Nada se repete, nem o Sol

O movimento da vida não deixa que a vida seja sempre igual, já disse Gonzaguinha numa canção que remete a Heráclito de Éfeso.

Não precisamos, no entanto, ir à Éfeso da Antiguidade para conversarmos sobre o momento político e os movimentos de partidos, governo e oposição na conjuntura política do Brasil.

Primeiro precisamos entender os limites das ações dos partidos pró e contra Bolsonaro, do Exército e das forças armadas a partir do hoje e não a partir de um conjunto de exemplos e momentos históricos anteriores isolados numa caixinha de cristal que faz a história se repetir, e sem sequer ser como farsa.

Primeiro precisamos pensar no Exército e nas Forças Armadas como algo mais complexo do que sonha a vã análise política de quintal.

Talvez desde 1870, o Exército e as FA são compostas de frações que atuam politicamente de forma aberta. Já havia republicanos e abolicionistas em um Exército e Marinha dominados por monarquistas pró-escravidão no século XIX. 

A República foi declarada viva por um general monarquista que ironicamente se tornou o primeiro presidente da República, e parte do apoio à nascente República veio de senhores de escravos descontentes com o rumo que o Império deu à questão da compra e venda de gente preta. Não que o Imperador fosse santo, mas quando ele resolveu fazer uma mísera ação que prestasse,atendendo à crescente pressão abolicionista (E republicana), deu ruim pro Barba. 

Desde os primeiros anos da República o Exército e a Marinha, depois acompanhados pela FAB na segunda metade do século XX, foram atores fundamentais na política nacional. 

Desde a proclamação da República, depois com a Revolta da Armada, passando pela Revolução de 1924 e depois a Revolução de 1930, Tenentes, Jovens Turcos, República do Galeão, Golpe de 1964, Abertura, Anistia, Governo Temer e Bolsonaro, Exército e FA atuam e atuaram politicamente e forma aberta, e demonstra divergências em como essa atuação se dá.

Sempre ao lado dos donos de Terra, Senhores  de Engenho, Terras e Gentes, as Forças Armadas e o Exército jamais concordaram monolíticamente em como punham em prática seu governo platônico autoritário de Extrema Direita.

Essa divergência também contava com a ideia de como intervir no cenário político, jamais sobre não intervir. Da mesma forma, a compreensão da necessidade de alianças políticas com políticos tradicionais foi palco de divergências e ainda é, com maior ou menor aversão ao que hoje se organiza em torno do Centrão.

O tom reacionário dos governos defendidos pelas diversas frações das Forças Armadas nunca foi problema para nenhum membro delas, as FA são instituições de extrema-direita ou pelo menos ultra conservadoras (aqui e no mundo), mas não há uma concordância explícita sobre o caráter do governo que defendem. 

Há nas FA a mesma relação de entendimento ou aversão à necessidade de alianças com forças políticas de fora do campo quentinho de sua ideologia reacionária que há na esquerda como um todo. 

 Há nas Forças Armadas a mesma divisão entre práticos e idealistas que há no campo da esquerda, as diferença é que na esquerda a gente se encontra nas lutas, nas Forças Armadas o encontro se dá na disputa por meios de usar o Estado para receber um pagamento sobre um idealizado serviço público nos defender de nós mesmos através da sabotagem da nossa frágil democracia. 

A questão é que no Clube Militar ou no Campo dos Sonhos as bravatas militares são facilmente ecoadas pelos papagaios de pirata do governo perfeito,na prática a história é outra.

E aí é que entra o limite da realização dos planos militares e Bolsonaristas sobre o mundo da política. Porque do negacionismo da pandemia à satanização da ciência, passando pela tosqueira da ideia de economia e aos esquemas amadores de corrupção com estelionatários o que Bolsonaro tem é um governo militarizado, incompetente e sem salvação.

A um ano da eleição o Governo Bolsonaro torce para que o crescimento econômico seja uma salvação que junto a uma vacinação mal feita, sem plano sem vacina suficiente o ponham como competidor contra Lula, um cara cujos governos tiraram as pessoas do mapa da fome, pôs filhos e netos de gente pobre nas universidades, criou um mercado de cultura nacional, descentralizado e que nos pôs em um ciclo virtuoso de criação e empoderamento de mulheres pretas, de novos atores da canção e da música, gerou novas economias e mercados.

E o que Jair oferece? Nada. Mesmo o tal crescimento econômico que ele apregoa ter ignora o que é em si. Depois de uma queda de 9% da economia, o que se tem ao “crescer” não é crescimento, é retomada e sem política de emprego e renda, que não há, não chega na ponta. Pior, trata crescimento vegetativo como ganho.

Qual a saída dos militares? Ouro, ou melhor, mineração, numa lógica totoca que põe a maior economia da América do Sul como  dependente ainda de uma lógica que valoriza mais a extração de minérios e o agronegócio que a produção de dados, cultura e de diversificação da economia.

E o Guedes? Bem, ele tá lá para gerenciar fundos e privatizar,não tem a mais vagas ideia de como produzir qualquer política econômica, nem uma política econômica ruim.

Um governo sem rumo nenhum depende de muito mais que um PP mais interessado em crescer como dominante no parlamento que em gerir qualquer país.

E aí é que erra a análise que põe o PP no governo como a salvação do governo, no máximo estancar a sangria de um impeachment, torna mais difícil, e faz com que o partido dominante tenha meios de se viabilizar como um partido que engloba a votação parlamentar pró-Bolsonaro, o colocando como um grande player na Câmara em 2023.

Talvez fique difícil derrubar Bolsonaro em um impeachment, mas dificilmente o governo deixa de ser um governo zumbi sem uma franca e improvável virada econômica pela via de um programa de investimento estatal e de emprego e renda que dê,milagrosamente, resultado em um ano.

Aprovar Mendonça no STF é ruim, mas o número de boiadas que podem passar na Câmara se reduzem, se fortalece o apoio a uma realização das eleiçẽos em 2022, se estabelece uma mancha na quase morta imagem de outsider do ex-Capitão e põe o PP como um partido que buscará se viabilizar como vencedor nas eleições de deputados, em disputa com o PSD de Kassab pelo controle do Centrão.

Talvez seja até um plano coordenado de dois partidos importantes do Centrão, com movimentos para tanto enfraquecer a tal Terceira Via como para constituir um caminho com um pé em cada canoa importante das eleições no ano que vem.

Bolsonaro continua derretendo, mas agora a agenda da extrema-direita passa a ter um gerente competente para se viabilizar como uma tor perigoso no segundo cenário  mais perigoso para nós: o Congresso.

E o PP buscará ampliar seu domínio no Senado, especialmente com o Rio Grande do Sul a partir da candidatura Heinze, que ainda tem mais quatro anos de mandato.

Do outro lado do Centrão, o PSD se estabelece como ator para ser interlocutor do PT no segundo turno e num cada vez mais provável governo Lula.

Ou seja, os dois lados do coração do Congresso estão buscando por um lado ampliar seu papel na composição do parlamento, por outro anular qualquer campo que tente se intrometer na disputa entre PT e Bolsonaro.

E ambos os movimentos disponibilizam uma dedução verossímil: PP e PSD já entendem que Lula estará eleito, mas também entendem o peso ea necessidade de ter o Congresso nas mãos para controlar a agenda.

O papel da esquerda qual é? Primeiro organizar uma resistência que derrote Bolsonaro E o Bolsonarismo, agora, se possível com o impeachment, avançando na conquista de coraçẽos e mentes para derrubar uma tentativa de  hegemonia conservadora que tentou silenciar o crescimento da luta anti opressão. 

O segundo desafio é constituir um campo de poder no congresso capaz tanto de governar com Lula quanto de avançar com o futuro governo com pressão pela esquerda.

Há setores da esquerda que perdem tempo demais na periferia deste debate e da construção de alternativas, sem organizar um planejamento de ação que componha uma construção de campo real. 

No entanto há num cômputo geral ações importantes por parte do MTST, Boulos, campos do PSOL e do PT e que apontam para um investimento concreto, dentro e fora da institucionalidade, para fazer frente a esses dois difíceis desafios.

É fundamental avançar na percepção dos movimentos da vida para que o caminho se dê sem uma derrota antecipada, ou uma vitória de Pirro. 

O medo do Golpe precisa ser um ator menor na análise e  precisa existir uma construção real de meios de resistir a um campo conservador permanente no congresso que consiga meios até de inviabilizar um governo de centro-esquerda.

A ideia de que novos 1964 estão vindo é uma âncora, não porque a História se repita como farsa, mas porque nada se repete, nem o sol.

A gestação da extrema direita e do negacionismo no poder começou na imprensa

Quando você puder assista a minissérie The Loudest Voice que conta a história da fox News e do principal responsável pelo seu sucesso e pela construção do esqueleto de sua linha editorial: Roger Ailes.

Não se preocupe se você não reconhece o nome ou seu papel na história estadunidense ous e a história da Fox News lhe parece distante do seu dia a dia, vocẽ ao assistir o primeiro episódio já vai entender o caminho que a emissora e o personagem tiveram na construção do que vocẽ vive hoje.

Claro, é só uma minissérie, não abarca a totalidade da realidade histórica em torno da ascensão de Trump e de uma lógica de extrema-direita que se organiza na negação de todo o conhecimento estabelecido e científico em nome da tese de que a verdade está em disputa, ou seja, que cada um tem sua verdade e que ela possui assim um peso idêntico, seja você um sujeito razoável que se liga nos limites mensuráveis do real, a ciência, ou você sendo um terraplanista que diz que a Terra é plana e que termômetros roubam sua senha do cartão de crédito.

Claro também que a minissérie revela a visão de autores de um roteiro, que se baseou em um livro que por sua vez é uma percepção que vive no contexto do tempo do autor e de suas relações afetivas, políticas,etc, mas todas as obras sobre todas as coisas precisam receber essa observação.

A visão descrita na minissérie tem todo o conhecimento do hoje sobre o ontem, e esse conhecimento se reflete na leitura da história da Fox e de Roger Ailes.

Só que o retratado na minissérie revela um projeto de linguagem de violência que constrói a narrativa de uma percepção branca, ultra conservadora, de extrema-direita, racista, misógina e homofóbica que evidentemente se relaciona com a ascensão de Trump, Bannon e seus filhotes pelo mundo como Bolsonaro.

E por que evidentemente? 

Porque são documentadas nas participações dos citados, em vídeo, a construção das narrativas, a participação desequilibrada de republicanos fundamentalistas em horários específicos da emissora e até a participação de Trump no pós Obama, quando o ultra conservador Ailes abre a caixa de ferramentas para promover sua agenda de combate ao presidente com requintes de crueldade racista e xenofóbica.

A narrativa, obviamente ficcional, não é um documento cristalino de uma época, nenhum documento na verdade é, mas indica as fontes de observação de processos complexos de paulatina desconstrução da própria ideia de verdade.

Vai aparecer quem diz que a culpa da flexibilização da verdade são dos “identitários”, dos “pós-modernos”, dos Incas Venusianos e de toda a ciência humana que percebe que há recortes de classe, etnia, gênero, identidade de gênero, orientação sexual, etc, em toda a percepção do real? 

Vai, assim como aparecerão os que dirão que a culpa do crescimento do negacionismo científico e da razão é a da produção científica e seus gargalos de divulgação, mas convém ter mais percepção entendendo os processos políticos que produziram, por uma questão de embate e controle hegemônico, a reação à ciência como inimiga como parte de um processo de derrota de qualquer parco cheiro de combate às desigualdades, transformadas em socialismo e comunismo dos EUA à Pindorama.

A minissérie trata detalhadamente das opções de Roger Ailes na constituição de sua Fox News, desde a secundarização das mulheres a papéis de bibelôs de uma audiência que as vê como ajudantes dos âncoras homens até a criação do âncora antípoda aos liberais, munido do que há de pior nas ferramentas de retórica política, e empoderamento de usuários do site de extrema direita Breitbart.

Tá tudo ali. 

A partir da história da Fox News, Roger Ailes e do papel de Rupert Murdoch na constituição de uma frente de extrema-direita na imprensa e na mídia em geral, há todo o caminho para ser analisado e percebido de como esses atores e outros tantos, como os Think tanks liberais que produziram o MBL, influenciaram ondas intensas de desconstrução da democracia em nome da hegemonia branca, ultra conservadora, racista, misógina, LGBTfóbica,etc.

