando isso tudo a um Presidente da República dos mais vis que já habitaram esse planeta e à covardia unânime da imprensa empresarial e parte da esquerda que faz de conta que é prioritário mais repetir velhos jargões e acusar o amiguinho de radical e temos o caldo completo do suco de maça azeda do culto tanatológico.

Essa ala da esquerda, e que merece aspas, que vive sonhando com aquela Revolução pacífica que existe menos que Papai Noel ou com a conciliação utópica com uma direita e centro que apertaram 17 com força e querem mais que cada um de nós morra, trabalha na surdina por um projeto de descolamento da realidade sustentado numa ideia de desenvolvimento que ignora a crise sistêmica, climática, ecológica, moral, cívica e de rebolado que o universo vive em 2020.

Enquanto isso o mar de gente sem máscara, acreditando na força do desejo, do pensamento positivo, do anjo torto, do Deus maluco, do Jeová assassino do mal, do Exu Caveira de férias, do Oxalá tolerante demais para ser verdade ou do Buda Nagô da vez perambula aos beijos com Tânato achando que é Hipnos (Irmão gêmeo da personificação da morte, mas personificação do sono).

Só que na hora de dar boa noite pro parceiro vai ter é “Boa noite, Cinderela!”.

Qualquer debate que perambule pelo realismo precisa encarar o beijo de Tânato que parte da sociedade curtiu fazer, seja pelo compromisos direot com a pulsão de morte de Bolsonaro e companhia ou pela opção prefernecial pelo descolamento da realidade que promove o ecocício e o etnocídio, o genócidio negro, o alto número de feminicídios,etc, atacando quem centra forças nas lutas que buscam reverter essa desgraça como identitários. 

Sem encarar firmemente todo o centro do debate, do eixo econômico ecocida e etnocida, ao da segurança racialmente genocida, LGBTfóbico e misógino, passaremos para história como aqueles que não beijaram Tânatos, mas deixaram ele passar a mão na bunda.

Há a necessidade sim de apontar nossos gordos dedos para quem foi cúmplice dessa desgraça geral onde um presidente da República diz que não vai tomar vacina incitando canalhocratas e patetas genocidas a recuarem a imunização contra o COVID, que é um dever coletivo pelas vidas e pela economia.

Há a necessidade de apontarmos nossos gordos dedos na fuça de pais mãe, irmãs, tia, primos, primas, parceiros, amigos, ex-amigos, deputados, do Rodrigo Maia, da Globo, Folha, estadão, Vera Magalhães, Nalu Gaspar e demais povos e povas que permitiram por ação e omissão que o Desgraçado Mor da Nação parambulasse com sua fétida egrégora pelos salões principais da sociedade brasileira com no máximo reprimendas broxas contra os ataques diários ao bom senso, à moral, à sexualidade, à vida humana.

Porque parte da merda colossal em que nos metemos e nos meteram desde 2016 nasceu da covardia institucional em fazer com que torturadoras, patrocinadores de torturadores, seus comandantes, presidentes e as próprias instituições militares pagassem, pelo menos moralmente pelos crimes cometidos contra o país e sua população a partir de 1964, na ditadura comandada por generais incompetentes que reduziram uma década perdida na economia e duas décadas perdidas na educação, ecologia e direitos humanos e que por não terem sido cobrados dessa primeira coleção de cagadas agora resolveram patrocinar outra coletividade de desgraças.

A crise sistêmica que o Brasil vive desde 2016 é uma oportunidade (sacou o meme de auto ajuda?) para finalmente passarmos a limpo nossa pulsão coletiva de morte que existe desde que aprisionamos e exploramos pretos e pretas, africans ou crioulos, num sistema que permitiu a acumulação primitiva de capitla e o nsscimento das riquezas brasileiras durante os 300 anos de escravidão e 500 anos de racismo.

Não é só o desejo de vingança contra Bolsonaro e o que ele simboliza, mas uma necessidade de nos refundarmos como civilização. 

Uma civilização brasileira pode existir com base no que produzimos de vida, nos baticuns das casas de bamba, nos cantos das três raças, nos sonhos sonhados, nos testamentos de partideiros, nos bois vermelhos e caprichosos, nos sonhos da Amazônia, nas cantorias sertanezas, nos sons do violero, tocando em frente pelas manhas e pelas manhãs ao sabor das massas e das maçãs.

Só que essa refundação da Civilização Brasileira existe que seja feito algo, pois para isso é fundamental tocarmos em frente pela vida, mas a vida que se orgulha de tocar nas feridas, nos nervos, nos fios, nos olhos dos homens de olhos sombrios e ali sabe que foi e será feliz.

Porque o beijo de Tânatos pode ser sensual se for tido como nato, natural de uma ideia de finitude real que existe para nos ensinar o caminho correto das vidas que querem mais, nem que todos os barcos recolham-se ao cais, e não para uma pulsão irresponsável que se pretende hedonista sem saborear o gosto da comida, sem sentir o cheiro do vento do universo.

A Morte como ente é uma boa companhia quando a vida se enxerga como trajetória e não como mergulho suicida ao Caos, pois o Caos a tudo devora sem dar-nos a chance de sermos, pois abdicarmos do existir em nome do desejo irrefutável pelo fim como se ao fim o pulso nos desse a chama do heroísmo, quando ele nos presenteia quando assim fazemos, com a infâmia da mediocridade.

Tânatos pode ser um bom parceiro, uma vida inteira de parceria nos ensinando que bater com a cabeça na parede pode prejudicar aquele plano em encontrar com o contatinho quando tudo isso passar, mas péssimo quando ele bebe mais que a gente num bar fechado, sem máscara, sendo que só ele é imortal.

