Sobre não dar descanso a Temer, as diferenças, distinções e imobilidade eleitoreira

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Quando Dilma sofreu o impeachment na câmara parte da esquerda partidária e de movimentos sociais declarou que não daria um segundo de paz a Temer.

Pois é, mas deu.

Deu inclusive mais que um segundo em paz, deu dias, semanas, meses.

Manifestações até ocorrem, mas pingadas, poucas e pouco representativas.

Ações, como as que ocuparam o MinC, foram pouquíssimas e pararam há semanas, mesmo obtendo vitórias diante deste governo apalermado, ilegítimo e fraco.

E o governo ilegítimo prossegue com suas ameaças asneiras não só à classe trabalhadora, mas à democracia, ao bom senso, ao futuro da produção científica e à educação laica e de qualidade.

Mas a esquerda partidária prossegue sem tirar a paz de Temer, a não ser que entenda que tirar a paz seja xingar muito no Twitter.

Nesse meio tempo a esquerda partidária redescobriu o PMDB vilão de desenho animado, mesmo que o PT, que se aliou ao PMDB feliz em 2010, tivesse se construído denunciando o PMDB coo parte da direita coronelista brasileira desde seu nascimento nos anos 1980.

Todo santo dia parte dessa esquerda chora lágrimas de esguicho porque Cunha, Temer, etc são “ladrões” e “golpistas”, chega a ser meigo, doce e dramático, mas tem a função social do furúnculo na bunda como processo civilizador, com a devida vênia pela utilização terminológica.

Enquanto isso se não fosse índios, padres e bichas, negros e mulheres e adolescentes fazendo o carnaval à revelia da política institucional poderíamos dizer que a esquerda morreu enforcada nas tripas do último burocrata.

Sim, não há esquerda nas ruas, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê.

Tá, vá lá. Não sejamos injustos!
Profissionais estão em greve em vários estados, especialmente professores, e especialmente no Rio e RS, mas a vida da esquerda é mais que greve, por enorme importância que elas tenham.

E a vida política das greves é mais que elas mesmas e suas categorias.

Nem às greves o apoio coletivo da esquerda, o enorme peso necessário pra disputa hegemônica e contra hegemônica das consciências, a gente vê com a ênfase necessária.

Greve Geral? Sonha!

Vemos sim a esquerda tartamudear lamentos grandiloquentes sobre a maldade do mundo contemporâneo gritando o inócuo e babaquara grito “Primeiramente Fora Temer”.

Como se essa fraseologia amestrada fosse um abracadabra da libertação dos cães capetóides da revolução pra cima da direita, que ri, de lacrimejar na gravata, dessa bobagem.

A esquerda partidária definitivamente abraçou a teleologia da revolução enquanto evento escatológico e apocalíptico.

Sua religiosidade “racional”, seus mantras, signos, sinais, santos e demônios travestido de figuras públicas e burguesia, e segue na procissão candente dos ignaros rumo ao nada.

Tem avanço fascista que mata alunos da UFRJ, amplia crimes de ódio, ameaça professores, ganha DCEs, apoia bolsonaros, etc?

Lutaremos contra isso, mas vamos tentar canonizar nosso santo da vez elegendo-o prefeito primeiro?

E às diferenças e distinções entre nós da esquerda, como são tratadas? Com a velha e boa desqualificação dos que não são convertidos à fé dos mosteiros vermelhos de São Lênin, São Marx, São Trotski e Reverendo Stálin, na borrachada.

A nova é o racha do PSTU provocando grandiloquentes debates sobre a razão ou desrazão de gente adulto optar por tomar outro caminho organizativo.
Como se isso fosse sequer da conta coletiva ou elemento fundamental de qualquer mudança dramática na conjuntura ou tivesse efeito daninho à organização política coletiva.

Sim, a esquerda partidária ainda se ressente de gente adulta definindo que não quer mais fazer parte de grupo A e se deslocando pra fazer parte de grupo B ou vender sua arte na praia.

Como se o cara ao migrar sua militância pra anarquia ou sair do partido A pra fundar outro ou ir pro B, ou mudando seu nome pra Chupeta de Baleia e fazer performances acrobáticas na praça XV mudasse um cacete de elemento prático na conjuntura e tornasse a vida coletiva mais ou menos dura no enfrentamento político contra a direita.

Mas reparem que a cada racha ou a cada crítica soltam-se as balalaicas argumentativas dos xóvens do mosteiro vermelho falando da necessidade de “um partido da classe”.

Vejam bem, não falam da necessidade da classe trabalhadora se organizar ao máximo, mas dela ter “um partido”, reparem no numeral “um”, isso mesmo, apenas um, unzinho.

E as diferenças, as dissonâncias, a diversidade, as distinções? Fodam-se elas, só pode existir um.

Tá certo que parte boa da esquerda de hoje cresceu com Highlander no imaginário, mas desde os anos 1960 ao menos temos elementos teóricos pra discutir essa obsessão pela uniformidade na esquerda que dão um novo gás à nossa própria percepção do mundo e rediscutem a obsessão marxista-leninista pelo partido único, centralizadaço, supostamente democrático, não?

A diversidade, as distinções, as diferenças produzem mais diversidade, mais distinções e mais diferenças, e isso tá longe de ser negativo diante da óbvia complexidade da composição da realidade e das classes operárias, dos mundos e fundos que são feitos de gente que luta, se organiza, sobrevive, produz suas próprias pautas e lutas.

E o que isso tem a ver com dar descanso a Temer?

Tudo.

Até porque enquanto a esquerda partidária ignora o mundo externo a ela e o aumento dos crimes de ódio, da sanha bolsonarísta de se impor na porrada sobre mulheres, negros, LGBT, a coletividade transformadora da esquerda não partidária tá por ai enfrentando essa direita sem precisar gritar “Primeiramente Fora Temer”.

E segue a esquerda ignorando essas lutas, tratando-as como “problematização que desvia o foco da luta de classes”, atacando mulheres, atacando indígenas, atacando LGBT que gritam, em grandiloquente razão, sua fome de mudanças e conseguem cercear a direita, emparedar a direita, tornar a vida da direita um inferno enquanto a esquerda partidária agenda uma nova apresentação do Papai Noel de Montevidéu numa tour inútil de louvação tosca a figuras públicas burocratizadas, mas pop.

Ou isso ou lendo um Stalinista pop como Zizek falar bobagens reaças, mas de esquerda, enquanto Temer agenda matar a CLT a pauladas.

Vão esperar perder direitos pra agir? Não é a lição que secundaristas, índios, LGBT e mulheres estão dando.

Mas uma esquerda que ainda acha que só há um caminho pra transformação, e portanto um tipo de conhecimento supostamente racional e organizado pra compreender a realidade, consegue aprender algo que fuja do adestramento?

Difícil.

Da diversidade da subversão e do ethos transformador

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Primeiramente #Molotov .

Os caminhos ideológicos da esquerda traduzem as contradições próprias do campo contra hegemônico a partir de sua miríade de campos dentro e fora do marxismo tradicional.

Quando coloco campo contra hegemônico é proposital pra fugir da terminologia “Progressista” onde são encaixados uma outra miríade de grupos que nem sempre são participantes de qualquer noção ética de transformação social ou ruptura ao status quo, entre eles liberais democratas, capitalistas desenvolvimentista de linha keynesiana, etc.

Por que os caminhos da esquerda hoje, tida como dispersa e fragmentada, traduzem as contradições inerentes a este campo contra hegemônico? Porque a esquerda jamais foi esse monólito vivo em torno do ideário marxista.

E isso se tornou mais eloquente pós-crise do estruturalismo decorrente dos efeitos da segunda guerra mundial e da racionalização do genocídio a partir do nazifascismo provocando uma crise na própria narrativa moderna da razão como libertadora e mãe do progresso.

Inclusive esse é mais um motivo pra crítica do uso do termo “progressista” para definir quem atua no campo contra-hegemônico, mais conhecido como esquerda. Porque a lógica moderna do progresso traduz uma percepção de avanço das forças produtivas que despenca na ideia do domínio antropocêntrico da Terra com desprezo absoluto ao meio ambiente, e também a um etnocentrismo que põe na frente a concepção moderna do progresso industrial e científico branco ocidental como medida de todas as coisas e culturas.

