Pelotas, a UFPEL e o diabo que mora nos detalhes dos discursos

Desde que tenho memória, há nela alguma relação com universidades. Quando era criança pequena lá em Guadalupe, um pequeno longínquo bairro da mui leal cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, convivia com a vida universitária de meu pai, trabalhador da segurança pública que resolveu virar “dotô” aos quase quarenta anos. “Seu” Gilson se orgulhava muito de ter se tornado bacharel em direito pela UFRJ aos quarenta e um anos, mais do que ser Detetive-inspetor da polícia civil do Rio de Janeiro, e lidava com isso com o mesmo orgulho que eu lido hoje por ter a chance de ser um doutorando em história pela Universidade Federal de Pelotas. 

Porque nem a graduação dele, nem meu quase doutorado foram conquistados no kinder ovo, ainda mais sendo em uma universidade federal. Além disso, talvez nós cariocas tenhamos um defeito enorme de respeitar para caramba termos uma universidade federal em nossa cidade, o mais estranho é que os niteroienses também se orgulham de sua UFF, e os capixabas que conheci se orgulhavam de sua UFES ou os meus amigos mineiros de Belo Horizonte ou de Montes claros se orgulham de sua UFMG e UNIMONTES. Outras pessoas insanas são os porto-alegrenses e seu orgulho da UFRGS.

Já os pelotenses, os médios ou não, tem um problemaço com a UFPEL e eu desconfio que é porque ela representa a chance de quem se forma ou se torna mestre ou doutor por ela sair de Pelotas, mas isso é uma dedução advinda do ITdK, ou Instituto Tirei do Karma (é outro nome, mas proibido neste horário), a questão real é que há uma rejeição de discussão do papel da universidade na cidade, mesmo ela sendo central para vida econômica, social e cultural do município.

Qualquer debate em torno dos problemas da UFPel se transforma numa atrapalhação de planos que nunca são feitos, em qualquer partido, em qualquer lugar, o tom é quase sempre o mesmo. Praticamente só quem se importa com os rumos da UFPel são os discentes, docentes e servidores Técnico-administrativos em Educação,mesmo sendo um caso onde o orçamento da universidade tenha um peso gigante direto e indireto na sobrevivência desta ex rica cidade esquecida pelo Deus do desenvolvimento.

Com um orçamento de cerca de 70 milhões, a UFPEL está longe de ter o peso da UFRJ, a maior universidade do país e que em 2021 tinha um peso de 31 milhões mensais, gastos em serviços, salários,etc e que geraram uma circulação econômica para cidade do Rio considerável, mesmo sendo uma capital com orçamento bilionário, mas o impacto da UFPEL na economia de Pelotas é tão considerável que mexe com o mercado imobiliário e de consumo diretamente.

Em 2015, a UFPEL tinha  18,4 mil alunos e 2,6 mil servidores, fora os professores, e todos impactam a economia da cidade, consomem na cidade, gastam energia elétrica na cidade, pegam Uber ou ônibus na cidade, gastam gasolina, tomam seu cafezinho, ainda mais com uma população que gira em torno da universidade e que está perto de ser em torno de 1% da população total de Pelotas.

Falta aumentar a integração entre Universidade e o Município? Falta. Falta uma campanha para reitoria que pense nisso e uma campanha para prefeito que identifique isso? Falta, mas é estranho que os debates nos fóruns políticos de pelotas sejam feitos ignorando a contribuição da universidade e como os efeitos de seus rumos políticos interferem nos rumos políticos da cidade.

Os governos do PSDB e do PP que destroem a cidade não ocorrem por acaso, ocorrem pro uma cultura que nega a necessária construção de uma relação entre município e universidade como dois companheiros de uma viagem em que a população exige e necessita que uma harmonia e simbiose entre ambos forneça a produção de dias melhores para todos.

Desde convênios na saúde a projetos com a Engenharia, é enorme a quantidade de meios que outros estados e municípios deixam como exemplo para nós, especialmente a esquerda, e o que fazemos com isso?

A experiência como militante do PSOL e agora do PT em Pelotas não é auspiciosa. E em contato com companheiros de outros partidos de esquerda não é incomum ouvir a mesma coisa: a companheirada, e parte significativa da população, rejeita a universidade em seus discursos e falas.

Claro, o elitismo que cerca o meio universitário é refletido nessa relação, mas ele também existe nas universidades do país todo e a população tem uma relação com isso de forma diferente, sabendo diferenciar a tolice do elitista da necessidade de ter uma universidade.

