Da Economia Moral da Multidão à Economia Moral dos Afetos

Há doze anos trabalhava como suporte técnico em uma empresa de informática e cursava com preguiça uma faculdade de História que achava que também não terminaria, como os cursos superiores que tentei antes. 

Há doze anos trabalhar era um penar, era como o mais desmotivado dos seres a caminho do abate, por melhor que o serviço fosse executado, bebia muito, vivia com uma raiva do mundo que mal me permitia afetos.

Até que recebi um convite para trabalhar com História, como consultor em patrimônio cultural, um dos muitos campos abertos pelos governos do PT e sua gestão da Cultura. Governos estes que desde 2003 recebia a oposição do partido, o PSOL,do qual faço parte.

Deste trabalho em diante, de 2009 para cá, a vida, a motivação, o horizonte, mudaram. Até o golpe em Dilma Rousseff de 2016, moro com uma companheira, me tornei pai de um filho autista, me formei, fiz mestrado, trabalhei até 2015 como consultor e ainda consegui uma das últimas bolsas disponíveis para mestrado durante o governo Temer. 

Do fim da bolsa, em 2019, para cá, o que veio foi desespero. Os cortes e a gestão desastrosa de Temer para a Cultura e a Educação parecem hoje um paraíso diante da conjuntura de desastre e eliminação de campos  inteiros da sociedade, da cultura e da economia sob Bolsonaro.

O que era esperança em 2009 e a conquista de uma maturidade que não havia, um sonho realizável, em 2021 o que temos é uma escuridão sem jeito, uma universalidade de trevas e dor.

Esse é o sentido na alma de quem viveu a política partidária e institucional de forma enfática e participante, de quem faz análise de conjuntura e tem tempo e até por questão de trabalho vive olhando os sinais com lupa. 

Essa é a memória de quem tem tempo e por ofício precisa ver os sinais das notícias, dos discursos, dos movimentos políticos, mas e a memória de quem mal tempo tem para sobreviver e respirar ao mesmo tempo?

É nesse sentido que precisamos tratar nas análises sobre a conjuntura, a economia, a política. É desse som que nossos ouvidos precisam se apropriar para entender o hoje e a ponte pro amanhã. 

E por que? Porque a economia moral da multidão oferece também uma economia moral dos afetos e das memórias onde o comer e o sorrir ganham significado parecido e onde o filho desempregado era o filho que entrava na faculdade, o primeiro da família.

Da esperança, mesmo uma esperança raivosa em 2013, que se entendia livre para dizer , que não era só por vinte centavos, à raiva rancorosa sem esperança de que se vinga de quem prometeu sonhos e não foi capaz de todos realizar, chegamos na desesperança desesperada e cujos sonhos voltam a aparecer possíveis no retorno de Dom Sebastião.

E não, não é uma crítica a Lula, pelo contrário, é um desenho de como os afetos da multidão migram da negação vingativa para afirmação da boa memória de um tempo onde comer era possível.

Comer, planejar uma carreira, sonhar com um lugar no mundo, tudo isso miou e virou cinzas sob chamas que queimam matas, cinematecas,museus, aldeias, que matam indígenas, que deixam por negligência uma montanha de cadáveres que tinham família, mãe, irmã, namorada e que poderiam estar vivas se Bolsonaro não fosse pelo menos omisso com ladrões de vacina.

Há no horizonte uma brecha pro sonho de comer e planejar o futuro, e esse poder da memória de um passado melhor, sob aquele que não é identificado com o PT que foi combatido em 2013, não pode ser negligenciado sob camadas de pensamento mágico que analisam uma retomada da economia que não passa pelos pobres e uma vacinação que não esconde os pais e filhos mortos, as mães e avós dizimadas por um governo genocida e que ria de quem morria de COVID.

Voto impresso, anticomunismo, tudo isso hoje é vinculado com quem dizia que não era coveiro enquanto as pessoas morriam de COVID. Falar de retomada da economia enquanto 19 milhões passam fome e 60% da população acha o presidente desonesto, mentiroso, incompetente e burro, é rir da inteligência da multidão.

E se não existe nenhum planejamento de retomada real da economia por investimento estatal, como se pode falar em retomada da economia? 

Se só o que se aponta são as malditas reformas econômicas, que empilhadas produziram o desgraçamento do país e o estrangulamento do estado, gerando zero emprego?

Como achar que haverá uma retomada real da economia, com crescimento real, abertura de postos de emprego, políticas de renda que vão além do aumento do Bolsa Família(que sem aumento da base recebedora tem efeito minúsculo no processo), se não há plano algum além de reformar mais o Estado?

E essas reformas são para gerar uma economia que só seria sentida na próxima década e ao custo de uma deterioração da capacidade de atendimento e investimento deste mesmo estado.

Enquanto isso, o pouco que o pobre recebe vai para comprar comida que aumenta muito mais que a inflação medida nos noticiários, e  quando o aquecedor ou o ventilador queimam ele precisa tirar o nada que recebe para comprar algo que aumentou mais de 100% em um ano, ou morrer de frio ou calor.

A Economia Moral da Multidão percebe a imoralidade cruel dessa lógica dos de cima, a Economia moral dos Afetos migra para quem aponta pro sentido cultural e pleno do comer, do sonhar, do amar, do sentir. 

E é por isso que fracassa o  dois ladismo, a falsa simetria, a canalhice de chamar de polarização a luta entre o nazi fascismo devorador de mundos e sonhos e a democracia pela esquerda de um projeto que entregou um país melhor do que recebeu.

Fracassa também o nazi fascismo em construir mais do que uma minoria de malditos canalhas que por misoginia, LGBTQIA+fobia,transfobia, racismo, xenofobia e masculinidade tóxica, pau pequeno físico e moral como resistência do que é a real salvação da civilização: a resistência anti opressão.

Talvez seja por isso que o mundo dos tempos expõe o ódio de classe de parte da suposta intelectualidade, do germe do fsascismo da imprensas dita liberal, que chama incêndio à estátua do Borba Gato de terrorismo e cala sobre a Cinemateca em chamas e monumentos à Marielle e Marighela sujos de tinta.

Porque os movimentos que põem para baixo as estátuas da supremacia masculina cis hetero adulta branca, expõem o pau pequeno moral de uma civilização que tem o focinho de porco de usar o fardo do Homem branco como álibi para destruição, são uma tsunami que ataca a longa duração. E da queda da Bastilha ao incêndio de Borba Gato tem muito mais ferramentas de onde saiu o movimento da vida que não quer e nem deixa que a vida seja sempre igual.

É a energia da transformação do desespero em sonho que vive a maldição de quem sustentou o nazi fascismo nos muitos poderes e é do desespero de quem se vê em queda que se alimentam sonhos de governos democráticos, para que sejam possíveis caminhos de debate das tantas formas de revoluções necessárias.

A Economia Moral da Multidão gera a Economia Moral dos Afetos, o entendimento econômico de onde investir sentimentos e energia que geram a produção mediada de novos campos dos sonhos. 

E nestes campos morre à míngua a indústria do ódio.

Como enfrentar o fascismo, Jair Bolsonaro e spoilers de IT – A coisa

Mobilização nacional antifascista contra a conferência neonazi

Há anos a cada postura de algum movimento, partido ou figura pública de esquerda chovem repúdios a esta ação, postura ou política. E com ele chovem também essencialismos, com se não fosse possível uma esquerda eleitoreira ser tão esquerda quanto uma esquerda antieleição.

Da mesma forma quando surgem notícias ou falas de policiais antifascistas, o mesmo movimento que elogia o surgimento em instituições tão violentas e avessas à democracia, fãs do fascismo mesmo, surgem críticas essencialistas que informam a todos nós, pobres idiotas, que é impossível um policial, que até outro dia era uma pessoa, ser antifascista, num suposto essencialismo que cola na pessoa que optou por ser policial um DNA fascista.

Freixo e Sâmia gravaram vídeo com Janaína Paschoal e Kim Kataguri? Traíram o movimento. O PSOL é mais institucionalidade que rua? Ex-querda.

Ok, é do jogo, faz parte do dissenso inclusive a estupidez. O que incomoda é a ausência, via de regra, de soluções que construam sob o ponto de vista de quem taca a pedra, o que eles colocam como alternativa.

Tacar a pedra é fundamental para que olhemos pra Freixo e Sâmia e coloquemos o quanto é limitada essa aproximação com setores liberais que propagam uma tolerância ao intolerante que eu, pessoalmente, não embarcaria para participar, mas jamais pra dizer para eles e quem quer que entenda ser possível esse tipo de ação, por índole, práxis ou desejo oportunista, que seja, que não façam porque é trair o movimento.

Trair o movimento, a esquerda, etc é votar a favor da Reforma da Previdência ou se omitir diante de um canalha que diz que discurso de ódio tá ok se o alvo for um comunista, isso é trair o movimento.