Dessa crise “da razão” emergiram muitas formas novas de transformação contra-hegemônica, mas também ressurgiram formas antigas e que estavam em campo desde muito tempo antes, como a própria ideia de anarquia que por muitos anos foi submersa pelo marxismo-leninismo, nem sempre apenas com a hegemonia ideológica e cultural, mas com violência (vide 1936 na Espanha).

Além do ressurgimento de campos ideológicos antigos como a anarquia e o autonomismo, surgem novas formas de debate contra-hegemônico como as que nascem a partir do feminismo e da luta LGBT, como a teoria Queer; A própria ideia de organização política dos povos originários, com seus paradigmas teóricos próprios que compreendem o mundo, a sociedade e as formas de transformação para além do que as teorias ocidentais propõe, mesmo que dialoguem com elas em algum momento; As construções ideológicas das populações africanas e do Oriente médio e Ásia a partir do caudal cultural e teórico produzido na descolonização, com ações que incluem o pan-africanismo e o marxismo, mas também releituras de ambos e transformações que traduzem valores próprios como a filosofia Ubuntu.

Para além disso as teorias produzidas na História, Filosofia e nas Ciências sociais apontam para novas saídas teóricas passíveis de serem utilizadas, como de fato o foram, por movimentos.

Pensadores como Ginzburg, Foucault, Thompsom, etc, fogem dos paradigmas centrais ao marxismo-leninismo e apontam para novas interpretações possíveis da vida humana e das organizações sociais que não eram contempladas quando Marx produziu suas teorias no século XIX ou quando Lênin se organizou misturando a teoria marxista a uma percepção fordista da política. Ou se eram contempladas o eram de forma absolutamente embrionária.

Se já haviam esses movimentos nos anos 1920 ou 1930, com críticos como Walter Benjamin tanto trabalhando com a crítica à construção marxista-leninista como mecânica quanto apontando o progresso, e a própria noção de História como irmã do progresso, como um processo de inevitável libertação da humanidade a partir do desenvolvimento técnico, como se a sociedade e a tecnologia fatalmente se abraçassem um dia numa era de ouro do humano, eles triplicaram em participação, peso e vivência no pós-segunda guerra e produziram tantas transformações quanto possível na própria ética da transformação no campo contra-hegemônico.

E desde os anos 1960 em especial esses movimentos e caminhos se tornaram cada vez mais diversificados e mais contundentes na ampla raiz de uma crítica complexa, completa e permanente de todos por todos e da própria ideia de transformação social.

E o que isso nos mostra? Nos mostra muitas possibilidades de análise e entre elas está desde a própria percepção das transformações como parte fundamental para o avanço das ideologias de transformação, com resultados práticos, até a própria reação de parte da esquerda outrora absolutamente hegemônica a esta diversidade e à própria crise de estabelecimento de sua ideia de unidade como hegemônica entre o diversificado plano de consciência dos movimentos de transformação.

Além disso, esse confronto entre a miríade de movimentos de transformações e os outrora campos hegemônicos do ideário de transformação põe também em confronto a própria ética da transformação, ou seja, o ethos que permite a compreensão da moral deles (Dos opressores) e da nossa (quem busca as transformações).

Não é incomum que nos embates e nas lutas pela representação do ideário da transformação o amplo espectro da ética inerente aos mais diversos movimentos seja mandado pro espaço em nome da punição daquele que disputa com o outro o papel de representante da transformação social e política (Seja ela a revolução, a anarquia, a igualdade de gêneros ou o fim do racismo ou tudo isso junto). Não é incomum as acusações mútuas entre os campos de serem traidores de uma causa em especial ou de uma bandeira ou de um campo de significados que simbolizam a revolução. E não é incomum todos estarem certos.

A diversidade da subversão por vezes é tomada como panaceia ou como veneno, quando não é nem um nem outro e sequer deveria também significar diversidade do ethos transformador.

A diversidade da subversão é um fenômeno histórico que traduz uma nova percepção do real como multifacetado e intraduzível de forma única pelas mais diversas ciências e teorias (incluídas ai as ditas exatas), algo que se não é consenso é cada vez mais perceptível nos debates ocorridos no interior das ciências humanas, e não só.

A diversidade no ethos transformador é que é um problema e dos grandes.

Porque a diversidade da subversão é filha dileta da expansão das formas de luta e dos campos de embate contra a opressão, que produzem amplos espectros de vitórias e de exposição das forças conservadores e do Estado a uma miríade de táticas e demandas que não os permitem muitas saídas simplificadoras.

Prendem anarquistas? Autonomistas atuam. Prendem comunistas? Grupos feministas estão nas ruas. Universitários reprimidos? Secundaristas ocupam escolas.

Entre todos esses existem comunistas ortodoxos e não ortodoxos, autonomistas tradicionais e novos, black blocks, feministas interseccionais e radfem, movimento negro unificado ou que inclui brancos, movimento indígena com raízes partidárias e autonomistas, entre todos existem foucaultianos, confederalistas libertários, anarquistas, autonomistas, malucos, etc.

E todos participam da enorme tarefa de transformação do mundo com o estabelecimento de uma polifonia onde vários mundos acabam se tocando e dialogando, na marra.

Isso é o estado da arte da diversidade teórica e da liberdade de ação política conquistada pela contestação, dentro e fora da academia, e que permite de tudo um pouco nas ruas, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê.

Essa diversidade teórica e liberdade de ação política nasce da própria crítica às amarras teóricas e políticas produzidas no campo contra-hegemônico pela ascensão do marxismo-leninismo como resposta única a todas as questões produzidas no espectro contra-hegemônico que contemplassem as transformações necessárias nas sociedades contra toda forma de opressão.

Essas amarras nasceram e cresceram desde a ascensão de Lênin ao poder na URSS com silenciamento de todas as contradições internas e externas aos bolcheviques, muitas vezes com uso do exército vermelho de Trotski, e viraram um Leviatã sob Stálin e com o crescimento do peso geopolítico da URSS e seu controle sobre os partidos comunistas mundo afora.

Não à toa dois dos momentos de explosão da miríade de movimentos e concepções de luta nascem na e da explosão teórica pós-1960, período onde também ocorre o primeiro rompimento coletivo com o Stalinismo partindo da própria URSS e tendo reflexos na saída da China do estado de parte do Komintern, e após a queda da URSS nos anos 1990.

O resultado das reações à diversidade teórica e liberdade de ação política pós-1960 vem sendo, primeiro pelos PCs e agora pelos partidos da esquerda tradicional (em geral trotkistas) mundo afora, bem similares: Descrédito a tudo o que foge da ideia de “unidade”, que no fundo é busca de uniformidade; desqualificação das teorias contra hegemônicas não partidárias como “pós-modernas” , mesmo que a maioria ainda compartilhe de boa parte dos paradigmas da modernidade e o pior dos casos, o desvio ético que contempla o abandono do ethos da transformação em nome da garantia de espaços de poder, em geral burocráticos, que permitam o confronto com vantagens operacionais contra as mobilizações diversificadas, ou mais gerais e autônomas. Essas vantagens nos confrontos incluem uso do aparato policial de governos, processos judiciais e sim, tem muito a ver com a concepção fordista e até militarizada (Trotski defendia inclusive a ideia de militarização de sindicatos na revolução russa) de movimentos sociais e organizações políticas.

E ai é que está parte do problema do rompimento com o ethos transformador.

Porque o ethos transformador inclui na práxis cotidiana a ideias de reprodução ética de valores aos quais se deseja espalhar para toda a sociedade, ou seja, não adianta defender igualdade de direitos entre gêneros e etnia e incorrer em racismo ou machismo.

Não adianta ser contra transfobia e ser transfóbico, homofóbico, etc. Não adianta querer a liberdade da sociedade via revolução e encarcerar quem diverge de você, ou desejar que alguém morra de forma brutal por ser seu adversário, mesmo ele sendo um torturador ou defensor de torturadores.

A diversidade de meios de luta contra hegemônica é positiva, a flexibilização ética do ethos transformador não.

Há uma bela diferença entre pacifismo e contraposição à barbárie com barbárie.

Precisamos manter a lógica de ampliar a diversidade de percepções, interações, construções contra hegemônicas, a diversidade não nos enfraquece, fortalece e “pira” o poder.

Se nesse meio tempo essa diversidade também enfraquece as forças políticas organizadas em torno das burocracias, paciência e problemas deles.

