Há anos a cada postura de algum movimento, partido ou figura pública de esquerda chovem repúdios a esta ação, postura ou política. E com ele chovem também essencialismos, com se não fosse possível uma esquerda eleitoreira ser tão esquerda quanto uma esquerda antieleição.
Da mesma forma quando surgem notícias ou falas de policiais antifascistas, o mesmo movimento que elogia o surgimento em instituições tão violentas e avessas à democracia, fãs do fascismo mesmo, surgem críticas essencialistas que informam a todos nós, pobres idiotas, que é impossível um policial, que até outro dia era uma pessoa, ser antifascista, num suposto essencialismo que cola na pessoa que optou por ser policial um DNA fascista.
Freixo e Sâmia gravaram vídeo com Janaína Paschoal e Kim Kataguri? Traíram o movimento. O PSOL é mais institucionalidade que rua? Ex-querda.
Ok, é do jogo, faz parte do dissenso inclusive a estupidez. O que incomoda é a ausência, via de regra, de soluções que construam sob o ponto de vista de quem taca a pedra, o que eles colocam como alternativa.
Tacar a pedra é fundamental para que olhemos pra Freixo e Sâmia e coloquemos o quanto é limitada essa aproximação com setores liberais que propagam uma tolerância ao intolerante que eu, pessoalmente, não embarcaria para participar, mas jamais pra dizer para eles e quem quer que entenda ser possível esse tipo de ação, por índole, práxis ou desejo oportunista, que seja, que não façam porque é trair o movimento.
Trair o movimento, a esquerda, etc é votar a favor da Reforma da Previdência ou se omitir diante de um canalha que diz que discurso de ódio tá ok se o alvo for um comunista, isso é trair o movimento.
Qualquer movimento de diálogo, e diálogo não é conchavo, não é trair nada,é só um movimento, e um diálogo. E diálogo expõe a ambos os interlocutores ao escrutínio público e com isso expõe a este mesmo público a possibilidade de saber o que é cada um e que a prática é o critério da verdade.
Da mesma forma atacar como “eleitoreiro” quem historicamente tem um perfil de atuação mas institucional que de rua e de capilarização via núcleo, como o PSOL, por ser, pasmem, mega institucionalidade e com eixo político rolando em torno de suas figuras públicas, mesmo que sim tenha mais rua que a maioria de movimentos e partidos de esquerda é no máximo dizer o óbvio, mas e a construção de rua e do que se deseja ser o principal vetor de movimentos, é tarefa apenas de um partido? Se ele não é o que tu queres que ele seja o que se organiza como alternativa além do papo?
E sim, estou dizendo o óbvio: pouca coisa é mais impotente do que o sommelier de como outros partidos/movimentos são sem construí-los ou construir alternativas ou construir alternativas que não tem, lamento, capilaridade e peso institucional ou de rua compatível com a indignação sobre o outro.
Da mesma forma os ataques aos policiais antifascistas é lamentável, porque é uma recusa a organização de dentro de instituições de resistência a ethos que compõe a cultura delas. Essa lógica é prima irmã da que trata religiosos como idiotas irrecuperáveis ou que essencializam o ser de esquerda com alguém fora do mundo, angelical, portador da razão, guia genial dos povos.
Cada policial antifascista é menos um policial fascista, viu? E os caras sofrem retaliação, sem contar, em forças de segurança cada vez mais milicianas, estão sob risco REAL de morte.
O interessante de tudo isso é que todos tem uma receita de como reagir e resistir ao fascismo, como combater Bolsonaro, spoilers de IT – A coisa e a contratação de Oswaldo de Oliveira, mas ninguém, olha só, faz CONCRETAMENTE, porra nenhuma pra expor isso de forma real, diária, cotidiana e visível.
Sua organização ou você já puxou no teu bairro rua, padaria, cidade o Fora Bolsonaro ou se movimenta pra isso? Tentou se organizar em um movimento/partido/clube do Bolinha que construa algo assim, mesmo correndo o rico de ser minoritário? Porque é disso que a gente tá precisando, de mais gente, pros contrapontos estarem na rua, no chão se opondo inclusive aos discursos que norteiam partidos como o PSOL, do qual faço parte e não de grilos falantes impotentes, diletantes e estagnados que pouco fazem além de torrar o saco.
O Freixo tem boas relações com o Frota, que faz bullying gordofóbico com a Sâmia? Acho que ela e ele são adultos e tem capacidade concreta de construírem entre si,, sem a nossa tutela, a crítica e autocrítica necessária diante disso e que a Sâmia, olha só, seja adulta e capaz de defender a si mesma sem a tutela de um macho.
Os Policiais Antifascistas são membros de forças de segurança racistas e fascistas? Eles não só são como têm consciência disso e se arriscam a ir contra a maré.
O PSOL luta mais na institucionalidade que na rua e foca mais nas eleições que na organização diária? Meia verdade total, tem rua e tem eleição, tem mais institucionalidade que deveria, mas tem diariamente construção coletiva de resistência país afora em mobilização que se constrói para além de voto, mesmo visando o voto. Mas é sim um partido com forte teor eleitoral e institucionalista, só que, olha só tem outros partidos, viu? Tem movimentos autônomos, anarquistas, budisto-maoístas, fãs de Doctor Who e de Midhunter, cosplay de Naruto, etc. Organiza-te neles, constrói a alternativa!
A questão é reduzir a TUA solução de luta a uma solução que PRECISA SER universal. Não, não é, nunca será.