Qualquer movimento de diálogo, e diálogo não é conchavo, não é trair nada,é só um movimento, e um diálogo. E diálogo expõe a ambos os interlocutores ao escrutínio público e com isso expõe a este mesmo público a possibilidade de saber o que é cada um e que a prática é o critério da verdade.

Da mesma forma atacar como “eleitoreiro” quem historicamente tem um perfil de atuação mas institucional que de rua e de capilarização via núcleo, como o PSOL, por ser, pasmem, mega institucionalidade e com eixo político rolando em torno de suas figuras públicas, mesmo que sim tenha mais rua que a maioria de movimentos e partidos de esquerda é no máximo dizer o óbvio, mas e a construção de rua e do que se deseja ser o principal vetor de movimentos, é tarefa apenas de um partido? Se ele não é o que tu queres que ele seja o que se organiza como alternativa além do papo?

E sim, estou dizendo o óbvio: pouca coisa é mais impotente do que o sommelier de como outros partidos/movimentos são sem construí-los ou construir alternativas ou construir alternativas que não tem, lamento, capilaridade e peso institucional ou de rua compatível com a indignação sobre o outro.

Da mesma forma os ataques aos policiais antifascistas é lamentável, porque é uma recusa a organização de dentro de instituições de resistência a ethos que compõe a cultura delas. Essa lógica é prima irmã da que trata religiosos como idiotas irrecuperáveis ou que essencializam o ser de esquerda com alguém fora do mundo, angelical, portador da razão, guia genial dos povos.

Cada policial antifascista é menos um policial fascista, viu? E os caras sofrem retaliação, sem contar, em forças de segurança cada vez mais milicianas, estão sob risco REAL de morte.

O interessante de tudo isso é que todos tem uma receita de como reagir e resistir ao fascismo, como combater Bolsonaro, spoilers de IT – A coisa e a contratação de Oswaldo de Oliveira, mas ninguém, olha só, faz CONCRETAMENTE, porra nenhuma pra expor isso de forma real, diária, cotidiana e visível.

Sua organização ou você já puxou no teu bairro rua, padaria, cidade o Fora Bolsonaro ou se movimenta pra isso? Tentou se organizar em um movimento/partido/clube do Bolinha que construa algo assim, mesmo correndo o rico de ser minoritário? Porque é disso que a gente tá precisando, de mais gente, pros contrapontos estarem na rua, no chão se opondo inclusive aos discursos que norteiam partidos como o PSOL, do qual faço parte e não de grilos falantes impotentes, diletantes e estagnados que pouco fazem além de torrar o saco.

O Freixo tem boas relações com o Frota, que faz bullying gordofóbico com a Sâmia? Acho que ela e ele são adultos e tem capacidade concreta de construírem entre si,, sem a nossa tutela, a crítica e autocrítica necessária diante disso e que a Sâmia, olha só, seja adulta e capaz de defender a si mesma sem a tutela de um macho.

Os Policiais Antifascistas são membros de forças de segurança racistas e fascistas? Eles não só são como têm consciência disso e se arriscam a ir contra a maré.

O PSOL luta mais na institucionalidade que na rua e foca mais nas eleições que na organização diária? Meia verdade total, tem rua e tem eleição, tem mais institucionalidade que deveria, mas tem diariamente construção coletiva de resistência país afora em mobilização que se constrói para além de voto, mesmo visando o voto. Mas é sim um partido com forte teor eleitoral e institucionalista, só que, olha só tem outros partidos, viu? Tem movimentos autônomos, anarquistas, budisto-maoístas, fãs de Doctor Who e de Midhunter, cosplay de Naruto, etc. Organiza-te neles, constrói a alternativa!

A questão é reduzir a TUA solução de luta a uma solução que PRECISA SER universal. Não, não é, nunca será.

Mas não pode criticar, Gafanhoto? Pode, pode pra caralho, o que não pode é criticar a Tartaruga por ter casco e a Tartaruga que tira o casco por ter tirado.

A crítica a Freixo por conciliar, coisa que ele ASSUMIDAMENTE faz, declara, discursa, anos a fio, inclusive conciliação de classe, mesmo dizendo que quem governa pra todos tá mentindo pra alguém (No que ele acerta), é criticar a Tartaruga por ter casco.

Freixo, PSOL, Sâmia, Bakunin, Senhor Myiagi, todos tem seus limites e características que compõe o caminho deles e os deixa expostos a nosso julgamento.

Dá, ao saber que obviamente Freixo é um conciliador, que não é revolucionário, optar conscientemente por tratá-lo como o inimigo que ele não é?

Da mesma forma tratar policiais antifascistas como a mesma coisa que o policial que mata a Ágatha é de uma estupidez atroz. Qualquer cunha de resistência dentro de institucionalidades autoritárias, racistas e de forte ethos fascista é fundamental para tentar movê-las para outro caminho.

Ou alguém tem a ilusão que com uma exceção de conjuntura revolucionária real vamos acabar com a polícia?

A ideia de que há uma solução única pra combater o fascismo, Bolsonaro e spoilers de IT – A coisa é, ela em si, autoritária e interditadora de discursos. Não, não há. A realidade é complexa demais, há trocentas coisas para mudarmos, há oitocentas estruturas a serem derrubadas e erguidas outras ou não. Há coisa demais a ser feita que uma só percepção é, ela em si, censória.

Há uma necessidade atroz de forte oposição parlamentar, de forte oposição eleitoral, de forte ação de rua, de forte ação de capilarização de esquerda, de enorme contingente de esforços dentro e fora das institucionalidades de transformação da cultura como um todo.

O que não dá é confundir a necessidade de oposição em todos os aspectos com uma uniformidade acrítica, nem transformar a crítica em ação de destroçamento de uma oposição que tu discorda de como é feita.

Bolsonaro tem enorme impopularidade, por exemplo, e precisa de gente na rua convencendo quem votou nele que ele é um câncer, mas também precisamos de parlamentares pra dizer isso na Câmara e policiais pra dizerem isso na delegacia.

Você acha que o policial que vê a gente dizer que policias e moradores das periferias morrem em igual número e que o governador que chama ele de herói não vai dar aumento pra ele e tá pouco se fodendo com a várzea emocional que a guerra aos pobres causa nas forças policiais da mesma forma que vê quem diz que o policial tem que morrer mesmo?

Não, o policial não deve morrer, nem matar, e mesmo que eu, pessoalmente, tenha uma enorme dificuldade em me solidarizar com a morte de policiais, que em sua maioria nunca esconderam que são partícipes, cúmplices, da política genocida de governos. Essa dificuldade minha não torna em ela correta, longe de ser uma culpa cristã essa afirmação, nem a ideia de que o policial deixa de ser vítima do genocídio que pratica, os que praticam.

Policiais historicamente se isolam, pedem transferência, trabalham longe de casa e da família pra fugir de grandes concentrações de adeptos de esquemas, assassinos, esquadrões da morte,etc. Policiais são gente pra caraba, um enorme contingente, e convivem nele genocidas e pessoas honestas. Não sabemos a quantidade, podemos até dizer que a maioria é de canalha, mas é fundamentalmente importante defender quem resiste.

É fundamental que entendamos que situações complexas exigem soluções complexas, polifônicas, multifacetadas.

Menos apocalipticismo que paga de fodão ao dizer o óbvio, que, por exemplo, Jair Bolsonaro fez na ONU discurso pra alimentar o foro interno (Ignorando que ali ele também dialogou com Sauditas, Orban, Trump, Vox e outros fã de Bannon), e mais ação.

E ação significa também modular o discurso, produzir o combate ir menos na veia de quem tá do lado e mais na veia do fascismo.

Construir matrizes de padrão negativo nas métricas de redes sociais envolvendo fascistas é tão importante quanto construir núcleos na periferia, de preferência sem tratar a periferia de forma colonialista.

Da mesma forma é mais importante atacar democratas que se omitem em detrimento do ataque a democratas que resistem. Como é fundamental entender que qualquer brecha aberta no discurso e na imagem de gente autoritária que tá tentando reposicionamento de marca pra se descolar de Bolsonaro é muito bem-vinda.

Não há uma fórmula única de combate ao fascismo, a Bolsonaro e aos spoilers de IT – A coisa, inclusive porque no cotidiano, na realidade, no processo dialético do real, não há fórmula única nenhuma.

Estamos em crise climática, civilizacional, com a democracia internacionalmente sob ataque, em avanço do genocídio de pobres em nome da guerra às drogas, então sim, de Sanders a Freixo, passando por autonomistas, anarquistas, okupas e movimentos de combate à carreira musical do Sambô, todos os movimentos que põem as civilizações em combate à barbárie são bem-vindos.

A dialética não precisa realmente de síntese, a polofonia que reage à antítese é uma bem-vinda sonoridade que rima com a diversidade, e a biodiversidade, dos espectros políticos que agem em prol da vida.

Nesse momento a unidade que precisamos é menos a uniformidade acrítica e mais a compreensão que nessa trincheira é extremamente importante sabermos quem somos e nos respeitarmos por isso.

