Como enfrentar o fascismo, Jair Bolsonaro e spoilers de IT – A coisa

Mobilização nacional antifascista contra a conferência neonazi

Há anos a cada postura de algum movimento, partido ou figura pública de esquerda chovem repúdios a esta ação, postura ou política. E com ele chovem também essencialismos, com se não fosse possível uma esquerda eleitoreira ser tão esquerda quanto uma esquerda antieleição.

Da mesma forma quando surgem notícias ou falas de policiais antifascistas, o mesmo movimento que elogia o surgimento em instituições tão violentas e avessas à democracia, fãs do fascismo mesmo, surgem críticas essencialistas que informam a todos nós, pobres idiotas, que é impossível um policial, que até outro dia era uma pessoa, ser antifascista, num suposto essencialismo que cola na pessoa que optou por ser policial um DNA fascista.

Freixo e Sâmia gravaram vídeo com Janaína Paschoal e Kim Kataguri? Traíram o movimento. O PSOL é mais institucionalidade que rua? Ex-querda.

Ok, é do jogo, faz parte do dissenso inclusive a estupidez. O que incomoda é a ausência, via de regra, de soluções que construam sob o ponto de vista de quem taca a pedra, o que eles colocam como alternativa.

Tacar a pedra é fundamental para que olhemos pra Freixo e Sâmia e coloquemos o quanto é limitada essa aproximação com setores liberais que propagam uma tolerância ao intolerante que eu, pessoalmente, não embarcaria para participar, mas jamais pra dizer para eles e quem quer que entenda ser possível esse tipo de ação, por índole, práxis ou desejo oportunista, que seja, que não façam porque é trair o movimento.

Trair o movimento, a esquerda, etc é votar a favor da Reforma da Previdência ou se omitir diante de um canalha que diz que discurso de ódio tá ok se o alvo for um comunista, isso é trair o movimento.

Qualquer movimento de diálogo, e diálogo não é conchavo, não é trair nada,é só um movimento, e um diálogo. E diálogo expõe a ambos os interlocutores ao escrutínio público e com isso expõe a este mesmo público a possibilidade de saber o que é cada um e que a prática é o critério da verdade.

Da mesma forma atacar como “eleitoreiro” quem historicamente tem um perfil de atuação mas institucional que de rua e de capilarização via núcleo, como o PSOL, por ser, pasmem, mega institucionalidade e com eixo político rolando em torno de suas figuras públicas, mesmo que sim tenha mais rua que a maioria de movimentos e partidos de esquerda é no máximo dizer o óbvio, mas e a construção de rua e do que se deseja ser o principal vetor de movimentos, é tarefa apenas de um partido? Se ele não é o que tu queres que ele seja o que se organiza como alternativa além do papo?

E sim, estou dizendo o óbvio: pouca coisa é mais impotente do que o sommelier de como outros partidos/movimentos são sem construí-los ou construir alternativas ou construir alternativas que não tem, lamento, capilaridade e peso institucional ou de rua compatível com a indignação sobre o outro.

Da mesma forma os ataques aos policiais antifascistas é lamentável, porque é uma recusa a organização de dentro de instituições de resistência a ethos que compõe a cultura delas. Essa lógica é prima irmã da que trata religiosos como idiotas irrecuperáveis ou que essencializam o ser de esquerda com alguém fora do mundo, angelical, portador da razão, guia genial dos povos.

Cada policial antifascista é menos um policial fascista, viu? E os caras sofrem retaliação, sem contar, em forças de segurança cada vez mais milicianas, estão sob risco REAL de morte.

O interessante de tudo isso é que todos tem uma receita de como reagir e resistir ao fascismo, como combater Bolsonaro, spoilers de IT – A coisa e a contratação de Oswaldo de Oliveira, mas ninguém, olha só, faz CONCRETAMENTE, porra nenhuma pra expor isso de forma real, diária, cotidiana e visível.

Sua organização ou você já puxou no teu bairro rua, padaria, cidade o Fora Bolsonaro ou se movimenta pra isso? Tentou se organizar em um movimento/partido/clube do Bolinha que construa algo assim, mesmo correndo o rico de ser minoritário? Porque é disso que a gente tá precisando, de mais gente, pros contrapontos estarem na rua, no chão se opondo inclusive aos discursos que norteiam partidos como o PSOL, do qual faço parte e não de grilos falantes impotentes, diletantes e estagnados que pouco fazem além de torrar o saco.

O Freixo tem boas relações com o Frota, que faz bullying gordofóbico com a Sâmia? Acho que ela e ele são adultos e tem capacidade concreta de construírem entre si,, sem a nossa tutela, a crítica e autocrítica necessária diante disso e que a Sâmia, olha só, seja adulta e capaz de defender a si mesma sem a tutela de um macho.

Os Policiais Antifascistas são membros de forças de segurança racistas e fascistas? Eles não só são como têm consciência disso e se arriscam a ir contra a maré.

O PSOL luta mais na institucionalidade que na rua e foca mais nas eleições que na organização diária? Meia verdade total, tem rua e tem eleição, tem mais institucionalidade que deveria, mas tem diariamente construção coletiva de resistência país afora em mobilização que se constrói para além de voto, mesmo visando o voto. Mas é sim um partido com forte teor eleitoral e institucionalista, só que, olha só tem outros partidos, viu? Tem movimentos autônomos, anarquistas, budisto-maoístas, fãs de Doctor Who e de Midhunter, cosplay de Naruto, etc. Organiza-te neles, constrói a alternativa!

A questão é reduzir a TUA solução de luta a uma solução que PRECISA SER universal. Não, não é, nunca será.

Mas não pode criticar, Gafanhoto? Pode, pode pra caralho, o que não pode é criticar a Tartaruga por ter casco e a Tartaruga que tira o casco por ter tirado.

A crítica a Freixo por conciliar, coisa que ele ASSUMIDAMENTE faz, declara, discursa, anos a fio, inclusive conciliação de classe, mesmo dizendo que quem governa pra todos tá mentindo pra alguém (No que ele acerta), é criticar a Tartaruga por ter casco.

Freixo, PSOL, Sâmia, Bakunin, Senhor Myiagi, todos tem seus limites e características que compõe o caminho deles e os deixa expostos a nosso julgamento.

Dá, ao saber que obviamente Freixo é um conciliador, que não é revolucionário, optar conscientemente por tratá-lo como o inimigo que ele não é?

Da mesma forma tratar policiais antifascistas como a mesma coisa que o policial que mata a Ágatha é de uma estupidez atroz. Qualquer cunha de resistência dentro de institucionalidades autoritárias, racistas e de forte ethos fascista é fundamental para tentar movê-las para outro caminho.

Ou alguém tem a ilusão que com uma exceção de conjuntura revolucionária real vamos acabar com a polícia?

A ideia de que há uma solução única pra combater o fascismo, Bolsonaro e spoilers de IT – A coisa é, ela em si, autoritária e interditadora de discursos. Não, não há. A realidade é complexa demais, há trocentas coisas para mudarmos, há oitocentas estruturas a serem derrubadas e erguidas outras ou não. Há coisa demais a ser feita que uma só percepção é, ela em si, censória.

Há uma necessidade atroz de forte oposição parlamentar, de forte oposição eleitoral, de forte ação de rua, de forte ação de capilarização de esquerda, de enorme contingente de esforços dentro e fora das institucionalidades de transformação da cultura como um todo.

O que não dá é confundir a necessidade de oposição em todos os aspectos com uma uniformidade acrítica, nem transformar a crítica em ação de destroçamento de uma oposição que tu discorda de como é feita.

Bolsonaro tem enorme impopularidade, por exemplo, e precisa de gente na rua convencendo quem votou nele que ele é um câncer, mas também precisamos de parlamentares pra dizer isso na Câmara e policiais pra dizerem isso na delegacia.

Você acha que o policial que vê a gente dizer que policias e moradores das periferias morrem em igual número e que o governador que chama ele de herói não vai dar aumento pra ele e tá pouco se fodendo com a várzea emocional que a guerra aos pobres causa nas forças policiais da mesma forma que vê quem diz que o policial tem que morrer mesmo?

Não, o policial não deve morrer, nem matar, e mesmo que eu, pessoalmente, tenha uma enorme dificuldade em me solidarizar com a morte de policiais, que em sua maioria nunca esconderam que são partícipes, cúmplices, da política genocida de governos. Essa dificuldade minha não torna em ela correta, longe de ser uma culpa cristã essa afirmação, nem a ideia de que o policial deixa de ser vítima do genocídio que pratica, os que praticam.

Policiais historicamente se isolam, pedem transferência, trabalham longe de casa e da família pra fugir de grandes concentrações de adeptos de esquemas, assassinos, esquadrões da morte,etc. Policiais são gente pra caraba, um enorme contingente, e convivem nele genocidas e pessoas honestas. Não sabemos a quantidade, podemos até dizer que a maioria é de canalha, mas é fundamentalmente importante defender quem resiste.