Bannon? Sardinha frita de um mar que começa a produzir tubarão nos anos 1960, faz dos anos 1980 até hoje um caminho de transformação definitiva da imprensa como partido da burguesia, mais ou menos nitidamente.

E é a partir deste tipo de viés e de opção e projeto político que  se fez vivente o negacionismo científico, climático, histórico (já existente na negação do holocausto, mas ampliado) e principalmente político, que trata a democracia, por permitir que opositores ao projeot de extrema-direita exista, como inimiga.

Todo o processo posterior que fez com que observadores menos atentos culpassem a esquerda, Papai Noel, a Cuca, as universidades, pela distância entre o pensamento e o povo, vão ao chão com a percepção de que o que houve e há é uma disputa desigual entre fontes de informação. 

Fontes de informação que sofrem com mecanismos de barragem do escoamento dela,desde os inícios desiguais das posições dos discursos até o grau de capacidade de comunicação a partir das posições de discursos.

As universidades e suas mídias e podcasts, a sociedade civil organizada ou não, disputam com conglomerados com enorme capacidade e equipe, estrutura de difusão da informação que tornam a ciência um pequeno guerreiro de desenho animado contra Gigantes de Marfim armados até os dentes.

Enquanto o conhecimento científico é divulgado nas revistas acadêmicas, que dialogam no interior da comunidade e são mal traduzidas quando passadas para mídia, ou por canais de divulgação científica que buscam traduzir a linguagem acadêmica pro grande público, as grandes emissoras, mesmo as em tese mais bem intencionadas, dão a mesma capacidade de divulgação de discurso pro Dráuzio Varela e pro Osmar Terra, sendo que só o primeiro zela pela honestidade intelectual para produzir conhecimento e informação.

Enquanto há inúmeras variações de debate nas diversas ciências, como a economia, você não vai ver na globonews, ou na CNN, nenhuma linha da economia que não seja a que trabalha com os paradigmas ultra liberais, tornando esse viés o único científico para uma gama enorme da população.

E há mais, há quem trate como normal discursos anticomunistas e trate , como quem mente quem aponta as ditaduras na América Latina ou Churchill como criminosos capitalistas e que promoveram genocídios, ou que apontam a escravidão como uma autoria liberal, capitalista e nao o inverso. 

O discurso anticomunista ganha palco em programas da grade que o comunismo que aponta que Stálin foi um ditador jamais teve e provavelmente terá.

Precisou Caetano Veloso provocar Bial para que algum nível de debate passasse a ocorrer e mesmo assim reduzindo toda a esquerda ao fã clube do ditador georgiano sem qualquer contraponto mais sério.

A construção do discurso que deu em Trump e Bolsonaro, gestado pela Fox News e por sua vez nascido no coração do Partido Republicano dos EUA (Ailes foi assessor do Nixon), tem uma raiz histórica que remete à própria transformação da televisão em uma disputa de nichos e porta voz de conservadorismos diferentes, formados por percepções mais ou menos radicais sobre o capitalismo no interior da lógica liberal. 

Essa raiz histórica, no entanto, não existe apenas no discurso mais negacionista, existe também na normalização do processo de igualar batata frita com Bóson de Higgs que as emissoras e jornais adotaram desde os anos 1990 para cá.

O modelo pode ser encontrado quando Kim Kataguri e Guilherme Boulos escreviam para a Folha ou Olavo de Carvalho para O Globo, Rodrigo Constantino para Veja ou hoje quando o Caio Coppola muge em diferentes níveis de tortura do bom senso contra adversários liberais moderados trocados a todo momento, sem jamais mudar o modelo de igualar os desiguais.

Qual o modelo? 

Tornar palatável dizer que um completo indigente intelectual ou um mentiroso patológico tem o mesmo grau de credibilidade que um sujeito responsável com seu discurso, os dados que emite e a forma de expô-los.

O espaço dado a Rodrigo Constantino e Olavo de Carvalho em O Globo e Veja pavimentou a naturalização de seus livros e  ataques assassinos ao bom senso e à ética pessoal porque serviram de armas contra o PT e a esquerda. 

Alinhar Kataguiri a Boulos, com só o segundo tendo a responsabilidade do espaço, ou Caio Coppola com quem quer que seja que não seja um canalha absoluto e tenha um mínimo de vergonha na cara, serve a um objetivo e este não é o de expor a diversidade de pensamentos na sociedade, até porque há conservadores com honestidade intelectual, política e moral.

E esse modelo nasceu em 1996 com a Fox News e seu projeto de conquista do coração da América em nome de um projeto de setores do Partido Republicano que conseguiram tornar Bush e o McCain figura palatáveis diante do absurdo imoral que se tornou o partido.

A ciência, as universidades, a esquerda, os movimentos, precisam sim aprimorar suas armas na desigual guerra de informação em curso, mas primeiro é preciso saber o peso dessa guerra, o tamanho dela, a desigual estruturação dos campos de batalha e das ferramentas disponíveis.

As universidades produzem conhecimento em larga escala e recebem a menor atenção possível da mesma mídia que se diz democrática e transforma mentira de discurso em defesa em suas capas.

A esquerda é tratada inteira como adversária estúpida, imoral e ilegal,o Pantanal queima e o Presidente da República acusa indígenas da autoria dos desmatamentos e queimadas que seus aliados produzem e a imprensa atua como amenizadora do impacto das vozes que destroem as bases mínimas do respeito ao outro e ao conhecimento.

Quando o Bial leva o Jean Wyllys para um programa com Olavo de Carvalho como voz do mesmo patamar e este último trata o comunismo, sob o silêncio cúmplice de Bial, como portador de discurso de ódio por si só, o mesmo Olavo que usa e abusa de racismo, misoginia, LGBTfobia,etc, o que parece democracia é um discurso e um discurso cujo viés nunca passou perto do Jean.

A imprensa é porta voz do que se tornou o establishment hoje, desde o jornalismo declaratório até o método Ailes de transformar desiguais em portadores do mesmo espaço, e não adianta vestir amarelo, fazer vídeo com dancinha e pedir “dízimo cívico” enquanto trata ataques genocidas e ecocidas como se fossem defesa.

O terraplanismo, para horror do iluminismo de salão cúmplice dele, é filho dileto de um método que todos os jornais e emissoras de Pindorama, ou não, adotaram em suas grades diárias.

A ciência que não cabe na opção ideológica das editoriais sendo tratada a pontapés ajudaria a não existir terraplanismo.

O espaço da crítica pela e para a esquerda é obviamente necessário, sem ela erraremos para sempre, mas o que se viu e vê não é crítica é ataque.

É a exposição de um lado contra outro, é atingir portadores de arco e flecha com canhões, naturalizando o que não pode ser naturalizado para fingir democracia onde há soterramento desqualificador.

Esse viés faz com que jornalistas supostamente arejados e antenados tratem um elogio a Lênin feito pela esquerda como se fosse um elogio a Stálin e sua ditadura.

Mas como explicar para quem se vê cercado de neutralizadores do discurso que comunismo é discurso de ódio que isso é uma estupidez? 

Como explicar para quem diz que a esquerda precisa apagar suas experiências e memórias porque isso, pasmem, “empodera o bolsonarismo” enquanto ignora, por tolice ou oportunismo, todo o passivo da ideologia que defende, mesmo quem finja ou ache que não, o liberalismo?

Engraçado, a esquerda tem trocentas alas que discutem entre si e fazem críticas e autocríticas públicas, tá no manual,desde pelo menos 1848. 

Provavelmente se você sabe patati patatá de todas as cagadas da URSS você viu primeiro numa publicação tão comunista quanto o alvo da crítica. 

Bakunin e Marx se xingaram de forma muito elegante, ou não, em textos maravilhosos, públicos, à disposição de qualquer leitor. 

Rosa brigou com Lênin, Lênin brigou com a Rosa, Trotski brigou com os dois e mais com Stálin e levou uma picaretada.

Ainda tinha Pannekoek brigando com todo mundo.

Todos os frágeis laços que unem a esquerda são embebidos em pancadaria institucionalizada e generalizada entre viés teóricos e organizativos, todos públicos, mas a imprensa insiste em tratar tudo isso e toda a sua complexidade como se fosse a mesma coisa.

E é tratando o diferente como se fosse a mesma coisa que chegamos até aqui.

É nesse caminho que se perdeu o bom senso e se transformou o serviço público em vagabundagem, as universidades em torre de marfim e  a democracia na latrina do negacionismo.

Entre o otimismo da vontade e o pessimismo da razão

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O Governo Jair Bolsonaro expõe as tripas da direita e da elite em praça pública, mas também expõe o imobilismo e a incerteza de uma esquerda que ao mesmo tempo que se organiza no âmbito institucional se fragiliza no espaço público, na rua.

E isso ocorre porque esta mesma esquerda nos mais variados graus prefere se esconder em ambientes controlados do que arriscar a disputa pelas consciências na rua.

Esse fenômeno já ocorreu a partir de 2013, quando parte da esquerda, inclusive a dita esquerda radical (De PSOL a PCO), preferiu criminalizar arroubos de ação direta destrutiva a discutir e disputar essa galera que quebrava vidraça.

Se preferiu, do alto de uma razão irracional e negacionista dos movimentos históricos, por água no moinho da criminalização, de processos, despolitização e violência policial contra os mais radicais (Parte dos socialistas, anarquistas e autonomistas) apostando numa manutenção no poder por inércia de uma ex-querda cada vez mais social-democrata (pra ser gentil) que fazia acordos pornográficos com a extrema-direita entregando anéis e dedos achando que o lulismo sozinho sustentaria dinastias de democratas com pendores sociais no Planalto.

À criminalização pelos discurso se seguiu a criminalização pela justiça, pela polícia, especialmente depois da mal explicada morte do cinegrafista Santiago, com uma nova geração de esquerda vendo novas lideranças não alinhadas à esquerda partidária ser presa, processada, ver a vida ruir e seguir sendo transformada em pária por tentar mudar o mundo.

De Gilberto Maringoni (PSOL-SP) e parte das correntes do PSOL atacando autonomistas e anarquistas (FIP, etc) como “Vândalos protofascistas” até Tarso Genro e Agnello Queiroz (governadores do RS e DF, respectivamente, eleitos pelo PT) enviando suas polícias atrás de ativistas (entre eles ativistas do PSOL), a folha-corrida que mancha a trajetória das esquerdas, com as digitais no esvaziamento da rua pela esquerda com sua ocupação pela extrema-direita, é algo continuadamente omitido pelos mais simplórios e rasos emissores de “análise” sobre as conjunturas, e que hoje acham lindo eximir Dilma de culpa pelo seu ocaso.

Não à toa há um coro de animação histérica sobre revoltas mundo afora e que adora Cânticos dos cânticos da euforia alucinada que repete “Não passarão” para o fascismo, enquanto eles não só passam como dão ré. O problema é que esse coro não rima com o movimento.

O grau de organização e organicidade dos discursos de redes sociais é perto de zero, e mesmo com o crescimento de organização e organicidade de uma revolta palpável nos partidos de esquerda(difícil medir em organizações autonomistas e anarquistas, mas apostaria que também está alta a procura de organização), isso não tem se refletido numa mobilidade de ação que mantenha essa galera entusiasmada.

E parte do problema é que se vende sonho, não se vende o trabalho e a organização necessária para agir e transformar.

Não é um fato incomum para a esquerda o discurso que alimenta “primaveras” não ir além do conversê pra organizar essas primaveras.

Porque transformar exige tocar em vespeiros (homofobia, racismo, machismo estruturais, por exemplo), e ninguém quer tocar em vespeiro e arriscar perder voto, ou poucos topam o risco.

Mais seguro gravar com o Quebrando o Tabu.

As manifestações pela educação foram maiores do que as contra a Reforma da Previdência e pouco se tentou aprender com isso. Pior, pouco se tentou avançar no debate sobre educação em si, pouco fomos além do debate que discute o quanto a universidade precista ir mais pra rua e divulgar sua serventia.

A questão é que a educação atinge todos e especialmente atinge uma galera em formação que mesmo tendo sido pega pela perna pelo Novismo liberal, percebe que a vida não é filme, você não entendeu, e foi pra rua discutir e disputar a necessidade de universidades públicas, porque sentiu na pele e isso lhes deu experiência, experiência que é a base da formação de consciência.