Enfrentemos os resultados disso, pensemos e construamos a resistências à opressão com ou sem essas forças, com ou sem parlamentares, mas não esqueçamos da necessária manutenção do ethos transformador.

Parte da diferença entre nós e Bolsonaro é saber a nossa ética. Quem esqueceu ainda dá tempo de lembrar.

A própria ideia da catalogação ideológica em caixinhas determinantes e limitadoras é parte de um processo redutor do outro ao limite ideológico imposto. Por isso limites como “anarquistas não podem votar” ou “marxistas tem de ser centralistas democráticos” são parte da redução e da simplificação, que contém uma boa dose de autoritarismo.

O limite do pertencimento ao campo contra-hegemônico deveria ser menos doutrinário e mais ético, menos autoritário e mais libertário, menos redutor e mais amplificador e pode ser resumido na luta contra a opressão e contra o capital como porto seguro de todas as opressões a partir das opressões de classe.

Precisamos ir além do sistema e pensar pra fora dele. Ir além do voto, ir além das caixas, mas sem desgrudar de nossa ética fundamental: Não podemos ser como quem combatemos.

 

Do Impeachment ao stalinismo: A ampliação do silenciamento de mulheres, LGBT, Negros e índios

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O Brasil passa por milhares de problemas hoje.

Pós-impeachment de Dilma ele acrescentou a uma crise econômica gravíssima dentro de um contexto mundial, um nível de ruptura institucional complicadíssimo pra quem vive a luta institucional.

Acrescente a ampla descrença no sistema político brasileiro que vem em um crescendo ao menos desde 2013 um avanço de conservadores, amplifique com desconfiança tácita em todos os partidos, um judiciário ativista com flexibilidade ética, um governo interino ilegítimo e uma esquerda imobilizada, voilá, temos um caldeirão pronto pra requentar o caos.

Pra piorar o governo ilegítimo acha que o impeachment os legitima pra uma guinada de 180º na linha política já tímida do governo anterior em relação a direitos e a esquerda partidária pira na batatinha endossando o que o Governo Dilma e o PT mais querem: A irreflexão sobre os anos de concessões que pavimentaram o golpe transformada em apoio acrítico, recheado de pânico, ao Partido dos Trabalhadores como se um golpe fosse uma espécie de morte, que a tudo santifica.

É de um lado Alexandre de Moraes afirmando que usará a lei antiterrorismo pra meter a porrada em manifestante e quem criou a lei antiterrorismo e foi cúmplice de violência contra manifestante na copa e sócio do agronegócio no ataque a indígenas dizendo que são lados opostos, porque Dilma foi apenas péssima em DH, enquanto Temer é o horror.

Só que tudo fica mais pantanoso e até leviano quando nos pegamos lendo atitudes que envergonharia a esquerda se essa não tivesse perdido a noção de ética e do que é nossa moral em relação à da burguesia faz tempo, nessa marcha de naturalização do Stalinismo como se fosse pragmatismo e da secundarização de lutas como se fosse “foco na Luta de Classes”.

Bem, o PT e parte da esquerda partidária não satisfeitos em mimetizar a mídia corporativa para atacar Temer, como se precisasse, também está utilizando o momento crítico pra fazer uma caça às bruxas a toda a esquerda que atuava nos movimentos ampliando as pautas e exigindo mais direitos, especialmente os movimentos calo pro PT e governo como LGBT, Mulheres, Negros, Índios, Trans, etc.

Além do clássico “Não é hora de criticar o PT” temos agora o “Essa galera que problematizava turbante, essas ‘‘feminazis’’ são também participantes do golpe!” e variações da ladainha numa ressurreição do movimento de criminalização de ativistas produzido em 2013 que chegou ao ponto dos MAV do PT espalharem fotos fake de anarquistas empunhando bandeira nazista, foto manipulada por Photoshop que apagou o A anarquista e pôs a suástica.

Pra completar ninguém da esquerda partidária faz a mínima autocrítica sobre sua participação na criminalização de anarquistas e autonomistas feitas de 2013 pra cá, e não só, atua pra aparelhar as ocupações de escolas e transformar todo movimento de resistência a Temer em parte da “Frente Povo sem Medo”.

Se juntarmos o avanço de silenciadores secundarizadores de luta tentando silenciar mulheres e negros com o aparelhamento da indignação não é difícil entender o que temos pela frente: além da luta antifascista, que não recebe um pingo de ajuda dos partidos da ordem como PT, PSOL e PSTU, ainda temos um avanço de uma concepção stalinista de esquerda que é um avanço autoritário terrível para a esquerda.

E sim, esse momento contém mais perigos do que podemos imaginar. O avanço do Stalinismo dentro do campo das esquerdas naturaliza o autoritarismo como solução.

Some a contaminação autoritária da esquerda à ampliação do caudal autoritário na sociedade como um todo e o resultado não é exatamente cheiroso.

Se a esquerda é autoritária e a sociedade também é não há Chapolin Colorado que nos salve.

Em tempos onde escolas ocupadas sofrem ataques violentos de estudantes financiados pela direita para agredir quem as ocupa é perigosíssimo transformar quem deveria resistir a isso em espelho.

A complexidade dos problemas e da conjuntura exige mais do que uma reação dura aos ataques conservadores, ela exige uma reação qualitativa ao avanço do conservadorismo.

Não precisamos e nem podemos responder autoritarismo com flores, mas também não precisamos ou podemos responder ao conservadorismo com autoritarismo centralizador, silenciador e até misógino e racista.

É nessa hora que precisamos entender a diferença entre nós e eles. E ela não é só de um suposto lado que ocupamos e arbitrariamente definimos como se fossem uma manifestação binária maniqueísta.

A diferença entre nós e eles é também de valores, de busca de abolição de hierarquias, classes, fronteiras, opressões.

E não, isso não é sonhador, isso é identitário, estruturante.

Não podemos manipular manchetes pra desqualificar Temer, não precisamos disso, temos a defesa dos DH e a luta contra sua violação como tarefa, e isso já dá um enorme caldo pra batermos no governo ilegítimo.

Não, não precisamos sacanear movimentos autônomos ou a luta contra o silenciamento, debatedora do lugar de fala, e contra a apropriação cultural racista pra supostamente focar na luta de classes sufocando “desvios”, porque a luta anti racista e contra privilégios,misoginia, machismo e homofobia SÃO A LUTA DE CLASSES.

E também não precisamos fantasiar o governo Dilma pra chamar Temer de um horror.

Essa é inclusive a hora de E-XI-GIR do PT uma plataforma de real guinada à esquerda, uma reversão programática do que vinha fazendo, concretizando promessas jamais cumpridas, isso pra começar, e não para agirmos como esquerda domesticada pronta a servir o tutor do Campo da esquerda na hora em que ele precisa, mesmo sem merecer uma linha de confiança.

Precisamos inclusive entender que as fragilidades do governo Temer tem tudo pra miná-lo mais cedo do que a imprensa encantada com o governo reaça deseja e sequer percebe. E que essas fragilidades fatalmente porão de novo o PT no governo, ou ao fim de 180 dias ou em 2018,mas que recebendo endosso ao que foi Dilma baseado numa espécie de amnésia causada pelo pânico teremos a continuidade de governos terríveis pra DH, meio ambiente, indígenas, favelados, etc..

Não basta, portanto, resistir a Temer, derrubá-lo, precisamos também derrubar no PT o que levou Temer a ser presidente ilegítimo.

E não faremos isso com silenciamento e adesão acrítica, precisamos de mais e um bom começo é saber que nossa moral e a deles não é a mesma.

O que fazer no dia depois de amanhã?

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A esquerda vem sendo reativa há tempos, isolada em seus castelos, transformada em assessoria de gabinete de governos, movimentos organizados inclusive, desde muito tempo antes do PT assumir o poder em 2003.

Funcionou por muito tempo a relçação entre movimentos, partidos, governos e mandatos. Construiu caminhos através da burocracia, programas de governo e projetos de lei.

Só que enquanto se acostumava com a relação íntima com palácios a esquerda foi paulatinamente perdendoas ruas, e quando percebeu isso, especialmente em 2013, outras forças da própria esquerda e da direita começaram a ocupá-las. A saída pra governos e partidos vinculados à esquerda foi criminalizar quem ocupava as ruas, colocando todos no balaio do fascismo.