Os tempos da política e da história: massacres, crise da masculinidade, armas e o ódio como valor.

DISCO D - AS MINHAS IMAGENS 456

Escrever sobre política e tempo é interessante porque a lógica cartesiana normal põe o tempo como uma dinâmica linear e, além da física, a história, há tempos, já trabalha com a ideia de diversas temporalidades funcionando em paralelo.

O que isso significa? Significa que o processo de percepção do tempo varia de acordo com a dinâmica e conjuntura do momento em que indivíduos e grupos sociais vivenciam.

Um exemplo rápido? A arquitetura, por exemplo, era utilizada no Brasil com tempos diferentes, estilos mais contemporâneos ao início do século XX, tinham diferentes tempos de utilização dependendo do lugar. Se no Rio de Janeiro, São Paulo e até Pelotas, os estilos arquitetônicos mais modernos eram utilizados à farta já no último quarto do século XIX, no interior da Bahia por vezes só se começa usar o neoclássico já nos fins da década de 1930, e o art decó, que teve um boom nos anos 1920, só aparece quase nos anos 1940.

O tempo da ciência também varia,descobertas recentes da física na Europa do início do século XX demorariam anos até serem aceitas de forma mais ampla no Brasil, especialmente apenas pós anos 1930. Da mesma forma que a tecnologia  até os anos 1980 demorava para entrar em uso no Brasil mesmo sendo já comuns nos EUA e Japão por quase uma década antes. O uso de aparelhos reprodutores de VHS, já em uso no fim dos anos 1970, só começaram a serem usados largamente no Brasil no fim dos anos 1980. Com o tempo o atraso de chegada da tecnologia acompanhou a revolução nos transportes e nas comunicações que chegou a ser quase simultâneo. Primeiro o CD, depois o DVD chegaram com um intervalo curto, de poucos anos, hoje o Iphone é lançado simultaneamente, as atualizações de software e hardware dos computadores idem.

Até a década de 1990 os filmes estadunidenses, os hoje chamados blockbusters, demoravam meses para estrear em cinemas de cidades médias do interior, hoje tem uma diferença de dias, se é que não estreiam de forma simultânea.

O tempo dos costumes já atua em outra dinâmica, vemos costumes contemporâneos irromperem paralelo à manutenção de costumes medievais ou até anteriores. A própria estrutura da masculinidade como provedora, fornecedora de varões cuja força suprime a divergência, que se resolve na lógica do guerreiro medieval e antigo, que submete o diferente e mulheres é uma permanência de tempos imemoriais, mais precisamente do tempo das escrituras, reforçada pro valores medievais, mas que remetem à antiguidade.

Enquanto isso a construção dos costumes da compreensão da diferença e da divergência, da existência de individualidade,s identidades, sexualidades e culturas múltiplas, mal traduzido no conceito guarda chuva de “pautas identitárias” ou “multiculturalismo”, são processos cujo valor remete à crítica da razão e do predomínio da ideia de progresso e evolução que se inicia no XIX, explode num quadro de lutas de descolonização, de conquista de direitos civis para mulheres, negros e negras, indígenas, culturas que estão sob domínio imperialista,etc.

Essa janela de tempo compreende desde as críticas à ideia de civilização, progresso e razão feita pro intelectuais europeus da metade do século XIX em diante, até as lutas pelos direitos civis dos negros estadunidenses, que se inicia na guerra da secessão e prossegue até hoje, com conquistas enormes no fim do século XIX e,nos anos 1960 do século XX; passando pelo pan africanismo, que se inicia no século XIX e chega a um patamar mundial no século XX; pelo feminismo, que em suas múltiplas vertentes se origina no século XVIII e se transforma a cada período até hoje, constituindo vertentes com diversos viéses; pela luta LGBT,etc.

Nesse conjunto de transformações há as críticas de Nietzsche e Benjamin, incluindo Marx e passando até Annales, pelos intelectuais do pós-guerra, como Foucault, Thompson e Stuart Hall, há a obra de Angela Davis e Simone de Beauvoir,etc,etc,etc. Mas o fundamental é que há uma ruptura social, que se estabelece em crescente ataque a uma lógica de costumes que perdurou de tempos imemoriais até hoje, sendo absorvida pelo capitalismo como sempre o foi pelas classes dominantes. O irônico é que a ruptura e o ataque também forma abraçados pelo capitalismo, mas isso é outra história.

A questão é que os tempos diferentes dos valores se chocam e produzem ondas políticas que varrem o mundo e que dificilmente são facilmente definíveis nos termos de direita e esquerda. Não porque flutuem, mas porque são valores que se chocam de forma transversal, atingindo elementos de ambos os espectros ideológicos, que possuem uma fragmentação enorme, muito maior do que gostam seus membros, no trajeto da própria ideia de fragmentação do indivíduo que os mais ortodoxos acham que é uma definição da irrealidade do concreto, quando nunca foi, mas isso também é outra história.

O tempo da política se abraça em diversos eventos do tempo dos costumes, e reflete em seus textos e discursos o processo a partir ou da ruptura ou da manutenção, incluindo os que no fundo tentam conciliar os dois mundos e somam-se mais ou menos a um dos lados a depender de sua trajetória e produção de sentidos.

As eleições da extrema-direita nos tempos recentes se produzem como respostas de alas ada população a um crescimento de uma ruptura visível nos valores como se estabelecem desde sempre e em escala nunca antes vista. Talvez seja mais que uma gestação de um novo mundo, talvez já seja o parto e a própria ideia de revolução que se propagou durante muito tempo e que se esperava que fossem grandes eventos com choro, ranger de dentes e coros esfarrapados d’A Internacional, mas que surge como passeatas de mulheres, trans, travestis, LGBTS, negros e negra,s indígenas, aborígenes, mulheres parindo em parto natural e amamentando em público e lutando por este direito.

Como não parece em nada com um evento escatológico, um Apocalipse ao som de  Mercedes Sosa, tem inclusive resistência da própria esquerda menos afeita a perceber em si os rastros do cavaleiro medieval, do homem branco cujo fardo era domesticar os silvícolas.

O lance, parceiro, é que a dança tá no salão e é preciso dançá-la para não dançar.

A extrema-direita, e isso foi identificado pelo grande amigo cujo pseudônimo Fernando L’Overture é facilmente encontrado pelo Twitter, por sue lado busca uma identidade histórica que remete a tempos antigos e medievais, reivindicam grandes batalhas contra muçulmanos na Europa dos trezentos ou seiscentos, falam de identidades nacionais em contraponto com as internacionais e matam, sustentando suas lutas com base no discurso de limpeza étnica travestida de nacionalismo e em ataques terroristas ou pontuais  a membros alvo, ou de minorias ou de grupos religiosos ou nacionalidades estrangeiras a seus países.

A reivindicação de identidade e de um passado idealizado ocidental macho adulto e branco é o principal elo com o fascismo clássico e faz desse novo fascismo o cavalo de batalha da longa luta cultural do tempo dos costumes em conflito. Para cada direito não branco cisheteronormativo conquistado há umas célula da cultura de ódio que vai reivindicar batalhas antigas e uma branquitude que nunca existiu pra justificar um massacre com forte apelo freudiano.

Nesse choque de tempos e culturas há processos que independem da vontade consciente de grupos políticos e isso é notável no cotidiano, na produção cultural, na própria realidade das periferias, pequenas e médias cidades, favelas,etc, para além dos textos, acadêmicos ou não, cheios de adrenalina e impressionismo que culpam o vento, a Internet ou o Bob Esponja Calça Quadrada, por um tipo de ódio que sempre esteve aí e que hoje se organiza em resistência a processos que já estão aí pelo menos há dois séculos.

 A cada mulher que se percebe a grande provedora dos seus, que se pretende e se faz independente, digna de entender que tem direitos, consciente de seu papel na sociedade e do poder de sua ação para a transformação, cai um tijolo do muro das lamentações incel que se pretende dominante e só é boquirroto.

Sim, este texto deu um passinho à frente na análise, não é definitivamente uma tese, e se propôs a comemorar que, independente do chilique incel, o tempo do choque produz monstros para quem acha que é válido defender limpeza étnica macha adulta, branca e brocha,m como valor.

E o tempo da cultura é, hoje, um tempo onde os valores de uma antiguidade e medievalidade que nunca existiu forma pro saco, porque como elas mesmo dizem: ninguém vai voltar para armário, senzala ou fogão.

Os massacres são, antes de qualquer explicação psicologizantes, atos políticos com um discurso. De Columbine a Nova Zelândia, passando por Suzano, os ataques são frutos de um discurso político que se elegeu defendendo que há uma superioridade cisheteronormativa branca e que é válido “metralhar os petralhas”, que significam toda a resistência a estes valores que caem dia a dia a cada mulher, negro e indígena que vai à luta pro seus direitos. E, ó, são milhões, viu?

