A Esquerda, a Direita, Eleições, Catequese e Colonização

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Eu voto nulo e faço campanha pro voto nulo, todo mundo sabe,mas não dá pra deixar de comentar eleições e como elas se dão, e como o comportamento da esquerda é equiparável ao da direita com relação aos mais pobres.

Os rumos eleitorais nas grandes cidades tendem a uma enorme confusão.

A direita encontrando mais dificuldade do que esperava e a esquerda, que contava com a eleição certa de Luciana Genro e Freixo e a reeleição de Haddad, enfrenta dificuldades extra nas suas caminhadas.

Parte do problema e das dificuldades da esquerda vem menos da fantasia de uma unidade mitológica perdida e mais da perda de capilaridade de sua organização no decorrer dos anos 1990,2000 e 2010.

O que isso quer dizer? Quer dizer que dos anos 1990, onde havia núcleos do PT espalhados por praticamente todos os bairros das grandes cidades, até os anos 2010, onde nem o PT manteve o que tinha nem o PSOL avançou sobre os espaços deixados pelo outrora maior partido da esquerda, a organicidade dos partidos de esquerda não só minguou como foi transformada numa mudança metodológica de organização que priorizou a formação de burocracias à formação de contingente militante e politização consciente nas cidades e interior.

Enquanto isso a direita, especialmente a vinculada a grupos evangélicos, construiu sólida expansão nas periferias e cidades do interior via velhos métodos, centros sociais e clientelismos, e novos atores, a participação cada vez mais ativa de religiosos neo pentecostais na política e inserção forte das igrejas na construção de laços de solidariedade comunal nos mais diversos locais dos grandes centros urbanos e interior.

Em resumo: A esquerda optou pelo eleitoral a partir do voto de opinião, a direita ampliou seu arco de ação fazendo trabalho de base cotidiano via igrejas e centros sociais e gerou um enorme contingente de gente que não só apoia candidatos de direita,mas os apoia ideologicamente, fazendo parte orgânica, especialmente via igrejas, das forças políticas que os mantém.

Exatamente, gafanhoto! A direita construiu militância capilarizada, enquanto a esquerda focou em manutenção de militância orgânica de classe média e expansão de apoiadores não militantes a partir de laços mais próximos do clientelismo, especialmente via lulismo, que de identificação ideológica.

E o segundo caso muitas vezes muda de lado pelos mesmos laços, e ainda passa a participar de um tipo de organicidade ideológica conservadora.

São vinte anos de transformações na direita e na esquerda, e é óbvio que isso daria em mudança no quadro eleitoral.

Nesse meio tempo outro fenômeno também cresceu nas periferias: Uma esquerda não partidária que não se identificava com a esquerda sucrilhos e combatia a direita evangélica.

Essa galera caiu dentro de uma posição apartidária,mas crítica, quando não anarquista e autonomista.

Muitos dessa esquerda periférica votam, outros não, todos são politizados e buscam um debate politizado a partir do ethos da própria periferia, seja via RAP, seja via organizações como núcleos socialistas (O IFHEP em Campo Grande no Rio é um exemplo), seja via coletivos de educação popular ou assembleias populares das periferias.

Toda essa galera tem posição combativa pela esquerda e critica fortemente o viés elitista da esquerda partidária tradicional.

E ai temos um fenômeno interessante: A direita dialoga com essa esquerda, mesmo sem contar com seu apoio e sabendo disso,mas a esquerda partidária a ataca.

E por que? Porque o pastor que aglutina os laços de solidariedade comunal que o sustentam politicamente sabe que o filho da Dona Naná que é anarquista e não vota nele é filho da Dona Naná, Primo do cumpadre meu Quelemem, irmão do Riobaldo, namorado da Zuleica, filha do marceneiro João, todos da igreja, menos o o filho da Dona Naná, que é bom menino e que isso de anarquia vai passar.

O Pastor pode estar errado no diagnóstico,mas na relação não. Ele sabe que o sujeito que ele vai combater na favela tem mãe, e a mãe é da igreja, e que os laços não podem ser rompidos, ele vai precisar conversar,mesmo com condescendência e mal disfarçado nojinho,mas vai ter de conversar.

E o assessor do vereador do partido bonito que dança tambor de criola na Lapa? Porra esse fica ofendidíssimo porque aquele fudido preto e pobre da favela do Jacó não vota no seu candidato que é a salvação da porra toda com sua proposta de fazer uniformes escolares de cânhamo que geram energia a partir da absorção da luz do sol e carregam celulares enquanto o corno fica no sol esperando duas horas pelo ônibus.

Como assim a esquerda não merece o voto da periferia?

Talvez seja porque a periferia nunca viu a esquerda, nem comeu, só ouve falar.

Esse comportamento se dá de forma simples: Catequese e colonização.

Sim, a esquerda espera uma reação de gratidão do fudido àquela que lhe leva a luz da consciência política de cima pra baixo à esquerda de quem entra. Logo ela que desperdiça domingos de sol que podia gastar na praia à passos de sua casa pra levar a luz da consciência política à esses bárbaros da favela é desprezada? Como assim não se consegue mais catequizar o pobre?

Talvez amigo, porque a direita montou posto avançado de colonização enquanto tu aparece apenas com o evangelho surrado de um marxismo cambeta.

O evangelho que vale é o do pastor que tá ali dando a cara tapa todo dia e não do missionário catequético e caquético que aparece do nada falando de um Deus Estado socialista mágico que tende a puni-lo se ele não gostar de seu messias.

Aliás, bora combinar que a esquerda que aparece pra catequizar também quer colonizar a periferia, né?

E por isso a esquerda que tá na periferia também repudia tanto o socialismo amarelo quanto o bispo Machado.

Mas quando a esquerda partidária vai entender isso? Nunca, ela sequer entende que passar na casa de alguém não é morar lá, imagina questões complexas.

O Hegelianismo travestido de Marx que a esquerda partidária insiste em usar, a partir da versão de São Lênin-Zizek-Mujica, impede por seu idealismo que a dialética funcione.

Por isso temos uma esquerda marxista sem Marx, sem antropologia, sem sociologia, sem samba.

E enquanto isso a direita tem o evangelho, e laços de solidariedade comunal, e diálogo com o filho da Dona Naná, mas o problema pra esquerda é quando o cozinheiro escreve.

 

Eu eurocêntrico: Ou da crítica como álibi pro analfabetismo funcional

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A galera perde a mão na crítica por vezes por absoluto analfabetismo funcional.
 
Me chamaram de eurocêntrico porque cito num texto uma porrada de autores, entre eles Frantz Fanom e Ashata shakur (Martinicano e estadunidense, respectivamente), e colocava que era fundamental dialogar teoria com MCs,funk,etc, com a comunidade, porque é fundamental mesmo.
 
Em vários momentos, até nesse texto, coloco que a teoria e a ação ou são da periferia pro centro ou dançam.
 
Sim, as pessoas leram (Leram?) a citação aos autores e ignoraram o texto, e desconhecem parte deles.
 
Também citaria João José Reis e Eduardo Silva, como já citei várias vezes, ou Chalhoub,mas eles são historiadores que tem uma contribuição teórica menos simples de ser transferida pro debate político em si (Vá lá dá pra fazer isso com Negociação e Conflio,mas Thompsom já aborda a mesma coisa),mas preferi citar as fontes teóricas mais amplas e mais facilmente transferíveis pro debates (E fontes dos debates propostos pelos eutores citados ai).
 
E também ignoraram o alvo do texto pra dizer que “Não cito todas as variantes da esquerda”, óbvio, eu me dirigia a uma variante, o que eu chamo de Esquerda de Apartamento©, seria no mínimo anti-didático citar todas as variantes de esquerda NESTE texto.
 
As pessoas não me lêem, não me conhecem, não procuram saber, não interpretam nem um textão “lacrador” (como se referiram a meu texto), mas são ágeis no julgamento (agilidade nem sempre é qualidade).
 
Isso não é problema, seria se não incluissem uma acusação de racismo porque uso o termo “nego” uma vez no texto, termo esse que cresci usando e ouvindo no subúrbio do Rio sendo emitido por todas as cores.
“Nego”, “negozinho”, é uma terminologia comum do Méier em diante. É negativo? Nunca percebi desta forma ou fui alertado a respeito.
 
Se for eu não tenho problema nenhum em parar de usar, basta me informarem a respeito, a questão é julgar tudo pelo uso de um termo ou porque sequer conseguem prestar atenção no conteúdo de um texto, seu contexto (todo texto tem contexto perceptível nele mesmo, basta ler) ou a forma que se aborda.
 
Ter cuidado e crítica são fundamentais, especialmente pra alertar sobre racismo, misoginia e homofobia, p.ex.,mas complica se o uso da crítica vira outra coisa, algo como caça às bruxas e gincana do purismo.
 