Isso esvaziou as ruas por um tempo até que a direita se reorganizou, amparada por governos explicitamente de direita, e voltou pras ruas, amparada por policiais que construiram publicamente a diferença entre “manifestante” e “militante”, o segundo, “comunista”, deveria ser reprimido, os demais não.

Atônita a esquerda partidária permaneceu longe das ruas. Aprisionada e processada, a esquerda não partidária também, embora atuasse fortemente nas ocupações de escola, manifestações por passe livre, etc, atuando em geral por vias menos ortodoxas, mais próximas às periferias e vinculadas a bandeiras mais práticas e cotidianas.

E cresceram os movimentos de direita, a classe média conservadora tomou gosto pelas manifestações sem política, sem repressão policial, com muita festa, anticomunismo, ódio racial, ódio a LGBTTS, feminismo e em especial ao comunismo. O fascismo começava a pôr a cabeça de fora.

A esquerda, aidna atônita, mas percebendo o perigo de impeachment saiu às ruas por um breve tempo, depois voltou a aguardar com a fé dos incansáveis, uma solução salvadora vinda das articulações palacianas de suas figuras públicas.

E não teve solução, não teve articulação que desse jeito, Dilma caiu, Temer assumiu com um ministério mais conservador que o de Collor.

Enquanto tudo isso acontecia várias manifestações antifascistas e ocupações de escolas ocorriam, com a esquerda partidária as ignorando ou tentando se apropriar delas pela via de UBES e UNE sem muito mais do que dezenas de estudantes ocupando o Parlamento, enqquanto nas escolas alunos auto-organizados tocavam o baile do ativismo que transforma, conseguindo em São Paulo uma CPI da Merenda e no Rio o fim do SAERJ (Prova de avaliação de “desempenho”). As ocupações horizontais permanecem em vários lugares, como em Goiás, Porto Alegre, Fortaleza.

E ai, e o resto da esquerda, o que faz no dia depois de amanhã do Impeachment de Dilma?

Bem, pouca coisa prática além de choramingar sobre o recuo conservador que é o Governo Temer e listar publicações internacionais criticando o impeachment de Dilma.]

Zero de análise, de auto-crítica, de propostas, zero de percepção de algo além do óbvio sobre o processo.

Parece que Temer, vice de Dilma, desceu de um disco voador vindo de Marte.

A esquerda petista lembrou outro dia que os índios existem e colocou que com Temer eles vão acabar. Bem, pode ser, inclusive Temer precisa apenas olhar como Dilma produziu parte do processo de extermínio indígena e repetir, nem precisa reinventar a roda.

Esse é parte do problema: Cadê ao menos o “Foi mal!” do PT sobre os recuos que empoderaram essa direita que o golpeou pra gente começar a conversar coletivamente sobre resistência? Não vai rolar? Não, não vai rolar, mas então, que tal ao menos propor caminhos de resistência além do Avaaz?

Não sei se vocês notaram, mas dizer o óbvio, que o ministério Temer é um horror, não o transforma no Coelhinho da Páscoa.

A ausência de mulheres e negros, a transferência da titulação de Quilombos pro MEC não é apenas um informe, é uma prática entrando em ação. Alexandre de Moraes na Justiça idem, significa que o pau vai comer.

E não, não adianta vir com aquele papo brabo de “Viram? Sem o PT é pior!”, porque senão a gente lçembra a responsabilidade do próprio PT com alianças à direita e empoderamento do mesmo PMDB dentro dos governos Dilma e Lula. Sim, sem o PT é pior, mas com o PT não estava bom e metade do ministério Temer também foi ministério Lula ou Dilma, de Henrique Meirelles a Henrique Eduardo Alves, Jucá, Kassab, etc. Melhor mudar de assunto, não?

Então, estão vendo as escolas? Estão vendo as manifestações antifas? Que tal baixarem a bola e a sbandeiras e colarem enquanto militantes pra apoiar, dar força sem tentar apropriar, aparelhar, transformar em palco eleitoreiro? Que tal se transformarem de novo naquela galera que não queimava na fogueira valores e bandeiras históricas pra construir o cadafalso que produziu o impeachment de Dilma?

E podemos avançar, há enormes mudanças no quadro teóprico prático da militância anarquista e socialista desde 1917, sabe? Tem as experiências do Curdistão libertário sírio, por exemplo, que dão caldo. E acho que se o Ocalan velho de guerra conseguiu produzir uma teoria libertária vindo de uma tradição leninista a gente consegue também, não?

Que tal a gente começar a discutir comitês de resistência? Não, dificilmente vai ter a adesãod e autonomistas e anarquistas, mas tem boa parte da esquerda que ainda ama votar e adoraria uma experiência organizada de forma horizontal, mesmo com o exemplo dado recentemente sobre o valor que a eltie política dá ao voto. Sabe o PODEMOS e o SYRIZA? Pois não nasceram cooptados pelo sistema e tem mais horizontalidade que a maior parte dos partidos brasileiros, mas muito mais que PSOL e PT.

Sei que RAIZ e REDE não são similares a PSOL e PT, embora o RAIZ esteja hoje em filiação solidárioa ao PSOL, mas são experiências de organização político partidária bastante mais horizontais e o quadro de recuo conservador não tá deixando barato quem fica pensando apenas no próprio umbigo.

Para além disso há contingentes autonomistas e anarquistas produzindo coisas novas, com resistência a tarifaços, aumento de energia, passagem, com luta por ocupação de imóveis, tem todo um trabalho educacional sendo feito. Tudo isso pode ser exemplo de funcionamento pra quem quiser transformar de novo o quadro político e construir saídas ao recuo conservador.

Ainda mais se analisarmos o quanto esse recuo que tenta atingir cotas, LGBT, mulheres, etc e também não aponta nenhuma saída econômica que vá funcionar em um quadro de crise econômica internacional, que tende a ampliar a recessão, além de pôr fogo no cabaré que é hoje o teatro político brasileiro.

Já tem ocupação do IPHAN, auditores do CGU bastante invocados, pra disso sair greve é dez reais, mesmo o Alexandre de Moraes achando que o Brasil é São Paulo e vai geral protegê-lo de mídia e de exposição.

E ai, que tal parar o mimimi e produzirmos o avanço na marra?

Jean, as nega e o movimento negro

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Jean Willys em evento recente em Brasília falou como teórico da comunicação pra cagar regra sobre como o movimento negro se sente. Então eu vou cagar regra como historiador pra explicar pra ele que 300 anos de escravidão marcam um país inteiro com racismo, e que inclusive teóricos da comunicação reproduzem  este mesmo racismo em seus elogios, defesas e sua brodagem aos autores, diretores e mandantes de sua nova classe.

Talvez ao ler Althusser demais se tenha lido Thompsom, Gorender, José Murilo de Carvalho, Sidney Chalhoub, João José Reis e Marx de menos, por isso se esquece como funciona a luta de classes, a formação da classe operária, a relação entre classe e costumes, o racismo, a criminalização da pobreza e da cor preta e como se constrói a distância entre a república prometida e a república entregue ao povo, aos pobres, aos pretos,etc.

Talvez por ser um novo querido da emissora global, e tudo o que isso significa em termos de defesa corporativa dela e de seu novo status e locus de classe, fora o deslumbramento clássico com o novo posto na institucionalidade, com o novo lugar de fala teórico e com o novo status social que o permite transitar de forma superficial pelo terreno pantanoso da conciliação de classes, Jean tenha se esquecido da empatia que jamais se furtou a cobrar , e recebeu, sobre sua causa principal, a luta LGBT.

Pena que a empatia que recebeu, e receberá enquanto lutador, não veio de volta para com negros e negras, um movimento inteiro, que contestam a emissora cujo diretor de jornalismo escreveu o livro “Não somos racistas” para negar o racismo da sociedade , do estado, da mídia,etc.

Pena que a empatia que cobra, com razão, quando em luta contra a homofobia não funciona para com negros e negras estereotipados, submetidos à cruel e racista lógica da falta de espaço concreto, contra a hiper sexualização das mulheres negras, contra a colocação do lugar de fala de negros sempre como pedaços de carne favelados,etc.