Um caso clássico dessa relação de valorização pelo povo de suas universidades é a UERJ sendo respeitada e defendida por deputados de direita na ALERJ pelo eco negativo de suas impopulares tentativas de fechá-la, obrigando os nobres parlamentares miliciano-fascistas a arrumarem meios alternativos de destruí-la, como aparelhar a universidade em esquemas de corrupção.

O mesmo ocorre na USP ou na UNIFESP, ou na UFES, na UFC, mas em Pelotas não. O mesmo orgulho que perambula sorrisos quando um filho vira “bixo” some nos papos de boteco e cafeterias. Nos fóruns virtuais a virulência é maior, nos jornais a UFPel só entra quando assunto é polêmico. E nos debates partidários muitas vezes a UFPel é mencionada como um embate que atrapalha até a ausência de debates.

Não é pouco o problema, ainda mais quando se vê que em todo canto é prioritário para esquerda debater desde a participação ou não na UNE até as disputas da reitoria e DCE, em Pelotas não. 

A naturalização da desimportância de algo tão importante ou até de uma espécie de elefante na sala de um município que tem uma jóia, mas cisma em achar que não precisa dela, é um fenômeno raro para observadores mais atentos.

Diante de uma crise que envolve os três setores que compõe a universidade, ignorar o impacto político de cerca de 1% da população consumidora da cidade em pé de guerra por questões políticas internas da universidade, mas que também impacta internamente o campo da esquerda e pode gerar problemas em nosso confronto contra o fascismo, é tipo não tratar um câncer de pele porque acredita no uso de babosa.

É um caso clássico de negacionismo político e histórico, é como pregam os anti-racistas Morgan Freeman (Se não falar sobre algo ele desaparece), só que não adianta ignorar algo que é inerentemente impactante no dia a dia político da cidade e das cidades, e tem reflexo direto na forma como a juventude enxerga a política e os partidos políticos, em como a população percebe o cotidiano político e em como nós vamos lidar uns com os outros daqui a três meses, que é perto para caramba das eleições municipais.

Às vezes os discursos são apenas hipérboles ou slogans, mas às vezes eles significam a semeadura de desastres, e por vezes o que ninguém diz é uma forma eloquente de expressão.

Diante dos conflitos que estão acontecendo nas eleições para a reitoria, o que estamos realmente dizendo para a cidade, para a esquerda e para nós mesmos?

Não é uma pergunta para saber quem tem razão, mas uma pergunta para saber quem e o que vai sobreviver politicamente depois do processo.

A gestação da extrema direita e do negacionismo no poder começou na imprensa

Quando você puder assista a minissérie The Loudest Voice que conta a história da fox News e do principal responsável pelo seu sucesso e pela construção do esqueleto de sua linha editorial: Roger Ailes.

Não se preocupe se você não reconhece o nome ou seu papel na história estadunidense ous e a história da Fox News lhe parece distante do seu dia a dia, vocẽ ao assistir o primeiro episódio já vai entender o caminho que a emissora e o personagem tiveram na construção do que vocẽ vive hoje.

Claro, é só uma minissérie, não abarca a totalidade da realidade histórica em torno da ascensão de Trump e de uma lógica de extrema-direita que se organiza na negação de todo o conhecimento estabelecido e científico em nome da tese de que a verdade está em disputa, ou seja, que cada um tem sua verdade e que ela possui assim um peso idêntico, seja você um sujeito razoável que se liga nos limites mensuráveis do real, a ciência, ou você sendo um terraplanista que diz que a Terra é plana e que termômetros roubam sua senha do cartão de crédito.

Claro também que a minissérie revela a visão de autores de um roteiro, que se baseou em um livro que por sua vez é uma percepção que vive no contexto do tempo do autor e de suas relações afetivas, políticas,etc, mas todas as obras sobre todas as coisas precisam receber essa observação.

A visão descrita na minissérie tem todo o conhecimento do hoje sobre o ontem, e esse conhecimento se reflete na leitura da história da Fox e de Roger Ailes.

Só que o retratado na minissérie revela um projeto de linguagem de violência que constrói a narrativa de uma percepção branca, ultra conservadora, de extrema-direita, racista, misógina e homofóbica que evidentemente se relaciona com a ascensão de Trump, Bannon e seus filhotes pelo mundo como Bolsonaro.

E por que evidentemente? 

