O que significa o Papa Francisco I no Brasil neste mês de Julho?
Este texto não começa à toa com uma pergunta, pois se pretende menos uma afirmação e mais ser um provocador, um questionador, talvez para que as respostas sejam menos soluções e mais apontamentos.
Existem vários quadros possíveis para responder a esta pergunta e outras, alguns desenhos são cabíveis de serem feitos a partir de indagações no plano da política local, nacional, internacional, na relação entre religiões, entre a Igreja Católica e a mídia, entre o Governo brasileiro e o Vaticano, entre os megaeventos e os planos do estado e entre a população e os poderes.
Um deles diz respeito ao que foi projeto pelo Prefeito do Rio, Eduardo Paes, e pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, no que tange aos negócios que seriam/foram feitos em nome dos mega eventos como a Copa e a Olimpíada, e em menor grau a Jornada Mundial da Juventude, e o resultado final do impacto da JMJ no cotidiano de ambos e mais, na imagem da cidade/estado do Rio de Janeiro para com o mundo, preocupação número um dos governantes/gerentes do capital e cujos gabinetes tem sido chamados pela oposição, a meu ver com razão, de balcão de negócios.
Deu certo? O investimento em nome da venda da Cidade do Rio de Janeiro como cidade-evento, ou cidade-mercadoria, teve retorno? Fortaleceu a cidade enquanto marca? Fortaleceu a cidade enquanto infra-estrutura?
Acredito que as panes no sistema de transporte, na própria infra-estrutura erguida em Guaratiba e que sucumbiu à lama das chuvas, responde às perguntas e aponta para um caos maior em eventos com previsão de maior envergadura na exigência de transportes,etc. Aliás, um dado a se pensar é que o prefeito e o governador declaram feriados nos dias da JMJ, parciais ou não, e que para usar o Metrô o cidadão carioca que não tivesse passe especial era simplesmente barrado, e mesmo assim deu pane.
Outro quadro é da relação entre o povo carioca, em protesto quase diário pela queda de Cabral desde o fim de Junho, e os governantes diretos e indiretos, Eduardo Paes, Sérgio Cabral e Dilma Roussef.
A presença do Papa não arrefeceu ânimos protestantes, e se os protestos tinham menos gente, não era, ou foi, desprezível a quantidade de protestos com cerca de cinco mil participantes tanto na sede do governo do estado quanto nas proximidades da residência de Sérgio Cabral, e todos sendo recepcionados mais cedo ou mais tarde pela violência policial que atira bombas de gás lacrimogêneo em hospitais.
A relação entre protestos e violência policial, que Cabral usou tentando desviar denúncias contra si, atingiu um limite tão grande que levou o governador a criar uma comissão especial para investigar vandalismo, investindo na dicotomia Vandalismo x Policia, que teve de revogar ao fim de tantas denúncias de inconstitucionalidade.
Para completar o nível de perda de controle do governador por sobre as tropas e aliados, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, em entrevista exclusiva à Mídia Ninja, fez questão de se descolar do aliado mor, ou ex-aliado mor, Sérgio Cabral.
Cabral, ao fim e ao cabo, ao revogar o decreto que criava a CEIV (comissão especial de investigação sobre vandalismo) entregou às baratas o Secretário de Segurança do Rio e o comandante da Polícia militar como responsáveis diretos pela truculência policial, como se o comandante em chefe da Polícia, ele Cabral, não tivesse nada a ver com isso.
A truculência policial ocorreu também com o Papa no Rio, pra ampliar o grau de desmoralização do Governador, ou seja, como cidade mercadoria o Rio de Janeiro fracassou tanto na infra-estrutura para megaeventos quanto na habilidade de conter manifestações sem a proverbial truculência da polícia ainda militar do Rio de Janeiro.
Para agravar a situação o quadro expôs danos quase irreversíveis, a um ano da eleição, ao muro do outrora paraíso da popularidade de Dilma, Cabral e Paes e expôs também crises palacianas mal ditas pelo cotidiano de sorrisos e felicidades entre PT e PMDB.
As resposta de Cabral aos protestos ampliaram-nos e mais, derrubaram a popularidade dele, de Paes e de Dilma, que por razões de “governabilidade” não tem como descolar-se imediatamente do outrora primeiro aliado.
A lusitana roda ainda trouxe consigo o PT Carioca em profunda crise, já que o partido tinha membros entre os que filmavam os movimentos a partir da mídia alternativa, entre os próprios protestantes e entre quem condenava os protestos a partir de uma lógica delirante que os protestos contra Cabral, assim como todos os protestos de Junho para cá, eram no fundo um golpe armado contra a toda poderosa salve salve iluminação popular do Partido dos Trabalhadores em todos os níveis de governo, governabilidade e aliados.