Pena que em vez de citar Althusser para silenciar o movimento negro, Jean não teve, como jamais teve, a humildade de reconhecer um erro e tentar ser tão dócil com o movimento quanto é com a burguesia e foi com o mesmo PT que abriu mão da CDHM da câmara pro Feliciano ao apoiar Dilma com uma plataforma que sabe, como todos que tem mais de dois neurônios sabem, que ela jamais porá pressão para realizar, a da criminalização da homofobia.

Jean que foi prolífico na acusação de que anular o voto era ficar em cima do muro, quando optou por um lado do muro optou pelo lado que tem a voz do branco, louro e que despreza os negros.

Realmente estamos de lado diferente do muro e foi até bom ser visto por quem tá do outro lado como diferente.

A verdade, o unilateralismo, a beleza, o índio, o negro e o black Bloc

images (1)Todo pensamento unilateral contém o inevitável autoritarismo. O entendimento de algo como uma verdade única, centrada em uma objetivação da realidade é automaticamente inibidor da diversidade e portanto da democracia.

Esta “ditadura” reflete-se na sociedade de muitas formas, desde a lógica do padrão de beleza unitário, que exclui gordas e negras do belo, até o entendimento da ideia de progresso como ligada intimamente ao aquecimento da economia, ao aumento de consumo, ao aumento e desenvolvimento das “forças produtivas”, como se fosse um ligar de uma locomotiva faminta e sem freios na direção do abismo.

201109070815340000004175Produzir significa acumular capital, conforme o pensamento hegemônico, produzir significa consumir matéria-prima e energia para que bens sejam construídos, consumidos em nome de um bem-estar intimamente ligado ao ter. Esta ideia de produção é o carro-chefe de uma ditadura de entendimento da realidade, de um pensamento único, que se vale da concepção que produzir, viver, ter, estar, morar são estados relacionados diretamente com a ideia de propriedade, com a ideia de economia com valoração de cada elemento ao redor do homem, inclusive ele, seja terra, ar, água, bichos, plantas, como se todos tivessem um preço, como se o valor de uso e troca fosse natural, nascesse com cada item da realidade ao redor do homem, líder máximo de uma lógica onde o homem é o centro do universo.

la-pensee-uniqueEsse entendimento é complementado com a recusa de percepção de qualquer outra forma de entender a realidade, de qualquer percepção cultural divergente, como passível de alguma “razão” ou sentido. A concepção de etnias indígenas da terra como parte de um organismo vivo, como elemento fulcral da existência deles para além da economia, da produção, do valor continente no uso da terra, vira anátema, pois bate de frente com a lógica, o pensamento único em torno do qual se ergue a economia e a lógica de vida ocidental, cristã, branca.

Outro aspecto da ditadura do pensamento único é a ótica do que é bom ou não para segmentos inteiros da população. Pobre morar na favela? Não pode e jamais passa na cabeça das pessoas a possibilidade urbanizar a favela, de que favela seja cidade. Greve? Atrapalha o trânsito. Proibir carro no centro das cidades? Atrapalha o direito individual da posse do automóvel, dane-se se o transporte coletivo permanece secundarizado em nome do individualismo egoísta, consumidor de combustíveis fósseis que aceleram os efeitos do aquecimento global. Lutar pelo fim dos combustíveis fósseis? Maluquice, a economia EXIGE crescimento e isso EXIGE energia, EXIGE, o conforto individual, a matriz energética em uso é o petróleo e não se fala mais nisso, energia renovável e alternativa são caras demais!

20090207_non.pensamento.unico.grandeE palavra em torno de muitas destas questões é “custo”, é a centralidade do “custo”, do aspecto monetário sobre todo e qualquer entendimento relativo à lógica do bem viver como mudança dos paradigmas de civilização, para além da precificação da vida, das pessoas, das cidades, da terra, das matas, do existir. O “custo” das coisas é central, o “custo” das coisas é o eixo em torno do qual giram a lógica que prioriza, hierarquiza o que deve ou não ter a economia direcionada para realizá-lo, ou seja, o que é prioritário para a população e sociedade é decidido em torno de “custo”.

E quem decide? Como se dá o processo “democrático” de decisão? Há democracia? Se chega ao todo todas as informações, todos os meios de decidir, o que está em jogo?

imagesPoderíamos elencar também problemas relacionados ao processo de veto à homossexualidade, de repressão à orientações sexuais diversas, à transsexualidade, à ideia do papel da mulher, à lógica de respeito à diversidade étnica, ao racismo, ao racismo ambiental e tantos outros efeitos da ditadura do pensamento único, que parte de uma hegemonia cultural elitista e chega aos jornais e Tvs e é reproduzida, naturalizada, tornada como um elemento dado da vida cotidiana, imutável, asfixiante.

E todo pensamento contra hegemônico é crime, é criminalizado.

Todo método contra hegemônico é crime, é afastamento do povo das lutas, é afastamento da regra, da lei, do bom comportamento, dos bons modos, do bom senso.

E é por isso que toda criminalização dos Black Bloc tem um pouco de navio negreiro.

A dimensão da utopia, a revolução e os novos Lênins

 Road_to_utopiaTratar de mudança política não é exatamente simples, tampouco receita de bolo. A dimensão da transformação tem tantas miríades de sentidos possíveis subjetivos a serem lidos em atos, palavras e movimentos, que a simplificação de um método ou de uma ideia de estado, ou de mesmo uma só ideia de revolução é delírio simplificador.

Se ler a realidade concreta fosse fácil e apontasse para um só sentido unitário não haveria desde sempre um mar de pensadores mundo e história afora, cada um com sua percepção de uma realidade, de uma verdade ou até da não-verdade.

A questão é que cada contexto histórico, cada conjuntura, aponta sinais identificáveis de novas formas que a multidão de gentes por vezes denominada “povo”, “massa”, “massona” ou “povão” (quase sempre por quem se aparta dela para defini-la com distância segura) interpreta se não o real a ruptura com o que entende como sistema ou peso opressivo de alguma realidade.

Cada contexto histórico traz suas insurgências, traz suas permanências, traz suas rupturas e conservações e é necessário que cada pensador ou militante que pretenda transformar este real lê-las, olhá-las nos olhos, preocupados menos com encontrar a verdade verdadeira única de todas as coisas e mais com antecipar minimamente uma tática de intervenção que consiga atrair o máximo de gente possível para oque defende como eixo de ações transformadoras.

É, amigão, to falando de convencer pessoas que tua tática revolucionária é o lance.

img_ju427-06bNeste contexto atual, por exemplo, o próprio questionamento da relação entre movimentos, partidos e ativistas com o cotidiano político é questionado. A própria relação entre os movimentos, as pessoas e a atividade política é jogada aos leões em busca de demolir concepções quadradas de vida, de militância, de relação com vidros, vidraças, mundo, ambiente, amor, mídia.

A dimensão contestatória não tá ai para fingir que não vê a frase maldita cheia de homofobia do sujeito que em tese diz que quer mudar o mundo.

A contestação, caras pálidas, não tá vestindo o fraque mediado do fanfarrão da esquina, tampouco o papo brabo de que “povão é assim”.

A contestação quebra vidraça do Itaú,a contestação arrebenta a secadora do Xingu, invade usina, ocupa Câmaras, derrete leninismos de salão querendo mais que conversinha nas terras Quilombolas, na avenida Paulista ou na praça onde Feliciano-RS prendem pessoas que se beijam em um espaço público ocupado por ele indevidamente em nome de uma só vertente de uma só fé, atropelando a laicidade do estado, atropelando a democracia de um estado cujo emblemático simbolismo de um Pastor Deputado (jamais um Deputado Pastor) chamando a polícia para reprimir lésbicas se beijando EM ESPAÇO PÚBLICO é eloquente.

street_art_24A contestação não trata a dimensão do sonho como um “Além da Imaginação”, uma “Twilight Zone” promovida por esquerdóides, amiguinhos. A contestação chegou à sala de aula, e não na cabeça de estudantes, mas na de professores precarizados em greve numa das principais cidades do país.

A contestação tá na rua derrubando um dos governadores centrais para a política do PT e para concepção de cidade mercadoria, de mundo mercadoria, de Brasil Grande neodesenvolvimentista com fome de petróleo, com fome de carbono, de escolas, de postos de saúde, de consumo que nos consome enquanto gentes a trabalhar doze, treze, quatorze horas para pagar os carnês das dívidas enquanto deixamos a vida no prelo.