Porque são documentadas nas participações dos citados, em vídeo, a construção das narrativas, a participação desequilibrada de republicanos fundamentalistas em horários específicos da emissora e até a participação de Trump no pós Obama, quando o ultra conservador Ailes abre a caixa de ferramentas para promover sua agenda de combate ao presidente com requintes de crueldade racista e xenofóbica.

A narrativa, obviamente ficcional, não é um documento cristalino de uma época, nenhum documento na verdade é, mas indica as fontes de observação de processos complexos de paulatina desconstrução da própria ideia de verdade.

Vai aparecer quem diz que a culpa da flexibilização da verdade são dos “identitários”, dos “pós-modernos”, dos Incas Venusianos e de toda a ciência humana que percebe que há recortes de classe, etnia, gênero, identidade de gênero, orientação sexual, etc, em toda a percepção do real? 

Vai, assim como aparecerão os que dirão que a culpa do crescimento do negacionismo científico e da razão é a da produção científica e seus gargalos de divulgação, mas convém ter mais percepção entendendo os processos políticos que produziram, por uma questão de embate e controle hegemônico, a reação à ciência como inimiga como parte de um processo de derrota de qualquer parco cheiro de combate às desigualdades, transformadas em socialismo e comunismo dos EUA à Pindorama.

A minissérie trata detalhadamente das opções de Roger Ailes na constituição de sua Fox News, desde a secundarização das mulheres a papéis de bibelôs de uma audiência que as vê como ajudantes dos âncoras homens até a criação do âncora antípoda aos liberais, munido do que há de pior nas ferramentas de retórica política, e empoderamento de usuários do site de extrema direita Breitbart.

Tá tudo ali. 

A partir da história da Fox News, Roger Ailes e do papel de Rupert Murdoch na constituição de uma frente de extrema-direita na imprensa e na mídia em geral, há todo o caminho para ser analisado e percebido de como esses atores e outros tantos, como os Think tanks liberais que produziram o MBL, influenciaram ondas intensas de desconstrução da democracia em nome da hegemonia branca, ultra conservadora, racista, misógina, LGBTfóbica,etc.

Bannon? Sardinha frita de um mar que começa a produzir tubarão nos anos 1960, faz dos anos 1980 até hoje um caminho de transformação definitiva da imprensa como partido da burguesia, mais ou menos nitidamente.

E é a partir deste tipo de viés e de opção e projeto político que  se fez vivente o negacionismo científico, climático, histórico (já existente na negação do holocausto, mas ampliado) e principalmente político, que trata a democracia, por permitir que opositores ao projeot de extrema-direita exista, como inimiga.

Todo o processo posterior que fez com que observadores menos atentos culpassem a esquerda, Papai Noel, a Cuca, as universidades, pela distância entre o pensamento e o povo, vão ao chão com a percepção de que o que houve e há é uma disputa desigual entre fontes de informação. 

Fontes de informação que sofrem com mecanismos de barragem do escoamento dela,desde os inícios desiguais das posições dos discursos até o grau de capacidade de comunicação a partir das posições de discursos.

As universidades e suas mídias e podcasts, a sociedade civil organizada ou não, disputam com conglomerados com enorme capacidade e equipe, estrutura de difusão da informação que tornam a ciência um pequeno guerreiro de desenho animado contra Gigantes de Marfim armados até os dentes.

Enquanto o conhecimento científico é divulgado nas revistas acadêmicas, que dialogam no interior da comunidade e são mal traduzidas quando passadas para mídia, ou por canais de divulgação científica que buscam traduzir a linguagem acadêmica pro grande público, as grandes emissoras, mesmo as em tese mais bem intencionadas, dão a mesma capacidade de divulgação de discurso pro Dráuzio Varela e pro Osmar Terra, sendo que só o primeiro zela pela honestidade intelectual para produzir conhecimento e informação.

Enquanto há inúmeras variações de debate nas diversas ciências, como a economia, você não vai ver na globonews, ou na CNN, nenhuma linha da economia que não seja a que trabalha com os paradigmas ultra liberais, tornando esse viés o único científico para uma gama enorme da população.

E há mais, há quem trate como normal discursos anticomunistas e trate , como quem mente quem aponta as ditaduras na América Latina ou Churchill como criminosos capitalistas e que promoveram genocídios, ou que apontam a escravidão como uma autoria liberal, capitalista e nao o inverso. 

O discurso anticomunista ganha palco em programas da grade que o comunismo que aponta que Stálin foi um ditador jamais teve e provavelmente terá.

Precisou Caetano Veloso provocar Bial para que algum nível de debate passasse a ocorrer e mesmo assim reduzindo toda a esquerda ao fã clube do ditador georgiano sem qualquer contraponto mais sério.