Pra me conhecer basta clicar no nomezinho presente no perfil e procurar nas minhas postagens o racismo,a homofobia, a misoginia, procurar minhas abordagens.
 
Querer em todo texto uma citação à todas as variantes da esquerda é de foder. Ou o Facebook agora vai precisar ter nota de pé de página?
Até porque se a pessoa que leu, e tá na esquerda, não consegue entender que quando a gente aponta Esquerda Brasileira de Apartamento© (chamar de generalização algo que eu cito nome a nome seus participan tres ou referências deles é dose) aponta para uma determinada Esquerda Fora Temer©(Tá repetido isso no texto inclusive), ela tem problemas sérios.
Ou todo autor que critica a Esquerda é automaticamente posto na caixinha da direita?
 
Transformar todo um texto em racista porque se usa um termo que pode vir a ser racista, não sei se é, uma única vez dentro de um contexto específico nada racista?
 
Chamar alguém de Eurocêntrico porque não entendeu o texto (Ignorar um parágrafo inteiro e a nacionalidade de Frantz Fanom pra chamar o autor de eurocêntrico é de foder)?
 
Não dá.
 
E com todo respeito, quem utiliza a ferramenta da crítica pra agir dessa forma é reflexo enorme do que apontei no texto a que me refiro: Falta de formação.
 
Não porque a esquerda precise ter toda leitura do mundo, não,mas ela precisa saber ler, e saber ler não é o exercício automatista de ler um texto inteiro, mas é ler, entender, possuir ferramental pra ir além de entender, efetuar a crítica do que leu e formular dali pra frente.
 
E com todo respeito: a maior parte da esquerda não faz mais uma mísera linha de análise do real que não seja um amontoado de lugares comuns mal escritos, anarquistas inclusive.
A fundamentalidade da esquerda sim ter programa que ensine teoria grossa (Tem enorme material produzido fora da Europa, viu?) é cada dias maior.
Inclusive é óbvio que a esquerda precisa ensinar a ler, sim, a ler, a ler textos inteiros e textos complexos, atuando inclsive como reforço pra quem começa universidade.
 
E sim, isso é A Esquerda Brasileira©. Sim, é de Apartamento©.
A minoria da esquerda é popular.
A minoria da esquerda partidária e a extrema minoria da esquerda nao partidária, são populares, são feitas de gente pobre e preta das favelas e bairros pobres.
Nunca vi o PSOL em Oswaldo Cruz, nunca vi anarquista em Santa Cruz, organizado não.
Tem sim esquerda não partidária em barirros pobres, mas ela não representa a maioria destes bairro e nem aponta pra isso. E basta ler meus textos pra saber que mesmo assim louvo sempre que posso o trabalho dessa esquerda não partidária, que tenho o GEP como referência, o MOB, a FARJ, a FAG.
A minoria de anarquistas está nas organizações de luta cotidiana, a maioria tá na internet chamando o coleguinha de eurocêntrico sem entender texto.
A Esquerda Partidária tá tão Ciranda Cirandinha© que sai de Starbucks em Starbucks gritando Fora Temer, Fora Feliciano, Fora Cunha enquanto a direita cassa nossos direitos e nos caça nas ruas, especialmente mulheres,negros e lgbts.
 
As marchas antifascistas são em menor número e com menos gente dos que as confirmações nos eventos de Facebook.
 
Vão nas comunidades anarquistas, por exemplo, tem mais gente querendo determinar se tu é “anarquista evrdadeiro” do que gente querendo dialogar com teoria.
É mais fácil aparecer anarco sindicalista chamando confederalista libertário de “traidor do movimento porque Bookchin defendeu que anarquista vote” (A rapaziada não entende sequer o contexto dessa defesa dentro da realidade estadunidense) e dizer que árvore e índio que se organizem como os trabalhadores se organizam, do que gente afim de construir alguma coisa pra além da teatralidade do “ser de esquerda”.
Nessas comunidades a rapaziada se escandaliza mais quando um companheiro diz que a luta sobre a prostituição, a favor ou contra, é uma questão que diz respeito à mulheres, cis ou trans, no máximo também a homens, cis ou trans, envolvidos com prostituição e chama de “doutrinado” porque se defende algo que é BÁSICO: Feminismo é um debate que deve ser feito entre mulheres.
 
Não muito mais longe, entre autonomistas se transformou em moda dizer que anarquistas são exemplo perfeito de quem só vê o lado bom de sua forma de luta, jamais admitem fracassos, ou seja, somos novamente um mundo onde a luta virou competição, a meritocracia invadiu o sistema da esquerda,né?
 
E a esquerda partidária com “Fora Temer”?
Outra questão é “Professores são também de direita!” ou “E tem professores que são de esquerda apenas no discurso!”, sim queridos, também tem “Esquerda” que só é “esquerda” em rede social, mas o texto era claro: A esquerda tem trocentos professores e é incapaz de organizar formação em seus vários espaços.
 
Eu centrei fogo na Esquerda Fora Temer,mas não só ela comete isso, quantos de nós estuda para além da obrigação formal?
Jura mesmo que as trezentas comunidades anarquistas nas redes sociais são compostas de quem realmente assim se pensa, mas opta comodamente pra nunca se organizar entre anarquistas fora da bolha e não tem problema nisso? Tá.
 
Quantos de nós leu minimamente? Poucos, e não me venham com papo de “Existe a sabedoria das ruas e nem todo mundo sabe ler texto pesado”, porque é bulshit.
 
Por que é bobagem? Porque a sabedoria das ruas não perde porra nenhuma em ganhar a companhia de ferramental teórico da pesada, vão por mim.
E nem o intelectual perde porra nenhuma em dar ouvidos às ruas, e ser das ruas, a não ser que o “sábio das ruas” esteja impregnado de um anti-intelectualismo estéril e tão burro quanto o nojinho elitista do intelectual de apartamento.
 
Ninguém precisa gostar de funk pra ouvir funk e funkeiros, nem amar Chartier pra aprender com Chartier, ou Fanom, ou Shakur ou Bookchin…
 
Só que sim, precisamos ler, precisamos saber Bahktin, precisamos ler Ginzburg, precisamos saber Shakur, precisamos de Samora Machel (Foda-se se ele era stalinista!), precisamos dar mais atenção às categorias nativas, de quem produz teoria com rap.
E precisamos de Marx, engels, Trotski, Nakunin, Kropotkin, Malatesta…
 
Mas precisamos antes de mais nada acordar pra vida e parar de fazer causinho babaca porque precisa “lacrar” o outro.
 
Aliás, “textinho lacrador”? Meçam vocês por suas réguas, amigos, não a todos.
Nem todo mundo usa rede social pra fazer forfait ou tentando pagar de mais brabo que o colega de escola.
O “ser de esquerda” virou valorativo moral, rótulo qualitativo das pessoas, e não identidade política que se estabelece enquanto ação.
O “ser de esquerda” virou uma versão menos ativa que o “ser vegano”, é sociedade do espetáculo, é representação, é teatralidade estéril.
Pois é, enquanto isso seguimos sem formação, com poucos de nós voltados pra entender mais e mais dor eal, dialogar amplamente com tudo e todos que permitam-se ao diálogo transformador seremos essa merdinha isolada, purista, burra, tosca e limitada.
 
Porque é sempre mais fácil atuar como grilo falante de mal humor que propor qualquer porra.
 
A crítica, arma da transformação, quando vira álibi, torna-se inerme.
 

Sobre não dar descanso a Temer, as diferenças, distinções e imobilidade eleitoreira

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Quando Dilma sofreu o impeachment na câmara parte da esquerda partidária e de movimentos sociais declarou que não daria um segundo de paz a Temer.

Pois é, mas deu.

Deu inclusive mais que um segundo em paz, deu dias, semanas, meses.

Manifestações até ocorrem, mas pingadas, poucas e pouco representativas.

Ações, como as que ocuparam o MinC, foram pouquíssimas e pararam há semanas, mesmo obtendo vitórias diante deste governo apalermado, ilegítimo e fraco.

E o governo ilegítimo prossegue com suas ameaças asneiras não só à classe trabalhadora, mas à democracia, ao bom senso, ao futuro da produção científica e à educação laica e de qualidade.

Mas a esquerda partidária prossegue sem tirar a paz de Temer, a não ser que entenda que tirar a paz seja xingar muito no Twitter.

Nesse meio tempo a esquerda partidária redescobriu o PMDB vilão de desenho animado, mesmo que o PT, que se aliou ao PMDB feliz em 2010, tivesse se construído denunciando o PMDB coo parte da direita coronelista brasileira desde seu nascimento nos anos 1980.