O beijo de Tânato,e ssa pulsão de morte que sorri sem alegria, gargalha sem felicidade, trepa sem saber gozar, bebe sem sentir o gosto, é o beijo que negligencia o sentir, o amar, o saber. 

Essa negligência medíocre, vingativa por ser inepta, brocha e insalubre, é parte de uma sociedade que nasce e vive, antes silenciosamente, como uma pústula na alma de tudo o que o Brasil produziu de bom, dos gols de Pelé ao som de Pixinguinha.

Venceremos, mas precisamos correr para salvar muita gente do pior beijo de Tânatos, o composto de ódio.

Lula: reforço na oposição a Bolsonaro, o neostalinismo e o desnecessário alinhamento automático ao PT.

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A libertação de Lula trouxe novos e velhos desafios à esquerda brasileira, mas em especial à esquerda que se construiu sendo oposição aos governos do PT pela esquerda.

O principal desafio é não cair no alinhamento automático confundindo unidade com uniformidade e construção de combate a Bolsonaro com aliancismo acrítico.

Lula é um óbvio reforço à oposição a Bolsonaro, mas alianças com o PT podem inclusive enfraquecer qualquer construção coletiva de resistência se não for acompanhada com a devida reflexão do ganho político imediato para a transformação de qualquer peso eleitoral, quando essa aproximação trouxer, em saldo organizativo pra uma oposição antifascista brasileira.

Lula é uma voz potente de oposição, mas ao iniciar colocando um respeito supostamente republicano à eleição de Bolsonaro com suas enormes tintas de fraude e disposição para ampliar a desestabilização política do país se fosse derrotado, disposição que permanece, é um tiro no pé.

Primeiro que Bolsonaro foi eleito com base em uma óbvia e documentada manobra de ampliação do golpe de 2016 e que organizou a depredação de reputações, o aprisionamento do primeiro colocado à eleição de 2018 com base em um inquérito no mínimo distorcido, pra não dizer falseado e fraudado. Segundo que nada na elite política e na mídia se dá no respeito à República e às instituições, pelo contrário, a escolha muito difícil de Estadão e companhia permanece em curso e patrocina até debates sobre destroçamento de cláusula pétrea para garantir a prisão de Lula novamente. Terceiro que o país em pleno destroçamento institucional, ambiental, moral, ético e político sob o governo Bolsonaro não tem garantia alguma de aguentar mais um ano que seja sob um governo criminoso e com digitais em vários crimes, não só de responsabilidade, incluindo entre eles suspeitas de participação no feminicídio político de Marielle.

Poderíamos escrever uma tese sobre os problemas da escolha de Lula, inciando pela tolice de achar que ele não partindo pra defesa da remoção de Bolsonaro seria tratado como algo palatável por quem quer que seja na mídia e elite, tanto que não foi, ma só principal é enxergar o motivo da fala, que nunca foi o cuidado dom a imagem, mas o apelo à conciliação, de novo.

Em um vinte de novembro que foi precedido por um deputado do PSL quebrando uma placa com um cartum que denunciada o genocídio do povo preto e outro do mesmo partido dizendo que negros são mais assassinados pela polícia porque tem mais criminosos entre eles, ambos contando com a proverbial covardia de Rodrigo Maia e das instituições, é sintomático deixar claro que a opção de Lula e do PT, que desde o início do ano explicitaram que tem como objetivo ver Bolsonaro sangrar, é um erro, como tantos outros.

Então o reforço na oposição o fogo cerrado nas políticas de paulo Guedes é um acerto, nos impõe a necessária crítica sobre até que ponto esse reforço se constitui de “um camisa dez em campo” como infantilmente declarou o presidente do PSOL em entrevista ao UOL.

A não ser que Juliano Medeiros esteja falando de um camisa dez estilo Ganso em um time do Guardiola, estamos cometendo um equívoco que se fosse pessoal estaria de boa, mas me parece ser coletivo, vide o anúncio de Freixo de que seria o candidato à prefeitura do RJ com o apoio do PT, sem consultar suas bases.

Freixo e Juliano tem todo direito de explicitar suas preferências, mas com o cuidado de se lembrarem que ainda fazem parte de um partido que não decidiu ainda publicamente se os vai acompanhar ou não, especialmente porque a não ser que eles entendam sua militância como meros entregadores de panfleto, ainda se precisam fazer congresso e conferências para decidir o que eles querem impor como fato consumado.

A questão mor é que temos problemas a resolver com o PT que perpassam por mais do que a autocrítica sobre a corrupção que jornalões exigem do partido. Isos lá é problema deles, PT e jornais.

Nosso problema é sobre as autocríticas necessárias às omissões e ações do partido com relação às questões ambientais, sobre direitos indígenas quilombolas, sobre a questão de gênero, sobre os direitos LGBT e de transgêneros; sobre o empoderamento de Bolsonaro, Feliciano e o PSC na CDHM; sobre o uso de uma militância digital pra assassinar reputações (inclusive as de Freixo e Jean) indo da homofobia ao racismo que até o surgimento das milícias bolsonaristas eram as mais rápidas do mercado.

E mais precisamente hoje, sobre o alinhamento de Camilo e Rui Costa no Ceará ena Bahia com o discurso da necropolítica. Somos oposição ao PT e parte importante do país, fazemos como?

E no RJ, o PT que foi base fundadora e mantenedora de Cabral e cia até os 49 do segundo tempo, com Quaquá e Benedita sustentando essa graciosidade, vai ser solenemente empoderado com o esforço coletivo do PSOL carioca em ir na contramão dos amores do PT com Cabral e Paes, sendo escorraçado, chamado de nazifascista por blogueiros a soldo do petismo?