De Trump a Bolsonaro, são muitos os sintomas de uma reação reacionária a um processo histórico que atinge até culturas milenares que nunca foram bastante afeitas à expansão nos direitos das ditas minorias (Arábia Saudita tá aí pra isso), e que tentam não se dobrar a uma maré que nem o capital quer enfrentar (Adoro a indústria cultural nesse sentido, ela percebe antes o que tem que fazer pra não morrer). Só que era preciso combinar com os russos.

Por isso salta aos olhos a ideia de que a esquerda precisa dialogar com quem patrocina a reação porque elegeu-se um sujeito simpático a milicianos, racista, misógino e LGBTfóbico, quando, por motivos óbvios, ela precisa dialogar com o que o mundo aponta, com a maré que transforma tanto que já obrigou à minoria reacionária a se organizar e gastar trilhares de dólares para vencerem eleições e tentarem,s em sucesso, segurar na porrada uma transformação que tá na casa do vovô fascista que morreu ontem.

Eles mataram Marielle por que podiam? Sim, mas também porque temiam.

 Eles quebram placas em sua homenagem por um pavor brocha mal dissimulado, eles rasgam adesivos, eles piram na casinha citando Celso Daniel, que além de ser um problema do PT já foi resolvido, supostos mandantes da facada em Bolsonaro, caso resolvido e com o criminoso preso e apontamento de inexistência de mandantes, ou Patrícia Acyoli, cujo mandante e assassinos forma presos, mesmo a contragosto de Flávio e Jair Bolsonaro que meio que justificaram sua execução dizendo que ela desrespeitava os PMs, na maioria criminosos.

E eles fazem tudo isso porque pouco se importam com a morte de qualquer um desses, eles fazem isso porque perdem a cada dia o frágil domínio sobre a cultura que eles tentam manter.

É medo, é fruto de um pavor que se reflete na própria face do presidente a cada entrevista (apavorado pro estar ali e achando que seria mais fácil bancar o macho fodão), no exagero de um Itamaraty que ataca ativista como se a ONU fosse o Whatsap, nas tolices de ministros.

E um medo diante do óbvio: independe da vontade consciente até da própria esquerda lidar com uma transformação que irrompeu mundo afora com as lutas pelos direitos de quem nunca os teve e que não vão recuar nem em nome de Deus nem na ponta de uma lança, nem na base de bala.

A reivindicação de Braudel aqui, foi ele quem iniciou a ideia de temporalidades diferentes, veio por obra e graça disso: processos históricos de tal monta, onde a mudança é de planos culturais de longa duração, não são produzidos nem do dia para a noite, menos ainda paráveis apenas por desejo de poderosos ou grupos sociais temporariamente empoderados.

E é nas margens desse Mediterrâneo que encontraremos o melhor canal para que a esquerda navegue pelo Mare Nostrum.

Nos deram espelhos e vimos um mundo doente, tentei chorar e não consegui

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Sim, este é um texto de autocrítica, mas não, não é um mea-culpa, mea máxima culpa. E não o é porque é fundamental entender a diferença entre a autocrítica e a autoflagelação.

Errei praticamente todas as análises de conjuntura, todos erramos na esquerda afinal. Fomos brutalmente guiados pro cadafalso pelas pesquisas de opinião enquanto se organizaram no subterrâneo dos grupos de família movimentos muito maiores, mais amplos e eficientes de tomada do aparato estatal por um projeto fascista.

Desprezamos o avanço fascista nos anos 2000 e 2010, o ridicularizamos, chamamos adversários de fascistas quando eram apenas adversários autoritários, mas dentro do espectro democrático. Entregamos aliados de esquerda aos leões do aparato de repressão por que divergiam do governo popular em curso e das táticas aprovadas pelo INMETRO revolucionário dos partidos da ordem.

Ignoramos a repulsa construída paulatinamente em torno dos ideários comunista e socialistas, rimos da suposta burrice de quem nos destroçou nas urnas, tratamos como tolice a desconstrução da credibilidade da mídia pela máquina de propaganda subterrânea dos grupos de watsap, pela repetição local da estratégia organizada em torno de Trump, com o uso de sua rede e de suas táticas.

Não disputamos o crescimento do pensamento ultraconservador neo pentecostal e paulatinamente parte de nós preferiu, a cada momento um grupo, fortalecê-lo a combatê-lo em nome de mágoas de caboclo por rupturas anteriores. Nos atacamos uns aos outros como se nossa vida depende disso e agora nossa vida depende de recriarmos laços onde pontes foram destruídas.

Durante a própria eleição, enquanto parte de nós avisava do crescimento do fascismo e apontava a necessidade de romper a duradoura política do medo, construída nos anos petistas e levada a cabo pelos subterrâneos das campanhas democráticas com chances de irem ao segundo turno, apelando para a desconstrução do sonho em torno de um pragmatismo que ignorava a própria incompetência para garantir que suas campanhas vencessem o atraso, outros se digladiavam por migalhas do voto popular, ignoravam o fascista, só buscando denunciá-lo quando a vaca já tinha ido pro brejo.

Chegou-se a comparar PT com o fascismo em nome de uma vaga no segundo turno.

Mas o principal foi que ignoramos a ameaça fascista durante anos, ignoramos os avisos dos diversos grupos antifascistas espalhados pelo Brasil, os relatos de agressões, de aumento de coletivos neonazistas, fascistas, de milícias militantes pró Bolsonaro de milícias militantes ligadas às igrejas neopentecostais, ignoramos o crescimento da atividade xenofóbica contra refugiados sírios, haitianos ou senegaleses.

E seguimos ignorando até ser praticamente tarde demais. Optamos pelo otimismo da vontade em vez do pessimismo da razão, e agora nos deixamos levar pelo inverso.

Essas culpas foram coletivas, uns cometeram-na mais, outros menos, mas todos cometeram-nas.

E agora, que fazer? Já diria Lênin.

Os primeiros passos são fundamentar uma frente úncia antifascista, suprapartidária e eficiente para ir além das eleições, para criar uma contra hegemonia na cultura que dê conta de superar o lamaçal de ataques que se iniciam agora e se agravarão no futuro.

Nós concretamente estamos enfrentando não uma onda conservadora, mas a consolidação de um movimento conservador que foi ao poder para exterminar toda forma de ativismo, nas palavras de sue líder mor e mais votado no primeiro turno.

É fundamental que nos olhemos nos olhos não como adversários figadais, inimigos até, capazes de serem traídos e destroçados por argumentos vis no interior das lutas, em nome da conquista menor de espaços em máquinas às vésperas de serem destroçadas, mas como companheiros que precisam reconquistar a confiança entre si para que não sejamos todos vítimas de uma violência rela e simbólica.

Não cabe mais as divergências microscópicas que nos afastam do ponto final. Isso nãos ignifica que nos aliemos de forma acrítica, significa que temos que tratar nossas divergências de forma política e não mais girando em torno da mitologia e arrogância que nos afastou e nos fez vis no combate uns aos outros.

Arrogâncias atrás de arrogâncias nos sabotaram, sabotaram nossas ideologias, nossos sonhos, nossas unidades na ação e nosso respeito mútuo.

É preciso agora deitar as armas ao chão, assumir nossos erros, no poder ou fora dele, uns para os outros, porque o cenário é de civilização x barbárie.

Partidos precisam reconstruir as pontes com anarquistas e autonomistas, partidos que foram governo precisam reconstruir as pontes com os que foram oposição pela esquerda a eles.

Precisamos nos reconstruir nas ruas, nos movimentos, nas unidades de ação. E precisamos respeitar nossas construções partidárias e de movimento que são alheias às necessárias convergências antifascistas.

Nossos ídolos ainda são os mesmos e as aparências não enganam mais, o que vimos nas eleições foi um espelho que nos foi dado como um penduricalho, um brinde para que entregássemos tudo em nome de um pragmatismo por uma governabilidade que nos destroçou.

E nesses espelhos vimos um mundo doente, e sequer chorar podemos.

Duas ou três coisas a respeito do medo

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Deimos e Fobos, filhos do Deus Ares em representação para uma HQ. seus nomes em português significam medo e terror.

O medo é um bom conselheiro, mas não pode ser jamais o único. Enquanto resposta instintiva é uma ferramenta da evolução para nos permitir sobreviver aos percalços da existência e às suas ameaças.

O sábio Riobaldo de Guimarães Rosa já proferia o célebre adágio “viver é muito perigoso” no clássico “Grandes Sertões: veredas”, sem, no entanto, esquecer que “Deus existe mesmo quando não há, já o diabo não precisa existir para haver”.

A junção das duas frases não é sem eira nem beira, é um recado claro do sertanejo ficcional sobre duas coisas importantes: o perigo do cotidiano e a diferença entre as coisas existentes e as não existentes, o real e o imaginário, inclusive em relação ao perigo.

A dádiva existe mesmo inexistindo, o dano não precisa existir para haver, mas saber a diferença é fundamental pros passos cotidianos.