Todo santo dia parte dessa esquerda chora lágrimas de esguicho porque Cunha, Temer, etc são “ladrões” e “golpistas”, chega a ser meigo, doce e dramático, mas tem a função social do furúnculo na bunda como processo civilizador, com a devida vênia pela utilização terminológica.

Enquanto isso se não fosse índios, padres e bichas, negros e mulheres e adolescentes fazendo o carnaval à revelia da política institucional poderíamos dizer que a esquerda morreu enforcada nas tripas do último burocrata.

Sim, não há esquerda nas ruas, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê.

Tá, vá lá. Não sejamos injustos!
Profissionais estão em greve em vários estados, especialmente professores, e especialmente no Rio e RS, mas a vida da esquerda é mais que greve, por enorme importância que elas tenham.

E a vida política das greves é mais que elas mesmas e suas categorias.

Nem às greves o apoio coletivo da esquerda, o enorme peso necessário pra disputa hegemônica e contra hegemônica das consciências, a gente vê com a ênfase necessária.

Greve Geral? Sonha!

Vemos sim a esquerda tartamudear lamentos grandiloquentes sobre a maldade do mundo contemporâneo gritando o inócuo e babaquara grito “Primeiramente Fora Temer”.

Como se essa fraseologia amestrada fosse um abracadabra da libertação dos cães capetóides da revolução pra cima da direita, que ri, de lacrimejar na gravata, dessa bobagem.

A esquerda partidária definitivamente abraçou a teleologia da revolução enquanto evento escatológico e apocalíptico.

Sua religiosidade “racional”, seus mantras, signos, sinais, santos e demônios travestido de figuras públicas e burguesia, e segue na procissão candente dos ignaros rumo ao nada.

Tem avanço fascista que mata alunos da UFRJ, amplia crimes de ódio, ameaça professores, ganha DCEs, apoia bolsonaros, etc?

Lutaremos contra isso, mas vamos tentar canonizar nosso santo da vez elegendo-o prefeito primeiro?

E às diferenças e distinções entre nós da esquerda, como são tratadas? Com a velha e boa desqualificação dos que não são convertidos à fé dos mosteiros vermelhos de São Lênin, São Marx, São Trotski e Reverendo Stálin, na borrachada.

A nova é o racha do PSTU provocando grandiloquentes debates sobre a razão ou desrazão de gente adulto optar por tomar outro caminho organizativo.
Como se isso fosse sequer da conta coletiva ou elemento fundamental de qualquer mudança dramática na conjuntura ou tivesse efeito daninho à organização política coletiva.

Sim, a esquerda partidária ainda se ressente de gente adulta definindo que não quer mais fazer parte de grupo A e se deslocando pra fazer parte de grupo B ou vender sua arte na praia.

Como se o cara ao migrar sua militância pra anarquia ou sair do partido A pra fundar outro ou ir pro B, ou mudando seu nome pra Chupeta de Baleia e fazer performances acrobáticas na praça XV mudasse um cacete de elemento prático na conjuntura e tornasse a vida coletiva mais ou menos dura no enfrentamento político contra a direita.

Mas reparem que a cada racha ou a cada crítica soltam-se as balalaicas argumentativas dos xóvens do mosteiro vermelho falando da necessidade de “um partido da classe”.

Vejam bem, não falam da necessidade da classe trabalhadora se organizar ao máximo, mas dela ter “um partido”, reparem no numeral “um”, isso mesmo, apenas um, unzinho.

E as diferenças, as dissonâncias, a diversidade, as distinções? Fodam-se elas, só pode existir um.

Tá certo que parte boa da esquerda de hoje cresceu com Highlander no imaginário, mas desde os anos 1960 ao menos temos elementos teóricos pra discutir essa obsessão pela uniformidade na esquerda que dão um novo gás à nossa própria percepção do mundo e rediscutem a obsessão marxista-leninista pelo partido único, centralizadaço, supostamente democrático, não?

A diversidade, as distinções, as diferenças produzem mais diversidade, mais distinções e mais diferenças, e isso tá longe de ser negativo diante da óbvia complexidade da composição da realidade e das classes operárias, dos mundos e fundos que são feitos de gente que luta, se organiza, sobrevive, produz suas próprias pautas e lutas.

E o que isso tem a ver com dar descanso a Temer?

Tudo.

Até porque enquanto a esquerda partidária ignora o mundo externo a ela e o aumento dos crimes de ódio, da sanha bolsonarísta de se impor na porrada sobre mulheres, negros, LGBT, a coletividade transformadora da esquerda não partidária tá por ai enfrentando essa direita sem precisar gritar “Primeiramente Fora Temer”.

E segue a esquerda ignorando essas lutas, tratando-as como “problematização que desvia o foco da luta de classes”, atacando mulheres, atacando indígenas, atacando LGBT que gritam, em grandiloquente razão, sua fome de mudanças e conseguem cercear a direita, emparedar a direita, tornar a vida da direita um inferno enquanto a esquerda partidária agenda uma nova apresentação do Papai Noel de Montevidéu numa tour inútil de louvação tosca a figuras públicas burocratizadas, mas pop.

Ou isso ou lendo um Stalinista pop como Zizek falar bobagens reaças, mas de esquerda, enquanto Temer agenda matar a CLT a pauladas.

Vão esperar perder direitos pra agir? Não é a lição que secundaristas, índios, LGBT e mulheres estão dando.

Mas uma esquerda que ainda acha que só há um caminho pra transformação, e portanto um tipo de conhecimento supostamente racional e organizado pra compreender a realidade, consegue aprender algo que fuja do adestramento?

Difícil.

Da diversidade da subversão e do ethos transformador

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Primeiramente #Molotov .

Os caminhos ideológicos da esquerda traduzem as contradições próprias do campo contra hegemônico a partir de sua miríade de campos dentro e fora do marxismo tradicional.

Quando coloco campo contra hegemônico é proposital pra fugir da terminologia “Progressista” onde são encaixados uma outra miríade de grupos que nem sempre são participantes de qualquer noção ética de transformação social ou ruptura ao status quo, entre eles liberais democratas, capitalistas desenvolvimentista de linha keynesiana, etc.

Por que os caminhos da esquerda hoje, tida como dispersa e fragmentada, traduzem as contradições inerentes a este campo contra hegemônico? Porque a esquerda jamais foi esse monólito vivo em torno do ideário marxista.

E isso se tornou mais eloquente pós-crise do estruturalismo decorrente dos efeitos da segunda guerra mundial e da racionalização do genocídio a partir do nazifascismo provocando uma crise na própria narrativa moderna da razão como libertadora e mãe do progresso.

Inclusive esse é mais um motivo pra crítica do uso do termo “progressista” para definir quem atua no campo contra-hegemônico, mais conhecido como esquerda. Porque a lógica moderna do progresso traduz uma percepção de avanço das forças produtivas que despenca na ideia do domínio antropocêntrico da Terra com desprezo absoluto ao meio ambiente, e também a um etnocentrismo que põe na frente a concepção moderna do progresso industrial e científico branco ocidental como medida de todas as coisas e culturas.

Dessa crise “da razão” emergiram muitas formas novas de transformação contra-hegemônica, mas também ressurgiram formas antigas e que estavam em campo desde muito tempo antes, como a própria ideia de anarquia que por muitos anos foi submersa pelo marxismo-leninismo, nem sempre apenas com a hegemonia ideológica e cultural, mas com violência (vide 1936 na Espanha).

Além do ressurgimento de campos ideológicos antigos como a anarquia e o autonomismo, surgem novas formas de debate contra-hegemônico como as que nascem a partir do feminismo e da luta LGBT, como a teoria Queer; A própria ideia de organização política dos povos originários, com seus paradigmas teóricos próprios que compreendem o mundo, a sociedade e as formas de transformação para além do que as teorias ocidentais propõe, mesmo que dialoguem com elas em algum momento; As construções ideológicas das populações africanas e do Oriente médio e Ásia a partir do caudal cultural e teórico produzido na descolonização, com ações que incluem o pan-africanismo e o marxismo, mas também releituras de ambos e transformações que traduzem valores próprios como a filosofia Ubuntu.

Para além disso as teorias produzidas na História, Filosofia e nas Ciências sociais apontam para novas saídas teóricas passíveis de serem utilizadas, como de fato o foram, por movimentos.

Pensadores como Ginzburg, Foucault, Thompsom, etc, fogem dos paradigmas centrais ao marxismo-leninismo e apontam para novas interpretações possíveis da vida humana e das organizações sociais que não eram contempladas quando Marx produziu suas teorias no século XIX ou quando Lênin se organizou misturando a teoria marxista a uma percepção fordista da política. Ou se eram contempladas o eram de forma absolutamente embrionária.