Mas não pode criticar, Gafanhoto? Pode, pode pra caralho, o que não pode é criticar a Tartaruga por ter casco e a Tartaruga que tira o casco por ter tirado.
A crítica a Freixo por conciliar, coisa que ele ASSUMIDAMENTE faz, declara, discursa, anos a fio, inclusive conciliação de classe, mesmo dizendo que quem governa pra todos tá mentindo pra alguém (No que ele acerta), é criticar a Tartaruga por ter casco.
Freixo, PSOL, Sâmia, Bakunin, Senhor Myiagi, todos tem seus limites e características que compõe o caminho deles e os deixa expostos a nosso julgamento.
Dá, ao saber que obviamente Freixo é um conciliador, que não é revolucionário, optar conscientemente por tratá-lo como o inimigo que ele não é?
Da mesma forma tratar policiais antifascistas como a mesma coisa que o policial que mata a Ágatha é de uma estupidez atroz. Qualquer cunha de resistência dentro de institucionalidades autoritárias, racistas e de forte ethos fascista é fundamental para tentar movê-las para outro caminho.
Ou alguém tem a ilusão que com uma exceção de conjuntura revolucionária real vamos acabar com a polícia?
A ideia de que há uma solução única pra combater o fascismo, Bolsonaro e spoilers de IT – A coisa é, ela em si, autoritária e interditadora de discursos. Não, não há. A realidade é complexa demais, há trocentas coisas para mudarmos, há oitocentas estruturas a serem derrubadas e erguidas outras ou não. Há coisa demais a ser feita que uma só percepção é, ela em si, censória.
Há uma necessidade atroz de forte oposição parlamentar, de forte oposição eleitoral, de forte ação de rua, de forte ação de capilarização de esquerda, de enorme contingente de esforços dentro e fora das institucionalidades de transformação da cultura como um todo.
O que não dá é confundir a necessidade de oposição em todos os aspectos com uma uniformidade acrítica, nem transformar a crítica em ação de destroçamento de uma oposição que tu discorda de como é feita.
Bolsonaro tem enorme impopularidade, por exemplo, e precisa de gente na rua convencendo quem votou nele que ele é um câncer, mas também precisamos de parlamentares pra dizer isso na Câmara e policiais pra dizerem isso na delegacia.
Você acha que o policial que vê a gente dizer que policias e moradores das periferias morrem em igual número e que o governador que chama ele de herói não vai dar aumento pra ele e tá pouco se fodendo com a várzea emocional que a guerra aos pobres causa nas forças policiais da mesma forma que vê quem diz que o policial tem que morrer mesmo?
Não, o policial não deve morrer, nem matar, e mesmo que eu, pessoalmente, tenha uma enorme dificuldade em me solidarizar com a morte de policiais, que em sua maioria nunca esconderam que são partícipes, cúmplices, da política genocida de governos. Essa dificuldade minha não torna em ela correta, longe de ser uma culpa cristã essa afirmação, nem a ideia de que o policial deixa de ser vítima do genocídio que pratica, os que praticam.
Policiais historicamente se isolam, pedem transferência, trabalham longe de casa e da família pra fugir de grandes concentrações de adeptos de esquemas, assassinos, esquadrões da morte,etc. Policiais são gente pra caraba, um enorme contingente, e convivem nele genocidas e pessoas honestas. Não sabemos a quantidade, podemos até dizer que a maioria é de canalha, mas é fundamentalmente importante defender quem resiste.
É fundamental que entendamos que situações complexas exigem soluções complexas, polifônicas, multifacetadas.
Menos apocalipticismo que paga de fodão ao dizer o óbvio, que, por exemplo, Jair Bolsonaro fez na ONU discurso pra alimentar o foro interno (Ignorando que ali ele também dialogou com Sauditas, Orban, Trump, Vox e outros fã de Bannon), e mais ação.
E ação significa também modular o discurso, produzir o combate ir menos na veia de quem tá do lado e mais na veia do fascismo.
Construir matrizes de padrão negativo nas métricas de redes sociais envolvendo fascistas é tão importante quanto construir núcleos na periferia, de preferência sem tratar a periferia de forma colonialista.
Da mesma forma é mais importante atacar democratas que se omitem em detrimento do ataque a democratas que resistem. Como é fundamental entender que qualquer brecha aberta no discurso e na imagem de gente autoritária que tá tentando reposicionamento de marca pra se descolar de Bolsonaro é muito bem-vinda.
Não há uma fórmula única de combate ao fascismo, a Bolsonaro e aos spoilers de IT – A coisa, inclusive porque no cotidiano, na realidade, no processo dialético do real, não há fórmula única nenhuma.
Estamos em crise climática, civilizacional, com a democracia internacionalmente sob ataque, em avanço do genocídio de pobres em nome da guerra às drogas, então sim, de Sanders a Freixo, passando por autonomistas, anarquistas, okupas e movimentos de combate à carreira musical do Sambô, todos os movimentos que põem as civilizações em combate à barbárie são bem-vindos.
A dialética não precisa realmente de síntese, a polofonia que reage à antítese é uma bem-vinda sonoridade que rima com a diversidade, e a biodiversidade, dos espectros políticos que agem em prol da vida.
Nesse momento a unidade que precisamos é menos a uniformidade acrítica e mais a compreensão que nessa trincheira é extremamente importante sabermos quem somos e nos respeitarmos por isso.
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