Não é mágoa de caboclo não, é entender como a gente explica na ponta o atropelo da cúpula.

Em Porto Alegre vamos explicar pra nossa própria militância e base que adoraremos receber o apoio do PT de Tarso Genro que persegui companheiros nossos com a brigada militar até suas casas em 2013?

Vamos achar bonito em Pelotas sairmos abraçados com o PT que com Marcola é sidekick, quase um Robin desnutrido, de um PSDB abraçado ao Bolsonarismo? Vamos achar que Marroni patrocinador de Marcola, é a última bolacha do pacote?

Poderia listar aqui onde começam os problemas e terminam as soluções por horas a fio, mas ficou entendido como é um problema a aliança acrítica. E aqui entra a motivação do debate sobre neostalinismo neste texto.

A ideia de uma causa soberana que atropela todas as outras, essa centralização decisória censória e silenciadora, de cima pra baixo à direita de quem está na esquerda, é a fuça do stalinismo redivivo pela conjuntura, mas vivente desde que Dirceu e cia resolveram perder na política interna para eleger o presidente da república.

Porque é a cara do stalinismo de galinheiro o revisionismo histórico pra vender uma narrativa, vai de quem trata a Coreia do Norte coof arol do socialismo e nega a existência do Massacre da Praça da Paz celestial como quem trata Lula como esquerda radical e revolucionária e produtor de um Estado de bem-estar social que ele nem implementou e nem avançou para além do mínimo, a ponto de permitir que TODAS as suas medidas positivas fossem revertidas em menos de dez anos.

Sim, o governo Lula foi o melhor da história do país, especialmente por ter sido um democrata em uma democracia, mas esteve aquém, mas muito aquém de bom sob o ponto de vista da esquerda.

Ah, mas não se governa sem ceder ao status quo? Esse é o agá revisionista mais escroto de todos os tempos, porque era possível discutir e dialogar com MDB e outras forças democratas sem cooptar e absorver a direita no interior do PT e empoderá-la nos estados e municípios. Vide a queda de participação do PT na câmara a cada eleição, e perda também de governos de estado e municípios também a cada eleição.

E não, não é coincidência, quando você opta por fortalecer menos sua base orgânica que caciques de oligarquias antigas do país pra assegurar uma base artificial que na primeira crise te passará a perna é exatamente o que acontece.

E foi o que aconteceu em 2016, porque o limite da conciliação, avisado pelo menos desde 2006 pelo PSOL e demais membros da esquerda, ia chegar, chegou e era disso que nosso pedido de autocrítica deveria falar aqui.

Corrupção? Efeito colateral.

O neostalinismo se reforça em um ambiente onde a louvação sebastianista ao ídolo supera a necessária análise da forte figura pública e a teoria perde espaço pra hagiografia (estudo da história de santos sob o ponto de vista da fé).

Lula é um ser controverso, mas é o nosso ser controverso, com isso ele é de suma utilidade como força de oposição ao fascismo e um ambiente em que a unidade NA LUTA ANTIFASCISTA se faz necessária, mas isso não pode ser transformado de forma acrítica em um processo de alianças eleitorais, especialmente em um quadro de diversidade orgânica e organizacional.

Nós temos problemas sérios de divergências programáticas com o PCdoB e o PT e não são na perfumaria.

O PCdoB votou a favor do acordo EUA-Brasil de uso da base de alcântara, atacando direitos de quilombolas e indígenas, nós somos frontalmente contra e nos alinhamos com a luta dos povos originários.

O PT tem em seus governos de estado um alinhamento com o discurso da necropolítica na segurança pública, vide Rui Costa e policiais assassinos tratados como “artilheiros em frente ao gol” depois de uma chacina de gente preta.

Em 2018 o PT-RJ não apenas lançou Márcia Tiburi à governadora do estado, como além de a abandonar aos ventos fortes da canalhice ainda o fez por quadros seus apoiarem na surdina Eduardo Paes, do DEM. Quaquá ainda fez a gracinha de dizer que apoiaria o PSOL se o candidato fosse Freixo, como se ele na posição de destruidor do partido dos trabalhadores no RJ tivesse em posição de exigir qualquer cosia do partido de esquerda que mais cresceu no estado. O PT ainda usou de um artifício de confundir Chico Alencar com Lindbergh Farias como se fosse uma chapa que ajudou a eleger Flávio Bolsonaro e Arolde oliveira. E agente nem precisa falar aqui da participação do PT no empoderamento de milicianos com a filiação dos Irmãos Babu a partir da militância ligada à Benedita da Silva.

Ter em mente que onde for possível é interessante a unidade das lutas também se ruma unidade eleitoral tem um oceano de distância de tratar Lula como camisa dez de um tine que joga com uma organização ofensiva que parte da ponta esquerda e não do centro.

Lula pode ser um Gérson, jogando no meio cadenciando o jogo, mas o PSOL joga como Canhoteiro, avançando acelerado pela esquerda e driblando até chegar no gol, nosso jogo é rápido, de transição ofensiva, e não um jogo que devagar tenta envolver o adversário até a bola entrar na rede, esse necessário envolvendo a direita.

Precisamos de menos recursos pirotécnicos pra inventar uma unidade que não foi construída de baixo pra cima, sob pena de em caso de vitória ela ser de Pirro, e mais de um debate aberto, com menos culto à personalidade e mais programa, com menos revisionismo histórico e mais análise, com menos preocupação com a perfumaria da mitologia e mais com a compreensão histórica da conjuntura.

Um debate aberto sobre a unidade da esquerda é fundamental, mas enquanto não envolver o conjunto da militância construindo a resistência para além do voto e estabelecendo pontos de ação na prática cotidiana para além das campanhas eleitorais, o que estamos vendo é a redução da esquerda a um fã clube de figuras públicas. E isso não dura.