Se já haviam esses movimentos nos anos 1920 ou 1930, com críticos como Walter Benjamin tanto trabalhando com a crítica à construção marxista-leninista como mecânica quanto apontando o progresso, e a própria noção de História como irmã do progresso, como um processo de inevitável libertação da humanidade a partir do desenvolvimento técnico, como se a sociedade e a tecnologia fatalmente se abraçassem um dia numa era de ouro do humano, eles triplicaram em participação, peso e vivência no pós-segunda guerra e produziram tantas transformações quanto possível na própria ética da transformação no campo contra-hegemônico.

E desde os anos 1960 em especial esses movimentos e caminhos se tornaram cada vez mais diversificados e mais contundentes na ampla raiz de uma crítica complexa, completa e permanente de todos por todos e da própria ideia de transformação social.

E o que isso nos mostra? Nos mostra muitas possibilidades de análise e entre elas está desde a própria percepção das transformações como parte fundamental para o avanço das ideologias de transformação, com resultados práticos, até a própria reação de parte da esquerda outrora absolutamente hegemônica a esta diversidade e à própria crise de estabelecimento de sua ideia de unidade como hegemônica entre o diversificado plano de consciência dos movimentos de transformação.

Além disso, esse confronto entre a miríade de movimentos de transformações e os outrora campos hegemônicos do ideário de transformação põe também em confronto a própria ética da transformação, ou seja, o ethos que permite a compreensão da moral deles (Dos opressores) e da nossa (quem busca as transformações).

Não é incomum que nos embates e nas lutas pela representação do ideário da transformação o amplo espectro da ética inerente aos mais diversos movimentos seja mandado pro espaço em nome da punição daquele que disputa com o outro o papel de representante da transformação social e política (Seja ela a revolução, a anarquia, a igualdade de gêneros ou o fim do racismo ou tudo isso junto). Não é incomum as acusações mútuas entre os campos de serem traidores de uma causa em especial ou de uma bandeira ou de um campo de significados que simbolizam a revolução. E não é incomum todos estarem certos.

A diversidade da subversão por vezes é tomada como panaceia ou como veneno, quando não é nem um nem outro e sequer deveria também significar diversidade do ethos transformador.

A diversidade da subversão é um fenômeno histórico que traduz uma nova percepção do real como multifacetado e intraduzível de forma única pelas mais diversas ciências e teorias (incluídas ai as ditas exatas), algo que se não é consenso é cada vez mais perceptível nos debates ocorridos no interior das ciências humanas, e não só.

A diversidade no ethos transformador é que é um problema e dos grandes.

Porque a diversidade da subversão é filha dileta da expansão das formas de luta e dos campos de embate contra a opressão, que produzem amplos espectros de vitórias e de exposição das forças conservadores e do Estado a uma miríade de táticas e demandas que não os permitem muitas saídas simplificadoras.

Prendem anarquistas? Autonomistas atuam. Prendem comunistas? Grupos feministas estão nas ruas. Universitários reprimidos? Secundaristas ocupam escolas.

Entre todos esses existem comunistas ortodoxos e não ortodoxos, autonomistas tradicionais e novos, black blocks, feministas interseccionais e radfem, movimento negro unificado ou que inclui brancos, movimento indígena com raízes partidárias e autonomistas, entre todos existem foucaultianos, confederalistas libertários, anarquistas, autonomistas, malucos, etc.

E todos participam da enorme tarefa de transformação do mundo com o estabelecimento de uma polifonia onde vários mundos acabam se tocando e dialogando, na marra.

Isso é o estado da arte da diversidade teórica e da liberdade de ação política conquistada pela contestação, dentro e fora da academia, e que permite de tudo um pouco nas ruas, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê.

Essa diversidade teórica e liberdade de ação política nasce da própria crítica às amarras teóricas e políticas produzidas no campo contra-hegemônico pela ascensão do marxismo-leninismo como resposta única a todas as questões produzidas no espectro contra-hegemônico que contemplassem as transformações necessárias nas sociedades contra toda forma de opressão.

Essas amarras nasceram e cresceram desde a ascensão de Lênin ao poder na URSS com silenciamento de todas as contradições internas e externas aos bolcheviques, muitas vezes com uso do exército vermelho de Trotski, e viraram um Leviatã sob Stálin e com o crescimento do peso geopolítico da URSS e seu controle sobre os partidos comunistas mundo afora.

Não à toa dois dos momentos de explosão da miríade de movimentos e concepções de luta nascem na e da explosão teórica pós-1960, período onde também ocorre o primeiro rompimento coletivo com o Stalinismo partindo da própria URSS e tendo reflexos na saída da China do estado de parte do Komintern, e após a queda da URSS nos anos 1990.

O resultado das reações à diversidade teórica e liberdade de ação política pós-1960 vem sendo, primeiro pelos PCs e agora pelos partidos da esquerda tradicional (em geral trotkistas) mundo afora, bem similares: Descrédito a tudo o que foge da ideia de “unidade”, que no fundo é busca de uniformidade; desqualificação das teorias contra hegemônicas não partidárias como “pós-modernas” , mesmo que a maioria ainda compartilhe de boa parte dos paradigmas da modernidade e o pior dos casos, o desvio ético que contempla o abandono do ethos da transformação em nome da garantia de espaços de poder, em geral burocráticos, que permitam o confronto com vantagens operacionais contra as mobilizações diversificadas, ou mais gerais e autônomas. Essas vantagens nos confrontos incluem uso do aparato policial de governos, processos judiciais e sim, tem muito a ver com a concepção fordista e até militarizada (Trotski defendia inclusive a ideia de militarização de sindicatos na revolução russa) de movimentos sociais e organizações políticas.

E ai é que está parte do problema do rompimento com o ethos transformador.

Porque o ethos transformador inclui na práxis cotidiana a ideias de reprodução ética de valores aos quais se deseja espalhar para toda a sociedade, ou seja, não adianta defender igualdade de direitos entre gêneros e etnia e incorrer em racismo ou machismo.

Não adianta ser contra transfobia e ser transfóbico, homofóbico, etc. Não adianta querer a liberdade da sociedade via revolução e encarcerar quem diverge de você, ou desejar que alguém morra de forma brutal por ser seu adversário, mesmo ele sendo um torturador ou defensor de torturadores.

A diversidade de meios de luta contra hegemônica é positiva, a flexibilização ética do ethos transformador não.

Há uma bela diferença entre pacifismo e contraposição à barbárie com barbárie.

Precisamos manter a lógica de ampliar a diversidade de percepções, interações, construções contra hegemônicas, a diversidade não nos enfraquece, fortalece e “pira” o poder.

Se nesse meio tempo essa diversidade também enfraquece as forças políticas organizadas em torno das burocracias, paciência e problemas deles.

Enfrentemos os resultados disso, pensemos e construamos a resistências à opressão com ou sem essas forças, com ou sem parlamentares, mas não esqueçamos da necessária manutenção do ethos transformador.

Parte da diferença entre nós e Bolsonaro é saber a nossa ética. Quem esqueceu ainda dá tempo de lembrar.

A própria ideia da catalogação ideológica em caixinhas determinantes e limitadoras é parte de um processo redutor do outro ao limite ideológico imposto. Por isso limites como “anarquistas não podem votar” ou “marxistas tem de ser centralistas democráticos” são parte da redução e da simplificação, que contém uma boa dose de autoritarismo.

O limite do pertencimento ao campo contra-hegemônico deveria ser menos doutrinário e mais ético, menos autoritário e mais libertário, menos redutor e mais amplificador e pode ser resumido na luta contra a opressão e contra o capital como porto seguro de todas as opressões a partir das opressões de classe.

Precisamos ir além do sistema e pensar pra fora dele. Ir além do voto, ir além das caixas, mas sem desgrudar de nossa ética fundamental: Não podemos ser como quem combatemos.

 

Usar politicamente as ferramentas, redes sociais e internet? Sim! Mas, apenas atuar nas ferramentas não!

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Desde há muito tempo percebemos que a atuação política via internet é muito forte.

Há dez anos apenas parte da internet era usada para ação política, na maior parte para articulações ou circulação de informações via blogs, listas de e-mail, sites,etc.

Hoje em dia a internet é parte importante de ação política, agitação e propaganda via seus inúmeros meios e ferramentas.

É possível atuar na internet em blogs, redes sociais das mais variadas, nestas com enquetes, memes e a clássica circulação de notícias dos mais variados veículos.

Há também abaixo assinados virtuais como Avaaz ou Change.org e ferramentas de governança via internet como e-cidadania.

Além disso, há ferramentas de pressão, que utilizam e-mails de vereadores e deputados para envio em massa de protestos e reivindicações, como Meu Rio e Panela de pressão.