É fundamental que entendamos que situações complexas exigem soluções complexas, polifônicas, multifacetadas.

Menos apocalipticismo que paga de fodão ao dizer o óbvio, que, por exemplo, Jair Bolsonaro fez na ONU discurso pra alimentar o foro interno (Ignorando que ali ele também dialogou com Sauditas, Orban, Trump, Vox e outros fã de Bannon), e mais ação.

E ação significa também modular o discurso, produzir o combate ir menos na veia de quem tá do lado e mais na veia do fascismo.

Construir matrizes de padrão negativo nas métricas de redes sociais envolvendo fascistas é tão importante quanto construir núcleos na periferia, de preferência sem tratar a periferia de forma colonialista.

Da mesma forma é mais importante atacar democratas que se omitem em detrimento do ataque a democratas que resistem. Como é fundamental entender que qualquer brecha aberta no discurso e na imagem de gente autoritária que tá tentando reposicionamento de marca pra se descolar de Bolsonaro é muito bem-vinda.

Não há uma fórmula única de combate ao fascismo, a Bolsonaro e aos spoilers de IT – A coisa, inclusive porque no cotidiano, na realidade, no processo dialético do real, não há fórmula única nenhuma.

Estamos em crise climática, civilizacional, com a democracia internacionalmente sob ataque, em avanço do genocídio de pobres em nome da guerra às drogas, então sim, de Sanders a Freixo, passando por autonomistas, anarquistas, okupas e movimentos de combate à carreira musical do Sambô, todos os movimentos que põem as civilizações em combate à barbárie são bem-vindos.

A dialética não precisa realmente de síntese, a polofonia que reage à antítese é uma bem-vinda sonoridade que rima com a diversidade, e a biodiversidade, dos espectros políticos que agem em prol da vida.

Nesse momento a unidade que precisamos é menos a uniformidade acrítica e mais a compreensão que nessa trincheira é extremamente importante sabermos quem somos e nos respeitarmos por isso.

Breves comentários sobre o #15M e o #30M

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Os cortes orçamentários na educação feitos pelo Ministro Abraham Weintraub tiveram dois novos capítulos de resistência ao planejamento de destruição da educação feito pelo governo Jair Bolsonaro na figura do inepto ministro da educação e também ao próprio governo em si, reanimando os movimentos sociais e a esquerda a ocuparem as ruas.

O primeiro ato em 15 de maio teve uma força inesperada para governo e mídias, pondo mais de um milhão e meio nas ruas em todos os estados e mais o Distrito Federal, levando à chamada de outro ato neste dia 30 e obrigando o governo a responder com a convocatória de suas bases para defendê-lo, apenas sete meses depois de sua eleição.

Apesar dos esforços de governo, mídias e da ala liberal da própria oposição em superestimar o peso de manifestações a favor de Bolsonaro, a dinâmica de comparação entre seus adeptos e quem resiste a ele é de flagrante contraste.

No 15M as manifestações puseram milhões nas ruas. Provocando Bolsonaro a agir segundo sua natureza, dobrando a aposta e não só convocando atos a seu favor, como animando seu ministério a ampliar o grau de ataques, via AGU com ação no STF pedindo policiais nas universidades para reprimir professores “doutrinadores” via MEC com o ministro inacreditavelmente impondo um decreto que “proíbe manifestações políticas nas universidades” e sugere que pais e alunos denunciem professores.

Os atos a favor foram inacreditavelmente pequenos para um governo com apenas sete meses de eleito e cinco de vida, pressionaram o congresso com ataques a sua maior bancada, o Centrão, e ampliaram uma crise que forçou a apoiadores da Reforma da Presidência a tentarem pactos incluindo STF e Câmara via Rodrigo Maia e Toffoli para salvar a Reforma das ações do presidente da República. As ações de Bolsonaro, que se foram inteligentes ao ameaçar as Reformas foram um desastre ao provocar o congresso e ampliar a crise de relacionamento entre poderes, provocou novas derrotas na Câmara e Senado, jogaram a crise no colo do Presidente do STF, que estava livre de ataques fora do arco dos Bolsonaristas radicais e que agora tem associações de magistrados contra seu engajamento político partidário.

Pra piorar Weintraub cortou recursos que eram destinados ao Museu Nacional e ainda culpou a bancada do RJ pelos cortes, causando a ira inclusive entre deputados cariocas apoiadores do governo na Câmara. Não satisfeito editou decreto proibindo a autonomia das universidades na gestão de seus sites e impondo a ela suma proibição de manifestação política em suas dependências, com censura direta a professores e estímulo ao denuncismo pro parte de alunos e pais, atacando estudantes como se fossem “forçados a participarem de atos contra o governo”.

O resultado é que novamente as manifestações contra o governo foram maiores e com forte engajamento para além de partidos e movimentos de esquerda, envolvendo docentes, discentes, funcionários, reitores e comunidades na defesa da educação, com peso expressivo no RS, PR, RJ, SP, Nordeste como um todo e Distrito Federal, só tendo menor peso nos estados do Norte.

No dia 30 de Maio, hoje, que é quando escrevo esse texto, os atos tem menor tamanho que os do dia 15, mas mantém forte engajamento e uma enorme capilaridade, tendo forte presença em cidades do interior dos estados, como Pelotas, São Carlos, Feira de Santana e por ai vai. E com presença populacional que cobre um percentual enorme na relação com a população em geral. Se em Pelotas no dia 15 foram dez mil, no dia 30 não foram menos que cinco mil. Atos em São Carlos, Campina Grande, Feira de Santana,etc forma enormes para suas cidades. A presença de reitores em cidades como Pelotas tornam o peso político maior ainda e ultrapassa a crítica dos atos como partidarizados exclusivamente pela esquerda e ampliam o debate em torno da necessidade de defender o que é público.

As mobilizações mantiveram um forte engajamento mesmo sendo chamadas em um curto espaço e contando com o desestímulo de setores liberais que assustaram-se com o forte teor de resistência a mais que os cortes da educação, mas ao próprio projeto econômico do governo, que envolve também resistência à Reforma da Previdência, aos ataques a indígena,s LGBTs, mulheres, negros e negras,etc.

Não à toa hoje surge entrevista da deputada Tábata Amaral, uma das campeãs de uma “nova política não polarizada” que acha normal e bacana dizer que existe corte bom e possível para as universidades, na contramão da defesa do público que se estabelece como discurso necessário que parte da sociedade para as mobilizações pela educação. Tudo isso pela defesa de setores por ela representada de alguma Reforma da Previdência, contra a resistência popular à que mexam na Previdência social (55% da população brasileira é contra qualquer reforma).

Em uma conjuntura de crise econômica e inépcia do governo Bolsonaro, a movimentação de salvamento da Reforma da Previdência puxou o freio de mão de vários setores que resistiam a Bolsonaro, parte do Centrão e parte da “oposição propositiva (PDT de Tábata Amaral e Ciro Gomes, por exemplo), mas não foram eficientes na desconstrução da resistência pela educação.

Talvez porque assoberbados no aprendizado sobre como as democracias morrem se esqueçam de lutar pelo salvamento da pobre Democracia, ocupados que estão em atuar para o salvamento do mercado.

A questão é que se a análise sobre a esquerda nas mídias e parte da suposta esquerda progressista insiste em dizer que nada se faz, que quase tudo é uma redução ao petismo lulista e que não existe oposição, existe sim uma profunda movimentação de resistência que se não tem completamente as tintas partidárias na sua construção tem um forte DNA de uma multiplicidade de esquerda que remete a um lado de 2013 negligenciado nas análises sobre os movimentos de junho daquele ano: as ocupações de escola.

Afoitos em culpar 2013 pela queda da “Era de Ouro” da esquerda no governo, ignorando que os governos Lula e Dilam forma de centro, no máximo de centro-esquerda, analistas só enxergam naquele ano o gene da movimentação de direita que pariu MBL e Bolsonaro, ignorando as ocupações de escola e o avanço das lutas ditas identitárias.

E são aqueles que ocuparam escola que por sua vez ditam uma nova percepção das lutas hoje e atuam numa movimentação mais horizontal sem excluir atuações de partidos. A presença de uma juventude mais negra, mais periférica, mais LGBT, com forte presença de mulheres, e muitas mulheres negras, em cada ato é um dado mais que bem vindo na análise do que vem por ai.

Além disso, no que tange à experiência de uma classe trabalhadora em profunda discussão, praticamente no divã, do que é e como age com quem para se emancipar e viver bem, a presença em espaços de resistência de estudantes, servidores, terceirizados, professores e da sociedade em geral permite um grau de compartilhamento de experiências que tende a um avanço na conscientização política. A própria saia das universidades de seu canto no ringue, demonstrando para a sociedade seu peso no seu dia a dia, da saúde à economia, é um passo mais do que bem vindo para barrar projetos de destruição do público e recuo democrático.

