Da diversidade da subversão e do ethos transformador

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Primeiramente #Molotov .

Os caminhos ideológicos da esquerda traduzem as contradições próprias do campo contra hegemônico a partir de sua miríade de campos dentro e fora do marxismo tradicional.

Quando coloco campo contra hegemônico é proposital pra fugir da terminologia “Progressista” onde são encaixados uma outra miríade de grupos que nem sempre são participantes de qualquer noção ética de transformação social ou ruptura ao status quo, entre eles liberais democratas, capitalistas desenvolvimentista de linha keynesiana, etc.

Por que os caminhos da esquerda hoje, tida como dispersa e fragmentada, traduzem as contradições inerentes a este campo contra hegemônico? Porque a esquerda jamais foi esse monólito vivo em torno do ideário marxista.

E isso se tornou mais eloquente pós-crise do estruturalismo decorrente dos efeitos da segunda guerra mundial e da racionalização do genocídio a partir do nazifascismo provocando uma crise na própria narrativa moderna da razão como libertadora e mãe do progresso.

Inclusive esse é mais um motivo pra crítica do uso do termo “progressista” para definir quem atua no campo contra-hegemônico, mais conhecido como esquerda. Porque a lógica moderna do progresso traduz uma percepção de avanço das forças produtivas que despenca na ideia do domínio antropocêntrico da Terra com desprezo absoluto ao meio ambiente, e também a um etnocentrismo que põe na frente a concepção moderna do progresso industrial e científico branco ocidental como medida de todas as coisas e culturas.

Dessa crise “da razão” emergiram muitas formas novas de transformação contra-hegemônica, mas também ressurgiram formas antigas e que estavam em campo desde muito tempo antes, como a própria ideia de anarquia que por muitos anos foi submersa pelo marxismo-leninismo, nem sempre apenas com a hegemonia ideológica e cultural, mas com violência (vide 1936 na Espanha).

Além do ressurgimento de campos ideológicos antigos como a anarquia e o autonomismo, surgem novas formas de debate contra-hegemônico como as que nascem a partir do feminismo e da luta LGBT, como a teoria Queer; A própria ideia de organização política dos povos originários, com seus paradigmas teóricos próprios que compreendem o mundo, a sociedade e as formas de transformação para além do que as teorias ocidentais propõe, mesmo que dialoguem com elas em algum momento; As construções ideológicas das populações africanas e do Oriente médio e Ásia a partir do caudal cultural e teórico produzido na descolonização, com ações que incluem o pan-africanismo e o marxismo, mas também releituras de ambos e transformações que traduzem valores próprios como a filosofia Ubuntu.

Para além disso as teorias produzidas na História, Filosofia e nas Ciências sociais apontam para novas saídas teóricas passíveis de serem utilizadas, como de fato o foram, por movimentos.

Pensadores como Ginzburg, Foucault, Thompsom, etc, fogem dos paradigmas centrais ao marxismo-leninismo e apontam para novas interpretações possíveis da vida humana e das organizações sociais que não eram contempladas quando Marx produziu suas teorias no século XIX ou quando Lênin se organizou misturando a teoria marxista a uma percepção fordista da política. Ou se eram contempladas o eram de forma absolutamente embrionária.

Se já haviam esses movimentos nos anos 1920 ou 1930, com críticos como Walter Benjamin tanto trabalhando com a crítica à construção marxista-leninista como mecânica quanto apontando o progresso, e a própria noção de História como irmã do progresso, como um processo de inevitável libertação da humanidade a partir do desenvolvimento técnico, como se a sociedade e a tecnologia fatalmente se abraçassem um dia numa era de ouro do humano, eles triplicaram em participação, peso e vivência no pós-segunda guerra e produziram tantas transformações quanto possível na própria ética da transformação no campo contra-hegemônico.

E desde os anos 1960 em especial esses movimentos e caminhos se tornaram cada vez mais diversificados e mais contundentes na ampla raiz de uma crítica complexa, completa e permanente de todos por todos e da própria ideia de transformação social.

E o que isso nos mostra? Nos mostra muitas possibilidades de análise e entre elas está desde a própria percepção das transformações como parte fundamental para o avanço das ideologias de transformação, com resultados práticos, até a própria reação de parte da esquerda outrora absolutamente hegemônica a esta diversidade e à própria crise de estabelecimento de sua ideia de unidade como hegemônica entre o diversificado plano de consciência dos movimentos de transformação.

Além disso, esse confronto entre a miríade de movimentos de transformações e os outrora campos hegemônicos do ideário de transformação põe também em confronto a própria ética da transformação, ou seja, o ethos que permite a compreensão da moral deles (Dos opressores) e da nossa (quem busca as transformações).

Não é incomum que nos embates e nas lutas pela representação do ideário da transformação o amplo espectro da ética inerente aos mais diversos movimentos seja mandado pro espaço em nome da punição daquele que disputa com o outro o papel de representante da transformação social e política (Seja ela a revolução, a anarquia, a igualdade de gêneros ou o fim do racismo ou tudo isso junto). Não é incomum as acusações mútuas entre os campos de serem traidores de uma causa em especial ou de uma bandeira ou de um campo de significados que simbolizam a revolução. E não é incomum todos estarem certos.

A diversidade da subversão por vezes é tomada como panaceia ou como veneno, quando não é nem um nem outro e sequer deveria também significar diversidade do ethos transformador.

A diversidade da subversão é um fenômeno histórico que traduz uma nova percepção do real como multifacetado e intraduzível de forma única pelas mais diversas ciências e teorias (incluídas ai as ditas exatas), algo que se não é consenso é cada vez mais perceptível nos debates ocorridos no interior das ciências humanas, e não só.

A diversidade no ethos transformador é que é um problema e dos grandes.

Porque a diversidade da subversão é filha dileta da expansão das formas de luta e dos campos de embate contra a opressão, que produzem amplos espectros de vitórias e de exposição das forças conservadores e do Estado a uma miríade de táticas e demandas que não os permitem muitas saídas simplificadoras.

Prendem anarquistas? Autonomistas atuam. Prendem comunistas? Grupos feministas estão nas ruas. Universitários reprimidos? Secundaristas ocupam escolas.

Entre todos esses existem comunistas ortodoxos e não ortodoxos, autonomistas tradicionais e novos, black blocks, feministas interseccionais e radfem, movimento negro unificado ou que inclui brancos, movimento indígena com raízes partidárias e autonomistas, entre todos existem foucaultianos, confederalistas libertários, anarquistas, autonomistas, malucos, etc.

E todos participam da enorme tarefa de transformação do mundo com o estabelecimento de uma polifonia onde vários mundos acabam se tocando e dialogando, na marra.

Isso é o estado da arte da diversidade teórica e da liberdade de ação política conquistada pela contestação, dentro e fora da academia, e que permite de tudo um pouco nas ruas, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê.

Essa diversidade teórica e liberdade de ação política nasce da própria crítica às amarras teóricas e políticas produzidas no campo contra-hegemônico pela ascensão do marxismo-leninismo como resposta única a todas as questões produzidas no espectro contra-hegemônico que contemplassem as transformações necessárias nas sociedades contra toda forma de opressão.