Tudo isso é extremamente válido e funcional, facilita em muito as coisas,especialmente pra quem é mais velho,mais cansado, com mais problemas de mobilidade.

Também são ferramentas de formação muito eficientes, é possível trabalhar de forma a construir debates e discussões, apontando erros,acertos, caminhos, trabalhar releituras dos clássicos políticos, inserir ganhos teóricos ao debate político,etc..

Os blogs são, ainda, meios de atuação muito interessante para construir propostas teóricas, debates fraternos, crítica e autocrítica. Medium e ferramentas similares também.

A questão é: Essas ferramentas bastam? A meu ver a resposta é simples: Não!

Sem ocupações de escolas, terras, órgãos públicos, ruas, sem pressão cotidiana no estado e nas comunidades, sem escolas de formação, sem construção de assembleias de decisão horizontal, sem construção de redes de economia solidária, de política solidária, de compartilhamento de informações, arquivos, músicas, produção artística e conhecimento nada disso serve para muito além de alívio de consciência pesada.

Política se faz na rua. Quem faz política de gabinete é quem senta na representação e a partir dela usufrui de um poder delegado como se fosse seu. A estes interessa a militância estritamente virtual.

O problema é que cada vez mais mais e mais gente, especialmente entre diletantes e anarquistas, a militância virtual é a única e parca atuação. Por isso muitas vezes o militante virtual é um militante cujas contradições presentes em nós todos aparecem mais claras.

Na militância virtual há o LGBT machista, o anarquistas racista, o socialista homofóbico e por ai vai.

Outro fenômeno é a santa inocência, presente em todos, mas berrante na direita, que aceita informações, quaisquer uma, como verdade mesmo que a fonte seja uma só, sem nenhum endosso de qualquer outra, por mais absurda que seja. Um sub fenômeno desse é aquele clássico “Repassem até chegar em..” mesmo o objetivo final do protesto seja um ator político, como Temer, que vai cagar gomas asiáticas forjadas em Wakanda ao ler o tal protesto.

A relação “mágica” com a Web como se uma voz fosse ouvida com respeito por ser uma voz, u pensamento liberal inclusive, é a crença em coelho da páscoa aplicada à ideologia.

A relação “mágica” com a Web também substitui o Jornal Nacional na cabeça de milhões de brasileiros cujo analfabetismo funcional abraçado à preguiça monstra de olhar a data de notícias transforma qualquer notícia de 1983 em um meio de atacar personagens nascidos em 1996.

Isso tudo é parte da ausência de concretude das lutas, da ausência de vivência de militantes entre si e na comunidade, de ausência de conhecimento prático da política e da extensão do efeito das ações políticas.

Outra coisa linda desse fenômeno é o uso de notícias pelo teor negativo dela para o inimigo, sem sequer fazer um comparativo crítico desta mesma notícia quando aplicada a aliados.

Por isso Temer cancelando o FIES pra uma universidade é mais grave do que Dilma fazendo exatamente o mesmo pra duas, porque é ele, ele é inimigo e ponto.

E a politica nisso? Foi transformada em menos do que intriga de quinta série. Briga de torcida é menos rebaixada.

O interessante desse fenômeno é que ele trabalha em paralelo com outra forma de despolitização feita via internet e pela mídia: A santificação da política institucional como único caminho da atuação política e a transformação da ideologia em uma espécie de arque tipificação de grupos sociais sem nenhum tipo de relação entre o que é o comunismo, por exemplo, e as ações cotidianas dos atores políticos da política institucional, o mesmo para o liberalismo, o conservadorismo,etc..

O mais engraçado é que os mesmos cientistas políticos e âncoras de TV, comentaristas de sites cobram uma política mais “ideológica” e ”programática” enquanto esvaziam em seus discursos toda política de sua ideologia e programa.

Esses comentaristas, cientistas políticos,etc, trabalham com a política como se fosse um manual da institucionalidade estruturalista do XIX, um manual recortado, que ignora a complexidade do real e trabalha as instituições francesas, inglesas e estadunidenses como idênticas as brasileiras porque tem o mesmo nome e porque as constituições dialogam. Além disso, transformam o MST em ideológico, o Bolsonaro em não -ideológico. Difícil dizer quanto isso é estupidez e o quanto é desonestidade intelectual.

Quando juntamos esses fenômenos o que temos?

Uma redução da política a um teatro de aparências e ações que esvaziam as ruas e todo o locus de disputa cotidianos e a transformam em ferramentas de representação, em suas múltiplas formas de categorização, onde o parecer ação é mais importante que a ação.

Esse tipo de mimetização da política em parecer política acaba permitindo que o “engajado” seja apenas um construtor de memes, enquanto isso as ruas, as praças, os parlamentos, os debates nas padarias e botecos tornam-se hegemonizados por um senso comum que nunca vai ler o construtor de memes e abaixo-assinados da esquerda porque ele jamais leva esse debate com ele pra rua. Na rua ele é anônimo.

E ser anônimo na rua é ser nada.

Fazer política é, de alguma forma, ocupar as ruas. Nem que seja construindo aulas, falando na padaria,mas sempre, disputando espaços ideológicos.

Construir apenas virtualmente, podendo ir além, é fazer menos de 10% do processo necessário pra mudar o mundo.

Não adianta compartilhar meme até chegar em Temer, isso sequer é engraçado.

O que fazer no dia depois de amanhã?

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A esquerda vem sendo reativa há tempos, isolada em seus castelos, transformada em assessoria de gabinete de governos, movimentos organizados inclusive, desde muito tempo antes do PT assumir o poder em 2003.

Funcionou por muito tempo a relçação entre movimentos, partidos, governos e mandatos. Construiu caminhos através da burocracia, programas de governo e projetos de lei.

Só que enquanto se acostumava com a relação íntima com palácios a esquerda foi paulatinamente perdendoas ruas, e quando percebeu isso, especialmente em 2013, outras forças da própria esquerda e da direita começaram a ocupá-las. A saída pra governos e partidos vinculados à esquerda foi criminalizar quem ocupava as ruas, colocando todos no balaio do fascismo.

Isso esvaziou as ruas por um tempo até que a direita se reorganizou, amparada por governos explicitamente de direita, e voltou pras ruas, amparada por policiais que construiram publicamente a diferença entre “manifestante” e “militante”, o segundo, “comunista”, deveria ser reprimido, os demais não.

Atônita a esquerda partidária permaneceu longe das ruas. Aprisionada e processada, a esquerda não partidária também, embora atuasse fortemente nas ocupações de escola, manifestações por passe livre, etc, atuando em geral por vias menos ortodoxas, mais próximas às periferias e vinculadas a bandeiras mais práticas e cotidianas.

E cresceram os movimentos de direita, a classe média conservadora tomou gosto pelas manifestações sem política, sem repressão policial, com muita festa, anticomunismo, ódio racial, ódio a LGBTTS, feminismo e em especial ao comunismo. O fascismo começava a pôr a cabeça de fora.

A esquerda, aidna atônita, mas percebendo o perigo de impeachment saiu às ruas por um breve tempo, depois voltou a aguardar com a fé dos incansáveis, uma solução salvadora vinda das articulações palacianas de suas figuras públicas.

E não teve solução, não teve articulação que desse jeito, Dilma caiu, Temer assumiu com um ministério mais conservador que o de Collor.

Enquanto tudo isso acontecia várias manifestações antifascistas e ocupações de escolas ocorriam, com a esquerda partidária as ignorando ou tentando se apropriar delas pela via de UBES e UNE sem muito mais do que dezenas de estudantes ocupando o Parlamento, enqquanto nas escolas alunos auto-organizados tocavam o baile do ativismo que transforma, conseguindo em São Paulo uma CPI da Merenda e no Rio o fim do SAERJ (Prova de avaliação de “desempenho”). As ocupações horizontais permanecem em vários lugares, como em Goiás, Porto Alegre, Fortaleza.

E ai, e o resto da esquerda, o que faz no dia depois de amanhã do Impeachment de Dilma?

Bem, pouca coisa prática além de choramingar sobre o recuo conservador que é o Governo Temer e listar publicações internacionais criticando o impeachment de Dilma.]

Zero de análise, de auto-crítica, de propostas, zero de percepção de algo além do óbvio sobre o processo.

Parece que Temer, vice de Dilma, desceu de um disco voador vindo de Marte.

A esquerda petista lembrou outro dia que os índios existem e colocou que com Temer eles vão acabar. Bem, pode ser, inclusive Temer precisa apenas olhar como Dilma produziu parte do processo de extermínio indígena e repetir, nem precisa reinventar a roda.