Já a Previdência é um campo onde a disputa está com quem já está às vésperas de se aposentar ou é adulto e tem convicções menos flexíveis com relação a seu dia a dia e seu futuro, convicções que por vezes lhe são deletérias.

A aposentadoria é, pros mais jovens, uma utopia, um futuro, que hoje quase não mais existe.

E o bombardeio sobre o quanto a Deforma da Previdência era necessária, é algo que beira os vinte anos e buscando exatamente sua destruição. Qualquer opinião que revelasse ser uma manobra de opinião pública tinha oitocentas dizendo que a esquerda era negacionista.

Destruir o ensino público ninguém vai dizer às claras como disse que era preciso destruir a previdência. E mesmo assim não conseguiram passar a capitalização.

A questão é que o fôlego da resistência via educação parou, e por quê? Porque parte dos atores que estavam envolvidos na não construção concreta da resistência à Deforma da previdência percebeu que perderia o controle da indignação se continuasse a apoiar os movimentos contra o desmonte da educação, pior, ainda comemora como vitória a manobra do Desgovenro Bolsonaro de, a dois meses do fim do prazo para sua utilização sem que isso impactasse no exercício de 2020, liberar recursos cortados em março.

Mas parou o fôlego? Não exatamente, apenas se reduziu e agora precisa de mais esforço para reavivar a chama, especialmente quando é visível que o neoliberalismo está nas cordas por conta dos movimentos de resistência no Equador e Chile.

Mas como lidar com isso se a esquerda via de regra prefere agir como coro de contente em rede social do que segurar o rojão de organizar, filiar, agir para concretizar seu aumento nos espaços possíveis.

Há interessantes campanhas de filiação, ao PSOL por exemplo, mas isso basta?

Não, porque é preciso existir ações públicas cotidianas que façam as pessoas se sentirem úteis, é preciso também curso de formação abertos e didáticos, com o cuidado de jamais se tornarem cursos de doutrinação (não dá pra confundir formação com proselitismo de dogma), e são muito precisos meios de ação de convencimento para além de divulgação de atos e ações.

Isso tudo é uma ideia de construção de organização partidária, há outros caminhos possíveis, e é didático pra evitar que militância se confunda com a enojante mistura de culto à personalidade com discurso esfuziante de uma alegria militante que nada faz além de divulgar um “Não passarão!” sem práxis que impeça o fascismo de passar.

Porque é disso que faz parte da militância, que confunde a necessária ação contra o desânimo, focada na nossa memória e nos nossos fetos, com uma falsa felicidade estagnada que não constrói porra nenhuma e ainda fica saudosa de péssimas experiências porque hoje estamos literalmente fudidos na mão de um presidente com banca de miliciano.

Não, amigos, não estamos vencendo. Estamos perdendo de um time ruim por 7×1, o gol que fizemos foi de honra e o fato de outros times estarem virando o jogo, ou perto de iniciarem a virada, não faz da esquerda do Brasil mais do que observadora enquanto a extrema-direita vem de novo ameaçar nosso gol.

A mobilização do Chile está vencendo a extrema-direita, mas é lá, não é aqui e não estamos fazendo muito para trazer aquela indignação pra cá, além de comemorar e chorar vendo a foto dos outros, enquanto mugimos “saudades do meu ex” e achamos Maia democrata.

Com o Desgovenro Bolsonaro em derretimento acelerado e sendo questionado por elite e direita, sentamos em cima do gol de honra marcado em março com nossas mobilizações pela educação e achamos que tá bom porque dá pra esperar de um a três anos (dá?) pra demover Bolsonaro de sua cadeira que mancha de óleo nosso litoral e a vida de pescadores e povos originários, amplia o número de feminicídios e crimes de ódio, queima a Amazônia e avança sobre terras indígenas.

Não adianta pedir a queda de Salles e Weintraub se o chefe deles poderá nomear outros dois canalhas.

Não adianta ter medo de Mourão ignorando que a bola da queda de Jair tá quicando na nossa frente e a gente tá deixando Maia e Toffoli o manterem no poder enquanto as digitais do assassinato de Marielle, rachadinhas e aparelhamento criminoso do poder avançam sem suar.

O otimismo da vontade do nosso discurso é delusional e tenta calar o pessimismo da razão que explicita nossa imobilidade.

Sim, a imprensa liberal erra ao dizer que a esquerda está parada na institucionalidade, porque nessa ela não está, mas acerta, sem mirar lá, pra dizer que ela tá omissa na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapé,

Com exceção dos indígenas, povos originários, Sem teto e Sem terra, o restante da esquerda tá olhando pra ontem, e em vez de ser pra revolução Russa tá olhando pros governo Lula como se fossem o Reino Encantado de Aruanda.

A gente precisa do pessimismo da razão, porque estamos perdendo e o fato do time de lá ser ruim e o juiz ter cansado de roubar não transforma o resultado uma vitória.

Mas também precisamos de um otimismo da vontade real, que faça com que, mesmo com todas as tretas, a gente levante no dia seguinte e faça acontecer as organizações, os atos, as produções de conhecimento e programa, as ações necessárias.

O otimismo da vontade não é um alento pro pessimismo da razão, mas o combustível pra, de forma realista, transformar a realidade que faz a razão ver tanto pessimismo.

É fundamental sairmos do transe que sonha com a volta de Lula como nosso Dom Sebastião de Garanhuns e pormos em prática movimentos de organização e organicidade que permitam que a conjuntura mude e que ele possa ser o Dom Sebastião de Garanhuns pra quem precisa de um homem pra chamar de seu.

Temos que pôr em prática movimentos que permitam que saibamos quem mandou matar Marielle e porque Jair, Flávio e Queiroz estão desde sempre produzindo canalhice e fake news sobre ela.

Pra sairmos do transe é preciso construir meios de irmos pra rua, é preciso fazer banquinha com material, discutir no cotidiano, filiar gente, chamar passeata, cobrar as lideranças porque não estamos agora gritando “Fora Bolsonaro!” e estamos tentando derrubar ministro.

Há um latifúndio para nosso otimismo da vontade ocupar e há uma conjuntura violenta que o pessimismo da razão precisa ver.

E pra vencermos é fundamental agirmos com o primeiro, enxergando com o segundo.

O destino manifesto do comunismo vulgar.

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O título desse texto podia ser a respeito do marxismo vulgar, mas até o marxismo vulgar possui uma vibração menos hegeliana e antidialética que o comunismo vulgar, exposto em lamentáveis linearidades, messianismos e crença não materialista e quase metafísica numa revolução que é menos processo e mais uma inevitável exposição de um destino manifesto.

A revolução que é de uma inevitabilidade que faz dela um ente: a Revolução, que é quase um evento escatológico. No princípio era o verbo, no fim A Revolução.

Essa linha produz consigo um revival do stalinismo com o que parecia quase impossível: seu louvor acrítico às dinastias soviéticas que se seguiram na defesa do socialismo em um só país, e menos teórico ainda que o produzido a partir das garras do georgiano bigodudo.

Se o stalinismo já trazia consigo uma deterioração do marxismo com seu socialismo em um só país, o etapismo, a guinada que levava consigo uma retomada do hegelianismo e da inevitabilidade do progresso e da razão na libertação da classe trabalhadora como se a realização histórica a partir do mundo ideal, o neo stalinismo engraçado faz do produto dos partidos comunistas do século XX um pastiche que piora ainda mais a teoria em torno do socialismo a partir dos olhos de Stálin, produz uma ideia de que o comunismo tem uma tribo em torno de si que tem o destino manifesto da libertação do homem.

A Revolução virá, sabe? Ao ler os escritos stalinistas atuais, e não só, ao ver seus vídeos a gente percebe uma ideia de esquerda, de luta, de produção revolucionária que traz consigo não a dialética marxista e tudo o que a envolve, a investigação sobre o cotidiano, o dia a dia da classe trabalhadora e da própria classe enquanto relações ou ente, mas seu inverso, sua categorização em espaços estanques.

E essa linha traz da obra e vida de Marx, Engels, Rosa, Lênin, não elementos teóricos que permitem uma ideia metodológica sobre o real e a produção de meios que permitam à esquerda atuar como indutora para que uma revolução ocorra, que dialogue com a classe a procurar sua realização e que enxergue o momento histórico de sua eclosão, para lidar com as questões da classe de forma a liderá-la, mas verbetes, versículos, ditos, apontamentos messiânicos sobre como lidar com o hoje a partir das palavras de poder do antigo sábio comunista que aponta nosso destino manifesto.

Isso sequer é novo. Benjamin apontava essa tendência nos anos 1930, e Hobsbawn fala disso explicitamente em sua obra “Sobre a História” (Capítulo 15, página 206).

A ideia de uma inevitabilidade histórica do comunismo/socialismo, a leitura estanque de uma relação torta entre superestrutura e infraestrutura colocando o econômico como uma base que produz a cultura, ignorando as circularidades das relações entre cultura e economia, e outros tantos fatores, assim como entre as classes e no interior delas, tudo isso é uma herança do revisionismo marxista ou marxiano dos primeiros anos do século XX e continua até hoje a partir de bases teóricas definidas ainda antes da Primeira Guerra Mundial.

E à revelia da superficial antítese entre os revisionistas da social-democracia alemã com o comunismo de Lênin que posteriormente foi tomado, relido e abraçado por Stálin defendendo-o como Marxismo-Leninismo, essa tendência teórica, por vias tortas, saiu do revisionismo pequeno burguês eleitoreiro para o discurso dos defensores do socialismo em um só país, combatentes contra a revolução permanente.

A própria crítica à transformação, por Kautsky por exemplo, das ideias de Marx em um rearranjo teórico que incluía evolucionismos e positivismo à revelia de releitura modernizante ou a ideia da data de validade de análises sobre a história, como a ideia de Bernestein da necessidade de atualização das ideias de Marx para novos contextos históricos, uma atualização que incorporou o idealismo hegeliano anterior à própria dialética marxista, ignorando que o processo dialético e a própria ideia de Marx das características de sua análise obrigar a uma rediscussão cotidiana das condições objetivas e subjetivas dos processos históricos, saiu de um discurso que confrontava a ideia de revolucionários como Rosa Luxemburgo e Lênin para o interior, para a alma da teoria marxista que virou o eixo do que os PCs produziram como teoria a respeito da revolução via normas do comitê central do PC da URSS.

A própria ideia do etapismo, que pensava as alianças com as burguesias nacionais como etapa para uma revolução burguesa e posteriormente produzindo uma revolução socialista tá ali na ideia de Bernstein, na releitura de Kautsky e depois na produção teórica dos PCs pós Stálin.

Isso renascer nos anos 2010 do século XXI é uma espécie de retorno como farsa, assim como a eleição de Bolsonaro.

Não há a necessidade de falsa simetria pra discutir as proximidades entre o Bonapartismo do neopresidente ex-capitão e o sonho molhado de um Comunismo hegeliano com amores autoritários e releitura torta do combate ao imperialismo e saudades de Gulags e Stálin, fingindo que é bacana pra caralho campos de concentração que mandavam pra morte gente que era tão comunista ou mais que o senhor Georgiano, mas ameaçava sua obsessão messiânica que faria existir um culto à personalidade que quase tinha a face de uma religiosidade marxista, por mais contraditória que seja (Leiam Benjamin a respeito).

Marx já sacava a batata quente da idolatria de sua teoria antes de morrer, Engels tretou com a edição de seus escritos pela social-democracia alemã com o intuito de dar a distorções do que ele escreveu um sentido de endosso histórico de um dos totens tabu humanos do comunismo.

A questão é que tem teoria a rodo pra deixarmos de trazer pro coração de uma luta/teoria em si internacionalista, que se rediscute e se refaz a cada novo tipo de transformações de processos históricos e que produz novas percepções à exaustão a partir de Marx em torno de todas as suas descobertas relativas às ciências humanas ou até mais que isso, da economia à história, passando pela ecologia.

Fica bastante incompreensível pra quem lê Marx preocupado com as transformações ambientais a partir do capitalismo provocando queras metabólicas ver que neo-stalinistas reproduzem um discurso anti-ambiental em prol de um desenvolvimento econômico que rima mais com a UDR do que com o velho Karl.