A contestação pegou a dimensão do sonho gritando que não era por vinte centavos enquanto militantes amestrados pro revistas, blogs e sites de partidos acostumados com a cadeira acolchoada do poder dizia se tratar de Vândalos e Baderneiros.

imagesA dimensão do sonho voltou numa contestação mascarada que lei nenhuma vai desmascarar e enquanto isso ainda existem citadores compulsivos de Lênin procurando pelo em ovo pra justificar qualquer coisa em nome de mandatos acomodados, acostumados a pedir em vez de exigir, a criar espantalhos para a fome de moral e bons costumes de quem pede o fim da corrupção como se pedisse pães franceses na padaria mais próxima.

E enquanto a dimensão do sonho renasce com utopias múltiplas, dissonantes e polifônicas, como deve ser, a exigência de novos Lênins é clara, imensa, nítida. Mas exigem-se novos Lênins com menos fome por construir estacas fundadores de novos países e novos estados, mas canais para o fluxo contestatório passar derrubando represas.

São precisos Lênins que construam o diálogo, um diálogo amplo, que aprendam, que ensinem, que se joguem, que quebrem, que requebrem, que riam, que sambem, que ouçam a polifonia menos buscando a síntese perfeita e mais aprendendo que ruptura pode sim rimar com gostosura, com liberdade, com vontade e com verdades, sim com s, por muitas, imensas, gigantes, que nunca dorme, que se soltam noite afora quebrando tudo até a última ponta para derrubar Cabrais e outros ditadores mal-acostumados a achar que a voz das ruas é rouca, enquanto sempre foi doce.

images (3)São precisos novos Lênins prontos a divertirem-se recuperando a utopia, a dimensão do sonho em que Garibaldis, Bakunins, Marx, Engels fizeram a primavera dos povos.

Porque sempre precisamos de mais primaveras.

O julho Papal e a má fama de Cabral

Sérgio-Cabral-e-o-Papa-por-PelicanoO que significa o Papa Francisco I no Brasil neste mês de Julho?

Este texto não começa à toa com uma pergunta, pois se pretende menos uma afirmação e mais ser um provocador, um questionador, talvez para que as respostas sejam menos soluções e mais apontamentos.

Existem vários quadros possíveis para responder a esta pergunta e outras, alguns desenhos são cabíveis de serem feitos a partir de indagações no plano da política local, nacional, internacional, na relação entre religiões, entre a Igreja Católica e a mídia, entre o Governo brasileiro e o Vaticano, entre os megaeventos e os planos do estado e entre a população e os poderes.

Um deles diz respeito ao que foi projeto pelo Prefeito do Rio, Eduardo Paes, e pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, no que tange aos negócios que seriam/foram feitos em nome dos mega eventos como a Copa e a Olimpíada, e em menor grau a Jornada Mundial da Juventude, e o resultado final do impacto da JMJ no cotidiano de ambos e mais, na imagem da cidade/estado do Rio de Janeiro para com o mundo, preocupação número um dos governantes/gerentes do capital e cujos gabinetes tem sido chamados pela oposição, a meu ver com razão, de balcão de negócios.

Deu certo? O investimento em nome da venda da Cidade do Rio de Janeiro como cidade-evento, ou cidade-mercadoria, teve retorno? Fortaleceu a cidade enquanto marca? Fortaleceu a cidade enquanto infra-estrutura?

Acredito que as panes no sistema de transporte, na própria infra-estrutura erguida em Guaratiba e que sucumbiu à lama das chuvas, responde às perguntas e aponta para um caos maior em eventos com previsão de maior envergadura na exigência de transportes,etc. Aliás, um dado a se pensar é que o prefeito e o governador declaram feriados nos dias da JMJ, parciais ou não, e que para usar o Metrô o cidadão carioca que não tivesse passe especial era simplesmente barrado, e mesmo assim deu pane.

Outro quadro é da relação entre o povo carioca, em protesto quase diário pela queda de Cabral desde o fim de Junho, e os governantes diretos e indiretos, Eduardo Paes, Sérgio Cabral e Dilma Roussef.

A presença do Papa não arrefeceu ânimos protestantes, e se os protestos tinham menos gente, não era, ou foi, desprezível a quantidade de protestos com cerca de cinco mil participantes tanto na sede do governo do estado quanto nas proximidades da residência de Sérgio Cabral, e todos sendo recepcionados mais cedo ou mais tarde pela violência policial que atira bombas de gás lacrimogêneo em hospitais.

A relação entre protestos e violência policial, que Cabral usou tentando desviar denúncias contra si, atingiu um limite tão grande que levou o governador a criar uma comissão especial para investigar vandalismo, investindo na dicotomia Vandalismo x Policia, que teve de revogar ao fim de tantas denúncias de inconstitucionalidade.

Para completar o nível de perda de controle do governador por sobre as tropas e aliados, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, em entrevista exclusiva à Mídia Ninja, fez questão de se descolar do aliado mor, ou ex-aliado mor, Sérgio Cabral.

Cabral, ao fim e ao cabo, ao revogar o decreto que criava a CEIV (comissão especial de investigação sobre vandalismo) entregou às baratas o Secretário de Segurança do Rio e o comandante da Polícia militar como responsáveis diretos pela truculência policial, como se o comandante em chefe da Polícia, ele Cabral, não tivesse nada a ver com isso.

A truculência policial ocorreu também com o Papa no Rio, pra ampliar o grau de desmoralização do Governador, ou seja, como cidade mercadoria o Rio de Janeiro fracassou tanto na infra-estrutura para megaeventos quanto na habilidade de conter manifestações sem a proverbial truculência da polícia ainda militar do Rio de Janeiro.

Para agravar a situação o quadro expôs danos quase irreversíveis, a um ano da eleição, ao muro do outrora paraíso da popularidade de Dilma, Cabral e Paes e expôs também crises palacianas mal ditas pelo cotidiano de sorrisos e felicidades entre PT e PMDB.

As resposta de Cabral aos protestos ampliaram-nos e mais, derrubaram a popularidade dele, de Paes e de Dilma, que por razões de “governabilidade” não tem como descolar-se imediatamente do outrora primeiro aliado.

A lusitana roda ainda trouxe consigo o PT Carioca em profunda crise, já que o partido tinha membros entre os que filmavam os movimentos a partir da mídia alternativa, entre os próprios protestantes e entre quem condenava os protestos a partir de uma lógica delirante que os protestos contra Cabral, assim como todos os protestos de Junho para cá, eram no fundo um golpe armado contra a toda poderosa salve salve iluminação popular do Partido dos Trabalhadores em todos os níveis de governo, governabilidade e aliados.

Essa crise do PT não passa despercebida aos aliados ou adversários, e se reflete na lógica pressão para que o PT saia dos governos Cabral e Paes, e mais, ecoa na imagem de Dilma que tentou se construir como uma governante que “ouve as ruas” tentando ignorar a extrema inabilidade da mesma em responder aos protestos sem emprestar a Força Nacional a governadores, inclusive tucanos.

Aliás, essa crise do PT se reflete imediatamente na dicotomia entre estar nas ruas e nos governos, protestar contra Cabral enquanto sua presidente da república mantém um apoio explícito e tem em metade dos programas construídos no Rio como testes para uma plataforma nacional (UPPs, UPAs, Megaeventos) e mais, ser “esquerda” com políticas de direita, sendo secretário de direitos Humanos em um governo que os viola com sua polícia truculenta.

No plano da relação entre o Governo Brasileiro e o Vaticano a coisa fica um tanto mais enrolada.

Desde a assinatura entre o Governo Lula e o Vaticano de tratados que buscavam minimizar a aproximação oficial entre o PT e fundamentalistas religiosos ligados ao neo-pentecostalismo a partir do reforço do reconhecimento de instituições educacionais e de “caridade” vinculadas à Santa Sé, reforço na isenção tributária de igrejas,etc, o Governo do Brasil buscavam elementos simbólicos que deixassem clara que as relações entre o Governo do Brasil e evangélicos não seriam as únicas que o Partido dos Trabalhadores travariam para manter um grau de governabilidade e de laços e alianças políticas com as bancadas ligadas às religiões.

Ao fazê-los, os tratados, o Governo Brasileiro iniciou um processo de aproximação que com o governo Dilma Roussef e sua boa relação com o atual Papa Francisco I, ganhou fôlego.