Nos últimos dias o medo é um fator novamente intrínseco ao processo eleitoral. Inclusive ele é um visitante permanente em períodos eleitorais desde que o PT foi primeiramente ameaçado nas urnas pelo PSDB, mas ganhou fôlego extra a partir da possibilidade de eleição de uma chapa francamente favorável à repressão ditatorial, ao racismo, misoginia, homofobia e tudo o que você puder imaginar de contra civilizatório, inclusive a tortura.

É salutar o medo, ele é um combustível interessante para a luta antifascista, ignorar a realidade montando o cavalo-branco da suposta neutralidade aparentemente pacífica não nem sinal de pacifismo quanto mais de bom senso.

Só que esse medo em exagero ultrapassa o limite do aviso do perigo e transforma-se em grilhão, imobilidade. Faz com que o rugido do predador de torne o predador, e sabemos que por vezes estes usam o rugir para aproximar, e não afastar, suas vítimas.

O combate ao fascismo, além de necessariamente conter a crítica aos cúmplices de sua alimentação, exige que o medo se torne aliado da coragem e não da covardia, e a coragem exige inteligência.

Há questões que precisam ser ditas e analisadas com cuidado. Uma delas é a rede de boatos que se espalhou nas redes sociais sobre as ameaças dos seguidores de Bolsonaro de atacarem a marcha do dia 29/09.

Essa ameaça tem o sentido do rugido dos predadores, que por vezes mostram que estes não necessariamente são leões, talvez parecendo mais com hienas ventriloquistas.

Por que digo isso? Porque já basta o Mourão e a ex-mulher para sabotar a campanha do #Elenão.

Uma tragédia no sábado 29S seria um tiro de canhão na cabeça da campanha, que está em momento crítico com a primeira queda e aumento de rejeição, fuga do mercado que outrora a apoiava e ficou ressabiado com coisas como o manifesto assinado por meio mundo bancário e a capa da The Economist.

Se a polícia reprimir os atos dará combustível não ao Inominado, mas à resistência a ele.

Os boatos a respeito de uma trama anarquista e antifascista para causar tumulto são apenas meios de tentar dissuadir os mais pobres de irem aos atos.

É fundamental contrapor não com mais medo, mas com informação: haverão creches em vários atos, haverá atenção extra para com a segurança, as autoridades estão cientes, partidos e movimentos também estão tomando cuidado extra para com a segurança e juntos somos mais fortes.

Isso não torna os atos mais seguros, sabemos.

Porque toda aglutinação coletiva é perigosa por si mesmo, pelos riscos inerentes a fenômenos de multidão, mas não os torna também mais inseguros do que ir num parque no fim de semana ver um concerto ou ir num bloco carnavalesco.

Em todas essas situações o risco de uma explosão de boiada, de uma tragédia, existe e é contornado pela civilidade, bom senso e senso de coletividade presentes.

Não ir ou se deixar acreditar nos boatos e ameaças é perder por W.O.

Sim, sabemos que ocorreram situações de agressão concreta, e estão sendo apuradas e pesam contra os autores e seus candidatos.

Não esqueçam que o brasileiro médio é amante do discurso de paz, mesmo sele sendo explicitamente violento em diversas situações, fruto de nossa cultura bipolar que se diz amante da paz, mas tolerou 300 anos de escravidão.

O brasileiro médio espanca a parceira na frente do filho, mas nunca na praça.

Outra questão é sobre o alcance da rede do candidato e seus grupos de watsap. Ninguém nega que são um instrumento poderoso, mas o poder é limitado ao acesso das pessoas, à interlocução e à reação que recebem.

Usuários de Watsap são em torno de 120 milhões, contra 127 milhões no Facebook, em ambos os casos ocorre o fenômeno da bolha, ou seja, os usuários se aglutinam em grupos fechados, por maiores que sejam, e acabam replicando a si mesmos ad eternum.

Sim, são dois terços da população, mas não são toda a população, um terço não usa nenhum dos dois, e mesmo quem os usa não está inteiramente jogado na recepção conforme prega e acredita ser real os fãs da chapa quente amante do Torturador.

A presença desses fãs em grupos da família tem o fenômeno de levar o histrionismo deles para o interior de onde estávamos em tese livres do linguajar e do ódio inerente, só que esse histrionismo esconde um detalhe fundamental: eles não controlam a recepção do que dizem.

Somem isso ao tipo de relação familiar médio no Brasil onde os crimes, pecados, opiniões, por vezes são todos aclimatados em plásticos bolha e transformados em mistérios tão poderosos que fizeram da obra de Nélson Rodrigues um sucesso de público e crítica.

E é de mau gosto reduzir a inteligência da nação a pessoas que ignoram que quem só consegue repetir “fake news” para TODAS AS NOTÍCIAS CONTRA O CANDIDATO, e não o fazem sobre as notícias contra os adversários deste. É o repetidor que acaba parecendo o doutrinado que imputa aos adversários essa condição.

Não dá pra desprezar o bom senso coletivo de qualquer sociedade, viu?

E por favor, não comparem Trump com Bolsonaro e o que ocorreu nos EUA com aqui.

O voto nos EUA é facultativo, aqui não,a imensa maioria da população não vota e os Democratas não foram competentes para reduzir o impacto do alistamento pelos republicanos da maioria necessária, e nem vou falar aqui em possibilidade de fraude.

O mais próximo entre as situações é o ascenso do discurso fascista e a incompetência das esquerdas em ajudarem ao TSE a informarem sobre a necessidade de recadastramento do título e biometria, coisa que foi anunciado aos quatro ventos, inclusive na TV, meses a fio, a a esquerda, sabendo da maré fascista cada vez mais alta, fingiu que não viu.

Mas o ascenso do fascismo lá tem um movimento, aqui outro. Lá o movimento foi de real expansão,m de ampliação do arco de influência de KKK, supremacistas brancos et caterva. Aqui não, aqui o que se expande é menos intenso do que o que se revela.

O discurso do Brasileiro bom de bola e de samba, boa praça, é muito bonito no imaginário que esconde o medo imobilista. A sociedade brasileira tem uma saudável louvação á alegria, mas também um doentio amor estrutural pela hierarquia e violência.

Isso significa que essa mesma sociedade hoje tem sim um terço praticamente defendendo tortura, racismo, misoginia, homofobia e anticomunismo brutal. E não, combater esse terço não pode ser feito sem levar a quem apoia o candidato a confrontar com o racismo, homofobia, etc que defende, conscientemente ou não, menos ainda desprezar a enorme possibilidade de ser uma defesa consciente, mesmo hipocritamente guardada a sete chaves no cofre da hipocrisia.

É tapar o sol com a peneira fingir que o cara que defende um candidato que acha que uma ditadura era bacana e que precisaria matar pelo menos 30 mil pessoas, não esconde seu ódio a negros e indígenas, seu desprezo homicida a LGBTQ+ e mulheres e fala abertamente em fuzilar comunistas, não sabe oque diz e o que reproduz.

O mais sábio é não ser condescendente com a população que o apoia e deixar claro que sim, eles defendem oque o candidato deles defende.

A gente precisa parar de distorcer continuadamente o “Brasileiro Cordial” do Sérgio Buarque de Holanda. Não é de cordialidade, viu?

O bombardeio que atinge Bolsonaro não é, tampouco, algo elogiável sob diversos pontos de vista. Veja, Folha, Estadão, O Globo são todos cúmplices de seu ascenso, assim como a omissão do PT em atacá-lo desde antes, inclusive por ter participado diretamente de seu ascenso e do de Feliciano quando abriu mão da CDHM e por ter barrado a revisão da lei da anistia proposta apor Luiza Erundina enquanto governo e presidência da Câmara dos Deputados.

Esse movimento ajudou a produzir a ampliação do fenômeno inclusive com o Deputado aparecendo em atos pedindo a revisão da lei seguido de manifestantes que eram o embrião do que vemos hoje.

Veja teve, até pouco tempo, colunistas que minimizavam a repressão na ditadura militar, que cunharam o tempo “Esquerdopata” transformando uma divergência ideológica em patologia similar à psicopatia, que em nome de um combate ao “Bolivarianismo do PT”(oi?) estimulavam a representação do PT como uma ditadura e não como um partido que se organizava nos mesmos moldes fisiológicos dos demais que eram apoiados pela revista, e por ai vai.

A Folha tinha até outro dia Kim Kataguiri como colunista, com um texto que vinculava todas as pantomimas anticomunistas de galinheiro, fake news e outras distorções e em editorial chegou a chamar a ditadura de 1964-1985 de “ditabranda”.

Estadão e O Globo nem se fala, além de cotidianamente produzirem peças de propaganda anticomunista de fim de feira ainda em editoriais fazem ataques cotidianos pouco diferentes dos ataques dos antros da direita amanta da volta da ditadura. A Globo com Arnaldo Jabor fez sucesso entre os fãs da extrema-direita esfuziante com seus discursos e com o William Waak salivando ao falar “Bolivarianos” ao se referir à esquerda.