A conjuntura de hoje exige que enfrentemos duras batalhas, mas elas precisam partir da rua pro voto.

Não temos garantia alguma de que as eleições serão limpas, também precisamos enfrentar demandas atuais e concretas de resistência que são impostas pela conjuntura, desde o genocídio do povo preto à devastação ambiental, e precisamos fazer dessa luta uma produtora de saldo organizativo.

Agora, neste momento, estamos atrasados e Lula não vai ajudar nessa construção, pois não somos do PT.

O apoio a Freixo é o movimento óbvio, mas apoios à Sâmia ou a Fernanda Melchiona não são tão óbvios e podem não vir a ocorrer, mesmo nem PT nem o PCdoB terem em SP candidato competitivo e a Manuela ser competitiva, mas tendo uma base orgânica de construção menor que a do PSOL em PoA.

No RJ é mole ter “unidade” em torno de Freixo, só os oportunistas que buscavam cargos no suposto governo Paes ignoraram isso em 2018, menos interessados em construir resistência que poupança, mas que unidade é essa? Que custo terá?

Em Pelotas a presença do Marroni no palanque de Lula quando ele siau da prisão nos envolve em um debate se queremos estar do lado de quem foi franco patrocinador de uma política covarde de oposição ao PSDB na cidade.

Em uma cidade onde o único nome competitivo é o PSOL, o partido, vamos fazer policial washing no Partido dos Trabalhadores que desde o começo diz que tirar Bolsonaro é ruim porque nos daria Mourão de presidente?

O PSOL precisa discutir claramente e de baixo pra cima suas práticas e táticas relacionadas à sua ideia de unidade. Porque senão vamos de camisa dez das antigas em um time que precisa jogar em velocidade e pela esquerda.

A voz do outro que há dentro de mim

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Um dos aspectos mais irritantes da cultura política liberal é a transformação da política em um jogo lúdico onde o movimento sexy das classes em embate é quase transformado na subordinação da luta às regras do bom senso cavalheiresco, com VAR e o diabo.

Difícil manter um mínimo de controle diante da bazófia média de falsas simetrias, arrogâncias doutas e outros mil problemas que fazem com que o que eles pregam como diálogo seja submissão e saída seja a adequação.

Mas em quadros conjunturais onde o inimigo é infame a ponto de fazer com que a luta de classes seja parcialmente posta em segundo plano, maomeno, pra dar lugar a uma luta pela democracia,é de bom tom um debate aberto com os liberais, liberais “progressistas’, sociais-democratas, esquerda-namastê com baixo carboidrato,etc.

E isso porque o bicho tá pegando e tem gente morrendo enquanto a falsa simetria do “E o PT?”, a redução da esquerda às legendas, do mundo ao “Lula Livre” e da esperança à que Bolsonaro se civilize não ajudam muito na produção de boa vontade mútua. E a gente precisa sempre lembrar que tem gente morrendo.

Foi mal, desculpa te deprimir, e eu sei que te deprime, mas tem gente morrendo, gente sem conseguir pagar aluguel, gente desempregada e sem parente rico pra acolher, gente com filho doente, gente com filho autista doente, o caralho. E a saída tá longe de ampliar a ajuda humanitária interna ao país, porque isso ajuda praca, mas não resolve.

A gente precisa tirar o homem do poder, pra ontem.

Não, não vamos nos abraçar depois, vocês não acreditam no fim do capitalismo, acham que é maluquice de gente bêbada resistir à reforma da previdência, entendem Marx como ultrapassado enquanto louvam a metafísica neoliberal, que requenta de forma ruim o liberalismo já metafísico de Ricardo e Smith, que lutar pelo meio ambiente é usar sacola de plástico reciclado e que todo socialismo/comunismo é Stalinista, ignorando sei lá, sessenta ou mais anos de trotskismo, anarquia,etc.

Nós não achamos que o capitalismo que beneficiou tua classe, que te deu os privilégios,os cursos de inglês, o banho de cultura na Europa, quando a gente no máximo chega no Jardim Europa ou na Praça Paris, que detona a Amazônia, as baleias, os pretos, pobres e LGBT, as minas, os manos, seja solução pra nada, a gente quer ecossocialismo e planejamento democrático, a gente quer uma vibe queer antirracista, contra o patriarcado, que escrache o privilégio e nos imponha a autocrítica como valor fundamental e a solidariedade pra além do abraço e da ciranda.

Então, amor, sim, no minuto seguinte que o fascismo for atropelado a gente vai cair na porrada, a paz dos cemitérios que vocês desejam não virá, nós não daremos trégua, nós faremos greve, nós chamaremos vocês de brancos ricos que usam camisa de solidariedade a Cuba e ignoram o Haiti.

A gente vai lembrar todo dia que o branco rico é privilegiado e que seu amor no coração e merda é a mesma coisa quando a gente tem que parar de comer pra pagar a conta de luz.

Mas a gente ou derrota o fascismo ou morre, com a esquerda indo primeiro, sem deixar de incluir boa parte da burguesia e pequena burguesia que mete “E o PT?”, achando que há uma escolha difícil entre um fascista e o outro lado, composto de mais gente e de democratas do que o PT consegue compor internamente em sua legenda, e de gente que foi e é oposição ao PT até hoje.

E antes da esquerda já tem índio morrendo, pretos e pretas, bebês, LGBTs, o número de mulheres assassinadas em feminicídios aumenta a olhos vistos e um canalha vestindo faixa presidencial, eleito pela ação ou omissão de muita gente supostamente civilizada, tá no poder e precisa sair dali antes que o número de corpos aumente.