Essas amarras nasceram e cresceram desde a ascensão de Lênin ao poder na URSS com silenciamento de todas as contradições internas e externas aos bolcheviques, muitas vezes com uso do exército vermelho de Trotski, e viraram um Leviatã sob Stálin e com o crescimento do peso geopolítico da URSS e seu controle sobre os partidos comunistas mundo afora.

Não à toa dois dos momentos de explosão da miríade de movimentos e concepções de luta nascem na e da explosão teórica pós-1960, período onde também ocorre o primeiro rompimento coletivo com o Stalinismo partindo da própria URSS e tendo reflexos na saída da China do estado de parte do Komintern, e após a queda da URSS nos anos 1990.

O resultado das reações à diversidade teórica e liberdade de ação política pós-1960 vem sendo, primeiro pelos PCs e agora pelos partidos da esquerda tradicional (em geral trotkistas) mundo afora, bem similares: Descrédito a tudo o que foge da ideia de “unidade”, que no fundo é busca de uniformidade; desqualificação das teorias contra hegemônicas não partidárias como “pós-modernas” , mesmo que a maioria ainda compartilhe de boa parte dos paradigmas da modernidade e o pior dos casos, o desvio ético que contempla o abandono do ethos da transformação em nome da garantia de espaços de poder, em geral burocráticos, que permitam o confronto com vantagens operacionais contra as mobilizações diversificadas, ou mais gerais e autônomas. Essas vantagens nos confrontos incluem uso do aparato policial de governos, processos judiciais e sim, tem muito a ver com a concepção fordista e até militarizada (Trotski defendia inclusive a ideia de militarização de sindicatos na revolução russa) de movimentos sociais e organizações políticas.

E ai é que está parte do problema do rompimento com o ethos transformador.

Porque o ethos transformador inclui na práxis cotidiana a ideias de reprodução ética de valores aos quais se deseja espalhar para toda a sociedade, ou seja, não adianta defender igualdade de direitos entre gêneros e etnia e incorrer em racismo ou machismo.

Não adianta ser contra transfobia e ser transfóbico, homofóbico, etc. Não adianta querer a liberdade da sociedade via revolução e encarcerar quem diverge de você, ou desejar que alguém morra de forma brutal por ser seu adversário, mesmo ele sendo um torturador ou defensor de torturadores.

A diversidade de meios de luta contra hegemônica é positiva, a flexibilização ética do ethos transformador não.

Há uma bela diferença entre pacifismo e contraposição à barbárie com barbárie.

Precisamos manter a lógica de ampliar a diversidade de percepções, interações, construções contra hegemônicas, a diversidade não nos enfraquece, fortalece e “pira” o poder.

Se nesse meio tempo essa diversidade também enfraquece as forças políticas organizadas em torno das burocracias, paciência e problemas deles.

Enfrentemos os resultados disso, pensemos e construamos a resistências à opressão com ou sem essas forças, com ou sem parlamentares, mas não esqueçamos da necessária manutenção do ethos transformador.

Parte da diferença entre nós e Bolsonaro é saber a nossa ética. Quem esqueceu ainda dá tempo de lembrar.

A própria ideia da catalogação ideológica em caixinhas determinantes e limitadoras é parte de um processo redutor do outro ao limite ideológico imposto. Por isso limites como “anarquistas não podem votar” ou “marxistas tem de ser centralistas democráticos” são parte da redução e da simplificação, que contém uma boa dose de autoritarismo.

O limite do pertencimento ao campo contra-hegemônico deveria ser menos doutrinário e mais ético, menos autoritário e mais libertário, menos redutor e mais amplificador e pode ser resumido na luta contra a opressão e contra o capital como porto seguro de todas as opressões a partir das opressões de classe.

Precisamos ir além do sistema e pensar pra fora dele. Ir além do voto, ir além das caixas, mas sem desgrudar de nossa ética fundamental: Não podemos ser como quem combatemos.

 

É pau, é pedra, é o fim do caminho

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A vida no sudeste do Brasil sempre foi um processo festivo. Ao menos pra uma elite e classe média que pediam crescimento e avanço por sobre as selvas da ignorância e da mediocridade nacional, envergonhados de não serem franco-canadenses ou anglo-saxões e conviverem de forma forçada com bugres do norte-nordeste enquanto franqueavam a natureza a visitação gringa.

Para essa elite a vida sempre foi um misto de reclamar do atraso brasileiro, da incapacidade de fazer renovações legais e comportamentais diante do atraso de Pindorama, e um louvar ao avanço por sobre as matas da ignorância e de um atraso tipicamente brasileiro chamado natureza e ausência de lojas Hermés na orla.

Essa elite infectou uma classe média que pagava de progressista e avançada e que pedia revolução no país desde que não atrapalhasse o choppinho da sexta.

Essa classe média acadêmica, intelectual, vivente e amante do povo, registradora da vida do povo, escrevente do cotidiano popular e alegre defensora da ideologia “de esquerda”, também guardava no fundo um desejo atávico que derrubasse as florestas todas e se promovesse o “crescimento econômico” que “tirava quarenta milhões da pobreza” enquanto criticava de forma tímida que esses milhões perdessem as casas, ou fossem índios e quilombolas atacados e removidos, mortos, pra não perder o verniz de esquerda e mantivesse a capa de “voto crítico” no PT em toda eleição.

Se essa classe média gritava contra o governo enquanto se votava nele, afinal não se pode perder o emprego na universidade, no fundo ela também só gritava contra o governo até a página dois, dado que o que importa é que o governo faça mais universidades que empregue mais os filhos desta classe média, todos com doutorado, ou recém chegados nela a partir dos títulos acadêmicos.

Parte da oposição de esquerda também flanava sua indignação e construção da revolução sem ir a Irajá numa boa até que, pasmem, surgiram outros atores menos afim de pagar de pateta da indignação revolucionária pontual.

Essa galera chegou chegando e pondo em prática o que fazia quando a PM matava alguém na favela onde morava: pondo fogo em ônibus e fazendo manifestação deselegante e deseducada, que assusta os filhos da classe média que se reuniam na universidade pra desfilar sua juventude dourada e protestante, domesticada, na cara de um estado pronto pra dar porrada nela.

E ai o estado chegou chegando como o estado sempre faz. E prendeu sem provas, e criminalizou, e meteu a porrada com tiro porrada e bomba.

E ai a classe média deu pra trás e chamou a massa ignara que a ignora de boba, feia e chata.

Mas o problema nem tinha começado. Além do mundo por a esquerda na roda do embate cotidiano entre polícia e rebeldes, entre polícia e pobres, entre a PM e os pretos, entre o povo e quem se posta de frente a ele dizendo representá-lo enquanto o ignora, o mundo resolveu avisar de forma prática que o tal crescimento, o tal avanço por sobre a floresta da ignorância, as matas e as trevas de uma brasilidade que ofende a francofonia e anglosaxonisse de sua psiquê, levou a todos pro pântano da seca no sudeste.

É amigos, o tal crescimento sem eira nem beira deu ruim!