Mais ainda ver reprodutores de uma ideia de classe como algo dado que ignora todas as descobertas a partir da categoria formulada pro Marx da classe como fenômeno histórico, ou seja, fruto de contextos que são diferentes em lugares diferentes, e que é um processo de determinação relacional, ou seja, uma classe existe no tempo, espaço e em relação a outras classes e não como algo que brota a partir do advento do capitalismo.

Piora quando vemos os stalinistas autoproclamados marxistas ignorando que o que Marx entendia como uma aplicação do que ele produziu como teoria não eram as formas autoritárias que ele combatia a partir das visões platônicas e positivistas de parte do socialismo que ele chamava de utópico, mas a Comuna de Paris.

Outra coisa é a ideia de uma superação do Capital como algo que virá, impávido que nem Muhamad Ali, e não fruto de um desgastante, longo e tenaz combate diário das forças socialistas e comunistas para produzir uma base organizativa das classes trabalhadoras que produzam a revolução ou aproveitem as ondas de sua eclosão nos momentos em que os processos históricos a tornarem inevitável em sua diversidade de tempos, lugares e características específicas da classe trabalhadora em seus contextos.

O fato da história ser movida pela luta de classes, considerando que Marx quando criou o conceito não tinha ideia da possibilidade e classe ser um fenômeno histórico (O cara produziu uma cacetada de coisas, mas não era Deus), não faz com que essa luta tenha uma linearidade e um destino manifesto da classe operária na superação do que a oprime por inércia. Da mesma forma toda a teoria que permite à classe a posse de ferramentas de análise do real que a empoderem para o combate pela sua libertação não é um conjunto de normas dogmáticas sagradas que recitamos enquanto abatemos carneiros em holocausto ao Deus da Dialética.

A teoria é ferramenta, não dogma. O cara que chega com a teoria é alguém que atua COM a classe, não por ela, menos ainda como líder dela. É na classe que surgem as lideranças que com ela encaminham o processo de sua libertação, afinal.

Ter a ideia do socialismo/comunismo como destino manifesto; a distorção da própria ideia de nossa necessária internacionalização para um nacionalismo supostamente anti-imperialista, mas fã de se tornar um “imperialismo do bem”; a negação das necessárias percepções do real que nos expõe que a contradição entre Capital e Natureza superam até as contradições entre Capital e Trabalho, na prática, no encaminhamento de extinções em massa, inclusive a nossa, e no efeito que o ataque do Capital à natureza causa à classe trabalhadora, tudo isso tem uma característica em comum que torna o marxismo vulgar um hegelianismo que nega o que Marx produziu: a ideia e a ação que tornam seus defensores reprodutores de linhas genericamente modificadas da base teórica marxiana e repetidores das falas de grandes marxistas como mantra.

É fundamental que atuemos como protagonistas de discussões que exponha que não há uma revolução no horizonte pro haver horizonte, mas que para que a produzamos precisamos de organização e ação cotidiana, não colonizadora ou messiânica, mais produtora de uma práxis libertadora que dialogue com o real a partir de bases teóricas marxistas.

Ter uma mente onde exista um destino manifesto é um entrave, não uma necessidade de militante que busca em Marx um caminho teórico de melhor compreensão do real e ferramentas para o empoderamento próprio e coletivo na luta de classes.

A redução do marxismo a seu aspecto teológico e ao comunismo como uma reprodução como farsa de um stalinismo que já era um problema em 1956, se tornando um marxismo vulgar que remete a Hegel, só produz revoluções no estômago.

Para futurar-se o país precisa desbolsonarizar-se.

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O futuro de um país em escombros é um futuro distópico sob um comando inepto no que constrói e ferozmente capaz quando é para destruir sob a cor branca de um cristianismo genocida, machista,misógino, lgbtransfóbico e racista.

Os ataques cotidianos dos Bolsonaro e seus asseclas de ministério ao cotidiano da vida dos brasileiros vai da reforma da previdência ao desmonte da fabricação de remédios à ampliação da política genocida que estimula a violência policial,passando pela ampliação da destruição da CLT e pela política de privatização enrustida das universidades públicas com ataque à produção científica e violação explícita da liberdade de cátedra nas Públicas transformadas em Organizações sociais com comissões de controle da produção docente, que inclui um Escola sem partido próprio, sem contar a ausência de investimento nas faculdades de humanas, não lucrativas aos olhos tecnocratas da canalha.

São muitos, cotidianos, os ataques que ampliam-se quando incluímos a agenda de liberação dos agro-tóxicos, a agenda da violação de territórios indígenas, de seus corpos e estímulo ao genocídio de etnias inteiras, sem falar no desmonte da política ambiental, que não para nos órgãos, mas chega nas floresta, nas políticas de combate aos elementos que ampliam o aquecimento global,etc.

E tudo isso ocorre quanto setores inteiros que se jactam de serem democratas preferem tergiversar sobre o que acontece sob seu nariz.

Enquanto ex-ministros de várias áreas se reúnem para efetivamente denunciar a agenda catastrófica dos Bolsonaro, setores como o jornalismo supostamente liberal Global de Bial (rimou, foi?), o parlamento sob o tacão “renovador’ de Tabata Amaral e seus blue caps, o liberalíssimo e supostamente democrata Fernando Henrique Cardoso, brincam de serem uma oposição bem humorada à catástrofe gerando mais força e energia para ampliar o ataque à esquerda, que fica cada vez mais claro que é um inimigo preferível ao protofacismo uber liberal de Bolsonaro, que à resistir à agenda da barbárie.

O “Future-se”, agenda de desmonte das universidades públicas explicita e publicamente inspirada em Milton Friedman, é mais um passo, grave e acelerado, na destruição de uma estrutura conquistada pela população brasileira em uma sequência temporal que remete ao reinado de Dom João VI, passa pela ampliação na ditadura militar, renova-se com o choque neoliberal de FHC (que quase a matou) e ganha, com erros e acertos, a faceta inclusive da expansão universitária sob Lula.

Segundo o MEC para “futurar-se”, a universidade pública precisa adequar-se a uma agenda de venda de naming rights, de imóveis, construção de comissões de avaliações de professores,incluindo revisão de sua liberdade de cátedra, buscar “autonomia financeira”, vulgo obter financiamento privado para cumprir demanda e dever público, e virarem, na prática, produtoras de patentes e start ups com cancelamento de qualquer curso inviável no âmbito do lucro, tudo de humanas.

O interessante é que a apresentação tosca de ministro e companhia torna patente o desconhecimento optativo da realidade da produção científica brasileira e tomam o preconceito de classe contra as universidades públicas (ou a omissão malandra do real para tentarem fornecer meios de lucro fácil a parceiros estratégicos? Nunca saberemos!).

As universidades públicas já produzem inovações, patentes,etc, sem falar na ampla produção científica das humanas, que são de ponta, e chegam a uma quantificação de que são responsáveis por 95% da produção científica do país. Se há uma falta de projetos para a absorção pela sociedade da produção científica é menos um fator de má gestão das reitorias e mais uma ausência de gestão DO ESTADO do que ele produz através delas.

Ou seja, o problema sempre foi mais os Weintraub que os reitores e as universidades em si que fazem milagre com o que recebem por ano e que lidam com financiamento caiu a ponto de terem suas verbas de custeio atacadas.

E isso se soma à própria ideia dos cortes, ou seja, Weintraub inviabiliza o funcionamento das universidades e acena para um projeto de facilitação de contratação e gestão com capacidade de absorção de verba privada, e enriquecimento de professores e reitores, enquanto aponta que a alternativa é a penúria.

É a tática clássica da privatização com requintes de crueldade. E o Ministro e seus asseclas não avisa ou informa da desigualdade existente entre regiões e que condenaria universidades como a do Recôncavo Baiano ou a de Codó, no Maranhão, passando pelas Federais de Rio Grande, Santa Maria e Pelotas, no Rio Grande do Sul, a pelo menos reduzirem seu papel social e existencial a um nível mil vezes menor do que são hoje, ou até ao fechamento.

Esse tipo de política impacta do acesso da população ao ensino superior à própria economia de regiões inteiras.

Fechamentos de cursos, redução de tamanho de universidades, impactarão a economia e a vida das sociedades de cidades pequenas e médias que se reestruturaram depois da expansão universitária dos anos lula, que foram, e ainda são, elementos de uma política de desenvolvimento social, científico E econômico.

A capacidade de auto-financiamento de universidades é reduzido e inclui um nível de competição entre elas que fatalmente retornará o modelo de acesso ao nível dos anos 1980, quando apenas as federais das capitais, e nem todas, terão como se manterem com insumos produzidos pela captação de recursos na esfera privada. Universidades do sul e sudeste de fora das capitais tendem à extinção ou pelo menos à redução de sua existência às faculdades de engenharia, medicina, administração, economia e talvez, apenas talvez jornalismo.

Na maior parte das universidades a tendência é ao fechamento ou à redução drástica de cursos, nas universidades das capitais, salvo uma ou outra, a tendência é a manutenção de cursos de uso rápido pelo mercado, voltados para ciência e tecnologia, biomédicas e já excluindo os cursos de humanas.

A ausência de política para as ciências humanas, por exemplo, teriam impacto da manutenção de memória em museus e arquivos à pesquisa sobre ela, que geram luz sobre elementos de fatos históricos ignorados pela história tradicional que é estruturada na capacidade de compreensão histórica militar do Bolsonarismo, onde Duque de Caxias é mais importante que os negros assassinados na Batalha dos Porongos, traição Farroupilha a um de seus batalhões mais heroicos em nome da paz com o Império. Sem falar na produção da geografia, do serviço social.

E filosofia, teatro, dança? Pois é, tudo isso,que impacta o cotidiano das cidades de formas muitas vezes ignorada, como a produção de eventos e de ações culturais e sociais nas cidades de até 200 mil habitantes que são praticamente a vida cultural local, vai virar lenda.

Há o impacto no ensino, pois com menos universidades de humanas haverá uma queda, ainda maior do que já existem no número de professores e isso impacta menos as escolas privadas, onde se mantém sempre um certo número de professores à mão, que as públicas, até que essa política faça o que pretende: extinguir a presença do ensino de humanas nos mais variados níveis do ensino.

A prática do governo Bolsonaro na educação é uma síntese do que é o governo no amplo espectro: um projeto de destruição da base social e do próprio tecido social rumo a um projeto de necrogoverno, voltado pra venda da morte, com alto elitismo e encastelamento de quem pode pagar circulado de auto defesa, no ninho de seus privilégios com a barbárie sendo o legado pros mais pobres e até pra classe média batoré que votou nele por que tinha pobre pegando o avião que ele hoje já não pode mais pagar porque sua venda de queijo, que ele achava que o colocava na mesma classe o Lehmanm, faliu.

Enquanto isso se põe em marcha tanto os liberais Bial e FHC, quanto a “esquerda” Tabata Amaral, cujo projeto para a educação dialoga com o desmonte proposto pro Weintraub, preferem jogar fogo no anti-comunismo calhorda adulando Mourão que acusar a barbárie pelo nome que tem. E a esquerda em sua maioria, especialmente o meio sindical e o lulo-petismo, fica à deriva jogando o peso das mobilizações para as comunidades de educação, universidades e estudante ignorando o papel central dessa agenda na resistência a Bolsonaro.

A esquerda também se omitiu na disputa contra a reforma da previdência, tendo sido pelo menos lerda no combate, inclusive batendo cabeça sobre “versões da reforma que atacasse realmente privilégios” sem apresentá-las e escusando-se claramente de ir para as ruas na velocidade e frequência necessária para produzir massa crítica para que as mobilizações ganhassem o peso e a frequência necessária.

Pior, salvo raras exceções, a esquerda impôs uma agenda sobre as reformas que reduziram a massa crítica e a frequência das mobilizações pela educação. Não sei esperando o que, mas a esquerda parou quando devia avançar, permitindo que Weintraub produzisse o “projeto” de futuro de uma educação onde o futuro é sua morte. Demos tempo para que ele respirasse, ele respirou e soprou o fogo do inferno sobre o projeto de educação para além do lucro.

A esquerda também se omite na busca sim de um “Fora Bolsonaro’ diante do vil crime que é a existência dessa massa miliciana no poder e os ataques ao povo, ao país, às minorias, ao meio ambiente EM TODOS OS ASPECTOS DO GOVERNO.