O meio ambiente tem um grau de devastação que remete ao início do XX e o planeta em um grau de sobrecarga que não nos permite mantermos um comportamento omissão diante disso, e Bolsonaro é uma parte, crucial, do problema.

Então mantenhamos nossas disputas e divergências, porque é delas que se alimenta a democracia, mas já passou da hora de sairmos construindo a defesa do impeachment de Bolsonaro e de uma repactuação democrática para que o país não mande pro inferno décadas de organização de políticas de estado que melhoram a vida da população.

Uma dica: uma repactuação democrática atrasa revoluções, ao menos por algum tempo. Pode ser interessante para sua pregação de paz na Terra aos homens com boa vantagem.

O lance é que a hora é agora, o momento é já. A resistência de qualquer princípio democrático é fundamental até para que a construção de nossas formações políticas civilizatórias se dê não em um ambiente de sobrevivência, mas de vivência e crescimento.

Até pra derrubar o capitalismo é preciso democracia.

Das Revoluções e dos ventos de golpe

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Há algum tempo me incomodam as falas que misturam o ser revolucionário a um tipo ideal de produtor de revoluções. Da mesma forma as Cassandras do mal maior, dos ventos devastadores das tragédias golpistas, cansam o observador com suas proclamas diárias da volta do Planeta dos Macacos.

Porque via de regra o que une os grupos é a tomada da História como um terreno dado, já lido, e cuja função eterna é produzir um mito do eterno retorno, como se a humanidade fosse uma espécie de Sísifo que no terreno da História se movesse apenas para carregar a pesada pedra da conjuntura até o topo para vê-la cair.

As revoluções nunca me parecerem produzíveis ou reproduzíveis de acordo com fórmulas estritas. E aqui tem uma não sistemática junção de leituras diversas da história e da teoria política pela esquerda.

De Marx a Thompson, de Ginzburg a Bookchin, de Natalie Davis a Michael Lowy, de Giovanni Levi a Daniel Bensaid, de Lênin a Trotsky, nunca consegui ler em nenhum dos que me influenciaram alguma forma de entendimento da revolução como uma obra passível de ser produzida, mas entendi-a como uma onda na qual quem estiver mais acurado na observação tende a possuir o caminho para liderar a navegação nela até o quebra-mar.

Claro, o problema pode ser o leitor, mas é um caminho de análise que sinceramente não consegue entender o tipo de dogmatismo que cita de cabeça trechos inteiros de Lênin, Trotsky e Marx e se recusa a analisar o processo dialético que faz com que seja impossível que a História se repita.

Não adianta citar o 18 Brumário de Luiz Bonaparte de Marx e depois ignorar o sentido da afirmação dele da História se repetir como farsa, ou seja, como uma falsificação histórica de um outro fato com fins simbólicos ou teatrais.

Neste texto ele constrói o significado de bonapartismo que nos leva a Bolsonaros e que tais como elementos que surfam em uma onda de popularidade organizada com específicos trejeitos de tragicomédia ou melodrama, e que tendem a tentar uma aproximação com o aspecto mitológico das relações políticas, mas sem jamais ser exatamente alguém do tamanho do mito que tentam reproduzir.

As revoluções, assim, são uma complexa junção de processos históricos que confluem em um tipo de transformação social, do estado às práticas cotidianas, que mudam de maneira global a sociedade em que ocorrem.

Essa junção de processos, pelas diversidades conjunturais e contextuais em que ocorrem, não tem jamais a mesma face em países, cidades e contextos diferentes. Sequer tem como condição sinequanon a vitória do movimento que a liderar.

Os elementos que as tornam possíveis, e que as definem, são as tempestades perfeitas que as fazem ocorrer entre a mobilização de uma ou mais classes contra o poder estabelecido. A explosão do processo revolucionário em si, as condições históricas que fazem com que as movimentações contra o sistema ganhem as ruas e as organizações dos enfrentamentos que a fazem tomar uma face transformadora visível são os elementos que fazem com que a tempestade perfeita exista e que a definem como portadora de um legado de processos anteriores, como a tomada de consciência por uma classe a partir do compartilhamento de experiências, a paulatina chegada de experiências comuns de mobilização, as transformações de valores que fazem com que a população se entenda como partícipe de uma determinada forma de ver e sentir o mundo.

Um exemplo? As ocupações de escolas, o crescimento da auto identificação populacional como negra, a maior aceitação da população LGBT(a partir de sua luta por visibilidade e direitos), o crescimento da identidade feminista entre mulheres pobres, a consciência de uma maioria negra de mulheres liderando famílias pobres, a maior presença nas universidades de negros e pobres, quase pretos de tão pobres e a identificação do sistema como inimigo (Para o mal e para o bem) são, todos, processos que fazem com que a classe operária, ou as classes operárias (incluindo a pequena burguesia, e sim isso é uma provocação), paulatinamente tomem para si o dever de fazer um estado que as inclua.

O próprio crescimento da extrema-direita como reação aos processos que incluem uma maior identificação de negros, LGBT, mulheres, trans,etc, como atores protagonistas de uma transformação do Brasil, e não só, é um elemento que indica o tamanho da transformação em curso.

Nesse sentido se encaixam as leituras sobre a conjuntura atual onde Jair Bolsonaro se coloca como impedido de governar e onde o congresso se impõe sobre ele barrando seus avanços, ao mesmo tempo em que as ruas demonstram que os limites da reação conservadora chegaram.

Porque se há erros na leitura das manifestações como vitórias exclusivas da esquerda, não há equívocos em tê-las como uma vitória de um tipo de percepção democrática que abre caminho para, ai sim, um avanço da esquerda sobre consciências que se perceberam compartilhando um terreno comum de experiências com quem antes era visto como inimigo.