A construção do discurso que deu em Trump e Bolsonaro, gestado pela Fox News e por sua vez nascido no coração do Partido Republicano dos EUA (Ailes foi assessor do Nixon), tem uma raiz histórica que remete à própria transformação da televisão em uma disputa de nichos e porta voz de conservadorismos diferentes, formados por percepções mais ou menos radicais sobre o capitalismo no interior da lógica liberal. 

Essa raiz histórica, no entanto, não existe apenas no discurso mais negacionista, existe também na normalização do processo de igualar batata frita com Bóson de Higgs que as emissoras e jornais adotaram desde os anos 1990 para cá.

O modelo pode ser encontrado quando Kim Kataguri e Guilherme Boulos escreviam para a Folha ou Olavo de Carvalho para O Globo, Rodrigo Constantino para Veja ou hoje quando o Caio Coppola muge em diferentes níveis de tortura do bom senso contra adversários liberais moderados trocados a todo momento, sem jamais mudar o modelo de igualar os desiguais.

Qual o modelo? 

Tornar palatável dizer que um completo indigente intelectual ou um mentiroso patológico tem o mesmo grau de credibilidade que um sujeito responsável com seu discurso, os dados que emite e a forma de expô-los.

O espaço dado a Rodrigo Constantino e Olavo de Carvalho em O Globo e Veja pavimentou a naturalização de seus livros e  ataques assassinos ao bom senso e à ética pessoal porque serviram de armas contra o PT e a esquerda. 

Alinhar Kataguiri a Boulos, com só o segundo tendo a responsabilidade do espaço, ou Caio Coppola com quem quer que seja que não seja um canalha absoluto e tenha um mínimo de vergonha na cara, serve a um objetivo e este não é o de expor a diversidade de pensamentos na sociedade, até porque há conservadores com honestidade intelectual, política e moral.

E esse modelo nasceu em 1996 com a Fox News e seu projeto de conquista do coração da América em nome de um projeto de setores do Partido Republicano que conseguiram tornar Bush e o McCain figura palatáveis diante do absurdo imoral que se tornou o partido.

A ciência, as universidades, a esquerda, os movimentos, precisam sim aprimorar suas armas na desigual guerra de informação em curso, mas primeiro é preciso saber o peso dessa guerra, o tamanho dela, a desigual estruturação dos campos de batalha e das ferramentas disponíveis.

As universidades produzem conhecimento em larga escala e recebem a menor atenção possível da mesma mídia que se diz democrática e transforma mentira de discurso em defesa em suas capas.

A esquerda é tratada inteira como adversária estúpida, imoral e ilegal,o Pantanal queima e o Presidente da República acusa indígenas da autoria dos desmatamentos e queimadas que seus aliados produzem e a imprensa atua como amenizadora do impacto das vozes que destroem as bases mínimas do respeito ao outro e ao conhecimento.

Quando o Bial leva o Jean Wyllys para um programa com Olavo de Carvalho como voz do mesmo patamar e este último trata o comunismo, sob o silêncio cúmplice de Bial, como portador de discurso de ódio por si só, o mesmo Olavo que usa e abusa de racismo, misoginia, LGBTfobia,etc, o que parece democracia é um discurso e um discurso cujo viés nunca passou perto do Jean.

A imprensa é porta voz do que se tornou o establishment hoje, desde o jornalismo declaratório até o método Ailes de transformar desiguais em portadores do mesmo espaço, e não adianta vestir amarelo, fazer vídeo com dancinha e pedir “dízimo cívico” enquanto trata ataques genocidas e ecocidas como se fossem defesa.

O terraplanismo, para horror do iluminismo de salão cúmplice dele, é filho dileto de um método que todos os jornais e emissoras de Pindorama, ou não, adotaram em suas grades diárias.

A ciência que não cabe na opção ideológica das editoriais sendo tratada a pontapés ajudaria a não existir terraplanismo.

O espaço da crítica pela e para a esquerda é obviamente necessário, sem ela erraremos para sempre, mas o que se viu e vê não é crítica é ataque.

É a exposição de um lado contra outro, é atingir portadores de arco e flecha com canhões, naturalizando o que não pode ser naturalizado para fingir democracia onde há soterramento desqualificador.

Esse viés faz com que jornalistas supostamente arejados e antenados tratem um elogio a Lênin feito pela esquerda como se fosse um elogio a Stálin e sua ditadura.