Em resumo: quando foi interessante o ex-militar servia e teve seu discurso alimentado para servir de base de operações anti PT.

E não chamo de Capitão ou ex-Capitão por que nomear com a mesma patente de Luiz Carlos Prestes uma figura dessas é de certa forma um ataque frontal ao bom senso e um crime historiográfico.

O mesmo Alckmin que hoje é auxiliado pro Vejas e afins em seu discurso contra o PT e a escuridão de Bolsonaro sofre porque sua base foi alimentada anos a fio com esse mesmo discurso, desfilou entre os portadores do discurso bolsonárico e tinha entre seus assessores um indivíduo que minimizava os crimes da ditadura.

Assim como Lacerda em 1964, eles achavam que iriam se safar quando o Pitbull voltasse da guerra contra as esquerdas.

As revelações tardias de Veja e Folha sobre Bolsonaro são um enorme impacto em sua campanha e podem ajudar a qualquer movimento civilizatório a confrontar e a derrotar o ex-militar nas urnas, mas não reduzem o impacto de sua candidatura na consolidação de um pensamento de que é possível vencer sendo porta-voz do arbítrio e da barbárie. E isso tem as digitais da mídia e dos partidos da ordem, inclusive quem hoje se põe como adversário direto (Mesmo não movendo institucionalmente esforço concreto na derrota do fascismo).

Esse impacto tem a ver muito com a recepção, a visualização das capas de revista e jornais nas próximas duas semanas são uma pancada forte, a repercussão nos grupos de Watsap, Facebook e twitter idem, e não é exatamente fácil se defender apenas com declarações de que são fake news nos grupos da família.

A pregação a convertidos tem alcance limitado.

É fundamental, no entanto, que atuemos cotidianamente, superando o medo, utilizando-o como conselheiro de alcance limitado e como combustível da reação.

Porque é preciso acreditar e é preciso coragem.

Senta que lá vem História! – Fascismo, educação, redes sociais e luta pela democracia

Cada vez mais o que temíamos avança: O germe do fascismo perdeu a vergonha, mas a Esquerda pensa em 2018

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Morreu um estudante! Podia ser seu filho!

Primeiro “ativistas” pelo impeachment atacavam quem usava vermelho e ironizávamos faixas e cartazes pedindo o “fim do comunismo” ou “intervenção militar constitucional”.

Depois atrizes, atores, cantores, professores começaram a ser agredidos verbalmente, ou até fisicamente, nas ruas e nas redes sociais.

Ontem um pai matou seu filho, pois o jovem participava de movimentos sociais e apoiava as ocupações contra a PEC 241/55.

Os comentários nas notícias a respeito do homicídio culpam a vítima, como sempre, pelo crime, pois o pai perdeu a cabeça depois de ter perdido o filho “para a doutrinação comunista nas escolas”.

Hoje manifestantes ocuparam o plenário da câmara com palavras de ordem pelo “fim do comunismo” e “por intervenção militar”, e quando foram retirados com muito mais gentileza do que qualquer servidor público que ocupou algum plenário de câmara ou assembleia legislativa jamais recebeu., foram aplaudidos e recebidos aos gritos de “Patriota”.

A cada dia aumenta o grau de violência contra Transgêneros e LGBTs, ontem uma ex-candidata a vereadora transgênero e de esquerda sofreu um atentado e quase foi assassinada.

Todos os dias aumentam o grau de notícias sobre feminicídio e homicídio homofóbico.

Mas a esquerda discute 2018.

Trump eleito nos EUA, Le Pen assanhadíssima, direita britânica ganha protagonismo no BREXIT.. Mas a Esquerda pensa em 2018.

Cada caixa de comentário é um drops de barbárie, um teaser do cotidiano, os jornais e jornalistas ignoram, ou fingem que ignoram, e transformam todas as manifestações em vandalismo, exceto as que interessam, como as pelo impeachment de Dilma.

Fascistas crescem entre os eleitores, crescem como elemento crucial do cotidiano cultural. Seus termos e palavras viraram moeda corrente nas escolas, entre pais, nas ruas, na padaria.

Naturaliza-se a morte de um jovem porque o pai é anti-comunista.

E a cada aplauso que os Bolsonaro recebem, cada apoio, cada uso por PMDB e Tucanos dessa malta de extrema-direita pra consolidar seu poder, momentâneo, no governo, e esse germe cresce.

O anticomunismo de almanaque, inflado por Veja, Reinaldo Azevedo, MBL, torna-se algo mais perigoso do que patético.

O antipetismo, o “vai pra Cuba”, são todos primos da bala que matou Guilherme Irish.

O Escola sem Partido é a arma que mata Guilherme Irish todos os dias.

O combate “à ideologia de gênero” é a mancha de sangue nas mãos de cada comentador, cada prefeito eleito, cada vereador, cada imbecil homicida que se esconde por baixo das letras em caixa alta nos portais e ri como psicopata pra sublimar suas neuroses.

Mas eles não ligam e a Esquerda pensa em 2018.

Desde 2003 existem denúncias sobre MV-Brasil, Olavo de Carvalho, Rodrigo Constantino e o avano de uma extrema-direita organizada em torno de falsidades, de distorção, homofobia, machismo, misoginia, mas a Esquerda estava satisfeita no governo e se aliou ao PMDB, e tirou a esquerda não apartidária das ruas.

Ontem morreu Guilherme Irish, assassinado por seu pai, um imbecil reacionário, um estúpido, uma distorção da existência incapaz de entender minimamente qualquer coisa que não fosse a violência.

Hoje invadem a Câmara dizendo que este congresso é “comunista” e promove uma “ditadura comunista” e pedindo “intervenção militar”.

Não é coincidência.

Menos ainda é coincidência a canalhice de Temer e Folha de São Paulo vinculando este protesto fascista com os protestos de servidores estaduais no Rio de Janeiro.

Ainda dá pra tentar reverter isso, mas a Esquerda pensa em 2018.

Eu eurocêntrico: Ou da crítica como álibi pro analfabetismo funcional

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A galera perde a mão na crítica por vezes por absoluto analfabetismo funcional.
 
Me chamaram de eurocêntrico porque cito num texto uma porrada de autores, entre eles Frantz Fanom e Ashata shakur (Martinicano e estadunidense, respectivamente), e colocava que era fundamental dialogar teoria com MCs,funk,etc, com a comunidade, porque é fundamental mesmo.
 
Em vários momentos, até nesse texto, coloco que a teoria e a ação ou são da periferia pro centro ou dançam.
 
Sim, as pessoas leram (Leram?) a citação aos autores e ignoraram o texto, e desconhecem parte deles.
 
Também citaria João José Reis e Eduardo Silva, como já citei várias vezes, ou Chalhoub,mas eles são historiadores que tem uma contribuição teórica menos simples de ser transferida pro debate político em si (Vá lá dá pra fazer isso com Negociação e Conflio,mas Thompsom já aborda a mesma coisa),mas preferi citar as fontes teóricas mais amplas e mais facilmente transferíveis pro debates (E fontes dos debates propostos pelos eutores citados ai).
 
E também ignoraram o alvo do texto pra dizer que “Não cito todas as variantes da esquerda”, óbvio, eu me dirigia a uma variante, o que eu chamo de Esquerda de Apartamento©, seria no mínimo anti-didático citar todas as variantes de esquerda NESTE texto.
 
As pessoas não me lêem, não me conhecem, não procuram saber, não interpretam nem um textão “lacrador” (como se referiram a meu texto), mas são ágeis no julgamento (agilidade nem sempre é qualidade).
 
Isso não é problema, seria se não incluissem uma acusação de racismo porque uso o termo “nego” uma vez no texto, termo esse que cresci usando e ouvindo no subúrbio do Rio sendo emitido por todas as cores.
“Nego”, “negozinho”, é uma terminologia comum do Méier em diante. É negativo? Nunca percebi desta forma ou fui alertado a respeito.
 
Se for eu não tenho problema nenhum em parar de usar, basta me informarem a respeito, a questão é julgar tudo pelo uso de um termo ou porque sequer conseguem prestar atenção no conteúdo de um texto, seu contexto (todo texto tem contexto perceptível nele mesmo, basta ler) ou a forma que se aborda.
 
Ter cuidado e crítica são fundamentais, especialmente pra alertar sobre racismo, misoginia e homofobia, p.ex.,mas complica se o uso da crítica vira outra coisa, algo como caça às bruxas e gincana do purismo.
 
Pra me conhecer basta clicar no nomezinho presente no perfil e procurar nas minhas postagens o racismo,a homofobia, a misoginia, procurar minhas abordagens.
 