Ao mesmo tempo outros indício como a movimentação do congresso, dos tribunais, ministério público, a guerra aberta no PSL, demonstram que mesmo no campo da direita há uma percepção dos limites do bonapartismo de Bolsonaro.

Essa movimentação não é fã da esquerda, e abre caminho para outra análise sobre a conjuntura futura, mas não é, e nem pode ser, insensível às ruas.

A trajetória do texto da Revolução á conjuntura não é à toa e é intencionalmente compartilhadora de uma noção geral para elementos conjunturais.

Estou dizendo com isso que há uma contextualização histórica revolucionária? Não, mas que existem elementos que podem vir a se tornar uma revolução, inclusive com as digitais das táticas, a meu ver equivocadas, do governo em confrontar mais do que o sistema, mas as ruas, não negociando sequer com quem lhes tem simpatia e negociava participação no projeto político mais que as filigranas do erário.

Não se pode tentar um golpe organizando um confronto aberto com as forças armadas como Bolsonaro faz e dilapidando o capital eleitoral com meses de inatividade e incompetência para apenas em Maio lançar mão do chamado às ruas para a resistência.

Bolsonaro aqui comete os mesmos erros do PT na reação ao impeachment em 2016. Lançaram mão de uma tentativa de mobilização nas ruas quando era tarde demais e quando perderam até a simpatia de quem poderia estar com eles na defesa do sistema porque construíram um governo que traiu as bases que os elegeu.

Dilma ainda tinha, via PT, uma base social forte que manteve um núcleo de resistência que quase atrapalhou os planos da elite aventureira e do Bolsonarismo que surfou na onda falsificada que culminou em sua vitória. Qual a base social do Bolsonarismo que o defenderá nas ruas?

Se nem a base social do PT foi suficiente para segurar as pontas de Dilma, terá Bolsonaro uma base que nas ruas tenha tamanho para impedir sua derrubada por um congresso que desistiu do governo e negocia direto com guedes, para a sobrevivência deste?

O teste dia 26 de Maio pode ser mais um insuflar das resistências ao governo Bolsonaro na dilapidação da educação e que marcaram atos para dia 30 de Maio, além de ser uma demonstração do real tamanho do inimigo para as forças que já estão abandonando o barco (De militares ao centrão, passando por MBL, Vem pra rua, Novo,etc).

As conjunturas são diferentes, mas os caminhos comparativos entre as inabilidades de Jânio, Collor, Dilma e Bolsonaro transformam a conjuntura atual na tempestade perfeita contra o Bolsonarismo e sequer chegamos em Flávio Bolsonaro e sua organização criminosa no gabinete (O termo escolhido pelo MP-RJ não foi à toa).

E as revoluções? Na conjuntura atual o que se impõe como dado é que os quadros são de paulatino compartilhamento de experiências nas classes trabalhadoras, de identificação de elementos caros à ela (educação e saúde) com um salto organizativo e de percepção do peso destes campos na economia, na cultura, na vida cotidiana.

Isso gera uma percepção do público (roubando um dado de observação do companheiro Célio da Comuna e do PSOL de São Leopoldo) não só nova, como identificável e, mais ainda, disputável.

A culminação narrativa do uber liberalismo como hegemonia cultural a partir das lógicas do empreendedorismo e redução do estado esbarra numa resistência firme e frontal pela primeira vez em, ouso dizer, décadas.

As ruas estão dizendo: Não mexam nas estruturas do estado, elas pesam pro meu cotidiano!

Esta estrutura cultural no entorno das mobilizações e dos atos são um dos elementos fundamentais para a compreensão de qualquer revolução.

As revoluções silenciosas nos comportamentos, nas construções culturais e percepções pela experiência tendem a se tornar explosivas quando passam pro passo seguinte das mobilizações, que é a ocupação das ruas e da política.

E neste sentido o caminho escolhido por Bolsonaro expande o cenário político para a conflagração, não necessariamente violenta, de percepções políticas. Põe pra jogo, como a gíria carioca, uma disputa política outrora dada como livre da esquerda pelo falecimento desta.

A esquerda diria que as noticias sobre sua morte foram manifestamente exageradas.

Não que a esquerda seja a vitoriosa nas mobilizações, mas pelo menos é uma das vitoriosas e se posiciona como elemento disputante do compartilhamento de experiências que explodiu no 15M.

A estética do 15M foi de esquerda, os gritos idem, a defesa do público também. Mas isso não torna nada disso como um ganho definitivo se a esquerda não se reaglutinar de forma radicalmente democrática para receber os novos participantes dos atos que manifestadamente resistem a formatos avesso à oxigenação das ruas.

O mesmo pode-se dizer do conclamação às ruas por Bolsonaro. Seu governo foi flagrantemente contrário ao que defendeu em campanha.

A liberação de armas e outras promessas de campanha não foram nada diante da ausência de uma postura que pelo menos uniria a direita, que respeitaria militares, que faria uma luta para mudar o país. O que se viu, todos viram, foi um caos movido por recalque e que atingiu as chances de crescimento social de pobres, as chances de ganho da elite, a própria ideia de corpo unido dos militares.

E isso diante de uma conjuntura de crise econômica de aumento do desemprego e do desespero, do trabalhador ao pequeno comerciante, que ainda viu a faculdade do seu filho atingida no coração, e seu filho sendo chamado de idiota útil.

Seria um contrassenso entender as resistências do congresso ao governo como dadas apenas pela fome de propina, seria uma negação da própria defesa pela esquerda da política como algo que via além do ganho pequeno e menor.