E nesse ruim todos chora sem saber se vão pra sala ou pra cozinha fingindo que queimar petróleo não tem nada a ver, achando que deixar pra lá os votos críticos, os endossos aos governos cretinos e assassinos, achando que tá de boa deixar vinte e três presos políticos se foderem enquanto se tenta eleger prefeito.

Se na rua é pau, é pedra, na natureza é o fim do caminho.

E o que resta pra todos? Um resto de toco, um pouco sozinho.

E é no caco de vidro, na vida, no pó, que se ergue a resistência e uma resistência pouco afeita aos salamaleques das casas do povo que acham que Eduardo Cunha pode ser presidente de algo.

Essa resistência cotidiana é quilombola, indígena, preta, pobre, favelada e tá de saco cheio de ficar sem água enquanto a esquerda passa férias em Medelin pesquisando em como ser prefeito modernizando a cidade sem discutir com os pobres.

Essa resistência feita de gente morta que resolveu desmorrer e não se secar como defende quem nada em piscinas reclamando do Alckmin enquanto vota “responsavelmente” na Dilmãe e desfila sua vida de princesa enquanto se diz chocada com a nomeação da Katia Abreu, tá indo pra rua.

Essa resistência vai pra rua querendo tarifa zero pro ônibus, pra água, pra luz, pra comida, pra saúde e querendo saber pra onde foi a água, a árvore, a chuva e porque mataram o cerrado.

E se ela ainda não disse que quer saber é porque ficaram dizendo pra ela votar na Dilmãe que tudo ia dar certo, até que essa resistência se fodeu com a cassação do seguro desemprego, do seguro-defeso que vai obrigar pescadores artesanais a desobedecerem a lei pra comer, mas ela vai querer saber porque parou de chover no Rio e em SP e porque isso a deixou sem água.

A esquerda vai estar lá? Duvido. Ao menos não a que tá no ar condicionado do gabinete sonhando com Freixo prefeito do Rio.

Jean, as nega e o movimento negro

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Jean Willys em evento recente em Brasília falou como teórico da comunicação pra cagar regra sobre como o movimento negro se sente. Então eu vou cagar regra como historiador pra explicar pra ele que 300 anos de escravidão marcam um país inteiro com racismo, e que inclusive teóricos da comunicação reproduzem  este mesmo racismo em seus elogios, defesas e sua brodagem aos autores, diretores e mandantes de sua nova classe.

Talvez ao ler Althusser demais se tenha lido Thompsom, Gorender, José Murilo de Carvalho, Sidney Chalhoub, João José Reis e Marx de menos, por isso se esquece como funciona a luta de classes, a formação da classe operária, a relação entre classe e costumes, o racismo, a criminalização da pobreza e da cor preta e como se constrói a distância entre a república prometida e a república entregue ao povo, aos pobres, aos pretos,etc.

Talvez por ser um novo querido da emissora global, e tudo o que isso significa em termos de defesa corporativa dela e de seu novo status e locus de classe, fora o deslumbramento clássico com o novo posto na institucionalidade, com o novo lugar de fala teórico e com o novo status social que o permite transitar de forma superficial pelo terreno pantanoso da conciliação de classes, Jean tenha se esquecido da empatia que jamais se furtou a cobrar , e recebeu, sobre sua causa principal, a luta LGBT.

Pena que a empatia que recebeu, e receberá enquanto lutador, não veio de volta para com negros e negras, um movimento inteiro, que contestam a emissora cujo diretor de jornalismo escreveu o livro “Não somos racistas” para negar o racismo da sociedade , do estado, da mídia,etc.

Pena que a empatia que cobra, com razão, quando em luta contra a homofobia não funciona para com negros e negras estereotipados, submetidos à cruel e racista lógica da falta de espaço concreto, contra a hiper sexualização das mulheres negras, contra a colocação do lugar de fala de negros sempre como pedaços de carne favelados,etc.

Pena que em vez de citar Althusser para silenciar o movimento negro, Jean não teve, como jamais teve, a humildade de reconhecer um erro e tentar ser tão dócil com o movimento quanto é com a burguesia e foi com o mesmo PT que abriu mão da CDHM da câmara pro Feliciano ao apoiar Dilma com uma plataforma que sabe, como todos que tem mais de dois neurônios sabem, que ela jamais porá pressão para realizar, a da criminalização da homofobia.

Jean que foi prolífico na acusação de que anular o voto era ficar em cima do muro, quando optou por um lado do muro optou pelo lado que tem a voz do branco, louro e que despreza os negros.

Realmente estamos de lado diferente do muro e foi até bom ser visto por quem tá do outro lado como diferente.

O elogio da loucura – Um desabafo

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Pra quem quer ter um parâmetro da desolação de quem viu ontem o debate entre os presidenciáveis e viu o discurso da questão climática ser abordado de forma absolutamente irresponsável, recomendo ler essa entrevista com o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro e a filósofa Débora Danowsky. Ou se achar muito grande é só ler o blog do companheiro de lutas Alexandre Costa. Também funciona procurar sobre crise climática, crise hídrica e crise ecológica no Google.

Se mesmo assim permanecer a dúvida da gravidade da omissão dos candidatos a presidente em abordar o tema das mudanças climáticas e se insistir no discurso produtivista de que sem mexer na economia nada muda, isso pra justificar uma análise macroeconômica que exclui a ecologia como fazem a maior parte dos militantes da esquerda partidária, eu apenas lamento.

Lamento porque o que se viu no debate pode ser definido como um elogio da loucura. E se o discurso do proto fascista Levy Fidelix chocou pela pregação da violência homofóbica, com razão, a omissão coletiva sobre este tema e sobre a questão climática mais que chocou, ofendeu.

Lamento ver o ecossocialismo, corrente do socialismo marxista que respeito e me formou como ambientalista, ser secundarizado num discurso pálido, omisso, frouxo, irresponsável.

Lamento ver que o ecossocialismo no Brasil é tratado como chacota especialmente no único partido que o mantém como um discurso a princípio apenas parcial, propagandístico, e com todas as oportunidades de produção teórica e política de formarem quadros ecossocialistas, candidaturas ecossocialistas, não o fazem.

O ecossocialismo no Brasil fracassa porque salvo raríssimas exceções é tratado como assessório, como discurso slogan e como discurso espetáculo que jamais é tomado em seu inteiro teor diante da gravidade da crise ecológica e da crise climática, uma embutida na outra e que ocorre na nossa fuça.

Ao tornar o petróleo cláusula pétrea e ao se omitir no abordar o fim dos combustíveis fósseis, metas de redução de emissão de carbono, programa de transição energética e vincular isso à agroecologia, mudanças nos parâmetros de consumo, alimentação, distribuição de alimentos, o PSOL, único partido com um setorial ecossocialista de peso, se omite de ser um partido necessário.

Se a forma partido pra mim já era desnecessária por um em número de questões e se essa sensação já existia quando eu paulatinamente tomava contato com o anarquismo verde e anarco primitivismo e os lia e entendia formas diferentes de organização na luta ecológica, ontem essa forma partido perdeu inclusive a áurea de tensionamento de discurso. Perdeu essa possibilidade porque na prática tensiona muito pouco e perde todas as oportunidades de sair do discurso de combate aos bancos e ao discurso udenista moralista e partir pra porrada concreta com relação às opressões e à crise ecológica.