As manifestações em seguida de Bolsonaro, Weintraub, General Heleno, dando dicas de que se triplicará a aposta na repressão às universidades tem forte potencial explosivo para ampliar um movimento que mesmo com repressão, frio, chuva não saiu das ruas e ganhou espaço vívido com presença em jornais de 126 cidades e 26 estados mais o DF. Este forte potencial explosivo ocorre com ampliação da resistência no congresso ao governo e de queda de popularidade em todos os setores da população.

Pra complicar a vida de Bolsonaro, se um movimento com menos de cem mil em todo o Brasil fez o congresso e o Centrão repensarem sua ofensiva contra seu governo, o que ele espera da manutenção de milhões nas ruas a favor da educação, com forte pressão de reitores, prefeitos e vereadores das cidades em que há universidades em 26 estados e no DF?

Se o peso das manifestações do dia 26, com números ínfimos na relação com a população e com o próprio eleitorado do governo, forma superestimadas, o que mídia, liberais,etc farão com a manutenção da resistência contra Bolsonaro,Weintraub e cia?

No xadrez das pressões é visível o menor peso numérico de Bolsonaro. O próximo movimento do governo pode ser sua ruína.

Os tempos da política e da história: massacres, crise da masculinidade, armas e o ódio como valor.

DISCO D - AS MINHAS IMAGENS 456

Escrever sobre política e tempo é interessante porque a lógica cartesiana normal põe o tempo como uma dinâmica linear e, além da física, a história, há tempos, já trabalha com a ideia de diversas temporalidades funcionando em paralelo.

O que isso significa? Significa que o processo de percepção do tempo varia de acordo com a dinâmica e conjuntura do momento em que indivíduos e grupos sociais vivenciam.

Um exemplo rápido? A arquitetura, por exemplo, era utilizada no Brasil com tempos diferentes, estilos mais contemporâneos ao início do século XX, tinham diferentes tempos de utilização dependendo do lugar. Se no Rio de Janeiro, São Paulo e até Pelotas, os estilos arquitetônicos mais modernos eram utilizados à farta já no último quarto do século XIX, no interior da Bahia por vezes só se começa usar o neoclássico já nos fins da década de 1930, e o art decó, que teve um boom nos anos 1920, só aparece quase nos anos 1940.

O tempo da ciência também varia,descobertas recentes da física na Europa do início do século XX demorariam anos até serem aceitas de forma mais ampla no Brasil, especialmente apenas pós anos 1930. Da mesma forma que a tecnologia  até os anos 1980 demorava para entrar em uso no Brasil mesmo sendo já comuns nos EUA e Japão por quase uma década antes. O uso de aparelhos reprodutores de VHS, já em uso no fim dos anos 1970, só começaram a serem usados largamente no Brasil no fim dos anos 1980. Com o tempo o atraso de chegada da tecnologia acompanhou a revolução nos transportes e nas comunicações que chegou a ser quase simultâneo. Primeiro o CD, depois o DVD chegaram com um intervalo curto, de poucos anos, hoje o Iphone é lançado simultaneamente, as atualizações de software e hardware dos computadores idem.

Até a década de 1990 os filmes estadunidenses, os hoje chamados blockbusters, demoravam meses para estrear em cinemas de cidades médias do interior, hoje tem uma diferença de dias, se é que não estreiam de forma simultânea.

O tempo dos costumes já atua em outra dinâmica, vemos costumes contemporâneos irromperem paralelo à manutenção de costumes medievais ou até anteriores. A própria estrutura da masculinidade como provedora, fornecedora de varões cuja força suprime a divergência, que se resolve na lógica do guerreiro medieval e antigo, que submete o diferente e mulheres é uma permanência de tempos imemoriais, mais precisamente do tempo das escrituras, reforçada pro valores medievais, mas que remetem à antiguidade.

Enquanto isso a construção dos costumes da compreensão da diferença e da divergência, da existência de individualidade,s identidades, sexualidades e culturas múltiplas, mal traduzido no conceito guarda chuva de “pautas identitárias” ou “multiculturalismo”, são processos cujo valor remete à crítica da razão e do predomínio da ideia de progresso e evolução que se inicia no XIX, explode num quadro de lutas de descolonização, de conquista de direitos civis para mulheres, negros e negras, indígenas, culturas que estão sob domínio imperialista,etc.

Essa janela de tempo compreende desde as críticas à ideia de civilização, progresso e razão feita pro intelectuais europeus da metade do século XIX em diante, até as lutas pelos direitos civis dos negros estadunidenses, que se inicia na guerra da secessão e prossegue até hoje, com conquistas enormes no fim do século XIX e,nos anos 1960 do século XX; passando pelo pan africanismo, que se inicia no século XIX e chega a um patamar mundial no século XX; pelo feminismo, que em suas múltiplas vertentes se origina no século XVIII e se transforma a cada período até hoje, constituindo vertentes com diversos viéses; pela luta LGBT,etc.

Nesse conjunto de transformações há as críticas de Nietzsche e Benjamin, incluindo Marx e passando até Annales, pelos intelectuais do pós-guerra, como Foucault, Thompson e Stuart Hall, há a obra de Angela Davis e Simone de Beauvoir,etc,etc,etc. Mas o fundamental é que há uma ruptura social, que se estabelece em crescente ataque a uma lógica de costumes que perdurou de tempos imemoriais até hoje, sendo absorvida pelo capitalismo como sempre o foi pelas classes dominantes. O irônico é que a ruptura e o ataque também forma abraçados pelo capitalismo, mas isso é outra história.

A questão é que os tempos diferentes dos valores se chocam e produzem ondas políticas que varrem o mundo e que dificilmente são facilmente definíveis nos termos de direita e esquerda. Não porque flutuem, mas porque são valores que se chocam de forma transversal, atingindo elementos de ambos os espectros ideológicos, que possuem uma fragmentação enorme, muito maior do que gostam seus membros, no trajeto da própria ideia de fragmentação do indivíduo que os mais ortodoxos acham que é uma definição da irrealidade do concreto, quando nunca foi, mas isso também é outra história.

O tempo da política se abraça em diversos eventos do tempo dos costumes, e reflete em seus textos e discursos o processo a partir ou da ruptura ou da manutenção, incluindo os que no fundo tentam conciliar os dois mundos e somam-se mais ou menos a um dos lados a depender de sua trajetória e produção de sentidos.

As eleições da extrema-direita nos tempos recentes se produzem como respostas de alas ada população a um crescimento de uma ruptura visível nos valores como se estabelecem desde sempre e em escala nunca antes vista. Talvez seja mais que uma gestação de um novo mundo, talvez já seja o parto e a própria ideia de revolução que se propagou durante muito tempo e que se esperava que fossem grandes eventos com choro, ranger de dentes e coros esfarrapados d’A Internacional, mas que surge como passeatas de mulheres, trans, travestis, LGBTS, negros e negra,s indígenas, aborígenes, mulheres parindo em parto natural e amamentando em público e lutando por este direito.

Como não parece em nada com um evento escatológico, um Apocalipse ao som de  Mercedes Sosa, tem inclusive resistência da própria esquerda menos afeita a perceber em si os rastros do cavaleiro medieval, do homem branco cujo fardo era domesticar os silvícolas.

O lance, parceiro, é que a dança tá no salão e é preciso dançá-la para não dançar.

A extrema-direita, e isso foi identificado pelo grande amigo cujo pseudônimo Fernando L’Overture é facilmente encontrado pelo Twitter, por sue lado busca uma identidade histórica que remete a tempos antigos e medievais, reivindicam grandes batalhas contra muçulmanos na Europa dos trezentos ou seiscentos, falam de identidades nacionais em contraponto com as internacionais e matam, sustentando suas lutas com base no discurso de limpeza étnica travestida de nacionalismo e em ataques terroristas ou pontuais  a membros alvo, ou de minorias ou de grupos religiosos ou nacionalidades estrangeiras a seus países.

A reivindicação de identidade e de um passado idealizado ocidental macho adulto e branco é o principal elo com o fascismo clássico e faz desse novo fascismo o cavalo de batalha da longa luta cultural do tempo dos costumes em conflito. Para cada direito não branco cisheteronormativo conquistado há umas célula da cultura de ódio que vai reivindicar batalhas antigas e uma branquitude que nunca existiu pra justificar um massacre com forte apelo freudiano.

Nesse choque de tempos e culturas há processos que independem da vontade consciente de grupos políticos e isso é notável no cotidiano, na produção cultural, na própria realidade das periferias, pequenas e médias cidades, favelas,etc, para além dos textos, acadêmicos ou não, cheios de adrenalina e impressionismo que culpam o vento, a Internet ou o Bob Esponja Calça Quadrada, por um tipo de ódio que sempre esteve aí e que hoje se organiza em resistência a processos que já estão aí pelo menos há dois séculos.