Esse é parte do problema: Cadê ao menos o “Foi mal!” do PT sobre os recuos que empoderaram essa direita que o golpeou pra gente começar a conversar coletivamente sobre resistência? Não vai rolar? Não, não vai rolar, mas então, que tal ao menos propor caminhos de resistência além do Avaaz?

Não sei se vocês notaram, mas dizer o óbvio, que o ministério Temer é um horror, não o transforma no Coelhinho da Páscoa.

A ausência de mulheres e negros, a transferência da titulação de Quilombos pro MEC não é apenas um informe, é uma prática entrando em ação. Alexandre de Moraes na Justiça idem, significa que o pau vai comer.

E não, não adianta vir com aquele papo brabo de “Viram? Sem o PT é pior!”, porque senão a gente lçembra a responsabilidade do próprio PT com alianças à direita e empoderamento do mesmo PMDB dentro dos governos Dilma e Lula. Sim, sem o PT é pior, mas com o PT não estava bom e metade do ministério Temer também foi ministério Lula ou Dilma, de Henrique Meirelles a Henrique Eduardo Alves, Jucá, Kassab, etc. Melhor mudar de assunto, não?

Então, estão vendo as escolas? Estão vendo as manifestações antifas? Que tal baixarem a bola e a sbandeiras e colarem enquanto militantes pra apoiar, dar força sem tentar apropriar, aparelhar, transformar em palco eleitoreiro? Que tal se transformarem de novo naquela galera que não queimava na fogueira valores e bandeiras históricas pra construir o cadafalso que produziu o impeachment de Dilma?

E podemos avançar, há enormes mudanças no quadro teóprico prático da militância anarquista e socialista desde 1917, sabe? Tem as experiências do Curdistão libertário sírio, por exemplo, que dão caldo. E acho que se o Ocalan velho de guerra conseguiu produzir uma teoria libertária vindo de uma tradição leninista a gente consegue também, não?

Que tal a gente começar a discutir comitês de resistência? Não, dificilmente vai ter a adesãod e autonomistas e anarquistas, mas tem boa parte da esquerda que ainda ama votar e adoraria uma experiência organizada de forma horizontal, mesmo com o exemplo dado recentemente sobre o valor que a eltie política dá ao voto. Sabe o PODEMOS e o SYRIZA? Pois não nasceram cooptados pelo sistema e tem mais horizontalidade que a maior parte dos partidos brasileiros, mas muito mais que PSOL e PT.

Sei que RAIZ e REDE não são similares a PSOL e PT, embora o RAIZ esteja hoje em filiação solidárioa ao PSOL, mas são experiências de organização político partidária bastante mais horizontais e o quadro de recuo conservador não tá deixando barato quem fica pensando apenas no próprio umbigo.

Para além disso há contingentes autonomistas e anarquistas produzindo coisas novas, com resistência a tarifaços, aumento de energia, passagem, com luta por ocupação de imóveis, tem todo um trabalho educacional sendo feito. Tudo isso pode ser exemplo de funcionamento pra quem quiser transformar de novo o quadro político e construir saídas ao recuo conservador.

Ainda mais se analisarmos o quanto esse recuo que tenta atingir cotas, LGBT, mulheres, etc e também não aponta nenhuma saída econômica que vá funcionar em um quadro de crise econômica internacional, que tende a ampliar a recessão, além de pôr fogo no cabaré que é hoje o teatro político brasileiro.

Já tem ocupação do IPHAN, auditores do CGU bastante invocados, pra disso sair greve é dez reais, mesmo o Alexandre de Moraes achando que o Brasil é São Paulo e vai geral protegê-lo de mídia e de exposição.

E ai, que tal parar o mimimi e produzirmos o avanço na marra?

A esquerda ostentação ou esquerda gourmet

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O fenômeno da gurmetização da vida é recente, rola há ao menos dez anos e parte do princípio que um elemento x pode ser transformado em elemento y pela alteração de suas características visíveis, ou seja, a galera doura a pílula pra vender em cima de um produto um conceito que o encarece.

È comum haver coxinha gourmet, boteco gourmet e por ai vai. Sexo gourmet, beijo gourmet, basta acrescentar ao elemento algum tipo de estetização obsessiva, plena de arabescos textuais e malabarismos discursivos e, voilá, temos um elemento gourmet.

O boteco do seu zé troca as mesas de plástico por mesas de madeira, põe os garçons mal pagos vestidos de pinguim, passa a cobrar mil reais a Brahma quente e temos ai um boteco gourmet. Lanchonete com coxinha com perispírito de frango vira gourmet ao pôr coentro na coxinha.

Claro que o mundo político não seria imune à gurmetização, ainda mais mediante a paulatina e cada vez mais radicalizada publicitarização da política.

Só que na política o discurso da gurmetização é afeito à apropriação de parte da dita produção teórica “pós-moderna” para um uso essencialmente textual e discursivo, que poucas vezes é contestado de forma refinada a ponto de deixar gritante não o que revela, mas o que oculta.

Ao se apropriar de conceito guarda-chuva como “Pós-modernidade”, um conceito que abrange tanta coisa que perde a coerência como ferramenta de definição, incluindo tantos tipos diferentes pós-estruturalistas que não guardam nenhuma similaridade entre si além da crítica ao estruturalismo, parte da política que abraça as categorias “pós-modernas” como ferramenta discursiva se apropria muitas vezes da superfície das teorias e das categorias como forma de fomento a um comportamento textual de ocultação da prática política em si.

E ai tome-lhe nova política aliada dos tucanos e nova esquerda abraçando o PT.

O processo muitas vezes se espalha por diversos níveis de consciência crítica e envolvimento militante, ou seja, vai da base organizada à franja acrítica, vai do velho comunista à deslumbrada do Grajaú.

O que este processo de política enquanto espaço de atuação teatral e exibicionismo da consciência crítica oculta é o fato de ser primo dileto da compreensão da mediação e da conciliação como caminhos de transformação, faz parte do círculo íntimo da percepção da conciliação de classes como ferramenta transformadora, é sócio atleta do reformismo tranquilo e odeia que quebrem vidraça de banco.

Ou seja, a lógica discursiva e a práxis amestrada que compõe um feroz campo da esquerda que atua com discurso “radical” ou “transversalmente transformador”, que faz críticas genéricas a um “vaticano vermelho”, sem nenhum engajamento seja prático ou teórico na demolição de ideologização universal estruturalizante e concretamente monolíticas, e parte de uma percepção superficial, que, pasmem, critica comunistas e anarquistas pela radical crítica a programas neoliberais das fadinhas dos dentes da floresta tropical, sem nem notar apoios de contos de fadas a um dos vilões malvados pela própria fada.

Por outro lado há o acriticismo da teoria do golpe, aquele que abraça não a luta de classes como paradigma, mas a teoria da derrubada de um dito governo de esquerda, que em tese existiria aqui, e é pródigo no uso da responsabilidade alheia como ferramenta de chantagem pra servir de linha auxiliar a partidos da esquerda socialista, ou que passaram por lá.

E tome-lhe Lacan e Foucault pra justificar apoio velado ao PT.

Por que essa esquerda é Gourmet e revela um profundo desligamento de qualquer pensamento estratégico ou mesmo tático, de longo prazo ou respeito a mais do que necessidades que vão de ego a fortalecimento do corpo burocrático mais próximo?

Porque a ela pouco interessa uma real transformação, interessa mais mudanças pontuais que não transformem estruturalmente o estado e o planeta, que não sejam elementos de transformação profunda.

Interessa a postura pública de consciência política, uma exibição de como somos bons na exposição de nossas boas intenções e engajamento no mundo enquanto saboreamos uma Paulaner gelada objetificando nossa companheira e pensando em como é bom ela malhar pra ficar gostosa.

Essa gurmetização também é presente no cotidiano, mas pra quem pensar se o discurso tá afinado e se tira onda na cantina da escola de radicalzão dos balangandãs? E ai as minas, os pretos reclamam? Vitimização, bicho!

A gurmetização é a transformação da politica na caridade do século XXI, ou seja, o que as damas da sociedade e as classes médias faziam nos séculos XIX e XX, que era dar sopa aos pobres ou ajudar ao orfanato e ao centro espírita, agora migrou pra política.

Em vez de catar roupa e cobertor pros mais pobres a classe média resolveu comprar bolsa de garrafa PET, assinar petições virtuais, discursar contra a opressão (Mesmo a reproduzindo) enquanto liga o foda-se na práxis.

Ou seja, a pessoa discursa contra a opressão, mas concorda com o deputado que deixa black bloc se fuder preso, afinal onde já se viu quebrar vidraça de banco, não é mesmo?

O outro é um feroz militante da liberdade anarquista, mas, no fundo, só quer fazer o bem pra sua reputação de esquerda moderada que dialoga com todo mundo e consegue ponderar até morte de índio pela expansão do agronegócio em nome do medo da mídia e do Aécio.