Não foi só Luciana que perdeu oportunidades ontem, foi o partido. Luciana perdeu oportunidades no debate e é tratada com condescendência por seus companheiros e militantes e nome do espírito de corpo, que na prática também corroboram com ela na completa ignorância da questão ambiental.

Ontem, além do asco que a empatia com todos os LGBT me leva a ter após o desastre da omissão coletiva diante do discurso fascista de Levy Fidelix, me senti como um lixo humano de ter construído por anos uma luta ambiental totalmente ignorada pelo partido e por hoje sua principal figura pública.

Se minha adesão ao PSOL havia falecido quando me voltei novamente para a militância anarquista, ontem vi qualquer resquício de respeito ao programa ecossocialista por parte da candidata ser jogado fora pela manutenção do desprezo pela ecologia em nome do discurso fácil da macroeconomia mais ortodoxa.

Ontem Luciana Genro sepultou o ecossocialismo no PSOL. Eleger deputados foi mais importante que isso. Eleger deputados foi mais importante que a manifestação de completo repúdio à homofobia. Eleger deputados e atacar o PV foi prioridade ao invés do discurso ambiental.

Ontem o PSOL definitivamente acompanhou o PT, o PSB, o PSDB no elogio da loucura.

O partido do SOL ignora o sol como fonte de energia, não se declara ao sol, não fala do sol, não toca no totem do petróleo sonhando um dia ser poder pra entrar na OPEP.

Ontem a democracia fracassou, o meio ambiente fracassou, os indígenas fracassaram. Toda a luta ribeirinha, indígena, quilombola foi secundarizada junto com a luta LGBT, outra luta que vira slogan bonito, mas que fora a defesa correta do casamento civil igualitário quando se fez necessário o enfrentamento direto à homofobia se preferiu seguir um script.

Esse marxismo é o marxismo que veste a farda da crítica anarquista ao marxismo. Esse marxismo leninismo de cartilha, pobre, parco teoricamente, omisso e covarde, não é o marxismo de Thompsom, de Lowy. Esse marxismo não é sequer o marxismo de Marx.

Esse Marxismo teológico e teleológico que acha que a revolução é um dado histórico, esse mecanicismo obreiro e disciplinado que ignora o atropelamento da ecologia no cotidiano, sendo cúmplice dela ao tratar a crise ecológica como palavra de ordem. Esse marxismo de galinheiro que opta por elogiar a Diva em vez de perceber a cagada que foi o conjunto da obra da opção entre a defesa de um programa que varreria Eduardo jorge para seu lugar de capacho verde da direita e o ataque às alianças do PV e do silêncio diante da homofobia explícita de Fidelix. Esse marxismo de galinheiro é primo dileto da burocratização e da cooptação do estado.

O PSOL ontem fez seu canto do cisne pra mim, definitivo e completo. O partido “necessário” se tornou desnecessário arremedo.

Quando a principal voz da esquerda guetificada pelo conjunto de sub-radicalismo com oportunismo eleitoreiro opta, em sua melhor chance, por seguir um script careta e um discurso de eleição de DCE em vez de assumir a responsabilidade sobre a crise ecológica e sobre o combate direto à homofobia ali presente, gritada, ai já deu, sua necessidade não existe mais.

Lamento profundamente ter visto a comédia de justificativas pobres, de ataques velados ou abertos aos críticos ao invés da análise crítica do tamanho da oportunidade perdida.

Pela primeira vez em muitas eleições a crise climática entrou na pauta, mas a atriz com o melhor papel para atuar sobre ela, preferiu o script errado.

Desde que batemos todos os recordes negativos do acúmulo de CO² na atmosfera, que batemos recordes de temperatura, desmatamento, desde que entramos em profunda crise hídrica em um dos países praticamente proibido de tê-la, se exige mais que discurso ecológico da boca pra fora, de discurso ecológico capitalista ou de discurso de privatização das florestas. Mas quem tem como fazer esse contraponto optou conscientemente por não fazê-lo e reduzir o debate a um combate ao desmatamento, sem citar desmatamento zero e pior, ainda gastou mais da metade do tempo pra bater nas alianças do PV em vez de discutir o programa.

Não é de hoje que o debate ecológico no PSOL é negligenciado. Enquanto há setorial não há nenhum respeito a ele, menos ainda absorção das políticas por ele defendida. Diante disso como ter fé em um partido que despreza seu próprio programa ecossocialista?

Diante disso como aturar críticas ao “Não vote, lute!” que diz que nenhum partido cumpre seus programas ou pode garantir este cumprimento se a própria candidata ao assumir a tarefa foi incapaz de seguir seu próprio programa?

É muito fácil questionar os críticos às eleições em nome de argumentos como “Não votar fortalece a direita”, enquanto se discursa um discurso que fortalece a direita, o produtivismo, o negacionismo climático, etc.

É muito fácil questionar a desilusão alheia contribuindo para ela.

Depois se reclama o baixo percentual e se culpabiliza quem abandona o barco, é sempre a saída mais fácil. É sempre mais fácil transformar tudo em mágoa.

Enquanto se constrói um partido que despreza a luta ecológica, se critica quem faz a saída das ocupações, das ecovilas, como lutadores pela saída individual ou pontual, mas estes ao menos estão concretamente reduzindo emissões e discutindo emissões de forma pública e apontando soluções.

E os partidos? O que fazem além de transformar debate político em sociedade do espetáculo, tratando o desenvolvimento como panaceia acrítica, ignorando a necessidade de decrescimento da economia, de redução da estrutura econômica predatória, da obsolência programada, d consumismo devastador, de combate imediato à crise ecológica? Nada.

A ideia do desenvolvimento das forças produtivas, dogma perpétuo dos nano marxistas de cartilha, impede os partidos de olharem pra fora e verem o desastre.

Talvez pensem que no longo prazo estaremos todos mortos. E talvez seja ai a única vez que acertam.

Sobre Marina x Dilma ou Apenas Parem!

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Tirem-me algumas dúvidas, caros Marinistas. Quem construiu Belo Monte e Jirau? Dilma? Ok, correto. E quem se orgulhou em rede nacional de as ter licenciado quando era ministra do Meio ambiente do governo Lula? Marina. Pois, é.

Quem fez pressão para a liberação dos transgênicos? Lula e Dilma? Ok, correto. E quem se orgulhou em rede nacional de jamais ter sido contra os transgênicos e quem era ministra do Meio ambiente do governo Lula quando se liberou? Marina.

Sobre Banco Central e política econômica, etc, está no programa, idêntico ao do PSDB, por ter sido feito por crias do PSDB, o que não faz de Dilma melhor.