Ao mesmo tempo a Igreja Católica precisava também do Brasil para focar sua ação “evangelizadora” e fazer uma demonstração de força ao mundo exatamente onde as igrejas protestantes mais cresciam. E a JMJ deu a ambos um meio de fortalecer laços e de demonstrar poder.

As reações dos Evangélicos fundamentalistas não tardaram a aparecer e isso pode ter um preço na costura da ampla rede de laços e alianças que o PT e o Governo travaram para manterem-se governando uma coalizão outrora poderosa, mas que diante da reação popular parece ruir a olhos vistos.

Outro elemento desta relação foi a aposta da principal rede de televisão do País, a Rede Globo, na transmissão da Jornada Mundial da Juventude como evento prioritário, invadindo inclusive ou outrora sagrado futebol de domingo e carro chefe da emissora.

A emissora, que estava se aproximando das lideranças fundamentalistas e buscando um contraponto à Rede Record, e outras emissoras que centravam fogo em programas voltados aos evangélicos neo-pentecostais, pela via do mercado Gospel, ao partir para a transmissão do evento católico como foco prioritário de sua programação optou deliberadamente por fazer parte da órbita da política do Vaticano de demonstração de força no principal País Católico do mundo, o Brasil, que via o avanço das igrejas evangélicas e de pastores como Marcos Feliciano dizendo que a igreja Católica era uma religião decadente.

Esta aposta se deu ao mesmo tempo em que a emissora mantinha-se como porta-voz da polícia militar e do governo do estado no que tange à manifestações populares, ó rompendo quando as imagens que circulavam via redes sociais impediam uma luta eterna contra o óbvio. A mesma relação se repetia na relação da JMJ e a cidade vendida pelo prefeito como pronta para megaeventos, só rompida quando as falhas no sistema de transporte se negaram a acompanhar a venda do mundo da fantasia.

Dá pra fazer mais relações entre a emissora mor do Reino e o principal partido no Brasil de hoje, o Prefeito Eduardo Paes e o Governador Sérgio Cabral, mas fica para outra hora, deixando apenas a sugestão de quem recebe mais verbas do Governo Federal entre emissoras e empresas de mídia.

Este julho Papal criou muitas dúvidas, apontou cenários, revelou fraturas e caminhos que muitas relações entre quadros podem se dar. Indicou falhas no Rio como mundo perfeito que vendiam para Inglês ver.

Nós que fomos um Rio da mais perfeita governabilidade, acordamos e somos um Rio que protesta com Papa e tudo.

Nós, que fomos um Rio que amava Dilma, Cabral e Paes, acordamos gritando a plenos pulmões que o Papa é BOPE.

Nós, que fomos um Rio pintado à mão pelos melhores publicitários, acordamos com um Papa e a ideia de que somos um Rio menso preparado, mais cheio de lama e gás lacrimogêneo do que supunha a vã filosofia do coro dos contentes.

Nós, que fomos um Rio de obras, agora somos um Rio que pergunta onde está Amarildo?

Não há mais tempo de tremer às mortes: do PT em diante.

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Acaso um ser humano adulto durante os anos 1930 fosse transportado para 2013, seria difícil explicar pra ele que a História não foi um processo que deu uma vitória permanente ao conservadorismo e ao fascismo.

No Brasil especialmente a derrocada do PT de Esquerda, substituído pelo PT de Ex-querda que publica em redes sociais um “Vai pra cima dos índios!” em nome da defesa de um desenvolvimento erroneamente confundido com avanço imparável de uma locomotiva genocida, trouxe à baila com cumplicidade do Partido dos Trabalhadores, um samba de enredo ruim, evolução escabrosa e cuja harmonia não rima lé com cré rumo ao caos.

A marcha conservadora no Brasil não explica-se apenas por si mesma, explica-se pela cooperação feérica do Partido dos Trabalhadores em sua construção a partir do entendimento que construir uma governabilidade que o mantivesse no alto da gerência do capital, e do estado para o capital, saísse do plano da tática para o plano da estratégia, abandonava o posto de prática provisória, para tornar-se práxis, ou método permanente.

A lógica da governabilidade para a execução de uma atividade fim vinculada com a transformação do Brasil foi substituída por uma governabilidade executada para a execução de uma atividade meio que é a manutenção do aparato burocrático para o comando do Brasil.

O que antes era dito como “Precisamos governar para mudar a vida das pessoas” foi substituído por “Precisamos governar, mudamos a vida das pessoas” e essa construção não inclui apenas o entendimento do merecimento do status de governante, inclui antes de mais nada o entendimento da necessidade quase adicta de ocupar espaço burocrático para ostentar um poder que se entende como “desígnio” como “destino manifesto”.

Não à toa a relação próxima entre os empedernidos defensores do Governo Petista, e sua megalômana e leviatânica coalização governamental, se aproximam ao fanatismo fundamentalista religioso no entendimento de uma legitimação automática de todo e qualquer ato governamental dado que este é aquele escolhido para transformar o Brasil em um acelerado e transformador veículo de condução do progresso. O problema é que esse progresso só lembra avanço se o imaginarmos como uma máquina destruidora atropelando tudo à sua frente que não consegue ou conduzi-lo ou resistir a ele.

Para agravar essa lógica perversa a relação entre destino manifesto de ocupação do poder com a governabilidade a qualquer preço, a lógica da governabilidade e do inegável poder conquistado com méritos político-pragmáticos levou ao PT a abraçar com desenvoltura tudo o que lhe permitisse não só garantir um poder nunca visto antes em tempos democráticos sobre congresso, estados e municípios, como também minar o exército adversário através da tática de cooptação de lideranças que antes eram base tucana.

O exercício dessa cooptação levou à construção de alianças com a mais perversa direita e fundamentalistas religiosos em um processo que já estava em curso com relação a outras legendas, especialmente nas coalizações regionais, e que foi levado para dentro do PT que federalizou o processo regional. Com essa tática, o PT reduziu a oposição oficial, partidária, a quase zero, a natimorta, a um espantalho bobo que só assusta quem cai nos contos de fadas despolitizados que a claque brande mundo afora.

O problema da tática é que o PT virou inicialmente um refém de sua própria necessidade, sendo obrigada manter práticas que sua história renegava em nome do objetivo final de manter-se a todo custo no governo. E com essa ação ele acabou trazendo para dentro de seu arco de alianças a oposição que mantinha fora. Esse processo inicialmente fez o PT oscilar entre recuos e avanços da agenda dessa oposição intestina à suas bandeiras históricas, porém no decorrer do tempo o processo iniciado por Lula de assimilação das forças políticas que podiam gerar algum tipo de ruído (e que inicialmente compreendia a própria base social do PT, movimentos sociais,etc, cooptados sem dó nem piedade no decorrer dos anos Lula) passou da assimilação de nomes e partidos para a assimilação de programas e o que era externo ao PT, que engolia em nome de um projeto, virou o próprio PT, que agora tem inclusive entre seus quadros quem sustenta discursos similares ao mais abjeto fascismo de Malafaias, Bolsonaros e Felicianos.

E nesse processo o que se vê é a percepção por parte do PT e do Governo de que esta agenda conservadora e fascista não é uma agenda problemática e que os movimentos e pessoas que sustentaram a chegada do PT ao poder, e antes ao estágio de maior experiência da esquerda mundial, não são mais necessários.

O ataque aos direitos das minorias e o patrocínio de homofóbicos e suas políticas levados a cabo pelo PT são a marca disso. O ataque aos povos originários, indígenas e quilombolas, em prol do avanço do agronegócio não são efeitos colaterais da tática, são a própria tática, são a escolha de um lado, o do dito desenvolvimento do país, sendo que desenvolvimento é visto como crescimento de indicadores econômicos e não necessariamente de melhorias estruturais para a população brasileira, que se consome continua sem escola e saúde de qualidade.

E o que faz a oposição de esquerda nesse momento? Bem, considerando a gravidade do momento e a óbvia desconfiança para com toda a esquerda depois do que aprontou o menino PT, a esquerda até que aos trancos e barrancos consegue alguma unidade de ação que se não supera a fragmentação, supera o imobilismo. E esta esquerda possui um gigantesco desafio pela frente, que é superar o descrédito e mais, a metodologia que herdou da tradição socialista e também do próprio PT, da qual a maioria saiu.