Mas como explicar para quem se vê cercado de neutralizadores do discurso que comunismo é discurso de ódio que isso é uma estupidez? 

Como explicar para quem diz que a esquerda precisa apagar suas experiências e memórias porque isso, pasmem, “empodera o bolsonarismo” enquanto ignora, por tolice ou oportunismo, todo o passivo da ideologia que defende, mesmo quem finja ou ache que não, o liberalismo?

Engraçado, a esquerda tem trocentas alas que discutem entre si e fazem críticas e autocríticas públicas, tá no manual,desde pelo menos 1848. 

Provavelmente se você sabe patati patatá de todas as cagadas da URSS você viu primeiro numa publicação tão comunista quanto o alvo da crítica. 

Bakunin e Marx se xingaram de forma muito elegante, ou não, em textos maravilhosos, públicos, à disposição de qualquer leitor. 

Rosa brigou com Lênin, Lênin brigou com a Rosa, Trotski brigou com os dois e mais com Stálin e levou uma picaretada.

Ainda tinha Pannekoek brigando com todo mundo.

Todos os frágeis laços que unem a esquerda são embebidos em pancadaria institucionalizada e generalizada entre viés teóricos e organizativos, todos públicos, mas a imprensa insiste em tratar tudo isso e toda a sua complexidade como se fosse a mesma coisa.

E é tratando o diferente como se fosse a mesma coisa que chegamos até aqui.

É nesse caminho que se perdeu o bom senso e se transformou o serviço público em vagabundagem, as universidades em torre de marfim e  a democracia na latrina do negacionismo.

Entre o otimismo da vontade e o pessimismo da razão

images.jpeg

O Governo Jair Bolsonaro expõe as tripas da direita e da elite em praça pública, mas também expõe o imobilismo e a incerteza de uma esquerda que ao mesmo tempo que se organiza no âmbito institucional se fragiliza no espaço público, na rua.

E isso ocorre porque esta mesma esquerda nos mais variados graus prefere se esconder em ambientes controlados do que arriscar a disputa pelas consciências na rua.

Esse fenômeno já ocorreu a partir de 2013, quando parte da esquerda, inclusive a dita esquerda radical (De PSOL a PCO), preferiu criminalizar arroubos de ação direta destrutiva a discutir e disputar essa galera que quebrava vidraça.

Se preferiu, do alto de uma razão irracional e negacionista dos movimentos históricos, por água no moinho da criminalização, de processos, despolitização e violência policial contra os mais radicais (Parte dos socialistas, anarquistas e autonomistas) apostando numa manutenção no poder por inércia de uma ex-querda cada vez mais social-democrata (pra ser gentil) que fazia acordos pornográficos com a extrema-direita entregando anéis e dedos achando que o lulismo sozinho sustentaria dinastias de democratas com pendores sociais no Planalto.

À criminalização pelos discurso se seguiu a criminalização pela justiça, pela polícia, especialmente depois da mal explicada morte do cinegrafista Santiago, com uma nova geração de esquerda vendo novas lideranças não alinhadas à esquerda partidária ser presa, processada, ver a vida ruir e seguir sendo transformada em pária por tentar mudar o mundo.

De Gilberto Maringoni (PSOL-SP) e parte das correntes do PSOL atacando autonomistas e anarquistas (FIP, etc) como “Vândalos protofascistas” até Tarso Genro e Agnello Queiroz (governadores do RS e DF, respectivamente, eleitos pelo PT) enviando suas polícias atrás de ativistas (entre eles ativistas do PSOL), a folha-corrida que mancha a trajetória das esquerdas, com as digitais no esvaziamento da rua pela esquerda com sua ocupação pela extrema-direita, é algo continuadamente omitido pelos mais simplórios e rasos emissores de “análise” sobre as conjunturas, e que hoje acham lindo eximir Dilma de culpa pelo seu ocaso.

Não à toa há um coro de animação histérica sobre revoltas mundo afora e que adora Cânticos dos cânticos da euforia alucinada que repete “Não passarão” para o fascismo, enquanto eles não só passam como dão ré. O problema é que esse coro não rima com o movimento.

O grau de organização e organicidade dos discursos de redes sociais é perto de zero, e mesmo com o crescimento de organização e organicidade de uma revolta palpável nos partidos de esquerda(difícil medir em organizações autonomistas e anarquistas, mas apostaria que também está alta a procura de organização), isso não tem se refletido numa mobilidade de ação que mantenha essa galera entusiasmada.