Hipnotizada pelas revelações do The Intercept sobre Moro e companhia, hipnotizada procurando Queiroz, a esquerda se reduz a mandatos e as redes sociais perdendo tempo e massa de acirramento da disputa criada desde maio com a explosão do 15M nos encheu de energia e nos apontou os caminhos.

Submetendo a agenda quente da política cotidiana à agenda fria do “Lula livre”, as esquerdas também submeteram a energia da transformação, que perpassa o debate, pelo menos o debate, sobre a derrubada de Bolsonaro à política frágil, fria e oportunista do parlamento e dos acordos possíveis que tentam minimizar os efeitos do Bolsonarismo via institucionalidade.

Óbvio que a libertação de Lula é uma agenda, óbvio que denunciar os processos ilegais que o aprisionaram é importante, mas também é óbvio que não é uma agenda central dentro do cotidiano de lutas que precisam salvar vidas de forma imediata, que lutem contra a aceleração da violência contra indígenas e ativistas ambientais, contra a destruição das universidades e contra a aceleração da política de insegurança genocida que o governo patrocina.

No dia da votação da Reforma da previdência tinha movimento fazendo tuitaço Lula Livre! Em meio a uma busca de encerramento das investigações sobre a execução de Marielle, e que tem relação com a suspensão das investigações sobre Flávio Bolsonaro (coincidência?), tem movimento fazendo tuitaço Lula livre.

Precisamos dessa agenda no tamanho que ela precisa ter: enquanto parte existente de uma agenda maior de luta por N agendas imediatas envolvendo dos LGBT aos indígenas passando pela universidade, é uma defesa da civilização contra a barbárie, onde Lula ser libertado, me desculpem, ocupa um lugar, mas não o trono principal do cenário.

Me importa muito mais, e não só por ser do PSOL, descobrir quem mandou matar Marielle e o quanto isso se intrinca com a própria existência da máquina que elegeu Bolsonaro e seus filhos e o quanto isso é parte de uma política de criem organizado imbricando no estado via milícias e que tem expansão cronica país afora sob os olhos cúmplices de um ministro da justiça venal.

Lamento se isso passa por secundarização de lutas ao contrário,mas não sei se notaram a casa tá caindo enquanto quem defende essa agenda ficou anos dizendo que as “lutas identitárias” e as lutas de “minorias radicalizadas com projetos irreais” eram quinta coluna da esquerda e agora tenta impor a agenda de defesa da libertação de Lula à agenda de defesa da civilização contra a barbárie fascista.

Óbvio que nem toda a esquerda papou mosca, nem todo mandato fico preso no papel pega mosca do passado, nem todo partido ficou olhando pra ontem ou deixou de produzir mobilização, mas o grosso da esquerda ficou esperando Godot.

Agora temos uma mobilização marcada para agosto, ela tem como foco a defesa das universidades, mas ela precisa se fazer construir de forma ampla incluindo o debate com a sociedade sobre como a política de Bolsonaro é, como um todo, um ataque à sociedade e não apenas às universidades. Aliás, é fundamental que a gente defenda as universidades demonstrando que um ataque a universidades é um ataque à venda do João, que o doce de Pelotas não virou patrimônio cultural escrevendo sozinho sua história, que as panelas de barro do Espírito Santo não viraram patrimônio cultural, e tudo o que envolve esse reconhecimento, por que um anjo ditou o texto a Moisés.

O futuro de nossa existência enquanto sociedade livre depende de um futura-se que envolve desbolsonarizar-mos o país. E isso envolve comprar a briga de expor que os 30% que o apoiam precisam ser reduzidos com a exposição de que estes são os defensores do sofrimento de 70% dos que não veem o governo como um governo digno do nome.

A gente precisa parar de brincar de liberal de apartamento quando enfrentamos um governo que desmonta mais do que o estado, mas o aparato civilizatório, o debate político democrático, que ofende instituições históricas como o Itamaraty, que desmonta uma política de vinculação com a luta pelos direitos humanos que vem existindo desde os anos 1940 e que desmonta uma política de desenvolvimento científico que à duras penas sobreviveu desde Dom João VI à duas ditaduras, à crises econômicas e pode morrer sob as patas do cavalo huno de Bolsonaro.

A gente também precisa parar de se omitir no apontamento das responsabilidade de quem em nome de uma política de defesa da economia neoliberal se omite no apontamento da devastação bárbara do estado promovida pelos Bolsonaro.

São muitas as tarefas, são muitas as bandeiras e são muitas as demandas, mas elas convergem na busca de superação de um governo que derrete a olhos vistos inclusive em sua principal base de apoio e que já perdemos todas as desculpas supostamente democráticas que nos impedia de defender sua queda.

A destruição das universidades é a destruição da economia

bolsowein

Bolsonaro e Abraham Weintrab tem problemas freudianos com as universidades, típicos aliás, dos medíocres e autoritários.

Bolsonaro foi um militar ruim que foi colocado na reserva depois de ter planejado ataques, e não foi punido por divergências da justiça militar, considerada constantemente como excessivamente condescendentes com o julgamento dos seus, em relação às provas de que foi ele o autor de croquis e dos planos de por bombas em quartéis e na estação de tratamento de água do Guandu, responsável pelo abastecimento de água da cidade do Rio de Janeiro e do Grande Rio em Geral.

Bolsonaro inclusive admitiu no julgamento no Superior Tribunal Militar “em 1987 ter cometido atos de indisciplina e deslealdade para com os seus superiores no Exército” falando da questão supracitada. Por esta questão foi condenado em primeira instância e absolvido em segunda, não por unanimidade, porque os juízes não ficaram totalmente convencidos de que ele foi autor dos planos,embora ele os tenha enviado à Veja e depois recuou, como sempre, quando a repercussão o atingiu em cheio. O julgamento está na íntegra publicado no Estadão, com áudios,etc. Isto não o livrou de ser posto na reserva, abrindo espaço para uma tão medíocre carreira política quanto foi como militar.

Como aluno e militar era considerado agressivo e excessivamente ambicioso, e que tentava ” permanentemente (…) liderar os oficiais subalternos, no que foi sempre repelido, tanto em razão do tratamento agressivo dispensado a seus camaradas, como pela falta de lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argumentos”.

Um oficial medíocre, com problemas de comando, indisciplinado e com atitudes pouco inteligentes e que para obter melhorias salariais planejou atos terroristas, hoje é um presidente medíocre, com sérios problema de recalque em relação a quem tem mais sucesso que ele, ou teve mais sucesso teórico, intelectual, foi oficial melhor, ou tem mais meios de ler a realidade do que ele.

O inacreditável desta mediocridade é que nem chegando onde poucos chegam, a Presidência da República, ele consegue pensar em algo que não seja por em curso uma vingança que evidencia seu recalque. Já o fizera com relação a Rubens Paiva, cujo recalque o fez mentir não só sobre sua participação na perseguição à Lamarca como envolver Rubens paiva nessa questão, faz com os mortos e desaparecidos da ditadura, tenta destruir tudo o que seus antecessores construíram. Os ataques às universidades tem menos de qualquer medida de ajustes por concepções políticas e planejamento do que um ódio a quem não o elogia ou o toma por mito do que outra coisa.

O militar medíocre, com problemas de comando e excessivamente ambicioso tem mesmo que ter ódio à crítica, porque ela desnuda um incompetente que derrete a olhos vistos e é obrigado a apelar à medidas equivalentes a gritos em um debate pra tentar ganhar na marra. Não vai.

Os ataques às universidades são parte de sua queda e o desnudam como homem medíocre.

Weintraub é um outro caso de mediocridade. Sua vida acadêmica foi chocantemente incompetente, com casos de autoplágio na publicação de  um mesmo artigo em revistas diferentes, apenas traduzindo-o, uma vida acadêmica medíocre com notas baixas em disciplinas básicas da economia, péssimas relações com a universidade em que dá aula, inclusive que levaram a seu irmão, também professor da UNIFESP a processar alunos, e perder, porque este em discussão o chamaram de fascista.

Abraham Weintraub foi alvo de sindicância interna por suspeita de usar indevidamente o logotipo da instituição em consultorias, além de ter processado o próprio pai tentanado interditá-lo em disputa por herança, pois o pai havia legado esta à sua mãe e tinha relações próximas com Thiago Taborda Simões, alvo da operação Chiaroscuro da Polícia Federal, que investiga lavagem de dinheiro e sonegação fiscal.

O interessante do novo reacionário é que ele em 2014 foi um eleitor de Marina, e seu pai foi perseguido pela mesma ditadura que Bolsonaro elogia hoje, o que dá margem à percepção de que sua conversão ao olavismo tem uma percepção utilitária com relação à chegada ao poder, mas isso é outra questão.

A questão é que ao atacar universidades, responsáveis pela formação de professores e por 99% da pesquisa científica, e institutos federais, cujo desempenho na educação o coloca em um nível acima do da média nacional e em grau europeu e coreano de qualidade, além de custarem menos e terem desempenho melhor que o xodó de Bolsonaro, as escolas militares, Bolsonaro e Weintraub atingem com uma tacada só a educação e a economia.

E por que? Primeiro que a alegação de que focará no básico e fundamental é lorota e cinismo, porque essa função é dos municípios, com um suporte econômico da união via FUNDEB, que tem um financiamento próprio e diferente dos das universidades. Segundo que as universidades públicas são quem forma os professores em sua maioria, tendo os cursos de licenciatura das universidades privadas um desempenho pior de ocupação de espaços no mercado e nas escolas públicas que as universidades públicas em geral.

Em terceiro caso é um fato que institutos federais e universidades tem um enraizamento e uma interiorização óbvia diante do fato de que temos só de universidades 68 em todo o território nacional, com um corpo docente, discente e de funcionários que são parte central de economias inteiras de cidades grandes, pequenas, médias e até de metrópoles como Rio ou São Paulo.

Ao atacar as universidades o ministro e o presidente inepto não atacam apenas professores “doutrinadores”, servidores “comunistas” e alunos “doutrinados, comunistas e drogados”, mas o corpo de funcionários terceirizados, os funcionários e proprietários de pequenos negócios que giram em torno das universidades (Xerox, papelarias, cafés, bares e restaurantes), os proprietários de casas que alugam para estudantes formarem suas repúblicas, os fornecedores dos comércios, e até os de energia, internet, telefonia e água das cidades.

Qualquer pessoa com capaz de ligar lé com cré vai perceber que o impacto na destruição de um setor tão estratégico pro país, na educação, pesquisa e na economia, via criar mais problemas em um país em plena crise econômica, e em que o governo procura mamadeiras de piroca em vez de tentar qualquer coisa digna do nome de planejamento para resolver a crise além de prometer magia via reforma da previdência.

Mas Bolsonaro nunca teve programa, certo? Não foi eleito por isso e Weintraub não entende patavinas de economia, menos ainda de educação, é óbvio.

A questão é que defender a universidade pública não é uma mera defesa de “doutrinação”, é defesa da economia das cidades, do desenvolvimento científico e da democracia, e é esperado que nossa resistência seja do tamanho e peso que é necessário pára que as universidades não sejam alvo de uma conjunção de mediocridade, incompetência e estupidez chamada Governo Bolsonaro.

Os tempos da política e da história: massacres, crise da masculinidade, armas e o ódio como valor.

DISCO D - AS MINHAS IMAGENS 456

Escrever sobre política e tempo é interessante porque a lógica cartesiana normal põe o tempo como uma dinâmica linear e, além da física, a história, há tempos, já trabalha com a ideia de diversas temporalidades funcionando em paralelo.

O que isso significa? Significa que o processo de percepção do tempo varia de acordo com a dinâmica e conjuntura do momento em que indivíduos e grupos sociais vivenciam.

Um exemplo rápido? A arquitetura, por exemplo, era utilizada no Brasil com tempos diferentes, estilos mais contemporâneos ao início do século XX, tinham diferentes tempos de utilização dependendo do lugar. Se no Rio de Janeiro, São Paulo e até Pelotas, os estilos arquitetônicos mais modernos eram utilizados à farta já no último quarto do século XIX, no interior da Bahia por vezes só se começa usar o neoclássico já nos fins da década de 1930, e o art decó, que teve um boom nos anos 1920, só aparece quase nos anos 1940.