 A cada mulher que se percebe a grande provedora dos seus, que se pretende e se faz independente, digna de entender que tem direitos, consciente de seu papel na sociedade e do poder de sua ação para a transformação, cai um tijolo do muro das lamentações incel que se pretende dominante e só é boquirroto.

Sim, este texto deu um passinho à frente na análise, não é definitivamente uma tese, e se propôs a comemorar que, independente do chilique incel, o tempo do choque produz monstros para quem acha que é válido defender limpeza étnica macha adulta, branca e brocha,m como valor.

E o tempo da cultura é, hoje, um tempo onde os valores de uma antiguidade e medievalidade que nunca existiu forma pro saco, porque como elas mesmo dizem: ninguém vai voltar para armário, senzala ou fogão.

Os massacres são, antes de qualquer explicação psicologizantes, atos políticos com um discurso. De Columbine a Nova Zelândia, passando por Suzano, os ataques são frutos de um discurso político que se elegeu defendendo que há uma superioridade cisheteronormativa branca e que é válido “metralhar os petralhas”, que significam toda a resistência a estes valores que caem dia a dia a cada mulher, negro e indígena que vai à luta pro seus direitos. E, ó, são milhões, viu?

De Trump a Bolsonaro, são muitos os sintomas de uma reação reacionária a um processo histórico que atinge até culturas milenares que nunca foram bastante afeitas à expansão nos direitos das ditas minorias (Arábia Saudita tá aí pra isso), e que tentam não se dobrar a uma maré que nem o capital quer enfrentar (Adoro a indústria cultural nesse sentido, ela percebe antes o que tem que fazer pra não morrer). Só que era preciso combinar com os russos.

Por isso salta aos olhos a ideia de que a esquerda precisa dialogar com quem patrocina a reação porque elegeu-se um sujeito simpático a milicianos, racista, misógino e LGBTfóbico, quando, por motivos óbvios, ela precisa dialogar com o que o mundo aponta, com a maré que transforma tanto que já obrigou à minoria reacionária a se organizar e gastar trilhares de dólares para vencerem eleições e tentarem,s em sucesso, segurar na porrada uma transformação que tá na casa do vovô fascista que morreu ontem.

Eles mataram Marielle por que podiam? Sim, mas também porque temiam.

 Eles quebram placas em sua homenagem por um pavor brocha mal dissimulado, eles rasgam adesivos, eles piram na casinha citando Celso Daniel, que além de ser um problema do PT já foi resolvido, supostos mandantes da facada em Bolsonaro, caso resolvido e com o criminoso preso e apontamento de inexistência de mandantes, ou Patrícia Acyoli, cujo mandante e assassinos forma presos, mesmo a contragosto de Flávio e Jair Bolsonaro que meio que justificaram sua execução dizendo que ela desrespeitava os PMs, na maioria criminosos.

E eles fazem tudo isso porque pouco se importam com a morte de qualquer um desses, eles fazem isso porque perdem a cada dia o frágil domínio sobre a cultura que eles tentam manter.

É medo, é fruto de um pavor que se reflete na própria face do presidente a cada entrevista (apavorado pro estar ali e achando que seria mais fácil bancar o macho fodão), no exagero de um Itamaraty que ataca ativista como se a ONU fosse o Whatsap, nas tolices de ministros.

E um medo diante do óbvio: independe da vontade consciente até da própria esquerda lidar com uma transformação que irrompeu mundo afora com as lutas pelos direitos de quem nunca os teve e que não vão recuar nem em nome de Deus nem na ponta de uma lança, nem na base de bala.

A reivindicação de Braudel aqui, foi ele quem iniciou a ideia de temporalidades diferentes, veio por obra e graça disso: processos históricos de tal monta, onde a mudança é de planos culturais de longa duração, não são produzidos nem do dia para a noite, menos ainda paráveis apenas por desejo de poderosos ou grupos sociais temporariamente empoderados.

E é nas margens desse Mediterrâneo que encontraremos o melhor canal para que a esquerda navegue pelo Mare Nostrum.

Duas ou três coisas a respeito do medo

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Deimos e Fobos, filhos do Deus Ares em representação para uma HQ. seus nomes em português significam medo e terror.

O medo é um bom conselheiro, mas não pode ser jamais o único. Enquanto resposta instintiva é uma ferramenta da evolução para nos permitir sobreviver aos percalços da existência e às suas ameaças.

O sábio Riobaldo de Guimarães Rosa já proferia o célebre adágio “viver é muito perigoso” no clássico “Grandes Sertões: veredas”, sem, no entanto, esquecer que “Deus existe mesmo quando não há, já o diabo não precisa existir para haver”.

A junção das duas frases não é sem eira nem beira, é um recado claro do sertanejo ficcional sobre duas coisas importantes: o perigo do cotidiano e a diferença entre as coisas existentes e as não existentes, o real e o imaginário, inclusive em relação ao perigo.

A dádiva existe mesmo inexistindo, o dano não precisa existir para haver, mas saber a diferença é fundamental pros passos cotidianos.

Nos últimos dias o medo é um fator novamente intrínseco ao processo eleitoral. Inclusive ele é um visitante permanente em períodos eleitorais desde que o PT foi primeiramente ameaçado nas urnas pelo PSDB, mas ganhou fôlego extra a partir da possibilidade de eleição de uma chapa francamente favorável à repressão ditatorial, ao racismo, misoginia, homofobia e tudo o que você puder imaginar de contra civilizatório, inclusive a tortura.

É salutar o medo, ele é um combustível interessante para a luta antifascista, ignorar a realidade montando o cavalo-branco da suposta neutralidade aparentemente pacífica não nem sinal de pacifismo quanto mais de bom senso.

Só que esse medo em exagero ultrapassa o limite do aviso do perigo e transforma-se em grilhão, imobilidade. Faz com que o rugido do predador de torne o predador, e sabemos que por vezes estes usam o rugir para aproximar, e não afastar, suas vítimas.

O combate ao fascismo, além de necessariamente conter a crítica aos cúmplices de sua alimentação, exige que o medo se torne aliado da coragem e não da covardia, e a coragem exige inteligência.

Há questões que precisam ser ditas e analisadas com cuidado. Uma delas é a rede de boatos que se espalhou nas redes sociais sobre as ameaças dos seguidores de Bolsonaro de atacarem a marcha do dia 29/09.

Essa ameaça tem o sentido do rugido dos predadores, que por vezes mostram que estes não necessariamente são leões, talvez parecendo mais com hienas ventriloquistas.

Por que digo isso? Porque já basta o Mourão e a ex-mulher para sabotar a campanha do #Elenão.

Uma tragédia no sábado 29S seria um tiro de canhão na cabeça da campanha, que está em momento crítico com a primeira queda e aumento de rejeição, fuga do mercado que outrora a apoiava e ficou ressabiado com coisas como o manifesto assinado por meio mundo bancário e a capa da The Economist.

Se a polícia reprimir os atos dará combustível não ao Inominado, mas à resistência a ele.

Os boatos a respeito de uma trama anarquista e antifascista para causar tumulto são apenas meios de tentar dissuadir os mais pobres de irem aos atos.

É fundamental contrapor não com mais medo, mas com informação: haverão creches em vários atos, haverá atenção extra para com a segurança, as autoridades estão cientes, partidos e movimentos também estão tomando cuidado extra para com a segurança e juntos somos mais fortes.

Isso não torna os atos mais seguros, sabemos.

Porque toda aglutinação coletiva é perigosa por si mesmo, pelos riscos inerentes a fenômenos de multidão, mas não os torna também mais inseguros do que ir num parque no fim de semana ver um concerto ou ir num bloco carnavalesco.

Em todas essas situações o risco de uma explosão de boiada, de uma tragédia, existe e é contornado pela civilidade, bom senso e senso de coletividade presentes.

Não ir ou se deixar acreditar nos boatos e ameaças é perder por W.O.

Sim, sabemos que ocorreram situações de agressão concreta, e estão sendo apuradas e pesam contra os autores e seus candidatos.

Não esqueçam que o brasileiro médio é amante do discurso de paz, mesmo sele sendo explicitamente violento em diversas situações, fruto de nossa cultura bipolar que se diz amante da paz, mas tolerou 300 anos de escravidão.

O brasileiro médio espanca a parceira na frente do filho, mas nunca na praça.

Outra questão é sobre o alcance da rede do candidato e seus grupos de watsap. Ninguém nega que são um instrumento poderoso, mas o poder é limitado ao acesso das pessoas, à interlocução e à reação que recebem.

Usuários de Watsap são em torno de 120 milhões, contra 127 milhões no Facebook, em ambos os casos ocorre o fenômeno da bolha, ou seja, os usuários se aglutinam em grupos fechados, por maiores que sejam, e acabam replicando a si mesmos ad eternum.

Sim, são dois terços da população, mas não são toda a população, um terço não usa nenhum dos dois, e mesmo quem os usa não está inteiramente jogado na recepção conforme prega e acredita ser real os fãs da chapa quente amante do Torturador.