E parte do problema é que se vende sonho, não se vende o trabalho e a organização necessária para agir e transformar.

Não é um fato incomum para a esquerda o discurso que alimenta “primaveras” não ir além do conversê pra organizar essas primaveras.

Porque transformar exige tocar em vespeiros (homofobia, racismo, machismo estruturais, por exemplo), e ninguém quer tocar em vespeiro e arriscar perder voto, ou poucos topam o risco.

Mais seguro gravar com o Quebrando o Tabu.

As manifestações pela educação foram maiores do que as contra a Reforma da Previdência e pouco se tentou aprender com isso. Pior, pouco se tentou avançar no debate sobre educação em si, pouco fomos além do debate que discute o quanto a universidade precista ir mais pra rua e divulgar sua serventia.

A questão é que a educação atinge todos e especialmente atinge uma galera em formação que mesmo tendo sido pega pela perna pelo Novismo liberal, percebe que a vida não é filme, você não entendeu, e foi pra rua discutir e disputar a necessidade de universidades públicas, porque sentiu na pele e isso lhes deu experiência, experiência que é a base da formação de consciência.

Já a Previdência é um campo onde a disputa está com quem já está às vésperas de se aposentar ou é adulto e tem convicções menos flexíveis com relação a seu dia a dia e seu futuro, convicções que por vezes lhe são deletérias.

A aposentadoria é, pros mais jovens, uma utopia, um futuro, que hoje quase não mais existe.

E o bombardeio sobre o quanto a Deforma da Previdência era necessária, é algo que beira os vinte anos e buscando exatamente sua destruição. Qualquer opinião que revelasse ser uma manobra de opinião pública tinha oitocentas dizendo que a esquerda era negacionista.

Destruir o ensino público ninguém vai dizer às claras como disse que era preciso destruir a previdência. E mesmo assim não conseguiram passar a capitalização.

A questão é que o fôlego da resistência via educação parou, e por quê? Porque parte dos atores que estavam envolvidos na não construção concreta da resistência à Deforma da previdência percebeu que perderia o controle da indignação se continuasse a apoiar os movimentos contra o desmonte da educação, pior, ainda comemora como vitória a manobra do Desgovenro Bolsonaro de, a dois meses do fim do prazo para sua utilização sem que isso impactasse no exercício de 2020, liberar recursos cortados em março.

Mas parou o fôlego? Não exatamente, apenas se reduziu e agora precisa de mais esforço para reavivar a chama, especialmente quando é visível que o neoliberalismo está nas cordas por conta dos movimentos de resistência no Equador e Chile.

Mas como lidar com isso se a esquerda via de regra prefere agir como coro de contente em rede social do que segurar o rojão de organizar, filiar, agir para concretizar seu aumento nos espaços possíveis.

Há interessantes campanhas de filiação, ao PSOL por exemplo, mas isso basta?

Não, porque é preciso existir ações públicas cotidianas que façam as pessoas se sentirem úteis, é preciso também curso de formação abertos e didáticos, com o cuidado de jamais se tornarem cursos de doutrinação (não dá pra confundir formação com proselitismo de dogma), e são muito precisos meios de ação de convencimento para além de divulgação de atos e ações.

Isso tudo é uma ideia de construção de organização partidária, há outros caminhos possíveis, e é didático pra evitar que militância se confunda com a enojante mistura de culto à personalidade com discurso esfuziante de uma alegria militante que nada faz além de divulgar um “Não passarão!” sem práxis que impeça o fascismo de passar.

Porque é disso que faz parte da militância, que confunde a necessária ação contra o desânimo, focada na nossa memória e nos nossos fetos, com uma falsa felicidade estagnada que não constrói porra nenhuma e ainda fica saudosa de péssimas experiências porque hoje estamos literalmente fudidos na mão de um presidente com banca de miliciano.

Não, amigos, não estamos vencendo. Estamos perdendo de um time ruim por 7×1, o gol que fizemos foi de honra e o fato de outros times estarem virando o jogo, ou perto de iniciarem a virada, não faz da esquerda do Brasil mais do que observadora enquanto a extrema-direita vem de novo ameaçar nosso gol.

A mobilização do Chile está vencendo a extrema-direita, mas é lá, não é aqui e não estamos fazendo muito para trazer aquela indignação pra cá, além de comemorar e chorar vendo a foto dos outros, enquanto mugimos “saudades do meu ex” e achamos Maia democrata.