Essa crise do PT não passa despercebida aos aliados ou adversários, e se reflete na lógica pressão para que o PT saia dos governos Cabral e Paes, e mais, ecoa na imagem de Dilma que tentou se construir como uma governante que “ouve as ruas” tentando ignorar a extrema inabilidade da mesma em responder aos protestos sem emprestar a Força Nacional a governadores, inclusive tucanos.
Aliás, essa crise do PT se reflete imediatamente na dicotomia entre estar nas ruas e nos governos, protestar contra Cabral enquanto sua presidente da república mantém um apoio explícito e tem em metade dos programas construídos no Rio como testes para uma plataforma nacional (UPPs, UPAs, Megaeventos) e mais, ser “esquerda” com políticas de direita, sendo secretário de direitos Humanos em um governo que os viola com sua polícia truculenta.
No plano da relação entre o Governo Brasileiro e o Vaticano a coisa fica um tanto mais enrolada.
Desde a assinatura entre o Governo Lula e o Vaticano de tratados que buscavam minimizar a aproximação oficial entre o PT e fundamentalistas religiosos ligados ao neo-pentecostalismo a partir do reforço do reconhecimento de instituições educacionais e de “caridade” vinculadas à Santa Sé, reforço na isenção tributária de igrejas,etc, o Governo do Brasil buscavam elementos simbólicos que deixassem clara que as relações entre o Governo do Brasil e evangélicos não seriam as únicas que o Partido dos Trabalhadores travariam para manter um grau de governabilidade e de laços e alianças políticas com as bancadas ligadas às religiões.
Ao fazê-los, os tratados, o Governo Brasileiro iniciou um processo de aproximação que com o governo Dilma Roussef e sua boa relação com o atual Papa Francisco I, ganhou fôlego.
Ao mesmo tempo a Igreja Católica precisava também do Brasil para focar sua ação “evangelizadora” e fazer uma demonstração de força ao mundo exatamente onde as igrejas protestantes mais cresciam. E a JMJ deu a ambos um meio de fortalecer laços e de demonstrar poder.
As reações dos Evangélicos fundamentalistas não tardaram a aparecer e isso pode ter um preço na costura da ampla rede de laços e alianças que o PT e o Governo travaram para manterem-se governando uma coalizão outrora poderosa, mas que diante da reação popular parece ruir a olhos vistos.
Outro elemento desta relação foi a aposta da principal rede de televisão do País, a Rede Globo, na transmissão da Jornada Mundial da Juventude como evento prioritário, invadindo inclusive ou outrora sagrado futebol de domingo e carro chefe da emissora.
A emissora, que estava se aproximando das lideranças fundamentalistas e buscando um contraponto à Rede Record, e outras emissoras que centravam fogo em programas voltados aos evangélicos neo-pentecostais, pela via do mercado Gospel, ao partir para a transmissão do evento católico como foco prioritário de sua programação optou deliberadamente por fazer parte da órbita da política do Vaticano de demonstração de força no principal País Católico do mundo, o Brasil, que via o avanço das igrejas evangélicas e de pastores como Marcos Feliciano dizendo que a igreja Católica era uma religião decadente.
Esta aposta se deu ao mesmo tempo em que a emissora mantinha-se como porta-voz da polícia militar e do governo do estado no que tange à manifestações populares, ó rompendo quando as imagens que circulavam via redes sociais impediam uma luta eterna contra o óbvio. A mesma relação se repetia na relação da JMJ e a cidade vendida pelo prefeito como pronta para megaeventos, só rompida quando as falhas no sistema de transporte se negaram a acompanhar a venda do mundo da fantasia.
Dá pra fazer mais relações entre a emissora mor do Reino e o principal partido no Brasil de hoje, o Prefeito Eduardo Paes e o Governador Sérgio Cabral, mas fica para outra hora, deixando apenas a sugestão de quem recebe mais verbas do Governo Federal entre emissoras e empresas de mídia.
Este julho Papal criou muitas dúvidas, apontou cenários, revelou fraturas e caminhos que muitas relações entre quadros podem se dar. Indicou falhas no Rio como mundo perfeito que vendiam para Inglês ver.
Nós que fomos um Rio da mais perfeita governabilidade, acordamos e somos um Rio que protesta com Papa e tudo.
Nós, que fomos um Rio que amava Dilma, Cabral e Paes, acordamos gritando a plenos pulmões que o Papa é BOPE.
Nós, que fomos um Rio pintado à mão pelos melhores publicitários, acordamos com um Papa e a ideia de que somos um Rio menso preparado, mais cheio de lama e gás lacrimogêneo do que supunha a vã filosofia do coro dos contentes.
Nós, que fomos um Rio de obras, agora somos um Rio que pergunta onde está Amarildo?
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