Um terceiro, banca que precisamos mudar toda a política como uma proposta de democracia, que é bem-vista na internet, sem jamais ter tido um maldito diálogo com a maioria da população que não tá nem ai pra internet e da democracia só conhece a versão legendada pela PM.

E segue o baile de máscara da banalização do cotidiano político a um convescote digital onde o discurso jamais pensa na ponta, ou seja, o cara sustenta o Príncipe Danilo à mão, pouco se fodendo pro que sustenta em paralelo.

Outro prega destruição do estado sem destruir em si mesmo o machismo, uma terceira é ambientalista até abraçar a lagoa, mas pega o carro todo fim de semana pra chácara em Teresópolis e não faz nada, absolutamente nada nem pra questionar a relação entre combustíveis fósseis, crise ecológica, chácara em Teresópolis pra veraneio, deficit habitacional e sua relação, imensa, com a mesma crise ecológica.

Tudo muito bonito, tudo muito socialmente aceito, mas jamais isso se reflete me saldo organizativo pra mudança social à vera. Todos tem um senão para todos os tipos de organização.

E tome-lhe “jamais achei uma organização que me identificasse!” e ai a gente pode traduzir pra “Jamais achei uma organização que estivesse à minha altura!”, porque no fundo o que falta pra essa galera não é uma organização, mas um palco. Não se interessa pela transformação do mundo, mas pela exibição pública de um desejo difuso de transformação do mundo que tá ali até o momento onde essa transformação exige uma transformação íntima.

A semelhança disso com anarquismo como estilo de vida, indo muito além do anarquismo, não é mera coincidência.

Bonito, né?

Anti-intelectualismo, arrogância, vanguardismo, senilidade e rebaixamento de discurso – quando a esquerda atônita surta!

 

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Guardo, como em geral muitos comunistas, a velha vaidade intelectual. Seria hipocrisia dizer que não. Como historiador que se pretende acadêmico isso se agrava, então não é pouco o esforço de contrariar as estatísticas e minimizar esta vaidade.

É preciso bastante estudo pra militar na esquerda, isso é notório. Primeiro porque a batalha contra-hegemônica não nos dá a folga da hegemonia cultural e da naturalização de conceitos ligados ao marxismo e ao socialismo e quando o faz é por contrabando a partir de reformas conquistadas na porrada.

Nos é cobrado mais do que o simplismo, somos cobrados a dar respostas diante da luta contra um sistema em curso, governando o mundo atuando efetivamente no cotidiano da humanidade, ou seja, precisamos ir além do rame rame pra demonstrar que o que propomos é melhor do que o sistema em movimento.

E fazemos isso sem jornais, mega portais da internet, rádios ou TVs, a maior parte da luta é feita à sombra das grandes mídias e ao sol das ruas e do esforço militante coletivo, até acadêmico, de revelar ao mundo um mundo ao revés, um outro mundo possível.

Neste caminho existem leituras diversas sobre os possíveis rumos que a esquerda deve tomar e estas visões participam da construção de mundos por intelectuais clássicos e orgânicos, por professores, alunos, faxineiras, garis, vigilantes, motoristas, operários. Todas elas fruto de construções advindas do trabalho intelectual e da experiência de vida. Todas elas com elementos de acerto analítico e de senso comum, todas elas fruto de trabalho intelectual.

E é ai que a dificuldade que tenho em entender a dicotomia entre “intelectuais x povo” se veste pra fazer trottoir na rua. Porque me parece impossível distanciar a intelectualidade da rua, dado que ela é a rua, ela vive na rua, ela respeita a rua, veste a rua, analisa a rua, estuda a rua, sendo ela mesma a rua nas vestes de quem é objeto de estudo e de quem vê o intelectual como objeto de estudo, mesmo sem uma metodologia científica descrita em paper.

Quem busca distanciar o intelectual do povo, o que quer? Ao dizer que o intelectual é distante do povo e sua obra em si é “pequeno-burguesa” e fruto de um elitismo o nobre companheiro atenta pra complexidade envolvendo intelectualidade como categoria? Atenta pro fato de estipular ele mesmo uma diferença entre intelectuais e povo distando a cognitividade de um em relação ao outro via de regra, o nobre companheiro acaba ele incorrendo no elitismo de transformar o povo como um muar indiferente ao diálogo e ao senso crítico amplo e assim dana a percepção comunista gramsciana do intelectual orgânico?

Além disso, transformar um trabalhador em “não-povo”, tomando como régua o ápice da carreira de um professor universitário, ou transformando-o em “pequeno-burguês” por sua origem de classe dá ao nobre companheiro a régua de tratar como estanques as origens de classe e retirar dos não burgueses, porém intelectuais, a capacidade de empatia e mais, de entenderem seu papel como intermediários na rota da opressão de classe, sem no entanto invisíveis e imunes à ela. Ao fazer isso o que constrói o companheiro além do muro invisível da manutenção de divisão entre elite e povo, dando ao povo a incapacidade de ser ele mesmo intelectual?

E os companheiros que traduzem “tradição” como “obsolência” ou tratam qualquer coisa que se reivindique marxista como velha e determinadas precauções relacionadas à entendimento estratégico como “pirotecnia”? E a confusão entre horizontalidade e espontaneísmo, entre democracia e vontade da maioria, ou pior, entre democracia e horizontalidade com instrumentalização?

A arrogância de sustentar que inexiste dicotomia entre diversas metodologias, de nomear qualquer qualificação e refinamento de análise teórica sobre a realidade ou sobre partidos como “iluminista” ou no caso dos “anti-intelectuais” como “Pequeno burguesas”, é fruto de um afastamento da análise conjuntural cotidiana sob o ponto de vista marxista e mais da confusão ideológica entre libertarianismo, democracia e atropelamento retórico. Isso quando há ideologia e quando não se tem ao fundo do discurso apenas o velho e bom entendimento que “popular” significa voto e que “intelectual” ao propor questões mais amplas sobre o que se defende em nome do povo, ao propor reflexão quando se quer reboque, é um adversário da ação que “beneficia o povo”.

E ai se chega ao povo onde os “populares” e os “Libertários” se juntam num vanguardismo fudido. Primeiro porque, ambos, julgam todos os demais estúpidos, distantes e incapazes de ter a mesma riqueza de visão que eles, eleitos, pelo povo ou pela luz da teoria, possuem do alto de sua certeza. E ai o engraçado é que o mais Burocratizado dá aos braços ao Libertário no uso de “Esquerdistas” e “vanguardistas” como adjetivo desqualificador do adversário.

E isso tudo se junta no baile da senilidade, seja ela governista ou não, no rebaixamento do discurso que não teme elogiar desde torcida organizada pagando de milícia a quem destrói partidos por alianças com fundamentalistas evangélicos ou milicianos ou com a direita mais sórdida em nome do resultado eleitoral.

O rebaixamento do discurso, do método de debate e enfrentamento ai vira um baile sem máscaras que une oposição e governo no desprezo á inteligência alheia, especialmente da população como um todo, e na ideia que a pureza da bandeira principal (Para alguns mero álibi cínico) purifica o objetivo e o caminho traçado. Os fins justificam os meios para estes e ai seguimos minando ponto a ponto, tijolo a tijolo, um debate verdadeiramente libertário e democrático de construção de uma esquerda que corte o PT não imitando-o em seu método, mas indo no caminho anticapitalista de fato disputando hegemonia ideológica.

E é diante deste quadro que a atônita esquerda, governista ou não, surta. E surta com força vestindo seu melhor conjunto entre destino manifesto e arrogância intelectual, e pior, cita Deleuze e Foucault pra ornar com o oportunismo.

Enquanto isso o mundo aquece, junho ressurge, mas pra que debater isso se não é chancelado pela iluminação? Ela pode tudo e a tudo purifica, desde que intelectual algum mostre com lupa que por vezes Cinderela é a própria Madastra.

 

A verdade, o unilateralismo, a beleza, o índio, o negro e o black Bloc

images (1)Todo pensamento unilateral contém o inevitável autoritarismo. O entendimento de algo como uma verdade única, centrada em uma objetivação da realidade é automaticamente inibidor da diversidade e portanto da democracia.

Esta “ditadura” reflete-se na sociedade de muitas formas, desde a lógica do padrão de beleza unitário, que exclui gordas e negras do belo, até o entendimento da ideia de progresso como ligada intimamente ao aquecimento da economia, ao aumento de consumo, ao aumento e desenvolvimento das “forças produtivas”, como se fosse um ligar de uma locomotiva faminta e sem freios na direção do abismo.