Só não me venham com o papo de que estão procurando alternativa, pois se estão é uma alternativa à direita de Dilma no campo econômico e idêntica a ela na maioria dos demais. No que difere não tem exatamente ganho qualitativo ou desvio de rota do neodesenvolvimentismo predatório, especialmente para indígenas e quilombolas. Estes tem como garantia um governo Marina que perpetuará boas relações com o agronegócio, ou seja, não vai frear o ataque a indígenas, etc. Não sou eu quem diz, é ela, em rede nacional, em encontro com ruralistas e etc.

Agora, querem permanecer apoiando? Boas festas e feliz ano novo, só assumam que é ideológico. Alternativas há com programas diferentes.

A opção por um programa nada ou quase nada diferente do de Dilma, especialmente para LGBT, e no que é diferente consegue ser pior, mesmo com todos os avisos, com todas as análises, configura uma opção ideológica. E digo mais: uma opção ideológica consciente de direita, capitalista, liberal, individualista, coxinha, zona sul, de uma “esquerda” que trata a política como espaço de socialização e não como espaço de luta.

“Ah, mas Luciana Genro recebe dinheiro da Gerdau!” , “Ah, mas Zé Maria é radical demodé!”, “Ah, mas Iasi é irrelevante e não abraça a questão ambiental!”…e seguem os trezentos argumentos sempre exigindo de quem tá à esquerda da opção ideológica o que for possível para que estes se aproximem da posição ideológica ou o que for impossível mesmo, para afastar a possibilidade de voto em alternativa programática.

O problema de Dilma para essas pessoas não é o programa, são pontos do programa. Aliás, nem isso, dado que a migração para Marina não quer sequer observar a similaridade gritante entre os programas. Fosse Dilma menos truculenta e mais enrustida na opção por abraçar Sarneys e por entubar em LGBTs, etc, a galera permaneceria como cheeerleader do governismo.

Jaspion“Ah, mas eu voto em Marina e voto/votei no Freixo!” e não notou mesmo a similaridade de discursos e de posição no cenário político? Jura que não nota porque o voto em Luciana te dá tanto asco? Porque se for lance de receber dinheiro de empresa recomendo ver a prestação de contas da campanha de 2012. Se for programa entre Freixo e Luciana aí complica porque não tem diferença nenhuma, tem a diferença da postura pública de busca de trânsito na mediação com o PT de um e negação disso por outra. E aí a opção por Marina e não por Luciana é eloquente.

O que salta aos olhos é que do voto nulo ao voto em PCB, PSTU, PSOL tem uma série de opções ideológicas pela esquerda, mas a opção é pela Marina e a opção é pela Marina com ataques à esquerda ou dramatização dos ataques recebidos chamando a esquerda de linha auxiliar do PT, mesmo com todos os avisos do programa recuado, a insistência que é uma aposta (como se fosse), para não assumir viés ideológico é um troço gritante. Gritante e irresponsável.

Interessante que jamais se aposta na esquerda.

Irresponsável porque opta por apostar do alto de uma situação social que lhe permite tratar política como corrida de cavalo e como trotoir pela rua da amargura e da mágoa de caboclo. A opção responsável e consciente pelo voto, pelo não voto ou pelo voto nulo é fábula aí. Não se assume uma política, se assume uma “radicalidade” pirracenta e nada radical, com muito mais de udenismo moralista chocado de ver “tudo que tá aí” enquanto caminha na praia do Leblon ou faz plano pra balada em restaurante caro.

No fim e ao cabo não se tem responsabilidade nenhuma concreta com mudança, com transformação, não se mexe concretamente para lutar contra mudanças climáticas, contra a TKCSA, contra a criminalização da homofobia, contra a dilapidação da educação…tudo isso é merda. A questão aí é um jogo novelesco, uma dramaturgia política onde heróis e vilões passeiam na urna em nome da satisfação pessoal da consciência política blasé exibida no convescote de domingo.

Se choca com a morte de homossexuais por homofobia? Porra nenhuma! Se se importasse votava na esquerda ou votava nulo e não em Dilma ou Marina.

Se importa com o meio ambiente? Nem por um caralho! Se se importasse não votaria nem em Dilma predatória nem em Marina condescendente e privatizadora de florestas, nenhuma delas com NENHUM programa de combate às mudanças climáticas, desmatamento zero, política de mobilidade sustentável, política indígena que combine demarcação com reconhecimento de identidade e programa de resgate identitário, idem para quilombolas. Nenhuma das duas sequer tangencia programa de transição energética, nadica.

Então vamos deixar de hipocrisia, please? Se no pós-2010 pagou-se muito de “eu fui enganado” e “eu não sabia” apesar de todos os avisos recebidos enquanto se chamava Plínio de “senil”, Zé Maria de Irrelevante e Ivan de “anacrônico”, no pós-2014 não vai colar. Os recuos de Marina são idênticos e ocorrem mais cedo que os de Dilma. E pior, com um programa neoliberal para ampliar o pesadelo.

Vão permanecer tratando política como convescote e espaço de socialização? Bacana, assumam então o viés ideológico classe média sofre, neoliberal, individualista, udenista e irresponsável, parem de pagar de esquerda, pois na hora do voto não são de esquerda e faz tempo.

Ah, eu voto nulo, a quem interessar possa e já descrevi isso aqui.

PS: comentários são moderados.

A ética da fofura e o espírito do desumanismo

images Na recente polêmica dos testes com animais muitas coisas forma vitimadas que não fazem parte da imagem do instituto Royal.

Uma das vítimas é a razoabilidade mínima, outra é a informação.

O princípio básico de que há uma modernidade tântrica e infalível no mundo que não é acompanhada pelo rincão sem pai nem mãe chamado Brasil, e que a ciência faz testes em animais só de sacanagem virou lei entre o planeta dos ativistas pelo direito animal mais agressivos.

O problema dessa lógica é que não dá pra dividir o mundo entre quem tá de sacanagem ou quem não tá, e nem reduzir a comunidade científica nacional a um bando de pobres-diabos que optam pro preguiça à metodologia mais escrota do mundo, ou por preguiça ou por falta de investimento.

animais-videos-extinçãoA ideia de substituir os testes com animais por outros tipos de testes não só não é nova, tampouco é circular apenas aos meandros “desenvolvidos” da divisão planetária. A discussão é enorme e sim há muito ativismo animal no meio científico, inclusive brasileiro, que entende como fundamental a transição paulatina para o fim dos testes com animais. Só que a substituição por portaria dos testes com animais por simulação em software ou opções piores não é assim tão simples, tampouco sem custo humano, em vidas, menos ainda tão fácil de ser reduzido ao que colunistas de jornal acham possível como “Testes com presos para comutação de pena”.

E não, problematizar a questão não é apoiar “tortura com animais para fazer pomadinha”, embora eu saiba que é tentador para quem acha que simplificando as questões se encontra solução, a satanização da discordância.

Problematizar a questão é buscar soluções dentro do plano concreto e não dentro do mundo de fantasia onde se resolvem coisas na canetada.

A ideia da suspensão imediata dos testes com animais nos leva à questões questão simples: Vamos interromper os testes científicos com substâncias e ir pro pau direto em seres humanos com o custo disso em vidas? Vamos optar pelo risco absoluto da simulação via software com o igual custo em vidas? Vamos optar por cultura de células humanas? Tá, mas isso funciona em todos os casos onde hoje se fazem testes com animais?