O tempo da ciência também varia,descobertas recentes da física na Europa do início do século XX demorariam anos até serem aceitas de forma mais ampla no Brasil, especialmente apenas pós anos 1930. Da mesma forma que a tecnologia  até os anos 1980 demorava para entrar em uso no Brasil mesmo sendo já comuns nos EUA e Japão por quase uma década antes. O uso de aparelhos reprodutores de VHS, já em uso no fim dos anos 1970, só começaram a serem usados largamente no Brasil no fim dos anos 1980. Com o tempo o atraso de chegada da tecnologia acompanhou a revolução nos transportes e nas comunicações que chegou a ser quase simultâneo. Primeiro o CD, depois o DVD chegaram com um intervalo curto, de poucos anos, hoje o Iphone é lançado simultaneamente, as atualizações de software e hardware dos computadores idem.

Até a década de 1990 os filmes estadunidenses, os hoje chamados blockbusters, demoravam meses para estrear em cinemas de cidades médias do interior, hoje tem uma diferença de dias, se é que não estreiam de forma simultânea.

O tempo dos costumes já atua em outra dinâmica, vemos costumes contemporâneos irromperem paralelo à manutenção de costumes medievais ou até anteriores. A própria estrutura da masculinidade como provedora, fornecedora de varões cuja força suprime a divergência, que se resolve na lógica do guerreiro medieval e antigo, que submete o diferente e mulheres é uma permanência de tempos imemoriais, mais precisamente do tempo das escrituras, reforçada pro valores medievais, mas que remetem à antiguidade.

Enquanto isso a construção dos costumes da compreensão da diferença e da divergência, da existência de individualidade,s identidades, sexualidades e culturas múltiplas, mal traduzido no conceito guarda chuva de “pautas identitárias” ou “multiculturalismo”, são processos cujo valor remete à crítica da razão e do predomínio da ideia de progresso e evolução que se inicia no XIX, explode num quadro de lutas de descolonização, de conquista de direitos civis para mulheres, negros e negras, indígenas, culturas que estão sob domínio imperialista,etc.

Essa janela de tempo compreende desde as críticas à ideia de civilização, progresso e razão feita pro intelectuais europeus da metade do século XIX em diante, até as lutas pelos direitos civis dos negros estadunidenses, que se inicia na guerra da secessão e prossegue até hoje, com conquistas enormes no fim do século XIX e,nos anos 1960 do século XX; passando pelo pan africanismo, que se inicia no século XIX e chega a um patamar mundial no século XX; pelo feminismo, que em suas múltiplas vertentes se origina no século XVIII e se transforma a cada período até hoje, constituindo vertentes com diversos viéses; pela luta LGBT,etc.

Nesse conjunto de transformações há as críticas de Nietzsche e Benjamin, incluindo Marx e passando até Annales, pelos intelectuais do pós-guerra, como Foucault, Thompson e Stuart Hall, há a obra de Angela Davis e Simone de Beauvoir,etc,etc,etc. Mas o fundamental é que há uma ruptura social, que se estabelece em crescente ataque a uma lógica de costumes que perdurou de tempos imemoriais até hoje, sendo absorvida pelo capitalismo como sempre o foi pelas classes dominantes. O irônico é que a ruptura e o ataque também forma abraçados pelo capitalismo, mas isso é outra história.

A questão é que os tempos diferentes dos valores se chocam e produzem ondas políticas que varrem o mundo e que dificilmente são facilmente definíveis nos termos de direita e esquerda. Não porque flutuem, mas porque são valores que se chocam de forma transversal, atingindo elementos de ambos os espectros ideológicos, que possuem uma fragmentação enorme, muito maior do que gostam seus membros, no trajeto da própria ideia de fragmentação do indivíduo que os mais ortodoxos acham que é uma definição da irrealidade do concreto, quando nunca foi, mas isso também é outra história.

O tempo da política se abraça em diversos eventos do tempo dos costumes, e reflete em seus textos e discursos o processo a partir ou da ruptura ou da manutenção, incluindo os que no fundo tentam conciliar os dois mundos e somam-se mais ou menos a um dos lados a depender de sua trajetória e produção de sentidos.

As eleições da extrema-direita nos tempos recentes se produzem como respostas de alas ada população a um crescimento de uma ruptura visível nos valores como se estabelecem desde sempre e em escala nunca antes vista. Talvez seja mais que uma gestação de um novo mundo, talvez já seja o parto e a própria ideia de revolução que se propagou durante muito tempo e que se esperava que fossem grandes eventos com choro, ranger de dentes e coros esfarrapados d’A Internacional, mas que surge como passeatas de mulheres, trans, travestis, LGBTS, negros e negra,s indígenas, aborígenes, mulheres parindo em parto natural e amamentando em público e lutando por este direito.

Como não parece em nada com um evento escatológico, um Apocalipse ao som de  Mercedes Sosa, tem inclusive resistência da própria esquerda menos afeita a perceber em si os rastros do cavaleiro medieval, do homem branco cujo fardo era domesticar os silvícolas.

O lance, parceiro, é que a dança tá no salão e é preciso dançá-la para não dançar.

A extrema-direita, e isso foi identificado pelo grande amigo cujo pseudônimo Fernando L’Overture é facilmente encontrado pelo Twitter, por sue lado busca uma identidade histórica que remete a tempos antigos e medievais, reivindicam grandes batalhas contra muçulmanos na Europa dos trezentos ou seiscentos, falam de identidades nacionais em contraponto com as internacionais e matam, sustentando suas lutas com base no discurso de limpeza étnica travestida de nacionalismo e em ataques terroristas ou pontuais  a membros alvo, ou de minorias ou de grupos religiosos ou nacionalidades estrangeiras a seus países.

A reivindicação de identidade e de um passado idealizado ocidental macho adulto e branco é o principal elo com o fascismo clássico e faz desse novo fascismo o cavalo de batalha da longa luta cultural do tempo dos costumes em conflito. Para cada direito não branco cisheteronormativo conquistado há umas célula da cultura de ódio que vai reivindicar batalhas antigas e uma branquitude que nunca existiu pra justificar um massacre com forte apelo freudiano.

Nesse choque de tempos e culturas há processos que independem da vontade consciente de grupos políticos e isso é notável no cotidiano, na produção cultural, na própria realidade das periferias, pequenas e médias cidades, favelas,etc, para além dos textos, acadêmicos ou não, cheios de adrenalina e impressionismo que culpam o vento, a Internet ou o Bob Esponja Calça Quadrada, por um tipo de ódio que sempre esteve aí e que hoje se organiza em resistência a processos que já estão aí pelo menos há dois séculos.

 A cada mulher que se percebe a grande provedora dos seus, que se pretende e se faz independente, digna de entender que tem direitos, consciente de seu papel na sociedade e do poder de sua ação para a transformação, cai um tijolo do muro das lamentações incel que se pretende dominante e só é boquirroto.

Sim, este texto deu um passinho à frente na análise, não é definitivamente uma tese, e se propôs a comemorar que, independente do chilique incel, o tempo do choque produz monstros para quem acha que é válido defender limpeza étnica macha adulta, branca e brocha,m como valor.

E o tempo da cultura é, hoje, um tempo onde os valores de uma antiguidade e medievalidade que nunca existiu forma pro saco, porque como elas mesmo dizem: ninguém vai voltar para armário, senzala ou fogão.

Os massacres são, antes de qualquer explicação psicologizantes, atos políticos com um discurso. De Columbine a Nova Zelândia, passando por Suzano, os ataques são frutos de um discurso político que se elegeu defendendo que há uma superioridade cisheteronormativa branca e que é válido “metralhar os petralhas”, que significam toda a resistência a estes valores que caem dia a dia a cada mulher, negro e indígena que vai à luta pro seus direitos. E, ó, são milhões, viu?

De Trump a Bolsonaro, são muitos os sintomas de uma reação reacionária a um processo histórico que atinge até culturas milenares que nunca foram bastante afeitas à expansão nos direitos das ditas minorias (Arábia Saudita tá aí pra isso), e que tentam não se dobrar a uma maré que nem o capital quer enfrentar (Adoro a indústria cultural nesse sentido, ela percebe antes o que tem que fazer pra não morrer). Só que era preciso combinar com os russos.

Por isso salta aos olhos a ideia de que a esquerda precisa dialogar com quem patrocina a reação porque elegeu-se um sujeito simpático a milicianos, racista, misógino e LGBTfóbico, quando, por motivos óbvios, ela precisa dialogar com o que o mundo aponta, com a maré que transforma tanto que já obrigou à minoria reacionária a se organizar e gastar trilhares de dólares para vencerem eleições e tentarem,s em sucesso, segurar na porrada uma transformação que tá na casa do vovô fascista que morreu ontem.

Eles mataram Marielle por que podiam? Sim, mas também porque temiam.

 Eles quebram placas em sua homenagem por um pavor brocha mal dissimulado, eles rasgam adesivos, eles piram na casinha citando Celso Daniel, que além de ser um problema do PT já foi resolvido, supostos mandantes da facada em Bolsonaro, caso resolvido e com o criminoso preso e apontamento de inexistência de mandantes, ou Patrícia Acyoli, cujo mandante e assassinos forma presos, mesmo a contragosto de Flávio e Jair Bolsonaro que meio que justificaram sua execução dizendo que ela desrespeitava os PMs, na maioria criminosos.

E eles fazem tudo isso porque pouco se importam com a morte de qualquer um desses, eles fazem isso porque perdem a cada dia o frágil domínio sobre a cultura que eles tentam manter.

É medo, é fruto de um pavor que se reflete na própria face do presidente a cada entrevista (apavorado pro estar ali e achando que seria mais fácil bancar o macho fodão), no exagero de um Itamaraty que ataca ativista como se a ONU fosse o Whatsap, nas tolices de ministros.

E um medo diante do óbvio: independe da vontade consciente até da própria esquerda lidar com uma transformação que irrompeu mundo afora com as lutas pelos direitos de quem nunca os teve e que não vão recuar nem em nome de Deus nem na ponta de uma lança, nem na base de bala.

A reivindicação de Braudel aqui, foi ele quem iniciou a ideia de temporalidades diferentes, veio por obra e graça disso: processos históricos de tal monta, onde a mudança é de planos culturais de longa duração, não são produzidos nem do dia para a noite, menos ainda paráveis apenas por desejo de poderosos ou grupos sociais temporariamente empoderados.

E é nas margens desse Mediterrâneo que encontraremos o melhor canal para que a esquerda navegue pelo Mare Nostrum.

O anti-intelectualismo da extrema direita e o anti-intelectualismo de louvor ao naif na esquerda

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O lance bacana da internet e das redes sociais é que cada um tem sua chance de produzir reflexões públicas, e até de tentar ser genial. O lado ruim é que cada um tem sua chance de produzir reflexões públicas, e até de tentar ser genial, inclusive este que vos escreve.

Digo isso porque todo santo dia, como usuário fervoroso de Twitter e leitor voraz de tudo o que cai nas mãos e olhos digitaleitores, vejo reflexões, ou algo que o valha, a respeito da intelectualidade, das escolas, universidades, etc e fico impressionado como muitas vezes se tocam os dedos fervorosos em produzir análises, ou algo assim, no que tange à aversão à intelectualidade. Estes dedos por vezes aproximam a extrema-direita de uma esquerda às vezes nem tão extrema assim.

Com a morte do jornalista Ricardo Boechat tive o desprazer de ler um autor indicando que a diferença entre Boechat e o jornalismo que ele produzia e os novos jornalistas é, pasmem, que as escolas de jornalismo “obrigam” os alunos a olharem os dois lados e por isso eles fazem coisas como dar voz aos dois lados entre os defensores da existência do aquecimento global como algo produzido pelo homem e os negacionistas do clima. O texto é até bem escrito, tem um peso narrativo com uma certa dramaticidade e estaria tudo bem se ele não fosse mais um texto que romantiza o jornalismo autodidata e reduz a “escola de jornalismo” a uma deformação, ignorando o estado, as linhas editoriais, o mercado editorial, os laços políticos dos donos de jornais e do corpo editorial, os processos de enquadramento das editorias pelos donos da voz e a própria diversidade da “escola de jornalismo”.

O problema é que a gente lê os textos e enxerga o discurso e esse discurso é o mesmo que reduz a necessidade de formação técnica do jornalismo em nome de uma suposta “pureza” de uma profissão que não precisa estudar (qual profissão não precisa de estudo?) para realizar suas ações.