A presença desses fãs em grupos da família tem o fenômeno de levar o histrionismo deles para o interior de onde estávamos em tese livres do linguajar e do ódio inerente, só que esse histrionismo esconde um detalhe fundamental: eles não controlam a recepção do que dizem.

Somem isso ao tipo de relação familiar médio no Brasil onde os crimes, pecados, opiniões, por vezes são todos aclimatados em plásticos bolha e transformados em mistérios tão poderosos que fizeram da obra de Nélson Rodrigues um sucesso de público e crítica.

E é de mau gosto reduzir a inteligência da nação a pessoas que ignoram que quem só consegue repetir “fake news” para TODAS AS NOTÍCIAS CONTRA O CANDIDATO, e não o fazem sobre as notícias contra os adversários deste. É o repetidor que acaba parecendo o doutrinado que imputa aos adversários essa condição.

Não dá pra desprezar o bom senso coletivo de qualquer sociedade, viu?

E por favor, não comparem Trump com Bolsonaro e o que ocorreu nos EUA com aqui.

O voto nos EUA é facultativo, aqui não,a imensa maioria da população não vota e os Democratas não foram competentes para reduzir o impacto do alistamento pelos republicanos da maioria necessária, e nem vou falar aqui em possibilidade de fraude.

O mais próximo entre as situações é o ascenso do discurso fascista e a incompetência das esquerdas em ajudarem ao TSE a informarem sobre a necessidade de recadastramento do título e biometria, coisa que foi anunciado aos quatro ventos, inclusive na TV, meses a fio, a a esquerda, sabendo da maré fascista cada vez mais alta, fingiu que não viu.

Mas o ascenso do fascismo lá tem um movimento, aqui outro. Lá o movimento foi de real expansão,m de ampliação do arco de influência de KKK, supremacistas brancos et caterva. Aqui não, aqui o que se expande é menos intenso do que o que se revela.

O discurso do Brasileiro bom de bola e de samba, boa praça, é muito bonito no imaginário que esconde o medo imobilista. A sociedade brasileira tem uma saudável louvação á alegria, mas também um doentio amor estrutural pela hierarquia e violência.

Isso significa que essa mesma sociedade hoje tem sim um terço praticamente defendendo tortura, racismo, misoginia, homofobia e anticomunismo brutal. E não, combater esse terço não pode ser feito sem levar a quem apoia o candidato a confrontar com o racismo, homofobia, etc que defende, conscientemente ou não, menos ainda desprezar a enorme possibilidade de ser uma defesa consciente, mesmo hipocritamente guardada a sete chaves no cofre da hipocrisia.

É tapar o sol com a peneira fingir que o cara que defende um candidato que acha que uma ditadura era bacana e que precisaria matar pelo menos 30 mil pessoas, não esconde seu ódio a negros e indígenas, seu desprezo homicida a LGBTQ+ e mulheres e fala abertamente em fuzilar comunistas, não sabe oque diz e o que reproduz.

O mais sábio é não ser condescendente com a população que o apoia e deixar claro que sim, eles defendem oque o candidato deles defende.

A gente precisa parar de distorcer continuadamente o “Brasileiro Cordial” do Sérgio Buarque de Holanda. Não é de cordialidade, viu?

O bombardeio que atinge Bolsonaro não é, tampouco, algo elogiável sob diversos pontos de vista. Veja, Folha, Estadão, O Globo são todos cúmplices de seu ascenso, assim como a omissão do PT em atacá-lo desde antes, inclusive por ter participado diretamente de seu ascenso e do de Feliciano quando abriu mão da CDHM e por ter barrado a revisão da lei da anistia proposta apor Luiza Erundina enquanto governo e presidência da Câmara dos Deputados.

Esse movimento ajudou a produzir a ampliação do fenômeno inclusive com o Deputado aparecendo em atos pedindo a revisão da lei seguido de manifestantes que eram o embrião do que vemos hoje.

Veja teve, até pouco tempo, colunistas que minimizavam a repressão na ditadura militar, que cunharam o tempo “Esquerdopata” transformando uma divergência ideológica em patologia similar à psicopatia, que em nome de um combate ao “Bolivarianismo do PT”(oi?) estimulavam a representação do PT como uma ditadura e não como um partido que se organizava nos mesmos moldes fisiológicos dos demais que eram apoiados pela revista, e por ai vai.

A Folha tinha até outro dia Kim Kataguiri como colunista, com um texto que vinculava todas as pantomimas anticomunistas de galinheiro, fake news e outras distorções e em editorial chegou a chamar a ditadura de 1964-1985 de “ditabranda”.

Estadão e O Globo nem se fala, além de cotidianamente produzirem peças de propaganda anticomunista de fim de feira ainda em editoriais fazem ataques cotidianos pouco diferentes dos ataques dos antros da direita amanta da volta da ditadura. A Globo com Arnaldo Jabor fez sucesso entre os fãs da extrema-direita esfuziante com seus discursos e com o William Waak salivando ao falar “Bolivarianos” ao se referir à esquerda.

Em resumo: quando foi interessante o ex-militar servia e teve seu discurso alimentado para servir de base de operações anti PT.

E não chamo de Capitão ou ex-Capitão por que nomear com a mesma patente de Luiz Carlos Prestes uma figura dessas é de certa forma um ataque frontal ao bom senso e um crime historiográfico.

O mesmo Alckmin que hoje é auxiliado pro Vejas e afins em seu discurso contra o PT e a escuridão de Bolsonaro sofre porque sua base foi alimentada anos a fio com esse mesmo discurso, desfilou entre os portadores do discurso bolsonárico e tinha entre seus assessores um indivíduo que minimizava os crimes da ditadura.

Assim como Lacerda em 1964, eles achavam que iriam se safar quando o Pitbull voltasse da guerra contra as esquerdas.

As revelações tardias de Veja e Folha sobre Bolsonaro são um enorme impacto em sua campanha e podem ajudar a qualquer movimento civilizatório a confrontar e a derrotar o ex-militar nas urnas, mas não reduzem o impacto de sua candidatura na consolidação de um pensamento de que é possível vencer sendo porta-voz do arbítrio e da barbárie. E isso tem as digitais da mídia e dos partidos da ordem, inclusive quem hoje se põe como adversário direto (Mesmo não movendo institucionalmente esforço concreto na derrota do fascismo).

Esse impacto tem a ver muito com a recepção, a visualização das capas de revista e jornais nas próximas duas semanas são uma pancada forte, a repercussão nos grupos de Watsap, Facebook e twitter idem, e não é exatamente fácil se defender apenas com declarações de que são fake news nos grupos da família.

A pregação a convertidos tem alcance limitado.

É fundamental, no entanto, que atuemos cotidianamente, superando o medo, utilizando-o como conselheiro de alcance limitado e como combustível da reação.

Porque é preciso acreditar e é preciso coragem.