É amigos, ainda tem isso “testes com animais” não são feitos só pra “testar pomadinha”. Há questões onde se pode optar por suspender agora e há testes que não dá pra suspender em décadas.

0,,33380267-FMM,00Não vou comentar a lógica de testes com presidiários por uma questão ética, primeiro porque jogar com a liberdade de outrem mediante sacrifício é desumano, segundo porque é óbvia a lógica de desumanização do criminoso.

Testes com voluntários? Vamos lá em ordem e como Jack:

  1. Voluntários podem não aparecer.

  2. Voluntários remunerados são voluntários ou seria jogar com a miséria ou a pobreza em nome da ciência, o aspecto ético não entra ai?

  3. Os testes dando merda numa primeira fase teriam voluntários para uma segunda?

  4. Quem vigia o voluntariado?

Ou seja, toda a questão não é exatamente bolinho e nem tão fácil assim como se propaga no dia a dia, assim como outras tantas questões que eu inclusive defendo não são tão simples.

A lógica de suspensão do uso dos combustíveis fósseis também não dá pra ser por decreto e leva à substituição paulatina da própria matriz energética em uso no mundo, com programa de transição com garantia de emprego para quem trabalha na área, ou seja, é uma luta também antissistema.

Além de ser antissistema, a luta pela suspensão dos testes em animais depende também do avanço científico e mais, de um programa de transição que garanta a segurança inclusive dos próprios animais, dado que sim, medicamentos para animais também são feitos com testes em animais.

191c806fe8a746a4Não dá pra ignorar todos os fatores que trabalham em conjunto com a questão dos direitos animais, inclusive toda a questão cultural da própria relação homem e animal, homem e natureza. Não dá simplesmente para jogar isso pra fora abraçado com slogans e invasões de institutos e aulas de medicina, não é simples assim mudar o eixo de identidade humana como um todo, que passa também pela alimentação, na base da porrada. E não dá pra esquecer que gente honesta, sincera e esperta tá atuando para mudar o sistema de testes de dentro pra fora também e lutando além da lógica de supremacia antropocêntrica com os limites da própria ciência, que só nas últimas décadas se voltou para pensar no assunto.

Não é radical agir em nome da humanização de animais dentro da ética da fofura e desumanizar a humanidade em nome do espírito do desumanismo.

Não somos todos Beagles.

A verdade, o unilateralismo, a beleza, o índio, o negro e o black Bloc

images (1)Todo pensamento unilateral contém o inevitável autoritarismo. O entendimento de algo como uma verdade única, centrada em uma objetivação da realidade é automaticamente inibidor da diversidade e portanto da democracia.

Esta “ditadura” reflete-se na sociedade de muitas formas, desde a lógica do padrão de beleza unitário, que exclui gordas e negras do belo, até o entendimento da ideia de progresso como ligada intimamente ao aquecimento da economia, ao aumento de consumo, ao aumento e desenvolvimento das “forças produtivas”, como se fosse um ligar de uma locomotiva faminta e sem freios na direção do abismo.

201109070815340000004175Produzir significa acumular capital, conforme o pensamento hegemônico, produzir significa consumir matéria-prima e energia para que bens sejam construídos, consumidos em nome de um bem-estar intimamente ligado ao ter. Esta ideia de produção é o carro-chefe de uma ditadura de entendimento da realidade, de um pensamento único, que se vale da concepção que produzir, viver, ter, estar, morar são estados relacionados diretamente com a ideia de propriedade, com a ideia de economia com valoração de cada elemento ao redor do homem, inclusive ele, seja terra, ar, água, bichos, plantas, como se todos tivessem um preço, como se o valor de uso e troca fosse natural, nascesse com cada item da realidade ao redor do homem, líder máximo de uma lógica onde o homem é o centro do universo.

la-pensee-uniqueEsse entendimento é complementado com a recusa de percepção de qualquer outra forma de entender a realidade, de qualquer percepção cultural divergente, como passível de alguma “razão” ou sentido. A concepção de etnias indígenas da terra como parte de um organismo vivo, como elemento fulcral da existência deles para além da economia, da produção, do valor continente no uso da terra, vira anátema, pois bate de frente com a lógica, o pensamento único em torno do qual se ergue a economia e a lógica de vida ocidental, cristã, branca.

Outro aspecto da ditadura do pensamento único é a ótica do que é bom ou não para segmentos inteiros da população. Pobre morar na favela? Não pode e jamais passa na cabeça das pessoas a possibilidade urbanizar a favela, de que favela seja cidade. Greve? Atrapalha o trânsito. Proibir carro no centro das cidades? Atrapalha o direito individual da posse do automóvel, dane-se se o transporte coletivo permanece secundarizado em nome do individualismo egoísta, consumidor de combustíveis fósseis que aceleram os efeitos do aquecimento global. Lutar pelo fim dos combustíveis fósseis? Maluquice, a economia EXIGE crescimento e isso EXIGE energia, EXIGE, o conforto individual, a matriz energética em uso é o petróleo e não se fala mais nisso, energia renovável e alternativa são caras demais!

20090207_non.pensamento.unico.grandeE palavra em torno de muitas destas questões é “custo”, é a centralidade do “custo”, do aspecto monetário sobre todo e qualquer entendimento relativo à lógica do bem viver como mudança dos paradigmas de civilização, para além da precificação da vida, das pessoas, das cidades, da terra, das matas, do existir. O “custo” das coisas é central, o “custo” das coisas é o eixo em torno do qual giram a lógica que prioriza, hierarquiza o que deve ou não ter a economia direcionada para realizá-lo, ou seja, o que é prioritário para a população e sociedade é decidido em torno de “custo”.

E quem decide? Como se dá o processo “democrático” de decisão? Há democracia? Se chega ao todo todas as informações, todos os meios de decidir, o que está em jogo?

imagesPoderíamos elencar também problemas relacionados ao processo de veto à homossexualidade, de repressão à orientações sexuais diversas, à transsexualidade, à ideia do papel da mulher, à lógica de respeito à diversidade étnica, ao racismo, ao racismo ambiental e tantos outros efeitos da ditadura do pensamento único, que parte de uma hegemonia cultural elitista e chega aos jornais e Tvs e é reproduzida, naturalizada, tornada como um elemento dado da vida cotidiana, imutável, asfixiante.

E todo pensamento contra hegemônico é crime, é criminalizado.

Todo método contra hegemônico é crime, é afastamento do povo das lutas, é afastamento da regra, da lei, do bom comportamento, dos bons modos, do bom senso.

E é por isso que toda criminalização dos Black Bloc tem um pouco de navio negreiro.

A centralidade da questão Black Bloc para a esquerda

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Falar de black bloc está muito além de uma análise local, pontual sobre manifestações e ação direta. Muito além de discutir sobre método, sobre a concretização do processo revolucionário, sobre a famosa correlação de forças, sobre ascenso ou descenso de lutas.