Boechat podia até ser um jornalista gigante, mas também era um jornalista que tinha sua posição pela circulação entre chefias e proprietários de jornal, que com seus iguais era igualitário, mas não exatamente com os diferentes, além de só produzir o bom jornalismo que produzia porque seguia os mesmos parâmetros, pasmem, das “escolas de jornalismo”, que não se construíram como escola, assim como nenhuma escola, aprendendo jornalismo com padeiros, assim como padeiros não aprendem a fazer pão com historiadores.

Assim como toda escola, as reflexões teóricas só aparecem no jornalismo pela produção de uma reflexão sobre as produções práticas no jornalismo antes das escolas aparecerem. E é o corpo de ofício do jornalismo que enxerga na própria profissão algo que exige uma necessária formação para sua própria manutenção, como diversas profissões no decorrer da história (Historiadores, jornalistas, professores, por exemplo, são categorias que se profissionalizam a partir do século XIX).

Tem uma pancada de livros úteis pra entender o que é jornalismo e sua história, quando a ideia da construção técnica e teórica do jornalismo surgiu e não dá nem pra iniciar algo relativo a isso aqui. Sugiro ler “Uma história social da mídia” do Peter Burke e Asa Briggs, “Insultos impressos” da Isabel Lustosa, “Televisão: tecnologia e forma cultural” do Raymond Williams, “História da Imprensa no Brasil: 1911-1999” do Nelson Werneck Sodré, “História da imprensa no Brasil” da Tânia Regina de Luca e Ana Luíza Martins e “História cultural da imprensa: Brasil, 1900-2000” da Marialva Barbosa, esses livros tendem a dar uma ilustrada na mente das pessoas a respeito dos jornais e jornalismo e evitar bobagens escritas e impressas.

O que me incomoda aqui, no entanto, é que o discurso não é tosco só por desconhecimento, mas por uma ideia completamente alarmante que traduz algo com uma compilação de conhecimentos de uma diversidade ímpar, como via de regra toda cadeira acadêmica e científica, como uma anedota, uma distorção do que é.

A escola de jornalismo é mais exatamente uma diversidade chamada “Escolas de jornalismo”. Porque tem que ser muito tosco pra achar que as escolas de jornalismo da UFRGs, Católica de Pelotas, UFPel, UFRJ, PUCs são a mesma coisa e produzem o mesmo tipo de pessoa. E tem que ter uma estupidez peculiar em acreditar, e verbalizar isso, que o jornalista formado pelas “escolas de jornalismo” é uma besta idêntica a outras bestas formatadas pela forma das escolas e que é ele o responsável pela cobertura da imprensa e não as linhas editoriais e os detentores do poder de produzir a mensagem final das folhas.

Nem vou mencionar que nem o editor é tão poderoso nem o jornalista tão vítima aqui, porque há dissensões entre editoriais e donos de jornal e entre mandos e desmandos de editoriais e redações, e eles se traduzem muitas vezes nas entrelinhas do texto, pra não complicar a vida dos cidadãos que cometem essas “reflexões”, mas é fundamental expor essas questões e perguntar se estas pessoas sequer veem filmes sobre jornalismo.

Veja bem, nem vamos exigir que as pessoas leiam, mas vejam filmes. Tá lá em “Spotlight”, “Todos os homens do presidente”, “The Post”, “Síndrome da China”, “Rede de intrigas”, “Um Dia de Cão”, “Quarto poder”, “A Primeira Página” e até “O homem que matou o facínora” e “Íntimo e pessoal”, que reproduzem diferentes épocas do jornalismo e suas questões e explicitam o peso das editoriais, dos assinantes, dos anunciantes, as diferenças entre o jornalismo antes da exigência da formação acadêmica e com essa exigência em cada época (via de regra não é exatamente fácil descobrir, viu?).

E indo mais longe, chega a ser ofensivo ignorar que Boechat era tão bom quanto o são jornalistas que saem das faculdades de jornalismo e chegam a superar, como ele superou, as exigências das editoriais e ganham sua independência, como Gabriela moreira, Cecília oliveira, Leandro Demori, Lúcio de Castro, Paulo Vinícius Coelho, Mauro Cézar Pereira, Bob Fernandes, entre outros. Tem várias biografias no Portal dos Jornalistas, confirmem .

Essa tábula rasa da formação em jornalismo é típica da discussão enviesada que culpabiliza a escola pela distorção da percepção, quando ela nem é a montra condenada, fenestra, sinistra, nem a panaceia ilustrativa como se digladiam os simplistas para impor anos dourados e bobagens afins a processos e questões complexas.

E sabe o pior? A lógica culpabiliza o ensino por questões que são mais complexas, por questões políticas, pelas relações de trabalho e pela própria diferença de classe e controle de instituições sociais como a imprensa. É, via de regra, um discurso tão anti-intelectual quanto o discurso da extrema-direita que fala em Terra Plana ou que diz que ensino de história é doutrinação, ou o de jornalistas, pasmem, que dizem que qualquer um pode escrever história e que os historiadores pretendem uma reserva de mercado ao terem sua própria mecânica de crítica e análise de fontes que outras categorias não tem e evitam aprender. Da mesma forma que é uma simplificação do trabalho do jornalista e sua redução, pior ainda, criminaliza o “ouvir o outro lado”, como se ouvir o outro lado na questão do aquecimento global fosse o problema e não a distorção dessa percepção pela editoria alinhada com petroleiras ou agronegócio.

Sabe o Boechat? Ótimo jornalista, mas prestem atenção em sua trajetória no Jornal da Band e tentem perceber uma linha que seja crítica ao agronegócio, que é um grande parceiro do Grupo Bandeirantes. Se acharem me avisem, eu vou agradecer, mas eu duvido que exista porque nem o ótimo Boechat tinha o poder de atropelar a linha editorial definida pelo dono do veículo, sabe?

Esse é um exemplo de como o discurso anti-intelectual, que distorce Marx inclusive, é um problema que permeia toda a sociedade e não apenas a direita. Muitos apelam para uma dicotomia entre um saber popular perfeito, uma espécie de idade do ouro, e um saber acadêmico vil e elitista, uma espécie de negativa do conhecimento que remete às tentações religiosas de queimar o que ofende ao senso comum.

E o problema é que nem existe essa separação entre conhecimento popular e conhecimento acadêmico, como nenhum dos dois é 100% livre de equívocos. Há conhecimento popular no conhecimento acadêmico e conhecimento acadêmico no conhecimento popular. A base da história é uma produção cultural vinda da tradição grega dos aedos, que era uma tradição popular, e que se reinventou para produzir análises menso poéticas e mais objetivas, e que hoje discute essa mesma objetividade, assim como o faz o jornalismo. As técnicas jornalísticas são hoje na academia um repensar das técnicas produzidas nas páginas dos jornais por uma tradição do trabalho feitas desde as origens do ofício. Da mesma forma como a música, a pintura, a própria engenharia sai do campo popular e se formaliza como uma formação reproduzível pelas universidades e escolas, o jornalismo, a história, as ciências sociais o fazem em seus espaços, e neles se encontram os bons estudantes, professores e profissionais e os ruins, e todos eles enfrentam sistemas que são frutos de disputas cotidianas e cuja hegemonia tenta silenciar de forma violenta as dissensões.

É lamentável que parte da esquerda seja simplória e orgulhosamente limitada e reproduza o mais tosco discurso de desvalorização do estudo e da teoria.

Uma dica, quando Marx escreveu nas Teses sobre Feuerbach que “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo”, ele não tava dizendo que era pra parar de estudar filosofia ou que a filosofia nos impedia de transformarmos o mundo, viu?

Se organize, rapaz!

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No rescaldo da derrota na eleição de 2018 para a extrema-direita muitas receitas foram dadas para como superar o profundo pântano dos dias e anos seguintes, muitas análises estruturando uma tentativa de percepção do que causou o caos e como e porque resistir.

Da mesma forma muitas análises forma feitas indicando o horror que está por vir e o quanto será difícil atravessá-lo, como eles são terríveis, como querem nos eliminar, como são burros, etc.

Não fui exatamente na contramão dessas análises e nem pretendo criar uma receita que fará um bolo melhor, mas proponho uma alternativa às posturas olímpicas, que eu mesmo tive, e ao choro e ranger de dentes.

Minha proposta aqui se resume ao título, embora descreva uma série de questões e posturas que muitas vezes afastam as pessoas da proposta contida nele: se organizem para lutar.

E por que se organizar é importante? Porque a dura maturidade nos ensina que por mais que a gente seja iconoclasta, difícil, duro, mimado, etc a gente atua melhor estando entre companheiros do que sozinhos. Atuar organizado nos permite uma série de redes de amparo, apoio, acolhimento e suporte que são transversais às questões políticas, teóricas, psicológicas e emocionais e nos ajudam a viver e a lutar por um mundo melhor e contra sistemas e condições que aviltam a nós mesmos, a nossos companheiros e aos seres humanos como um todo.

Você nunca encontrou um partido ou uma organização que seja perfeita para você? Uma dica, rapaz: provavelmente é porque nada disso existe.

Somos únicos, isso significa que cada um de nós tem características que nos diferem uns dos outros de maneira a tornar uma perfeição para que nos adequemos a uma organização uma espécie de clonagem de nossos egos, o que é impossível e sequer desejável. Até mesmo as convergências políticas são adaptações de percepções individuais à questões mais amplas de acordo com as tradições, bases teóricas, aspectos organizativos, critérios e regras, e ocorrem por uma série de mecanismos que envolvem cessão de princípios individuais em nome de percepções coletivas, que são negociações individuais agregadas, e afetos, alinhamentos emocionais, pertencimento e identificação.

Em resumo: a organização perfeita para você é uma organização com a qual você concordou em negociar sua adaptação de percepções individuais às tradições, regras, ideias coletivas que fundamentam cada uma destas entidades ou grupos. E sim, existe uma organização pertinho de vocês que é perfeita pra ti.

O principal critério para evitar que uma organização te atropele ou te faça desistir de se organizar porque elas rompem com sua ideia de existência é conhecê-las para além das superficialidades. Não basta assinar ficha de filiação em partido ou ir em todas as reuniões do grupo anarquista já se entendendo como tal, ou frequentando a feira de economia solidária comprando e se assumindo cooperativista solidário. É preciso travar o diálogo amplo com os aspectos “técnicos” da organização e os afetivos, emocionais, buscar os autores base da organização, se eles existirem, lê-los com cuidado, decifrá-los, frequentar reuniões, analisar a complexidade de todas as organizações, perceber-se na organização, sua confiança pessoal, teórica e emocional nela. Tudo isso cabe de partido e correntes internas a associações de economia solidária ou de moradores.

Claro, algumas organizações não possuem uma base teórica nítida ou um conjunto de regras identificáveis, mas as redes de sociabilidade podem ser parte da tradição teórico-política dela e são detectáveis pelo grau de identificação e solidariedade existente nelas.

Existem organizações onde o perfil mais hierárquico e competitivo é mais perfeito e outras onde a supremacia de doses cavalares de afeto são mais presentes.

O principal é que é preciso construir com cada organização o processo que nos fez permitir a existência ao nosso redor de nossas redes de amigos. O processo de compreensão e aceitação das diferenças, a percepção da linha de identificação entre indivíduos que existe em cada roda de socialização, os comportamentos e afinidades, as diferenças e alinhar a isso as concepções filosóficas que os unem, e as que os separam.

Organizações são mais complexas do que rodas de relação, mas a percepção que faz com que os grupos sociais se assemelhem é a de que todos eles produzem redes de sociabilidade perceptíveis.

Mesmo os jogos de poder, as lutas internas em torno de cargos e posições decisórias, ocorrem em todos os grupos sociais. A questão é que em organizações por vezes quem não é exatamente seu maior objeto de afeto pode ser um aliado em nome de uma concepção ideológica ou percepção do real que os une em um espaço comum de compreensão da ação política.

E o principal em momentos como o de hoje é que isolados, como continuamente estamos neste contexto de percepção da atividade política como parte de uma rede de exposições de posturas e opiniões em redes sociais, somos alvo fácil não só da ira política de inimigos e adversários, mas de depressões, medos, desequilíbrios advindos da falta de apoio e especialmente das ações práticas de adversários contra nós.