201109070815340000004175Produzir significa acumular capital, conforme o pensamento hegemônico, produzir significa consumir matéria-prima e energia para que bens sejam construídos, consumidos em nome de um bem-estar intimamente ligado ao ter. Esta ideia de produção é o carro-chefe de uma ditadura de entendimento da realidade, de um pensamento único, que se vale da concepção que produzir, viver, ter, estar, morar são estados relacionados diretamente com a ideia de propriedade, com a ideia de economia com valoração de cada elemento ao redor do homem, inclusive ele, seja terra, ar, água, bichos, plantas, como se todos tivessem um preço, como se o valor de uso e troca fosse natural, nascesse com cada item da realidade ao redor do homem, líder máximo de uma lógica onde o homem é o centro do universo.

la-pensee-uniqueEsse entendimento é complementado com a recusa de percepção de qualquer outra forma de entender a realidade, de qualquer percepção cultural divergente, como passível de alguma “razão” ou sentido. A concepção de etnias indígenas da terra como parte de um organismo vivo, como elemento fulcral da existência deles para além da economia, da produção, do valor continente no uso da terra, vira anátema, pois bate de frente com a lógica, o pensamento único em torno do qual se ergue a economia e a lógica de vida ocidental, cristã, branca.

Outro aspecto da ditadura do pensamento único é a ótica do que é bom ou não para segmentos inteiros da população. Pobre morar na favela? Não pode e jamais passa na cabeça das pessoas a possibilidade urbanizar a favela, de que favela seja cidade. Greve? Atrapalha o trânsito. Proibir carro no centro das cidades? Atrapalha o direito individual da posse do automóvel, dane-se se o transporte coletivo permanece secundarizado em nome do individualismo egoísta, consumidor de combustíveis fósseis que aceleram os efeitos do aquecimento global. Lutar pelo fim dos combustíveis fósseis? Maluquice, a economia EXIGE crescimento e isso EXIGE energia, EXIGE, o conforto individual, a matriz energética em uso é o petróleo e não se fala mais nisso, energia renovável e alternativa são caras demais!

20090207_non.pensamento.unico.grandeE palavra em torno de muitas destas questões é “custo”, é a centralidade do “custo”, do aspecto monetário sobre todo e qualquer entendimento relativo à lógica do bem viver como mudança dos paradigmas de civilização, para além da precificação da vida, das pessoas, das cidades, da terra, das matas, do existir. O “custo” das coisas é central, o “custo” das coisas é o eixo em torno do qual giram a lógica que prioriza, hierarquiza o que deve ou não ter a economia direcionada para realizá-lo, ou seja, o que é prioritário para a população e sociedade é decidido em torno de “custo”.

E quem decide? Como se dá o processo “democrático” de decisão? Há democracia? Se chega ao todo todas as informações, todos os meios de decidir, o que está em jogo?

imagesPoderíamos elencar também problemas relacionados ao processo de veto à homossexualidade, de repressão à orientações sexuais diversas, à transsexualidade, à ideia do papel da mulher, à lógica de respeito à diversidade étnica, ao racismo, ao racismo ambiental e tantos outros efeitos da ditadura do pensamento único, que parte de uma hegemonia cultural elitista e chega aos jornais e Tvs e é reproduzida, naturalizada, tornada como um elemento dado da vida cotidiana, imutável, asfixiante.

E todo pensamento contra hegemônico é crime, é criminalizado.

Todo método contra hegemônico é crime, é afastamento do povo das lutas, é afastamento da regra, da lei, do bom comportamento, dos bons modos, do bom senso.

E é por isso que toda criminalização dos Black Bloc tem um pouco de navio negreiro.

A dimensão da utopia, a revolução e os novos Lênins

 Road_to_utopiaTratar de mudança política não é exatamente simples, tampouco receita de bolo. A dimensão da transformação tem tantas miríades de sentidos possíveis subjetivos a serem lidos em atos, palavras e movimentos, que a simplificação de um método ou de uma ideia de estado, ou de mesmo uma só ideia de revolução é delírio simplificador.

Se ler a realidade concreta fosse fácil e apontasse para um só sentido unitário não haveria desde sempre um mar de pensadores mundo e história afora, cada um com sua percepção de uma realidade, de uma verdade ou até da não-verdade.

A questão é que cada contexto histórico, cada conjuntura, aponta sinais identificáveis de novas formas que a multidão de gentes por vezes denominada “povo”, “massa”, “massona” ou “povão” (quase sempre por quem se aparta dela para defini-la com distância segura) interpreta se não o real a ruptura com o que entende como sistema ou peso opressivo de alguma realidade.

Cada contexto histórico traz suas insurgências, traz suas permanências, traz suas rupturas e conservações e é necessário que cada pensador ou militante que pretenda transformar este real lê-las, olhá-las nos olhos, preocupados menos com encontrar a verdade verdadeira única de todas as coisas e mais com antecipar minimamente uma tática de intervenção que consiga atrair o máximo de gente possível para oque defende como eixo de ações transformadoras.

É, amigão, to falando de convencer pessoas que tua tática revolucionária é o lance.

img_ju427-06bNeste contexto atual, por exemplo, o próprio questionamento da relação entre movimentos, partidos e ativistas com o cotidiano político é questionado. A própria relação entre os movimentos, as pessoas e a atividade política é jogada aos leões em busca de demolir concepções quadradas de vida, de militância, de relação com vidros, vidraças, mundo, ambiente, amor, mídia.

A dimensão contestatória não tá ai para fingir que não vê a frase maldita cheia de homofobia do sujeito que em tese diz que quer mudar o mundo.

A contestação, caras pálidas, não tá vestindo o fraque mediado do fanfarrão da esquina, tampouco o papo brabo de que “povão é assim”.

A contestação quebra vidraça do Itaú,a contestação arrebenta a secadora do Xingu, invade usina, ocupa Câmaras, derrete leninismos de salão querendo mais que conversinha nas terras Quilombolas, na avenida Paulista ou na praça onde Feliciano-RS prendem pessoas que se beijam em um espaço público ocupado por ele indevidamente em nome de uma só vertente de uma só fé, atropelando a laicidade do estado, atropelando a democracia de um estado cujo emblemático simbolismo de um Pastor Deputado (jamais um Deputado Pastor) chamando a polícia para reprimir lésbicas se beijando EM ESPAÇO PÚBLICO é eloquente.

street_art_24A contestação não trata a dimensão do sonho como um “Além da Imaginação”, uma “Twilight Zone” promovida por esquerdóides, amiguinhos. A contestação chegou à sala de aula, e não na cabeça de estudantes, mas na de professores precarizados em greve numa das principais cidades do país.

A contestação tá na rua derrubando um dos governadores centrais para a política do PT e para concepção de cidade mercadoria, de mundo mercadoria, de Brasil Grande neodesenvolvimentista com fome de petróleo, com fome de carbono, de escolas, de postos de saúde, de consumo que nos consome enquanto gentes a trabalhar doze, treze, quatorze horas para pagar os carnês das dívidas enquanto deixamos a vida no prelo.

A contestação pegou a dimensão do sonho gritando que não era por vinte centavos enquanto militantes amestrados pro revistas, blogs e sites de partidos acostumados com a cadeira acolchoada do poder dizia se tratar de Vândalos e Baderneiros.

imagesA dimensão do sonho voltou numa contestação mascarada que lei nenhuma vai desmascarar e enquanto isso ainda existem citadores compulsivos de Lênin procurando pelo em ovo pra justificar qualquer coisa em nome de mandatos acomodados, acostumados a pedir em vez de exigir, a criar espantalhos para a fome de moral e bons costumes de quem pede o fim da corrupção como se pedisse pães franceses na padaria mais próxima.

E enquanto a dimensão do sonho renasce com utopias múltiplas, dissonantes e polifônicas, como deve ser, a exigência de novos Lênins é clara, imensa, nítida. Mas exigem-se novos Lênins com menos fome por construir estacas fundadores de novos países e novos estados, mas canais para o fluxo contestatório passar derrubando represas.

São precisos Lênins que construam o diálogo, um diálogo amplo, que aprendam, que ensinem, que se joguem, que quebrem, que requebrem, que riam, que sambem, que ouçam a polifonia menos buscando a síntese perfeita e mais aprendendo que ruptura pode sim rimar com gostosura, com liberdade, com vontade e com verdades, sim com s, por muitas, imensas, gigantes, que nunca dorme, que se soltam noite afora quebrando tudo até a última ponta para derrubar Cabrais e outros ditadores mal-acostumados a achar que a voz das ruas é rouca, enquanto sempre foi doce.

images (3)São precisos novos Lênins prontos a divertirem-se recuperando a utopia, a dimensão do sonho em que Garibaldis, Bakunins, Marx, Engels fizeram a primavera dos povos.

Porque sempre precisamos de mais primaveras.