Falar sobre Black Bloc é um cerne da crítica da relação entre Esquerda e institucionalidade, entre a Esquerda e a ordem, o estado penal, a percepção de base e da base, a ideia de democracia, a separação entre a reação do oprimido e a violência do opressor.

Como eixo de parte do discurso da esquerda socialista temos um mal-estar gigantesco com a ação direta pelo descontrole visível que tem sobre pessoas, jovens, que atuam de forma diametralmente oposta à sua lógica particular de ação e inclusive de centralismo.

Seja na USP ou na cinelândia, o atropelamento da esquerda pela conjuntura e pelas bases é nítido, chega a ser espetacular. Se diz que os Black Bloc “invadem”, “desobedecem” a “direção” dos atos e pro isso afastam (como se fosse universal) as pessoas dos atos e “justificam a violência policial” como se a Polícia militar precisasse de justificativa pra descer o sarrafo.

images (1)Para negar o que ocorreu em recentes assembleias quando a base do SEPE-RJ decidiu um manifesto em apoio aos Black bloc, culpam a base anarquista por ter inserido isso, ignorando que os demais da base o aprovaram. Para negar a relação íntima entre a base sindical dos professores e estes que os defendem/defenderam de bombas e do cassetete se apoiam nas declarações das direções, ignorando que nas bases há um profundo sentimento de gratidão, que há muitos professores, a maioria dos que conversei sendo do PSOL como eu, que viram e conversaram com os satanizados Black Bloc, e tiveram neles pedidos de autorização para atuarem na defesa dos professores, do acampamento na câmara, etc.

Para negar que há sim uma má vontade criminalizadora dos Black bloc se apoiam numa democracia feita sob medida pro discurso localizado nas universidades e não muito mais: Discutimos em assembleias e assembleias sobre o ato e decidimos. E o ato se ganhasse força de quem não participou delas, como faz? Criminaliza? Se fosse o MST? Se fosse o MAB, o MTST, o Movimento Hip Hop, a APAFUNK? E se fosse uma comunidade de periferia que em apoio à USP se deslocasse até o ato e por muitas razões razoabilíssimas, confrontassem os Policiais? Criminalizaríamos? Não compactuaríamos com as depredações?

black-blocs-2E a tez, a cor dos jovens Black Bloc? A lógica, o linguajar, a forma de andar, se vestir, pensar? Sabem? Querem saber? Porque em muitos casos, na minha ótica na maioria, são negros, jovens, precarizados, frutos da recente lógica desenvolvimentista que varreu o país com crediários e PRO-UNIS e que se serviu de muitos jovens para a propaganda do Brasil Grande e não lhes deu transporte, saúde, emprego, casa, saneamento, futuro. E esses jovens aprenderem a ler o mundo entendendo-se excluídos, entendendo-se fora do jogo, entendendo-se a carne mais barata do mercado.

Nesses jovens a raiva dá pra parar, pra interromper, mas a fome de vida, de luta de melhorar, de construir um mundo onde possam confiar em mais que neles mesmos e nos a seu lado, não dá pra interromper.

A raiva e a fome é coisa dos ômi.

E o que fazemos enquanto esquerda? E sim, estou falando do PSOL, partido do qual faço parte e cujas declarações públicas efetuadas na fundação Lauro Campos e PSOL-RS foram lamentavelmente amestradas, colocadas como similares ao discurso da ordem se não enfaticamente, por medo, por uma lógica de se separar da ação dos “Vândalos”, se separar do que a ordem entende como atrapalhador das manifestações “Pacificas”, E o que fazemos enquanto esquerda? Criminalizamos, se não legalmente, politicamente.

imagesEstas declarações públicas enquanto partido foram as únicas públicas, não houve declaração do PSOL nacional, ou dos demais estados, portanto fica como a cara pública de um partido onde esta questão está longe de vista pelo coletivo de acordo com a vertente citada acima.

É esta cara que o PSOL quer dar aos presos, criminalizados, espancados, que sofreram bala, que apanharam e respiraram gás para deter o avanço das tropas de choque, no Rio, no Cocó em Fortaleza, em Salvador, em Brasília? Que segura o avanço da polícia nas ocupações de prédios públicos Brasil e mundo afora? É este discurso que o PSOL quer comprar como seu?

Porque é preciso estar atento e forte, não há muito tempo de se temer a morte física enquanto a morte política não é apenas um fantasma assombrando a Europa. Não dá para esquecermos que questões internas se relacionam com questões externas, que um discurso aqui se relaciona com a cara do companheiro a seu lado em um ato acolá, e com as pontes, e com os diálogos e com as caras, os preços, a porrada no lombo.

Assim como à mulher de césar, não basta parecer esquerda.

Não dá simplesmente para esquecermos nosso papel como “Partido Necessário” em um debate cuja centralidade está, antes de apoiarmos ou não os Black bloc, em combatermos a violência do estado, a escalada autoritária da sociedade, que passa por Feliciano, Bolsonaro, exército no Leilão de Libra, Cabral, Paes, Wagner, Agnelo e Tarso.

Não foram os Black Bloc que prenderam nossos companheiros, foi a polícia.

Não foram os Black Bloc que nos chamaram de “Vândalos”, foi a mídia.

Queremos ser a esquerda que temerosa de ser radical, embora se diga radical, tem medo de assumir os riscos inerentes das posições políticas necessárias?

Queremos ser a esquerda que com medo da onda fica na areia comentando a onda e dizendo que o mar tá bravo? Ou que quer dirigir as ondas e não surfar nelas?

black-bloc3-400x230Queremos ser a esquerda que criminalizou a rebelião de Watts em 1965? Queremos ser a esquerda que condenou a luta armada na resistência à ditadura? Queremos ser a esquerda que diria que a Revolta da Vacina seria um erro, porque depredaria patrimônio público (Sendo tal público muitas vezes agências do Itaú)?

Que esquerda queremos ser? Domada ou revolucionária?

A revolução não cresce em árvore, e nem espera, não tem régua pra medir revolução, nem manual. E sim, é desorientador o processo de rebelião, revolução, revolta, é sim assustador, como é o primeiro ato sexual, como é a primeira onda nadada e surfada, como é a primeira vez que enfrentamos o desconhecido, assim como é natural apelarmos para a ordem e segurança sob a qual fomos educados anos a fio. O que não é natural, embora nada deva parecer natural, é passado o tempo ficarmos presos ao medo em vez de avançar e avançar para compreender, avançar para entender, avançar para dialogar.

O que não é natural é em nome de votos, cargos, posições sociais, financiamentos, ou sei lá o que mais, emularmos timidamente o discurso da ordem protegendo como patrimônio público a vitrine do Itaú. Culparmos os Black Bloc por atos não funcionarem cheios sempre, como se apenas o medo da violência afastasse as pessoas dos atos e não o dirigismo, e não o oportunismo e não o aparelhamento.

Porque o medo da violência não afasta as pessoas dos atos do Rio, carro-chefe do pau quebrando?