Querer em todo texto uma citação à todas as variantes da esquerda é de foder. Ou o Facebook agora vai precisar ter nota de pé de página?
Até porque se a pessoa que leu, e tá na esquerda, não consegue entender que quando a gente aponta Esquerda Brasileira de Apartamento© (chamar de generalização algo que eu cito nome a nome seus participan tres ou referências deles é dose) aponta para uma determinada Esquerda Fora Temer©(Tá repetido isso no texto inclusive), ela tem problemas sérios.
Ou todo autor que critica a Esquerda é automaticamente posto na caixinha da direita?
 
Transformar todo um texto em racista porque se usa um termo que pode vir a ser racista, não sei se é, uma única vez dentro de um contexto específico nada racista?
 
Chamar alguém de Eurocêntrico porque não entendeu o texto (Ignorar um parágrafo inteiro e a nacionalidade de Frantz Fanom pra chamar o autor de eurocêntrico é de foder)?
 
Não dá.
 
E com todo respeito, quem utiliza a ferramenta da crítica pra agir dessa forma é reflexo enorme do que apontei no texto a que me refiro: Falta de formação.
 
Não porque a esquerda precise ter toda leitura do mundo, não,mas ela precisa saber ler, e saber ler não é o exercício automatista de ler um texto inteiro, mas é ler, entender, possuir ferramental pra ir além de entender, efetuar a crítica do que leu e formular dali pra frente.
 
E com todo respeito: a maior parte da esquerda não faz mais uma mísera linha de análise do real que não seja um amontoado de lugares comuns mal escritos, anarquistas inclusive.
A fundamentalidade da esquerda sim ter programa que ensine teoria grossa (Tem enorme material produzido fora da Europa, viu?) é cada dias maior.
Inclusive é óbvio que a esquerda precisa ensinar a ler, sim, a ler, a ler textos inteiros e textos complexos, atuando inclsive como reforço pra quem começa universidade.
 
E sim, isso é A Esquerda Brasileira©. Sim, é de Apartamento©.
A minoria da esquerda é popular.
A minoria da esquerda partidária e a extrema minoria da esquerda nao partidária, são populares, são feitas de gente pobre e preta das favelas e bairros pobres.
Nunca vi o PSOL em Oswaldo Cruz, nunca vi anarquista em Santa Cruz, organizado não.
Tem sim esquerda não partidária em barirros pobres, mas ela não representa a maioria destes bairro e nem aponta pra isso. E basta ler meus textos pra saber que mesmo assim louvo sempre que posso o trabalho dessa esquerda não partidária, que tenho o GEP como referência, o MOB, a FARJ, a FAG.
A minoria de anarquistas está nas organizações de luta cotidiana, a maioria tá na internet chamando o coleguinha de eurocêntrico sem entender texto.
A Esquerda Partidária tá tão Ciranda Cirandinha© que sai de Starbucks em Starbucks gritando Fora Temer, Fora Feliciano, Fora Cunha enquanto a direita cassa nossos direitos e nos caça nas ruas, especialmente mulheres,negros e lgbts.
 
As marchas antifascistas são em menor número e com menos gente dos que as confirmações nos eventos de Facebook.
 
Vão nas comunidades anarquistas, por exemplo, tem mais gente querendo determinar se tu é “anarquista evrdadeiro” do que gente querendo dialogar com teoria.
É mais fácil aparecer anarco sindicalista chamando confederalista libertário de “traidor do movimento porque Bookchin defendeu que anarquista vote” (A rapaziada não entende sequer o contexto dessa defesa dentro da realidade estadunidense) e dizer que árvore e índio que se organizem como os trabalhadores se organizam, do que gente afim de construir alguma coisa pra além da teatralidade do “ser de esquerda”.
Nessas comunidades a rapaziada se escandaliza mais quando um companheiro diz que a luta sobre a prostituição, a favor ou contra, é uma questão que diz respeito à mulheres, cis ou trans, no máximo também a homens, cis ou trans, envolvidos com prostituição e chama de “doutrinado” porque se defende algo que é BÁSICO: Feminismo é um debate que deve ser feito entre mulheres.
 
Não muito mais longe, entre autonomistas se transformou em moda dizer que anarquistas são exemplo perfeito de quem só vê o lado bom de sua forma de luta, jamais admitem fracassos, ou seja, somos novamente um mundo onde a luta virou competição, a meritocracia invadiu o sistema da esquerda,né?
 
E a esquerda partidária com “Fora Temer”?
Outra questão é “Professores são também de direita!” ou “E tem professores que são de esquerda apenas no discurso!”, sim queridos, também tem “Esquerda” que só é “esquerda” em rede social, mas o texto era claro: A esquerda tem trocentos professores e é incapaz de organizar formação em seus vários espaços.
 
Eu centrei fogo na Esquerda Fora Temer,mas não só ela comete isso, quantos de nós estuda para além da obrigação formal?
Jura mesmo que as trezentas comunidades anarquistas nas redes sociais são compostas de quem realmente assim se pensa, mas opta comodamente pra nunca se organizar entre anarquistas fora da bolha e não tem problema nisso? Tá.
 
Quantos de nós leu minimamente? Poucos, e não me venham com papo de “Existe a sabedoria das ruas e nem todo mundo sabe ler texto pesado”, porque é bulshit.
 
Por que é bobagem? Porque a sabedoria das ruas não perde porra nenhuma em ganhar a companhia de ferramental teórico da pesada, vão por mim.
E nem o intelectual perde porra nenhuma em dar ouvidos às ruas, e ser das ruas, a não ser que o “sábio das ruas” esteja impregnado de um anti-intelectualismo estéril e tão burro quanto o nojinho elitista do intelectual de apartamento.
 
Ninguém precisa gostar de funk pra ouvir funk e funkeiros, nem amar Chartier pra aprender com Chartier, ou Fanom, ou Shakur ou Bookchin…
 
Só que sim, precisamos ler, precisamos saber Bahktin, precisamos ler Ginzburg, precisamos saber Shakur, precisamos de Samora Machel (Foda-se se ele era stalinista!), precisamos dar mais atenção às categorias nativas, de quem produz teoria com rap.
E precisamos de Marx, engels, Trotski, Nakunin, Kropotkin, Malatesta…
 
Mas precisamos antes de mais nada acordar pra vida e parar de fazer causinho babaca porque precisa “lacrar” o outro.
 
Aliás, “textinho lacrador”? Meçam vocês por suas réguas, amigos, não a todos.
Nem todo mundo usa rede social pra fazer forfait ou tentando pagar de mais brabo que o colega de escola.
O “ser de esquerda” virou valorativo moral, rótulo qualitativo das pessoas, e não identidade política que se estabelece enquanto ação.
O “ser de esquerda” virou uma versão menos ativa que o “ser vegano”, é sociedade do espetáculo, é representação, é teatralidade estéril.
Pois é, enquanto isso seguimos sem formação, com poucos de nós voltados pra entender mais e mais dor eal, dialogar amplamente com tudo e todos que permitam-se ao diálogo transformador seremos essa merdinha isolada, purista, burra, tosca e limitada.
 
Porque é sempre mais fácil atuar como grilo falante de mal humor que propor qualquer porra.
 
A crítica, arma da transformação, quando vira álibi, torna-se inerme.
 

Sobre não dar descanso a Temer, as diferenças, distinções e imobilidade eleitoreira

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Quando Dilma sofreu o impeachment na câmara parte da esquerda partidária e de movimentos sociais declarou que não daria um segundo de paz a Temer.

Pois é, mas deu.

Deu inclusive mais que um segundo em paz, deu dias, semanas, meses.

Manifestações até ocorrem, mas pingadas, poucas e pouco representativas.

Ações, como as que ocuparam o MinC, foram pouquíssimas e pararam há semanas, mesmo obtendo vitórias diante deste governo apalermado, ilegítimo e fraco.

E o governo ilegítimo prossegue com suas ameaças asneiras não só à classe trabalhadora, mas à democracia, ao bom senso, ao futuro da produção científica e à educação laica e de qualidade.

Mas a esquerda partidária prossegue sem tirar a paz de Temer, a não ser que entenda que tirar a paz seja xingar muito no Twitter.

Nesse meio tempo a esquerda partidária redescobriu o PMDB vilão de desenho animado, mesmo que o PT, que se aliou ao PMDB feliz em 2010, tivesse se construído denunciando o PMDB coo parte da direita coronelista brasileira desde seu nascimento nos anos 1980.

Todo santo dia parte dessa esquerda chora lágrimas de esguicho porque Cunha, Temer, etc são “ladrões” e “golpistas”, chega a ser meigo, doce e dramático, mas tem a função social do furúnculo na bunda como processo civilizador, com a devida vênia pela utilização terminológica.

Enquanto isso se não fosse índios, padres e bichas, negros e mulheres e adolescentes fazendo o carnaval à revelia da política institucional poderíamos dizer que a esquerda morreu enforcada nas tripas do último burocrata.

Sim, não há esquerda nas ruas, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê.

Tá, vá lá. Não sejamos injustos!
Profissionais estão em greve em vários estados, especialmente professores, e especialmente no Rio e RS, mas a vida da esquerda é mais que greve, por enorme importância que elas tenham.