A resistência veio pela desconfiança de que o governo e seus chefes não iriam compartilhar nada do poder com as demais forças da própria direita. Que inclusive não havia, e não há, plano algum de nada além de destruir tudo o que foi organizado de 1988 em diante. E essa destruição significa a destruição de elementos fundamentais também para a própria elite que os sustenta.

A irresponsabilidade das apostas em Bolsonaro, de parte da elite econômica aos militares, se baseava na possibilidade de doma dele pelos grupamentos da extrema-direita com alguma ideia na cabeça. Não deu.

Primeiro que Bolsonaro e filhos tem uma visão imperial da presidência; segundo que os planos deles nunca foram o de viver na democracia, mas destruí-la qual Orban (Isso vem dos escritos do Celso Barros na Folha com os quais concordo); terceiro que o grupo, que é tido como olavista (à revelia do próprio oportunismo de Olavo que já pulou do barco),tem uma ideia que acreditam real que são majoritários na sociedade, embora tudo, pesquisas, votos e ruas, demonstrem o contrário.

Somem a isso a incompetência geral do governo em governar, pela ausência de qualquer noção a respeito do que significa a máquina pública, e que gerou uma enorme resistência da burocracia de estado, algo que de 1988 para cá ganhou uma faceta própria que nunca se viu na República.

Bolsonaro assim chama as ruas para defendê-lo tendo como base uma minoria com um tom flagrantemente golpista, algo que ele projeta sem uma base real, e que não teria, segundo jornalistas com proximidade com o mundo militar, apoio das casernas, ressentidas pelo confronto aberto e insuflado pelo presidente contra militares da ativa e da reserva que consideram líderes e que também atingem um corporativismo forjado há pelo menos cento e cinquenta anos.

A base de Bolsonaro voltou ao normal e ele se recusa a acreditar, perdido no mundo pessoal em que é fundamental gastar mundos e fundos para receber um prêmio imaginário numa cidade do Texas que não o acolheu, apenas para responder a um prefeito democrata de Nova York e à zoeira das redes sociais que ele ainda acha que domina.

Ao chamar sua defesa no dia 26, quatro dias antes da mobilização chamada antes por uma série de organizações e pela esquerda, Bolsonaro se obriga a ter uma maioria nas ruas que tende a não ter, diante do fracasso numérico das últimas manifestações chamadas por eles e pelo flagrante racha no que o elegeu (Do MBL ao Lobão). E se obriga numa aposta em que se perder só lhe resta a renúncia, saída honrosa, ou apostar a fundo contra um congresso que não vai demorar muito tempo em aceitar pedidos de impeachment.

E as revoluções? Bem, elas se produzem em processos complexos de danças e contra danças, pesos e contrapesos.

1917 só foi possível por 1905. 2013 produziu dos ocupa escola à ascensão de uma direita das ruas. 2019 aponta para uma nova faceta de processos mais complexos e que envolvem uma dinâmica de consolidação de transformações culturais de longo prazo.

Quando índios e padres e bichas, negros e mulheres e adolescentes fazem o carnaval é preciso entender que o que se contrapõe a eles são os homens exercendo seus podres poderes.

Invariavelmente nessa dança as bases carnavalescas se impõem.

Imprensa, democracia e uma crítica ao antipetismo liberal, Tabata Amaral e Malu Gaspar.

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Na última semana vi ótimos jornalistas liberais apoiando golpe na Venezuela porque “Era contra um ditador” e destilando um ódio mal disfarçado a Lula que não destilam em metade ao Bolsonaro, que dizem combater.

Não existe apoio digno a golpe, não existe, mesmo contra ditadores.

A diferença entre golpe e revolução é farta na literatura, basta ler o dicionário de política de Bobbio e se entende a enorme diferença, e o Norberto trata Revolução como um golpe em proporções populacionais de engajamento com transformação estrutural.

Um Putsch, que foi o que tentaram fazer contra a Venezuela, é um atentado á democracia, mesmo uma democracia autoritária, como via de regra desde 2008 todas são, como a de Maduro.

Se Maduro é ditador, Alckmin, Dilma, Tarso, Cabral, e agora Witzel, Bolsonaro e Moro também são.

Perseguiram ativistas, processaram gente por portar Pinho sol, atiraram com bala de borracha e até armamento letal em ativistas, matam a população negra a rodo, em uma escala genocida, usam snipers para matar pretos pobres, estimulam a morte de indígenas e sem terra, atuam para permitir o armamento de milícias rurais para exterminar sem terra e liberar o morticínio de pretos e pobres por policiais,e por ai vai.

Então cês vão me desculpar, mas essa linha lógica de apoiar com fome um golpe de estado patrocinado pelos EUA em nome da “democracia” porque “Maduro é ditador” é um equivoco, pra ser gentil.

Eu apoio Revoluções? Apoio. Revoluções são golpes? Em muitos sentidos? Sim.
A diferença é que ou são apoiados por um levante populacional que ou o precede ou o segue ou são apenas golpes de estado.

Revoluções que o pais passou, se passou, ou foi o mais próximo disso? A Independência, talvez a Abolição ou a Revolução de 1930. que foram precedidas de longos embates, armados inclusive, e transformaram a sociedade como um todo e a própria estrutura do poder, inserindo novos elementos populacionais no cenário político e mexendo com as estruturas sócio-econômicas e culturais, mas isso é papo pra longas horas de debate teórico.

Mas apoiar golpe apenas para derrubar um ditador que se luta contra,ignorando a auto-determinação do povo Venezuelano, que esse ditador foi eleito, e que nenhum dado faz com que se veja um levante popular concreto contra ele, e isso mesmo em estados onde ele tem menos poder e cujo alinhamento não é a Maduro nem a Guaidó, mas a um chavismo anterior a Maduro?