Diante de um quadro onde lutadores de todas as origens que se referenciavam no PT, apoiavam o PT ou faziam parte de seus quadros, pedem pra sair, porque já não suportam o debácle do PT e o estupro de sua história em nome de uma governabilidade que só serve hoje para manter as íntimas relações entre os comissários e doadores de campanha, cabe à esquerda se reorganizar para ocupar mais celeremente o espaço deixado vago pelo ex-PT.

Alguns desafios são claros aos partidos e movimentos de esquerda: superar a formação flácida da maior parte da esquerda, que resume seu cotidiano teórico à reproduções acríticas dos escritos marxistas-leninistas, sem uma reflexão concreta sobre a teoria de Marx e seus comentadores através dos tempos em toda a sua abrangência; Ir além de Marx, compreendendo formação como mais que adestramento, mas como espaço de reflexão, de formação de capacidade analítica e para isso exigindo uma formação robusta com possibilidade de contraponto, de leitura do contrário para além do “precisamos compreender como o inimigo pensa”, mas sim “precisamos entender a amplitude de ferramentais teóricos à nossa disposição”; romper como viés burocrático de ocupação de espaço político pelo espaço, sem leitura estratégica da necessidade de trabalhos de longo prazo e portanto da necessidade de conquista da hegemonia político-ideológica, que passa pelo cultural; ir além do eleitoral, sem no entanto negar-se a ele não só como abertura de espaço de debate, mas como fundamentalidade da defesa de direitos adquiridos e populações marginalizadas e tidas como minoria, diferenciar-se do PT, diferenciar-se do possibilitismo da esquerda pós-anos 90, buscar ser “impossibilista’, acreditando na inovação, seja tecnológica, política, metodológica. Entendendo a necessidade de renovar linguagem e métodos, sem perder-se nisso como um fetiche “desmarxizador”, mas entendendo a necessidade de dialeticamente reconstruir o papel de transformadora que a esquerda possuía; A esquerda precisa ser também propositiva, porém não entendendo proposição com timidez, entendendo proposição com radicalismo, entendendo a discussão sobre políticas públicas questionando o cerne ideológico delas, não se prendendo e assustando quando ver o temor custo colocado como empecilho, sendo que custo é ali um entendimento neoliberal da ideia de política pública, como se o custo financeiro fosse mais importante que o custo social da imobilidade, isso se aplica muito na discussão sobre energia, quando brande o custo da energia solar como empecilho, sendo esse raciocínio ocultador também do custo não declarado das energias prioritárias para o capital, como nuclear e fóssil.

Enfim, há um longo desafio para as esquerdas pela frente, sejam elas as partidárias ou não, e para percorrer esse caminho é preciso agir, é preciso estar atento, forte, não há mais tempo de tremer às mortes.

Brasil: Um País de esqueletos no armário #desarquivandoBR

tumblr_m2clmrKfeC1qejpkbo1_500A história do Brasil é repleta de esqueletos no armário, do impedimento do encontro das muitas faces da verdade ocultadas em armários, gabinetes, medos e pavores dos que comandam a pátria mãe tão distraída.

Da Abolição a Canudos, do Contestado à Revolta da Vacina, da Revolta da Chibata à Vargas, de Vargas a 64, de 64 até 2013, o número de esqueletos no armário só aumenta, fazendo com que o país necessite de muitas comissões da verdade para extirpar as manchas indeléveis que permanecem nítidas em sua história e são reproduzidas no cotidiano da sociedade através das eras.

Charge 1As torturas nas delegacias de hoje são frutos da reprodução das práticas das tantas ditaduras ou do passado escravista onde o outro devia ser reduzido pela dor à uma peça obediente para que o controle social fosse efetivo?

As mortes cotidianas de jovens negros são fruto da política das ditaduras sendo mantidas com as mesmas táticas e diretrizes ou da criminalização de negros e pardos como pobres, e portanto criminosos, que se iniciou ainda no pré-abolição?

imagesA secessão entre pobres e ricos, as restrições de protestos, as restrições de expressão, a violência cotidiana com relação a direitos das minorias majoritárias, a manutenção na porrada dos padrões de comportamento em uma disciplina social ferrenha, autoritária e violenta são fruto dos resquícios da ditadura de 64 ou dos muros invisíveis erguidos para justificar a escravidão e manter o controle social sobre escravos, pretos, pobres e mulheres por uma sociedade escravista onde o macho adulto branco não fazia a menor questão de não reivindicar seu lugar no topo da cadeia alimentar?

São muitas as perguntas e nenhuma das respostas deveria ignorar que cada esqueleto guardado no armário torna o Brasil um país com uma das sociedades mais injustas do mundo, e que não só não resolve seus problemas do passado como se esforça para alimentar o faminto armário de mais esqueletos para a manutenção da nódoa de lama e sangue a qual nomeia História.

images3A manutenção dos ossos no armário não permite o reconhecimento da história do Morro da Providência e a presença fundamental daquela população onde está para manutenção da memória dos primeiros atingidos pelas inúmeras reformas urbanas do Rio de Janeiro e pela memória da guerra do Paraguai e Canudos.

A manutenção dos esqueletos no armário permitiu que João Cândido morresse na miséria, sendo mantido pela marinha como criminoso, mesmo tendo sido um herói da luta antirracismo naquela força armada.

jt11_ditaduraA fome do armário de ossos também mantém a lógica de resistência a uma fictícia guerra entre comunistas e a “nação” que produz Bolsonaros e Felicianos e também mantém Canudos e Contestado como anátemas para um exército acostumado e pisar na cabeça da população que cisma em fugir de uma ordem platônica erguida pela corporação e cujo lema Ordem e Progresso não se furta a atropelar peles pretas e pobres que por acidente estejam em seu caminho.

militaresarquivosditaduOs esqueletos no armário também mantém até um governo, onde boa parte de seus membros é vinculado diretamente à resistência contra a ditadura de 1964, refém de um pragmatismo torpe e cúmplice da manutenção dos esqueletos dos mortos e desaparecidos pela ditadura militar ocultos sob camadas e camadas de arquivos fechados e cujo teatro da Comissão Nacional da Verdade nem de leve pensa em remover o pó que os oculta, um pó repleto da tradicional injustiça de nosso Estado, de nossa Pátria, que devia ser fratria e nem mátria é.

ditadura1Enquanto os homens exercem seus podres poderes o armário permanece alimentado de esqueletos, alguns muito antigos, e o país rico, que se pretende sem pobreza, segue batendo em índios, negros, gays e mulheres. Segue mantendo a injustiça e prosseguindo sob uma lenga lenga de “Mudamos a vida das pessoas” deixando os rastros de sangue de uma ausência de qualquer mediação entre a violência conservadora do status quo e os inúmeros atingidos pelo seu voraz caminho de enriquecimento dos barões e amigos do rei.

esqueleto limparEnquanto os homens exercem seus podres poderes e buscamos fazer renascer nosso carnaval o grito de “Apesar de você” segue preso numa garganta acostumada a romper o silêncio da paz de cemitérios que é nosso país na marra, na rua, numa raça que só quem possui a estranha mania de ter fé na vida poderia ter.

Os arquivos são muitos, os esqueletos são muitos e serão mantidos fechados enquanto não entendermos que a morte dos Juvenais e Raimundos, de tantos Julios de Santana, se refletem no Xingu, em Belo Monte, na Providência, em Manguinhos, no Capão Redondo, em Porto Alegre, no Mato Grosso, na Avenida Paulista.

frase-se-voce-nao-se-pode-livrar-do-esqueleto-que-esta-no-seu-armario-e-melhor-que-o-ensine-a-george-bernard-shaw-154307Para amanhã ser outro dia é preciso que entendamos quem manda na chave dos armários onde os esqueletos estão guardados, é preciso que entendamos quem se mantém guardando os esqueletos desde o Império e ainda hoje, em um governo do ex-Partido dos Trabalhadores, possui o poder para continuar alimentando-o com novos ossos.

ditaduraÉ preciso que lembremos sempre a memória de tempos onde lutar por seu direito era um defeito que mata, e para isso é preciso que lembremos o tamanho do armário de ossos, os tantos ossos ali ocultos, que lembremos quem guarda a chave, para que o abramos e deixemos sair nossos heróis que não morreram de overdose, mas de História, e nos aguardam para que os façamos ver o sol nascer a nosso lado, como memória, como verdade, como justiça.

Post participante da VII Blogagem Coletiva #desarquivandoBR..