A postura de isolamento inclusive fomenta as percepções de voto que passam ao largo de qualquer ideia de análise do real de largo espectro e que são presas fáceis de facilismos e impressionismos como as que eleições após eleições fazem com que se pressione por votos úteis já no primeiro turno sacrificando concepções de política e até sobre eleições, criminalizando votos nulos (anarquista ou não) ou votos por programa ou foco ideológico, como nos partidos menores, chamados de forma pejorativa como “não competitivos”, como se eleição fosse corrida de cavalo.

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Isolados somo presas fáceis das pressões e do impressionismo movido a medo, temos menso relações diretas com o debate político de fôlego, análise de conjuntura compartilhada ou mesmo a ideia de um dever para com nossos projetos políticos que nos fazem ter posições que estejam alinhadas de forma coerente com nossos projetos de sociedade e de mundo.

Juntos, em debate, analisando conjunturas para termos posições coerentes entre nós, trocamos ideias, assumimos posições que são coerentes com o resultado de nosso debate ou com as resoluções de nossas organizações, dependendo das características de cada grupo social. Isolados só temos a nós e nossas emoções como base, então o medo pode virar o principal conselheiro, enquanto em grupos sociais o medo pode ter, pelo menos, competidores ou um compartilhamento de sensações que amplia a segurança da decisão.

E partidos, correntes, coletivos, grupos de debate ou Conjunto de posições políticas neobudista Frida Kahlo, não importa a coloração ideológica ou a-ideológica, organizações, grupos sociais, nos permitem ter suporte, apoio e concentração de percepções políticas que nos auxiliam nos combates diuturnos.

O fundamental aqui é que para enfrentar oque temos pela frente não podemos continuar isolados xingando muito no twitter, é preciso procurar amparo, ajuda e base de ação nos partidos, sindicatos, organizações, coletivos, correntes, grupos de debate, grupos de meditação, movimentos, para que nossa ação construa uma sólida barreira ao avanço dos que nos querem destruir.

Então, se organize, rapaz!

Bolsonaro, anti-intelectualismo, estupidez e brechas para a ação.

Por várias vezes nos deparamos com questionamentos à estupidez dos eleitores de Bolsonaro, com referência a eles como “bolsominions”e à própria estupidez de Bolsonaro e comitiva.

Bem, se é fato que são todo estúpidos temos um problema, porque perdemos a eleição, do centro à extrema-esquerda, para idiotas convictos. E quando se perde para idiotas o problema é contigo.

Mas é inevitável pra quem tem bom senso evitar o desprezo à inteligência alheia, portanto, e nosso dever tentar compreender as razões que levaram à derrota de nossas defesas políticas e da própria democracia, e também tentar pensar para além da caixa sobre o que está por vir.

Quem melhor olhou pra frente foi o Marcos Nobre em seu texto no El País, falta olharmos pra trás,mesmo no imediato passado, quase presente cotidiano, para entendermos melhor o que aconteceu e como fazemos para agir.

Primeiro é fundamental esquecer os dedos que apontamos uns para os outros e entendermos que Bolsonaro não tem programa pra governar, nunca teve,usou um misto de indignação aleatória com o sistema com máquina de propaganda financiada por caixa dois e esquemas projetados mundialmente por Bannon e cia, muito boato, muita desinformação,muito chute na canela e um arremedo de programa que não causa desgosto à elite financeira, que tem pressa.

O PT cometeu erros na campanha? Muitos, PSOL e cia idem, todos erraram em algum momento para atingir a população, mas se não errassem provavelmente perderiam. Ninguém previu a facada, a máquina de fake news via whatszap, a ausência de debate por omissão do próprio Bolsonaro, a demora na correção de rumos de toda a esquerda e centro para evitar oque acontecia, perdidos muitas vezes na busca do lugar ao sol, ou do clássico “farinha pouca, meu pirão primeiro”.

A questão é que com tudo isso ninguém previu uma conjunção de indignação com a corrupção, medo de perda de uma mínima estrutura de segurança comportamental, cansaço da chantagem pelo medo para que votassem no PT, o mesmo PT que tem muitas conta as ajustar com seus casos de corrupção e alianças espúrias, mas principalmente ninguém mediu o anti-intelectualismo que não só foi fundamental para o crescimento da extrema-direita, o ataque aos professores e a eleição de Bolsonaro como permanece sendo o grande canal pelo qual ele organiza seu sistema de cortina de fumaça para a ausência de mínimo entendimento sobre o que fazer no governo.

Bolsonaro catalisou principalmente uma reação populacional a uma casta intelectual, ou a uma postura intelectual que adora louvar Paulo Freire, mas pouco é Paulo Freire.

E não só nas universidades, mas nas escolas, esquinas, bares, uma postura de tutela com relação ao povo e às favelas, bairros, comunidades que pouco dialoga e muito leciona.

Dos saberes populares à dinâmica de compreensão de democracia do povo, nunca se enfrentou a distância entre a intenção do discurso e o gesto do posicionamento de boa parte da esquerda na posição de iluminados transportadores da consciência de classe aos acéfalos invertebrados das subclasses.

Isso se via do discurso do próprio Lula ao militante do PCB com ojeriza ao funk carioca.

A insistência num valor cultural que hierarquiza Chico Buarque em relação ao Odair José ou ao Molejo, e não só, a própria ideia de uma política onde o seu Zé que negocia voto por telha é transformado no câncer do país, e não o deputado que negocia ou o governo que não chega na periferia para ser o fornecedor da telha sem negociar voto a não ser pela construção do valor organizado pela ação política em si.

Pior é a parte da esquerda que em vez de organizar a questão fundiária optou por trocar de lugar com o deputado da telha, sem trocar o método.

Quando o PT trocou Olívio Dutra no ministério das cidades e sue projeto de regulação fundiária das cidades por um membro do PP acabou com qualquer chance de mudança de paradigma na condução de reformas inclusivas concretas.

A questão é que a mesma esquerda que desprezava como corrupção o negócio do voto por telha, ou praça ou pista de skate tinha como líderes políticos gente indiciada na lava jato.

E quem não estava indiciado na lava-jato? Se negava a discutir sobre corrupção sem ser moralista, a discutir segurança sem ser transformador do medo em ridículo e se negava a discutir a questão LGBT, de negros e negras e questão de gênero sem que automaticamente a conversa se transformasse num tribunal de condenação do outro que por mil motivos, o principal é que todos os preconceitos e opressões são estruturais.

E ninguém me contou que isso aconteceu, eu participei de vários tribunais desses, muitos deles como condenador.

Tudo isso fez com que o caldo cultural se movimentasse na direção de Bolsonaro, que como um tubarão oportunista soube aproveitar.

E nada disso significa que precisamos fingir que não lemos ou que não entendemos ou que a luta negra, LGBT, de gênero, etc, tenha que mudar na direção de onde quer chegar e o que quer defender, mas acredito que sim, é fundamental ampliar o arco de comunicação a respeito para que seus valores não sejam levados pra lama do simplismo.

Porque muitos dos eleitores de Bolsonaro por vezes votaram nele por não entenderem como a filha “se tornou lésbica” ou o filho pintou o cabelo de azul, embora não necessariamente seja gay ea mulher deixou de trepar com ele quando ele queria, o que não significa que mesmo votando ele passasse a bater nos filhos e na mulher ou estuprar pessoas na rua.

Só que nossas abordagens sobre a realidade para esses senhores precisa passar de tuteladora e lecionadora para dialogante. Como fazer isso?Excelente pergunta, eu não sei, mas o principal é engajar essas pessoas num contato cotidiano mais forte do que a distância seguradas relações pontuais. Sim, trabalho de base, e trabalho de formiguinha.

Precisamos barrar a fala intelectualista que se posiciona, para alunos e pessoas em geral, como um lugar de fala, um portador de uma linguagem de violência.

Precisamos ser mediadores, formuladores, dialogantes.

É difícil demais, especialmente em rede social, onde a distância entre o calhorda de escritório profissional de social media e o cidadão comum é mínima.

E é exatamente por isso que a troca precisa ser do virtual pro físico.

O Fulano que mora na esquina por vezes é mais palatável que o@gjrmamute que me ataca numa rede qualquer.

Ah,mas e o zap? O zap não governa e não controla todas as esferas de percepção do real.

E é impossível lidar com todas as crises apenas via whatzap, o próprio episódio da saída dos médicos cubanos do Mais médicos é sintomático, a boataria que ataca cuna,PT, etc não resolve o problema de prefeitos e cidadãos que vão ter uma saúda colapsada.

A culpa pode ser até do papai Noel, mas se Bolsonaro e seu discurso não resolver o problema o problema passa a ser ele.

Dizer que os prefeitos são culpados da ausência de médicos não o ajuda nem um pouco.

E ensinar ao povo como funcionava o Mais médicos é irrelevante se não apontarmos o problema. E parte do problema pode se resumir a uma pergunta: não era mais fácil dialogar e tentar corrigir distorções que causar um caos na saúde de milhares de municípios?

Como alguém disse: não se governa por zap.

E isso , a própria fala,é uma obviedade e um problema: precisamos ir além de reproduzir uma defesa inconteste do sistema de governo.

É óbvio que o método Bolsonaro de agir e governar, atacando sistema, prefeitos, câmara, senado, oligarquias, grupos econômicos, corporações, tudo isso tende ao caos e à imobilidade do governo no médio prazo, leiam o texto do Marcos Nobre, mas esse discurso e essas falas não são, com o sinal trocado, as falas da esquerda revolucionária?

Não defendemos e defendíamos o enfrentamento que Bolsonaro está fazendo, embora com outro método?

Sim, defendíamos e temos que continuar defendendo, por outros motivos.

Porque Bolsonaro desagrada a muitos para passar a agenda ultra-neoliberal que o mantém vivo para assumir o governo e o tornará irrelevante no minuto seguinte em que ele passar as reformas que animam o mercado financeiro, e nosso enfrentamento ao sistema se organizava exatamente no combate às reformas e à ideia de que qualquer programa ultraliberal era um caminho.

O confronto de Bolsonaro com a oligarquia é para substituí-la no comando da mesma agenda para assumir o posto de liderança e deportador do lucro, o nosso é para demolir o sistema com ela dentro e substitui-lo por um sistema democrático com horizontalidade e democracia real, o nosso antissistema é literalmente antissistema, o dele é troca de guarda, e pra pior.

E é aí que entra nossa defesa da democracia e apontamento que não, Bolsonaro não é antissistema, nem o PT é a saída pro sistema,nunca foi, faz tempo que foi parte do problema e não da solução, nossa aproximação com ele no segundo turno de 2018 se deu porque a agenda que Bolsonaro significa é uma agenda que não resolve os problemas do PT e amplia os problemas a partir dela em si.

Antissistema é a agenda que defende uma outra lógica de democracia, estado,saúde, direitos e que aponta pros limites do capitalismo sem chamar de comunistas os governos que foram exatamente como Bolsonaro vai ser, mas que não achavam que governariam por whatzap.

E como lidar com o anti-intelectualismo e reconstruir a ideia que ser antissistema é ir conta o sistema e as oligarquias sem querer substituí-las pelo mesmo campo e absorvê-las como base? Bem, o principal caminho é conseguir dialogar com quem se quer convencer,estabelecer laços e estabelecer caminhos de pensar coletivamente as soluções pros problemas, de baixo pra cima à esquerda de quem entra.

Não há soluções mágicas, mas só lembrando que o professor não é inimigo, que o comunista é teu vizinho, que teu amigo de pelada é LGBT ou pai de um e que sua amiga de infância é a feminista que teu presidente diz que fede é que a gente começa a resolver, e isso passa por não atacarmos o mensageiro da estupidez como produtor dela e agirmos como se nosso conhecimento nos tornasse superiores, não torna, e perdemos por isso.

As brechas para a ação estão ai, desde a possibilidade de explicar sobre mais valia a partir da fala de Bolsonaro sobre escravidão e médicos cubanos até a pergunta sobre como se resolve o problema que ele criou com a ação contra a presença dos cubanos, lembrando que em vários locais as pessoas lidavam com esses cubanos.

A própria menção à escravidão podem nos ajudar a lembrar que o mesmo Bolsonaro culpou no Roda Viva os negros pela escravidão, e isso é uma brecha para discutirmos a própria ideia de escravidão e como ela é ruim e prejudica quem sofre com ela, e seus descendentes.

Tudo isso é brecha pro diálogo, e o diálogo é a melhor arma contra o anti-intelectualismo, assim como para construir trabalho de base.