É uma pergunta cujas respostas fáceis são muitas, mas não será porque há uma demanda de opressão radicalizada esperando um diálogo amplo, maior e construtivo para além da formatação do outro em um igual a nós? Não será porque com toda a esquerda presente seja obrigada a democraticamente dialogar, pela obrigatoriedade de não implodir tudo em mil pedaços de nada? Não será porque há uma profunda crítica à violência do estado já enraizada na academia do Rio e que não cai na esparrela de esperar carinho de quem foi criado para ser capitão do mato oficial do Estado?

images (2)O que queremos ser? O que tememos? O que medimos como régua de nossos valores e posição públicas? A correção analítica que se não apoia não criminaliza e tenta explicar? Ou a posição acomodada que apenas reproduz o discurso que cai bem nos ouvidos da dona Benta do Sítio do Pica Pau Amarelo que adora ouvir falar em justiça social, contra a corrupção, sem problematizar muito tudo isso?

Vamos ser a esquerda que exige punitivismo penal? Vamos ser a esquerda que diz que os jovens presos nas manifestações são sim criminosos pois atrapalham nossos atos?

Se formos não contem comigo, não serei cúmplice de mais uma negação dos riots de Watts.

A Esquerda, os Black bloc e a mídia

green-bloc-black-bloc-g8-rostock-2007A esquerda gira qual a pomba e se perde no próprio critério da análise do que lhe escapa enquanto força motriz de movimentos e ação. As análises sobre os Black Bloc circulam no eixo “A mídia os usa para nos desqualificar” e “lhes falta organicidade, lhes falta estratégia, lhes falta centralismo”.

O medo pânico do não entendimento do que flutua e foge dos códigos tidos como aceitáveis pela forma-partido tradicional é primo-irmão do entendimento que o socialismo está automaticamente na vanguarda do mundo, ou seja, o socialista é antes de tudo prafrentex.

imagesSó que não,né? O socialista é gente e o socialismo tem quase duzentos anos, portanto parte dele criou craca, apesar dos esforços do Papai Noel do Socialismo, ele, o Marx, em criar uma metodologia de análise da sociedade e do capitalismo que pela dialética fosse de certa forma “auto-limpante” ou imune aos efeitos do tempo. Ao menos outros marxistas como Benjamin, Thompson, Marcuse, Foster,  Bensaid, Lowy procuram fazer de Marx mais do que um pré-Lênin criador da solução final teórica.

No entanto a gente fica em um movimento cíclico de citação do uso dos BB para desqualificação de movimentos, da falta de organicidade, do papel ameaçador que tem para os partidos, que em tese seriam o sujeito da revolução por excelência,etc e tal sem no entanto que o cerne  da questão Black Bloc seja corretamente trabalhado. E quando digo corretamente digo que a própria lógica do que são os BB tá sendo distorcida e não posso, nem acho que nenhum socialista deva, se posicionar com a qualificação dos BB que a mídia conservadora faça.

QUEBRA-QUEBRA-440x293E eu não consigo compreender como “as ações dos Black Bloc” seja vista desatrelada do objetivo tático deles dentro das manifestações: Interromper o avanço das forças de repressão NAQUELE ATO/MANIFESTAÇÃO.

Fora que a repetição ad infinitum do uso que a mídia faz dos BB para desqualificar atos/manifestações da categoria a ou b contém o que ouso chamar de uma ingenuidade atroz. Porque qualquer luta/manifestação/ato que atue de forma contra hegemônica jamais vai ter simpatia da mídia ou vai ser alvo de qualquer objetivo da mídia que não seja a desqualificação. E se não tiver o quebra-quebra (Que no caso dos BB é uma ação consciente de desvio do foco da manifestação para eles com o fim de ajudar na dispersão do ato após violência policial), vai ser um “confronto” inventado, ou uma discussão entre professor e PM, alguma coisa, como tantas vezes ocorreu, como tantas vezes sabemos que existe,etc.

images (1)Nos atos da copa das confederações a PM sentou a porrada pela simples aproximação da área do Maracanã e no primeiro ato não teve nenhum quebra-quebra, mas os manifestantes “entraram, em confronto com a polícia que atuou para dispersá-los’ segundo a mídia.

A gente vai mesmo pautar nossas análises no beneplácito da mídia que atua, como bem disse Gramsci, em momentos de crise como partido da burguesia?

Quando citam os BB como um grupo esquecem que não é um grupo, uma organização na acepção do termo e enquanto for lido como tal (como se tivesse um objetivo estratégico/tático, organicidade,etc) e com o viés de qualificação deles como co-responsáveis pela desqualificação que a mídia faz de atos contra-hegemônicos, não vai ser entendido, sequer vai ser cheirado.

01 Arnaldo Antunes nao creia em tudoE digo mais o preconceito que está existindo nas análises diz demais de uma lógica que na verdade reflete a doutrinação midiática sobre atos/manifestações.

A Mídia é nossa inimiga, os BB não.

Os Black Bloc, a ladainha e o chatolino

downloadBem, sob pena de ser chato e repetitivo: Os Black Bloc não são um movimento. Sem nenhuma tentativa de ironizar ou desqualificar o interlocutor: Me surpreende a dificuldade que parte da esquerda tem de entender que os Black Bloc não são um movimento e não possuem táticas que visem acúmulo pras lutas.

Além disso, os Black Bloc não necessariamente são os mesmos que quebram Bancos, pontos de ônibus e MacDonalds, embora em Seattle e Genova esse tipo de protesto tenha ocorrido por uma parte das pessoas que se organizavam no bloco preto, que é o que na verdade são os black bloc.

black-blocBlack Bloc é uma identificação externa de um bloco dentro de uma manifestação que se organiza de forma defensiva, de forma a impedir o avanço dos choques. A tática de movimento é ocasional, é organizarem-se a cada manifestação de forma a defenderem o resto do ato dos avanços das polícias. A lógica começou nos anos 1970 por autonomistas alemães, a maioria marxistas, e ganhou na Europa outras cores com adesão de anarquistas, anarco punks e punks, muitas vezes organizados também nas ocupações urbanas.

Nas manifestações antiglobalização dos anos 90/2000 se espalharam mundo afora e no Brasil começaram a aparecer.

À rigor os Black Bloc não tem diferença tática de queimar pneu em avenida ou quebrar cabine de pedágio ou ocupar terra ou ocupar edifício. E não tem nenhum tipo de acúmulo imediato pra luta. Qual o acúmulo pra luta teve a ação da via campesina em quebrar o laboratório da Aracruz ou dos índios do Xingu detonarem a ensecadeira do Rio Xingu na obra de Belo Monte? E como se define “Acúmulo pra luta”?

3d8facd6f2c20f669666e55e5ccc81b3_500A luta não é um banco onde só ações táticas diretas ganhas a partir do contrato adquirido pós-greve se acumulam na acumulação primitiva de capital político.

Na luta aspectos simbólicos se juntam com aspectos objetivos do cotidiano e da luta política e o que se busca aqui, no imediatismo que nos toma, talvez nos cegue para o que se ganha lá na frente.

E antes de mais nada o primeiro grande acúmulo pras lutas que os Black Bloc nos deram é nos tirar do imobilismo analítico e estanque, que aponta a ação direta como um câncer para um processo revolucionário amorfo e mezzo idílico que na maioria das vezes não passa de fantasia.