Com o Desgovenro Bolsonaro em derretimento acelerado e sendo questionado por elite e direita, sentamos em cima do gol de honra marcado em março com nossas mobilizações pela educação e achamos que tá bom porque dá pra esperar de um a três anos (dá?) pra demover Bolsonaro de sua cadeira que mancha de óleo nosso litoral e a vida de pescadores e povos originários, amplia o número de feminicídios e crimes de ódio, queima a Amazônia e avança sobre terras indígenas.

Não adianta pedir a queda de Salles e Weintraub se o chefe deles poderá nomear outros dois canalhas.

Não adianta ter medo de Mourão ignorando que a bola da queda de Jair tá quicando na nossa frente e a gente tá deixando Maia e Toffoli o manterem no poder enquanto as digitais do assassinato de Marielle, rachadinhas e aparelhamento criminoso do poder avançam sem suar.

O otimismo da vontade do nosso discurso é delusional e tenta calar o pessimismo da razão que explicita nossa imobilidade.

Sim, a imprensa liberal erra ao dizer que a esquerda está parada na institucionalidade, porque nessa ela não está, mas acerta, sem mirar lá, pra dizer que ela tá omissa na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapé,

Com exceção dos indígenas, povos originários, Sem teto e Sem terra, o restante da esquerda tá olhando pra ontem, e em vez de ser pra revolução Russa tá olhando pros governo Lula como se fossem o Reino Encantado de Aruanda.

A gente precisa do pessimismo da razão, porque estamos perdendo e o fato do time de lá ser ruim e o juiz ter cansado de roubar não transforma o resultado uma vitória.

Mas também precisamos de um otimismo da vontade real, que faça com que, mesmo com todas as tretas, a gente levante no dia seguinte e faça acontecer as organizações, os atos, as produções de conhecimento e programa, as ações necessárias.

O otimismo da vontade não é um alento pro pessimismo da razão, mas o combustível pra, de forma realista, transformar a realidade que faz a razão ver tanto pessimismo.

É fundamental sairmos do transe que sonha com a volta de Lula como nosso Dom Sebastião de Garanhuns e pormos em prática movimentos de organização e organicidade que permitam que a conjuntura mude e que ele possa ser o Dom Sebastião de Garanhuns pra quem precisa de um homem pra chamar de seu.

Temos que pôr em prática movimentos que permitam que saibamos quem mandou matar Marielle e porque Jair, Flávio e Queiroz estão desde sempre produzindo canalhice e fake news sobre ela.

Pra sairmos do transe é preciso construir meios de irmos pra rua, é preciso fazer banquinha com material, discutir no cotidiano, filiar gente, chamar passeata, cobrar as lideranças porque não estamos agora gritando “Fora Bolsonaro!” e estamos tentando derrubar ministro.

Há um latifúndio para nosso otimismo da vontade ocupar e há uma conjuntura violenta que o pessimismo da razão precisa ver.

E pra vencermos é fundamental agirmos com o primeiro, enxergando com o segundo.

Para futurar-se o país precisa desbolsonarizar-se.

1-1.jpg

O futuro de um país em escombros é um futuro distópico sob um comando inepto no que constrói e ferozmente capaz quando é para destruir sob a cor branca de um cristianismo genocida, machista,misógino, lgbtransfóbico e racista.

Os ataques cotidianos dos Bolsonaro e seus asseclas de ministério ao cotidiano da vida dos brasileiros vai da reforma da previdência ao desmonte da fabricação de remédios à ampliação da política genocida que estimula a violência policial,passando pela ampliação da destruição da CLT e pela política de privatização enrustida das universidades públicas com ataque à produção científica e violação explícita da liberdade de cátedra nas Públicas transformadas em Organizações sociais com comissões de controle da produção docente, que inclui um Escola sem partido próprio, sem contar a ausência de investimento nas faculdades de humanas, não lucrativas aos olhos tecnocratas da canalha.

São muitos, cotidianos, os ataques que ampliam-se quando incluímos a agenda de liberação dos agro-tóxicos, a agenda da violação de territórios indígenas, de seus corpos e estímulo ao genocídio de etnias inteiras, sem falar no desmonte da política ambiental, que não para nos órgãos, mas chega nas floresta, nas políticas de combate aos elementos que ampliam o aquecimento global,etc.

E tudo isso ocorre quanto setores inteiros que se jactam de serem democratas preferem tergiversar sobre o que acontece sob seu nariz.