É impressionante como alguns jornalistas trataram a entrevista do Lula com oito Vezes mais dureza do que o dia a dia de Bolsonaro. Bolsonaro é alvo de “ironias finas” e críticas até duras, mas aquém do ódio destilado contra Lula.

Lula precisa fazer penitência, autocrítica, plantar bananeiras recitando a Salve Rainha ajoelhado no milho enquanto se chicoteia, mas a mesma imprensa que faz falsa simetria com “os dois lados do radicalismo político” pra vender Tabatas Amarais se recusa a fazer uma mínima versão disso que chamam de auto-crítica.

Malu Gaspar diz que as críticas da esquerda à Tabata Amaral são porque “ela não é esquerda suficiente”, com altas doses de ironias. Que grande democrata e intelectual temos que sequer consegue conceber que existem divergências mais amplas entre o que eles, da imprensa, chamam de esquerda, não?

Aliás, essa leitura de ser “esquerda” pra parte da imprensa adaptou uma versão estadunidense da divisão política ou é impressão minha?

Sério que entender as proximidades e distâncias com a Tabata Amaral, por ela ser uma liberal e não uma socialista ou comunista ou parte do grupo ideológico tradicional da esquerda, em síntese anticapitalista, é apenas julgá-la “não sendo esquerda suficiente”? Isso é o melhor que uma jornalista especializada em política pode fazer?

Não sei em que ponto faltou leitura, pesquisa ou apenas uma clareza na percepção e exposição do próprio alinhamento ideológico. pra ser gentil.

Não é problema nenhum ser liberal, Malu e a Tabata tem muitos pontos em convergência com a esquerda tradicional (anticapitalista, socialista e comunista) e pontos de divergências centrais, reconhecê-los com respeito é um bom caminho, o desprezo ao que não entende, e nem tenta entender, é um péssimo caminho pra quem prega uma suposta unidade que não pratica.

Aliás, é fundamental que liberais dignos do nome, como a Tabata Amaral, a Malu Gaspar e outros, se assumam como tal, que assumam a defesa do liberalismo na linha Democrata moderada estadunidense no Brasil, cuja direita dificilmente é melhor que um Republicano anti aborto e que via de regra é composta de um Tea Party piorado enquanto brandem um suposto programa “liberal”. Até o conservadorismo no Brasil fede a um integralismo verde-oliva, e é francamente reacionário.

Então é sim bem vinda a Tabata e outros com seu liberalismo socialmente engajado, mas um liberalismo, pró-capitalismo e francamente pouco apegado à percepção do geral como divergência e não como “ideias que não tem mais lugar”. Agir como se a ideologia liberal pré-Marx fosse mais atualizada com seu misticismo teológico da mão invisível do mercado, mas com preocupações sociais, não fosse um socialismo utópico aplicado à contemporaneidade do que uma concepção teórica e política, com enorme base filosófica (Epicuro e Hegel pra começar), organizada por Marx e que é constantemente repensada, debatida, discutida, dentro e fora da academia, inclusive por liberais, por outros ramos da filosofia e da ciência política.

Aliás, ideias tem data de validade? Se tivessem o perfil socrático de Paulo Freire não existiria.

É fundamental que liberais exista,mas seria de bom tom que respeitassem a divergência, inclusive a crítica aos limites de sue alinhamento à esquerda, em vez de ridicularizarem o que os expõe como o que são.

E nãos e iludam, parte do PSOL, PT, PSB,etc são compostas por liberais como a Tabata, se você votou nestes partidos pode ter votado em alguém com u perfil próximo si, não precisa de certificado pra se dizer de esquerda, viu?

A REDE tem esse perfil, programático inclusive.

O que tem que ver é esse antipetismo que transforma o PT no diabo fugindo da cruz e que se torna muito mal disfarçado no discurso, no sentido da análise de discurso, de parte da imprensa, especialmente a que compõe a falsa simetria.

Esse antipetismo fez com que parte dos apoiadores de Marina em 2014, uma liberal com origem na esquerda, tenha apoiado Bolsonaro em 2018 , Abraham Weintraub entre eles.

Inclusive a mesma imprensa faz forfait pra se lembrar exatamente o que fez durante as eleições em nome de uma suposta defesa da democracia, hoje, quando ela precisa ser defendida concretamente, não mexe metade da palha que os demais membros da sociedade mexem.

A democracia quando sob ameaça recebe da imprensa o tratamento que muitos críticos de cinema dão à arte, uma odiosa observação não participante e supostamente crítica.
Precisamos de mais que intérpretes do real, viu? E sim, é um sentido marxista.

Amigos, a crítica ou é acompanhada da ação ou é apenas cagação de regra omissa.

E sigam o exemplo do Jânio de Freitas, do Gaspari, que são ácidos contra todos os governos, sem se omitirem na defesa REAL da democracia.

Não precisamos sequer concordar ideologicamente com eles para sabermos disso, como não precisamos achar Mino Carta o supra sumo da pureza da esquerda para respeitar sua luta em defesa CONCRETA da democracia, como idem o José Roberto Toledo, entre outros.

Mas é preciso sabermos com quem estamos lutando a defender a democracia.

Nós, que fizemos oposição ao PT anos a fio pela esquerda, nunca vimos muitos destes liberais nas nossas trincheiras. É sempre bom termos novidades, mas é preciso que lembremos sim quem esteve onde e quando.

Quem ocupa esta trincheira também ocupa a defesa de golpes contra o que consideram ditadores?

Quem ocupa essa fronteira também ocupa a resistência contra o que os jornais que ajudaram a eleger com falsa simetria e é mais próximo de Maduro do que eles mesmos assumem? Abro mão.

Essa defesa de golpes não é a da democracia.