E a vida política das greves é mais que elas mesmas e suas categorias.

Nem às greves o apoio coletivo da esquerda, o enorme peso necessário pra disputa hegemônica e contra hegemônica das consciências, a gente vê com a ênfase necessária.

Greve Geral? Sonha!

Vemos sim a esquerda tartamudear lamentos grandiloquentes sobre a maldade do mundo contemporâneo gritando o inócuo e babaquara grito “Primeiramente Fora Temer”.

Como se essa fraseologia amestrada fosse um abracadabra da libertação dos cães capetóides da revolução pra cima da direita, que ri, de lacrimejar na gravata, dessa bobagem.

A esquerda partidária definitivamente abraçou a teleologia da revolução enquanto evento escatológico e apocalíptico.

Sua religiosidade “racional”, seus mantras, signos, sinais, santos e demônios travestido de figuras públicas e burguesia, e segue na procissão candente dos ignaros rumo ao nada.

Tem avanço fascista que mata alunos da UFRJ, amplia crimes de ódio, ameaça professores, ganha DCEs, apoia bolsonaros, etc?

Lutaremos contra isso, mas vamos tentar canonizar nosso santo da vez elegendo-o prefeito primeiro?

E às diferenças e distinções entre nós da esquerda, como são tratadas? Com a velha e boa desqualificação dos que não são convertidos à fé dos mosteiros vermelhos de São Lênin, São Marx, São Trotski e Reverendo Stálin, na borrachada.

A nova é o racha do PSTU provocando grandiloquentes debates sobre a razão ou desrazão de gente adulto optar por tomar outro caminho organizativo.
Como se isso fosse sequer da conta coletiva ou elemento fundamental de qualquer mudança dramática na conjuntura ou tivesse efeito daninho à organização política coletiva.

Sim, a esquerda partidária ainda se ressente de gente adulta definindo que não quer mais fazer parte de grupo A e se deslocando pra fazer parte de grupo B ou vender sua arte na praia.

Como se o cara ao migrar sua militância pra anarquia ou sair do partido A pra fundar outro ou ir pro B, ou mudando seu nome pra Chupeta de Baleia e fazer performances acrobáticas na praça XV mudasse um cacete de elemento prático na conjuntura e tornasse a vida coletiva mais ou menos dura no enfrentamento político contra a direita.

Mas reparem que a cada racha ou a cada crítica soltam-se as balalaicas argumentativas dos xóvens do mosteiro vermelho falando da necessidade de “um partido da classe”.

Vejam bem, não falam da necessidade da classe trabalhadora se organizar ao máximo, mas dela ter “um partido”, reparem no numeral “um”, isso mesmo, apenas um, unzinho.

E as diferenças, as dissonâncias, a diversidade, as distinções? Fodam-se elas, só pode existir um.

Tá certo que parte boa da esquerda de hoje cresceu com Highlander no imaginário, mas desde os anos 1960 ao menos temos elementos teóricos pra discutir essa obsessão pela uniformidade na esquerda que dão um novo gás à nossa própria percepção do mundo e rediscutem a obsessão marxista-leninista pelo partido único, centralizadaço, supostamente democrático, não?

A diversidade, as distinções, as diferenças produzem mais diversidade, mais distinções e mais diferenças, e isso tá longe de ser negativo diante da óbvia complexidade da composição da realidade e das classes operárias, dos mundos e fundos que são feitos de gente que luta, se organiza, sobrevive, produz suas próprias pautas e lutas.

E o que isso tem a ver com dar descanso a Temer?

Tudo.

Até porque enquanto a esquerda partidária ignora o mundo externo a ela e o aumento dos crimes de ódio, da sanha bolsonarísta de se impor na porrada sobre mulheres, negros, LGBT, a coletividade transformadora da esquerda não partidária tá por ai enfrentando essa direita sem precisar gritar “Primeiramente Fora Temer”.

E segue a esquerda ignorando essas lutas, tratando-as como “problematização que desvia o foco da luta de classes”, atacando mulheres, atacando indígenas, atacando LGBT que gritam, em grandiloquente razão, sua fome de mudanças e conseguem cercear a direita, emparedar a direita, tornar a vida da direita um inferno enquanto a esquerda partidária agenda uma nova apresentação do Papai Noel de Montevidéu numa tour inútil de louvação tosca a figuras públicas burocratizadas, mas pop.

Ou isso ou lendo um Stalinista pop como Zizek falar bobagens reaças, mas de esquerda, enquanto Temer agenda matar a CLT a pauladas.

Vão esperar perder direitos pra agir? Não é a lição que secundaristas, índios, LGBT e mulheres estão dando.

Mas uma esquerda que ainda acha que só há um caminho pra transformação, e portanto um tipo de conhecimento supostamente racional e organizado pra compreender a realidade, consegue aprender algo que fuja do adestramento?

Difícil.

Sobre o Brexit

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Há dias leio aqui e ali coisas sobre o Brexit, em geral comentários soltos, posições políticas da esquerda, dos jornais, relatos produzidos nas redes sociais por quem analisa a questão in loco,etc.

Preferi não ler enormes análises lotadas de dados e tentar responder menos e perguntar mais.

O motivo dessa opção é porque muitas percepções a respeito do Brexit, ou de qualquer grande fenômeno social, tendem há tempos a virem impregnadas de mecanicismos de direita, esquerda ou até mesmo anarquistas.

Um deles é o que coloca que a saída da Grã Bretanha da União europeia seria um meio de se livrar da Troika, o que me assusta um pouco tendo em vista a construção ideológica da austeridade para além de organismos e Estados A, B ou C.

A Grã Bretanha inclusive foi uma das criadoras da esquerda que segue o receituário neoliberal e da austeridade a partir do New labour de Tony Blair, que se espalhou como pólvora acesa Europa afora, esquerda afora.

E esse é uma das questões que escolhi colocar: a saída da União Europeia resolve o problema da austeridade? Se sim, como resolve?

Sinceramente do que eu vi não há a menor chance da resposta ser sim, ainda mais com uma análise melhor de quem lucrou com a saída sob o ponto de vista político.

Do Britain First a Le Pen, boa parte dos grupos ultra conservadores europeus comemoraram tanto quanto a esquerda radical. Claro que sob perspectivas diferentes.

Os ultra conservadores comemoraram a partir da perspectiva do combate à imigração e fomento ao discurso nacionalista com tinturas fascistas.

A esquerda radical comemorou a partir da percepção do enfraquecimento da Troika, da possibilidade real de libertação nacional por parte de Escócia, Irlanda e Gales dentro da Grã Bretanha,mas também com a abertura de meios para que coletivamente países devastados pela Troika ganhassem um bom álibi para saírem também do âmbito da União Europeia, como Portugal, Espanha, Grécia e Itália.

É até interessante a perspectiva da esquerda radical,mas o que há além de perspectiva?

Porque o discurso ultraconservador me parece que tem um grande trunfo na conquista da hegemonia político-cultural no Reino Unido, e não só, se é que já não é o grande vencedor desta batalha.

Há um real processo de organização pela esquerda radical nos países europeus, e no próprio Reino Unido, que garanta uma vitória dessa perspectiva de esquerda?

Outra coisa, a esquerda europeia fez um brutal esforço nos últimos anos pra se organizar de forma a produzir na União Europeia um cenário de avanço coletivo para enfraquecer a Troika por dentro, esse esforço de PODEMOS, Syriza e Bloco de Esquerda de Portugal foi, e é, inútil?

E como está a organização popular para além dos partidos e das academias?

O avanço conservador europeu é de conhecimento tácito, a perseguição às organizações orgânicas populares idem, o sentimento anti-intelectual também, onde está o avanço de uma perspectiva que não seja alimentadora do ultra conservadorismo praticamente fascista?

Grupamentos autonomistas e anarquistas vem há anos sendo perseguidos pelos Estados Europeus, com a anuência ou omissão de boa parte da esquerda partidária, mesmo antes de uma guinada ultra conservadora, como será a partir de agora?

E com relação aos imigrantes, grande alvo deste plebiscito, e provavelmente dos que se seguirão?

E os resultados econômicos imediatos? E as formas de reversão econômica para os países que saem da União europeia, foram pensadas, estão sendo pensadas para além do discurso de comemoração?

Que a UE era, e é, uma ferramenta de opressão burguesa em larga escala à classe trabalhadora a gente sabe, mas sair dela desarma essa ferramenta, e suas sucursais nacionais? É pra se comemorar quando o discurso mais ouvido não é o da esquerda?

E com o avanço do nacionalismo enquanto eixo discursivo e cultural na Europa, como ficam as ideologias de cunho explicitamente internacionalista como socialistas e anarquistas?

Pra se derrubar a Troika o que mais se derrubou?

O eco que se ouve é o de uma esquerda que comemora um processo ideal a partir de um evento que pode ter múltiplos resultados, inclusive o que a condena.