Não verás país nenhum*

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Eu não consigo achar que acontecerá algo diferente conosco do que aconteceu com a Sininho,etc.
Sim, é isso mesmo que estou dizendo, o golpe começou ali.
Vamos ter oposição consentida, muita tortura e porrada em quem já é torturado, apanha e morre e algumas vítimas da esquerda sendo mortas, mas sendo branco o risco é menor, e não tem ironia aqui.
O que vamos viver, todos, é o que já vivem trocentos e o regime que vigora em favela e área de milícia.
A luta vai ter que ser mais no sapato que na fanfarra, mas vai permanecer existindo.
Vamos engolir sapos, correr riscos e cantar aos nossos netos, porque os filhos éramos nós e falhamos miseravelmente.
E vamos seguir, porque precisamos, e vamos sofrer, porque já sofremos, e vamos lutar, porque já lutamos.
Não, não é um poema, nem um desabafo, é uma constatação prática diante do desafio de sermos nós.
Eles venceram em 1994, voltamos a parecer que os derrotávamos em 2002, mas ali começamos nossa derrota quando o nosso governo, sim porque o governo era nosso, nos foi furtado por um pragmatismo sem práxis, que virou um oportunismo burocrata fundador de um acrítico louva pés de lideranças carismática com caráter duvidoso.
Nossa primeira derrota foi em 2005, com o mensalão, a segunda em 2013, com o governo outrora do povo arrastando sob suas asas a ampliação do estado policial, com seus governadores perseguindo ativistas em suas casas.
A quarta derrota foi em 2014, quando o ápice do modelo de “democracia autoritária” foi gerado pelo lulismo sob Dilma, liberando, como com um manual, a repressão dura a todos os que ousassem fazer oposição, até que os autores do manual forma depostos pelos seus outrora aliados e os colocou na mesma oposição em que já estávamos, e permanecemos, e nos expôs o pior do estado autoritário sob a falsa democracia de um capitalismo que necessita de mais lucro com a implosão de nossas vidas.
A prisão de Lula não é uma derrota, é um enterro, não dele ou do lulismo, mas de um tipo de vivência de esquerda que singrou mares que deveria serem cruzados com ousadia mas que optou por deixar de ser pirata pra ser corsário de um rei enfraquecido que aguardava estar no melhor de sua forma para degredar seu outrora contratado.
A prisão de Lula, decretada, mas ainda não efetivada, é um enterro, mas nossos mortos renascem, viram flores. Ex-líderes podem se tornar mártires ou catalisadores do caos para um caminho que quem apostava no caos não terá controle.
Esse enterro foi precedido pela semeadura que a execução de Marielle gerou, os dois casos produzem mudanças e que podem ser positivas, dependendo de nós e nossos legados.
Ruy Polly me ensinou a frase de Gramsci: Nem o otimismo da vontade, nem o pessimismo da razão.
E eu me apego à ela quase sempre, de quando meu time perde até quando brigo com minha companheira ou meu micro pifa.
Em caso de derrota a única solução é levantar pra cair de novo.
Nosso legado histórico não nos dá o direito da desistência, Nosso legado histórico tem de honrar tantas lutas inglórias que a história evita contar muitas vezes.
Nosso legado histórico nos obriga a louvar e a dar glórias a tantas lutas inglórias que através da nossa história não esquecemos jamais.
Outros antes de nós perderam e  foram derrotados capital e pelo estado: Prestes, Marighela, Durruti, Grabois, Che, Frei Tito, Chico Mendes, Dorothy Stang, Herzog, Marielle, Lula, Brizola.
Muitos desviaram, erraram feio, e foram e são símbolos, e serão, muitos morreram, assassinados pela canalhice do capital, e viraram lendas.
Nós todos morreremos, uns depois dos outros, ou de doença, ou de dor ou de tiro ou de tortura ou de medo.
Na verdade o aquecimento global tende a matar nossa civilização em oitenta anos.
Gosto de por as dores em perspectiva, porque neste exato momento a dor que temos é combustível.
Combustível pra nossas vidas, mudanças, lutas, rodas de conversa, panfletagens, tuitagens, textos, poemas, músicas, dissertações e teses.
Combustível pra um legado construído por mais de um século de lutas e gritos e vidas e ancestrais e primos e parentes e amores e, principalmente,empatias.
“Aqui nesta casa
Ninguém quer a sua boa educação
Nos dias que tem comida
Comemos comida com a mão
E quando a polícia, doença,
distância ou alguma discussão
Nos separam de um irmão
Sentimos que nunca acaba
De caber mais dor no coração
Mas não choramos à toa
Não choramos à toa”
O fascismo nunca passou, nem passará.
Parafraseando Nelson Rodrigues, se os fatos desmentem, pior pros fatos.
E não veremos país nenhum, mas precisamos de países?
*título de um livro que eu não li, mas desejo ler desde criança, de autoria de Ignácio de Loyola Brandão e que tem um dos títulos mais espetaculares que eu já vi.

Comentários a respeito de Marielle e de John

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Escrever não é fácil, nunca foi, mas às vezes é preciso.

Tentei e tento refletir sobre o mundo, com meus erros e acertos, com meus medos e ódios, com meus amores, ócios e desejos.

Sou historiador e tenho por dever de ofício uma observação que não tem o direito de negar a si mesmo a tarefa de perceber o hoje, o cotidiano e suas questões.

A gente podia dizer “Desisto, o mundo é duro demais pra nós, vou embora” e não ia adiantar nada.

Sempre existem opções, a maioria escolhe se omitir e vai se omitindo, alega que foi iludido por x, y ou z, apoia canalha aqui, calhorda acolá, lulismo, dilmãe, etc.

As pessoas apoiam sonhos vãos, por questões menores entram no discurso que desqualifica luta e ai quando a bad bate mete “lutamos, dizemos, cantamos e nada acontece. Estou com medo” porque trata política como slogan, como micareta, como clube de debate chá das cinco impotente , nefelibata, cruelmente omisso.

A gente diz “Marielle, Presente!” ou tantos juvenais e Raimundos, tantos Júlios de Santana que são cruzes sem nome, sem corpos, sem data, mas são memórias de um tempo onde lutar por seu direito é um defeito que mata.

E diz porque precisa.

Eu digo isso há tempos, digo e perco, perco a rodo, perco, apanho, choro, sofro, a opção é mole, muitos as tomam, eu nunca tomei, não consigo ficar dois anos sem lutar, por mais que eu me jogue na academia.

Mas há quem desista e fique “desesperado”.

O desespero é o pior conselheiro. O medo é um dos melhores.

Quem tem medo tá atento, quem desespera ficou anos esperando para poder desesperar.

Quem espera nunca alcança, quem desespera também não.

Pessoas morrem todo dia, todo maldito dia, muitos de nós são executados, outros são esmagados pelo capitalismo, outros tantos são destroçados por pistoleiros, outros morrem do coração, muitos de câncer.

E seguimos, e precisamos seguir, temos o dever histórico de seguir, optamos, assumimos esse dever histórico.

E sim eu fico puto com desistir e se omitir, mas essas são opções.

Desesperar também, como sair da vida sem nem sempre pra entrar pra história.

Tudo isso é opção e deve ser respeitada.

O que não dá é ler, ver e sentir que muitas vezes o discurso do desespero nada mais é do que reduzir toda a batalha do “Nenhuma a menos” ou o “fascistas não passarão” que foram cunhadas com sangue nosso, alma nossa, vidas nossas a “frases”.

Durruti morreu dizendo “Fascistas não passarão!” e não passaram, não em vão e não sem porrada. Eles perderam no fim.

E só perderam porque lutamos, mesmo em minoria, mesmo sendo derrotados depois por capitalistas que nos traíram.

Igual os Curdos em Kobane, igual os índios no Brasil ou os anarquistas em 2013.

Eu não posso desistir, eu não posso me desesperar nem posso parar e não porque  sou herói, mas porque não posso sacanear quem negou liberdade concedida, quem deu a vida pra alimentar a força da nossa esperança, não tenho esse direito, não temos esse direito.

Desculpa, não temos esse direito.

E precisamos parar de confundir esperança e mobilização com salvação nacional, idem confundir história com uma lei de repetição do passado ad infinitum.

O que aconteceu em 1968 vai se repetir? Nope.

Pode haver até ampliação da intervenção militar? Pode.

Vai haver ditadura? Não sei, acho difícil.

Por que? Porque as democracias ocidentais pós-2008 já ampliaram o estado policial sem precisar de ditadura.

Os assassinos de Marielle não foram oficialmente do Estado, no máximo membros do Estado agindo às margens, mesmo que margens conhecidas, do poder do Estado.

Há anos leis antiterrorismo, aperto nas fronteiras, negações de espaço, de identidade, de possibilidade do outro são parte do discurso mundial da direita.

Trump, Le Pen, Piñera, May, Bolsonaro, Temer, Dória, Kataguiri, todos são a negação do outro, a negação da possibilidade do outro, a desumanização do diferente, a negação da alteridade.

O capitalismo não precisa da democracia, não mais, ela é problema, atravanca o caminho.

Não acreditem em mim, leiam a entrevista do Giovanni Levi no fim do livro “Micro-História, trajetória e imigrações”, na página 258:

“Hoje o problema é ver como se pode observar a reconstrução das solidariedades, o que me parece ser interessante. Dou um exemplo disso: a democracia não é mais um modelo. Até os anos 90 se pensava que a democracia era um modelo porque havia uma participação popular e desenvolvimento econômico. Depois, paulatinamente, o que ocorreu é que o desenvolvimento se separou das democracias. Quem se desenvolvia era a China, e não a Europa, ao mesmo tempo em que os governos democráticos começaram a inventar sistemas antidemocráticos. Nesse sentido, começou a ser mais importante a governabilidade do que a representatividade. Um exemplo: a reforma que começaram a fazer na Espanha neste mês [outubro]. O partido que tem a maioria de votos não tem a maioria absoluta, tem 18% e possui maior representação na administração pública. Temos muitos partidos, mas vence o que tem um voto a mais. É a verdadeira degeneração democrática. Isto é um produto dos últimos 25 anos, e paulatinamente os modelos democráticos se degeneram bem como as democracias. “

E isso se repete no Brasil.

Tá nítido, tá na cara e vem em andamento desde o fim dos anos 2000, já em 2009 e 2009, ampliou-se o estado repressor, cada vez menos se construiu um estado democrático, já sob o PT.

É culpa do PT? Sim e não.

É porque ele foi o condutor da primeira fase, mas o processo é mundial pós-crise de 2008 (E até de antes) e o PT como bom leitor de conjuntura e seguidor delas fez sua parte nessa construção e deve ser cobrado por isso.

Temer é fruto disso, é parte disso, um agravador disso, mas um agravador oportunista, que inventou a intervenção no Rio sem respaldo sequer dentro das forças policiais e armadas, por mais que o teatro tenha sido feito para parecer que sim.

A intervenção foi feita inclusive com pouco apreço pelo bom senso com o fichamento coletivo de moradores de comunidades, fruto de um despreparo, falta de planejamento alinhado a um conceito de povo e de ameaça muito mais pra anti-comunista demente que pra força armada cuidando de algo.

A execução de Marielle foi feita sob as barbas do Exército, que despreparado da mesma forma em que foi todo arrogante pra cima da ação, mesmo que com cisões internas, ignorou o concreto, o real.

E o concreto costuma tratar arrogância com escárnio.

O Estado foi pego de surpresa com a execução de Marielle Franco e com o recado embutido na execução de Marielle Franco.

O Estado ignorava a luta por Direitos Humanos e o discurso de luta por direitos Humanos, surfando na onda de quem defendia que Direitos humanos são defesa de bandido.

Só que mataram uma vereadora e o discurso de Direitos Humanos foi executado  sob as barbas dos que defendem que iria ocorrer maior segurança com uma linha dura militar que pretendia inclusive evitar novas comissões da verdade e surfar na carta branca para agirem como soldados em guerra em território estrangeiro.

A segurança sob militares tomou cinco tiros na cabeça.

E isso foi um recado, um recado que foi dado pros ativistas da favela, pro povo preto,  lutadores de DH, pra Marielle e pro PSOL de forma nítida, cristalina e arrogante, e era um recado pra causar medo, mas o resultado foi inverso,  porque o medo de alguém morrer meio que vai pro espaço quando alguém morre.

A própria cadeia de comando que possa estar envolvida em ações criminosas deve ter ficado perdida, correndo da sala da cozinha porque um grupo de jênios resolveu matar uma vereadora negra contra a Intervenção no Rio.

O recado também foi um recado indireto que foi dado pras Forças Armadas, que não soube responder.

A ação da Polícia Civil antecipando que foi execução e não há outra hipótese é um berro , um grito claro que o aparato de segurança do Rio está rachado e que a PC não quer amaciar pra PM e menos ainda curtiu virar assessor de milico.

A sugestão da PF pelo inepto do Jungman foi um tímido, incompetente e tímido, aceno que o governo iria meter as mãos no caso pra tentar salvar sua barra enquanto interventor, mas isso sem passar pelo Interventor em si.

Um Interventor que está em estranho e absurdamente omisso silêncio.

Ou seja, o caso levou a uma desmoralização gritante da intervenção, não à toa jornaleiros estão tentando emplacar o agá que a execução prova o acerto da intervenção, uma Intervenção cujo interventor não se posiciona diante de um flagrante caso de zombaria a seu poder e de sérios problemas na cadeia de comando.

Um general comanda uma Intervenção onde ocorre uma execução e quem fala é um subordinado, afinal o chefe da PC é um subordinado do general enquanto secretário de segurança?

Quem fala pelo comandante é ou seu porta voz ou ele mesmo, um subordinado significa que o comandante não comanda.

Um comandante militar que não comanda e não responde a um recado. mas uma esquerda que prontamente respondeu: Vamos pra cima e com medo mesmo!

A execução de Marielle levou a uma mobilização que a esquerda não fazia há anos.

Gente como eu foi às ruas mesmo desencantado há anos, voltou e voltará a militar exatamente porque percebeu-se acuado diante de uma perda completa de controle por reacionários, defensores de polícia violenta,etc.

A mobilização tem muita gente jovem, muito oportunista, muito sonho, muita gente que sabe que ou luta ou roda.

No que vai dar isso? Não sei, mas o clima azedou pra defesa do Bandido Bom/Bandido morto e pra quem chama esquerdista de safado o tempo todo em rede social ou no dia a dia.

E por que azedou? Porque nos percebemos gente de novo, que precisamos de abraços e cuidado, porque mulheres pretas pobres se viram mortas com suas filhas e filhos desamparados,porque um motorista de Über fazendo bico porque sua esposa estava com salário atrasado pelo Governo do Estado foi executado, porque a Maré chorou,o Alemão chorou, o Guabiroba chorou.

A morte e o luto são fronteiras, são pórticos que nos exigem um tipo de atitude, uma ação e uma percepção do mundo, uma contemplação da finitude para que mudemos a vida.

A sociedade está de luto. Mesmo quem discordava de Marielle.

Não ficou em pé a narrativa, nenhuma narrativa que culpa a vítima e seu partido por sua morte, nem  a tentativa de dizer que foi assalto, quem defende isso está passando por canalha.

Liberais saíram da toca também, o Estado Democrático de direito voltou a ser defendido.

Ninguém faz pauta positiva sobre vereador do PSOL nos Jornal Nacional, da Globo ou Jornal Hoje porque quer.

Menos ainda nos sites, menos ainda nos púlpitos, ONGs.

Um limite foi ultrapassado e para além dos 100 mil de 1968.

Edson Luiz era um estudante, podia ser seu filho,mas e Marielle Franco?

Tem uma diferença entre Edson Luiz e Marielle Franco que universaliza o medo pânico,  tira liberais e até conservadores da cômoda posição de achincalhadores de socialistas e os impõe a defesa do Estado Democrático de Direito.

A diferença é que Marielle era uma vereadora, podia ser o do seu partido.

A esquerda estava isolada, nas cordas, quase nocauteada, vivendo da busca por um salvador da pátria, vivendo sob uma martirização fake de um ex-presidente cúmplice de oligarquias bandoleiras. Agora não está mais.

O luto e a dor colocou a esquerda na rua, para se abraçar, lamber suas feridas, se reconhecer, se reentender e sua rede de solidariedade e seu ethos que está acima das disputas fratricidas por maioria em partidos, por candidaturas ou discursos.

Em nome disso discursos mudaram, ganharam ou perderam força.

O discurso de Lula perdeu força e fôlego, o próprio Lula admitiu que a tragédia de Marielle é uma tragédia, a dele não.

Já o discurso de Freixo e Boulos ganhou força e fôlego.

Querendo ou não o PSOL ganha com seu discurso e tem material intelectual, moral, e político pra discutir a principal pauta da eleição de 2018: A segurança.

A economia era um tema que divida atenções, e é um ponto fraco do PSOL, mas a execução da Marielle mudou o eixo, colocou ou pelo menos ampliou a segurança no colo de todos os presidenciáveis.

E armar mais a polícia não é exatamente a melhor saída em discurso, imagina defender mais armamento pra polícias que matam vereadoras?

A narrativa, por mais que amanhã inventem outro culpado, aponta pra policias como executores de Marielle, as balas vieram de um lote comprado pela PF em 2006, lote este que também teve munição usada na chacina de Osasco e Barueri em 2015 , onde três policias militares foram condenados.

Esse estrondo na narrativa de segurança pública como um terreno de armas e guerra, que abrange basicamente toda a direita, de Alckmin a Bolsonaro, não é pouca coisa.

Quem não se mexer com  o discurso nessa área, em que a defesa de que estamos em “guerra Civil” aponta pra ampliação da violência nas favelas e vilas,  vai dançar.

Porque todas as vilas, Favelas estão vendo o resultado de uma política de confronto eterno e de policias montadas no discurso racista de de criminalização da pobreza.

Marielle era uma deles, era uma das moradoras de favela, periferia, era preta, era mulher, era alvo.

Pretas e mulheres, mulheres pretas, sentiram na alma essa dor.

E Marielle foi além de si, foi além de nós, tomou as lentes, a mídia, os discursos, seja da Raquel Dodge ou da Yeda Crusius do PSDB, seja do Parlamento Europeu, ela e seu discurso forma além da esquerda, além das fronteiras do Rio e do Brasil.

O discurso de Marielle percorre o pais e o mundo, jornais o explicam, e esse discurso tem uma galera que o repete há anos: Seu partido.

E um partido onde um líder do movimento dos Sem Teto e uma índia são candidatos a presidente, em que lutadores com discurso igual ao de Marielle Franco vão todos os dias pras ruas defender a mesma ideia.

Quem era antes alvo achincalhado por reacionários crentes de uma superioridade sustentável, hoje desfruta de um holofote e percepção prioritária de pertencimento a um valor compartilhado positivamente por milhares, milhões, mundo afora, país e Rio afora.

Até participantes de You Tube vão falar disso agora, vários, com milhões de seguidores, estão se mobilizando pra tratar do trema em uma ação anti reaça.

Sabe o Rogerinho do Ingá? Vai gravar vídeo sobre política.

Parece que o jogo virou, queridinha!

Alckmin, Doria, Bolsonaro estão em silêncio, alguns estrategicamente, porque iriam ser confrontados com os números de sua polícia, outros por incompetência, medo, soberba ou tudo isso junto.

Seus bots estão tentando emplacar o discurso que foi assalto, mas perdem a olhos vistos a narrativa.

É hora da pauta ser mantida com a junção de suas singularidades e  transversalidades com a economia, moradia, educação e saúde.

É preciso consolidar o esforço de discutir o estado democrático de direito, sua polícia.

E sim, é preciso falar de polícia, falar da polícia que mais morre e mais mata, da polícia que se acha herói, mas é bucha de canhão.

E que sim é pra pedir o fim da polícia militar e que isso não é pedir o desemprego pra policiais militares, mas o fim de uma corporação que apodreceu por nascer de árvore envenenada de racismo.

Policiais precisam saber que eles precisam também viver e que a lógica de guerra os mata tanto quanto eles matam e é preciso que eles sejam cidadãos, civis, empregados, treinados, com suporte psicológico, técnico-científico,estrutura de inteligência, moradia, alimentação, equilíbrio físico e mental para exercer sua tarefa.

A esquerda precisa enfrentar este debate com clareza e chamar quem diz que defendemos bandidos pelo nome: Mentiroso canalha.

Defende bandido quem defende a manutenção de uma estrutura de depauperação do trabalho policial que é criadouro de milicianos.

Defende bandido quem defende que a polícia permanece despreparada e ganhando mal, mas mega armada, pra satisfazer sadismos de parte da população que vive com um medo construído cotidianamente por jornais, sites e políticos que lucram politicamente, e às vezes não só, com o acirramento e uma cultura de guerra racista e que divide estados em territórios e mata vereadoras.

E sim, dá medo. Mas é preciso avançar.

Tá com medo? Vai com medo mesmo.

Nova Ditadura? Não há nada que me identifique isso, embora exista sim uma ampliação dos mecanismos de controle estatal sobre o indivíduo, mas isso existe desde sempre e nem sempre virou ditadura.

Mais precisamente a ideia de uma identificação do cidadão pelo Estado, o famoso RG, é fruto da amplificação do estado autoritário desde o fim do XIX, em todo o mundo pipocaram ditaduras, mas nem sempre ocorreram ditaduras, mesmo em estados como os EUA que tem imenso controle sobre o indivíduo.

Isso reduziu de tamanho dos anos 1950 até os anos 1980, mas voltou a acirrar e hoje vive novamente uma espécie de ápice do estado policial.

E esse estado policial no Brasil era a base com que se sustentava o discurso ultra-conservador, mas parte de quem lucra com ele atravessou o rubicão.

Hoje o clima mudou e pro lado da esquerda, é preciso aproveitar isso, sem precisar se oportunista, mas ampliando nossas pautas e nossos debates.

Eu sei que o tempo andou mexendo com a gente, que a felicidade é uma arma quente.

Mas é preciso que a gente grite que queremos decidir sobre nossas vidas e que não podemos perder mais ninguém.

E Marielle lutava por isso, morreu lutando por isso, e nos deixou o legado de sua luta.

E é preciso que a gente faça o sol nascer e sempre lembremos dela e dessa legião que se entregou por um novo dia.

É preciso que a gente cante e agradeça sempre essa mão, essa voz, essa alma calejada e solidária, todas essas almas calejadas e solidária,s que nos deu tanta alegria.

Porque a felicidade do negro é uma felicidade guerreira.

 Obrigado, Marielle!

Senta que lá vem História! – Teoria, política e escola

Senta que lá vem História! – Hobbes, filmes de zumbi e o medo como discurso na política

As esquerda e o Teatro dos Vampiros

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Entre as certezas e as pseudo-problematizações (que não problematizam porra nenhuma porque ignoram uma caralhada de detalhes do que pretendem analisar) o que mais me impressiona é a percepção que a esquerda tá atônita e imóvel.

A conjuntura tá mais confusa que roteiro do David Linch, aponta pra uma puta merda em torno da consolidação de um ethos autoritário e tal e coisa e carambola, com esgarçamento de pactos sócio-comunitários de solidariedade e tal, mas há brechas visíveis de enfrentamento a isso tudo, inclusive a Temer e sua gangue. Janot faz movimentos, Carmen Lúcia idem, mas esses movimentos isolados não levam a nada sem pressão popular.

Há, claro, gente nas ruas, especialmente no Rio, há o quadro do ES onde a esquerda não interfere no âmbito do discurso, não disputa discurso, mas pouco mais que isso.

No RS e RJ por mais que o funcionalismo fosse à rua e apanhasse da PM foram extintas autarquias e secretarias chave e vão ser privatizadas em nome do ajuste fiscal a CEDAE e a CORSAN, que acho que são o carro chefe da onda nova de privataria, a água,.

Faltou o resto do povo, faltou mais gente, faltou ir na direção, e não contra, o povo que foi às ruas e não era exatamente o povo mais reaça.

Mas a esquerda optou pela relação de consciente imobilidade, acreditando em uma salvação via eleição em 2018, como parou tudo acreditando em uma vitória em 2016, que não veio.

As análises de conjuntura não contemplam a conjuntura, as realidades, não analisam pesquisas, nada.

Temos uma séries de sinais, signos, representações e discursos em confronto e em curso, confrontos esses que por vezes dão vitórias à esquerda.

Familiares de PMs ocupam a frente de quartéis e parte da esquerda preocupa-se mais em “denunciar” as contradições existentes entre a repressão às ocupações de estudantes e a tolerância com a de familiares de PMs do que a de colocar de forma séria como a direita usa as táticas da esquerda em nome de suas necessidades e o quanto esse debate deve ser feito para que essa direita não criminalize os atos da esquerda.

Ou mesmo dialogando com esses familiares e seus amigos e parentes sobre o quanto o PM ali, que é representado pela família, é tão humano e tem necessidades quanto o estudante e que não, o estudante não é vagabundo, apenas está lutando por suas necessidades assim como eles pelas suas.

Precisamos apoiar os PMs e suas manifestações? Não sei, hoje eu não apoiaria, mas mostrar a seus parentes o quanto eles são injustos com quem luta do outro lado é um caminho de pelo menos criar grilos nas cucas.

As denúncias a fascistas e racistas, misóginos e homofóbicos às empresas, a própria denúncia de empresas por misoginia, racismo,etc tem criado marketing negativo e demissões de preconceituosos, cria um ambiente onde se vê que a punição pode ser pecuniária e de imagem, onde quem sofre as punições tem a oportunidade de refletir, e empresas idem.

Essa tática é uma tática que vem dando pequenas vitórias às lutas anti opressões, mas o que faz parte da esquerda com elas? Reclamam que elas por vezes dão visibilidade aos reaças.

A mesma preocupação não aparece quando se fala em Bolsonaro ou Bolsominions.

Blocos de carnaval por debate entre os foliões de fé, aqueles que vão sempre, abolem cantos racistas e homofóbicos e misóginos de seu repertório e em vez de reconhecermos isso como avanço, que poderia se espalhar para outros blocos a partir do momento em que foliões se incomodam e discutem isso com seus pares, parte da esquerda acha muito ruim um tal de pós-modernismo que só existe no discurso dela.

As análises de conjuntura passam pelo capitalismo, mas não falam da economia e suas mudanças com Trump; Passam pelo Superbowl,mas não fala da cultura pop cada vez mais combativa em relação a direitos humanos,etc; tratam da economia e auditoria da dívida, mas não trabalham com a capilarização do debate sobre economia, ecologia e necessária descentralização do poder como um todo.

Perde-se mais tempo ensinando padre a rezar missa sobre a Globo que perceber que um determinado debate feito a partir da globo penetra em camadas de discurso e cultura popular que nunca tivemos como fazer antes (Além de deixar claro que existem realizadores até na Globo que confrontam determinado discurso conservador).

Enfim, estamos em um momento de imobilidade estéril, broxa, de uma esquerda que se pretende super intelectualizada, mas no máximo é bibliófila e papagaio de autor, que pouco se encoraja pra um debate teórico de fôlego, que inclua ortodoxia e heterodoxia, que vá a fundo na análise do real e na busca de organização.

A esquerda é espectadora de uma luta política onde caminhamos pra uma instrumentalização do autoritarismo a partir da louvação da influência do exército como polícia cotidiana e lastro moral da sociedade.

Em uma perspectiva que analisa Hobbes como pai do fenômeno de entrelaçamento dos conservadores com a violência, autoritarismo e repressão em nome da manutenção da ordem: A esquerda até sabe que o homem é o lobo do homem, mas esquece que ele também pode ser o bom selvagem, e ai compra o discurso do Leviatã, largando o pacto social na mão.

A esquerda comprou o discurso hobbesiano, mas como ele entra em confronto com uma série de elementos de seu próprio ethos ela entra em tela azul.

E nesse quadro é tolice esperar vitórias eleitorais e temeridade não se preparar pro pior.

E em uma realidade onde reforma do ensino médio empala a disciplina de história, chega a ser irresponsável esperar 2018 para resistir.

Há tempo de tentar diminuir o prejuízo que pode levar a sociedade a um quadro de perda de décadas de conquistas e de avanço no discurso anti-conservador, mas para isso esse tempo precisa ser usado.

Esse é o nosso mundo, já dizia Renato Russo, o que é demais nunca é o bastante e a primeira vez é sempre a última chance.