Enquanto ex-ministros de várias áreas se reúnem para efetivamente denunciar a agenda catastrófica dos Bolsonaro, setores como o jornalismo supostamente liberal Global de Bial (rimou, foi?), o parlamento sob o tacão “renovador’ de Tabata Amaral e seus blue caps, o liberalíssimo e supostamente democrata Fernando Henrique Cardoso, brincam de serem uma oposição bem humorada à catástrofe gerando mais força e energia para ampliar o ataque à esquerda, que fica cada vez mais claro que é um inimigo preferível ao protofacismo uber liberal de Bolsonaro, que à resistir à agenda da barbárie.

O “Future-se”, agenda de desmonte das universidades públicas explicita e publicamente inspirada em Milton Friedman, é mais um passo, grave e acelerado, na destruição de uma estrutura conquistada pela população brasileira em uma sequência temporal que remete ao reinado de Dom João VI, passa pela ampliação na ditadura militar, renova-se com o choque neoliberal de FHC (que quase a matou) e ganha, com erros e acertos, a faceta inclusive da expansão universitária sob Lula.

Segundo o MEC para “futurar-se”, a universidade pública precisa adequar-se a uma agenda de venda de naming rights, de imóveis, construção de comissões de avaliações de professores,incluindo revisão de sua liberdade de cátedra, buscar “autonomia financeira”, vulgo obter financiamento privado para cumprir demanda e dever público, e virarem, na prática, produtoras de patentes e start ups com cancelamento de qualquer curso inviável no âmbito do lucro, tudo de humanas.

O interessante é que a apresentação tosca de ministro e companhia torna patente o desconhecimento optativo da realidade da produção científica brasileira e tomam o preconceito de classe contra as universidades públicas (ou a omissão malandra do real para tentarem fornecer meios de lucro fácil a parceiros estratégicos? Nunca saberemos!).

As universidades públicas já produzem inovações, patentes,etc, sem falar na ampla produção científica das humanas, que são de ponta, e chegam a uma quantificação de que são responsáveis por 95% da produção científica do país. Se há uma falta de projetos para a absorção pela sociedade da produção científica é menos um fator de má gestão das reitorias e mais uma ausência de gestão DO ESTADO do que ele produz através delas.

Ou seja, o problema sempre foi mais os Weintraub que os reitores e as universidades em si que fazem milagre com o que recebem por ano e que lidam com financiamento caiu a ponto de terem suas verbas de custeio atacadas.

E isso se soma à própria ideia dos cortes, ou seja, Weintraub inviabiliza o funcionamento das universidades e acena para um projeto de facilitação de contratação e gestão com capacidade de absorção de verba privada, e enriquecimento de professores e reitores, enquanto aponta que a alternativa é a penúria.

É a tática clássica da privatização com requintes de crueldade. E o Ministro e seus asseclas não avisa ou informa da desigualdade existente entre regiões e que condenaria universidades como a do Recôncavo Baiano ou a de Codó, no Maranhão, passando pelas Federais de Rio Grande, Santa Maria e Pelotas, no Rio Grande do Sul, a pelo menos reduzirem seu papel social e existencial a um nível mil vezes menor do que são hoje, ou até ao fechamento.

Esse tipo de política impacta do acesso da população ao ensino superior à própria economia de regiões inteiras.

Fechamentos de cursos, redução de tamanho de universidades, impactarão a economia e a vida das sociedades de cidades pequenas e médias que se reestruturaram depois da expansão universitária dos anos lula, que foram, e ainda são, elementos de uma política de desenvolvimento social, científico E econômico.

A capacidade de auto-financiamento de universidades é reduzido e inclui um nível de competição entre elas que fatalmente retornará o modelo de acesso ao nível dos anos 1980, quando apenas as federais das capitais, e nem todas, terão como se manterem com insumos produzidos pela captação de recursos na esfera privada. Universidades do sul e sudeste de fora das capitais tendem à extinção ou pelo menos à redução de sua existência às faculdades de engenharia, medicina, administração, economia e talvez, apenas talvez jornalismo.

Na maior parte das universidades a tendência é ao fechamento ou à redução drástica de cursos, nas universidades das capitais, salvo uma ou outra, a tendência é a manutenção de cursos de uso rápido pelo mercado, voltados para ciência e tecnologia, biomédicas e já excluindo os cursos de humanas.

A ausência de política para as ciências humanas, por exemplo, teriam impacto da manutenção de memória em museus e arquivos à pesquisa sobre ela, que geram luz sobre elementos de fatos históricos ignorados pela história tradicional que é estruturada na capacidade de compreensão histórica militar do Bolsonarismo, onde Duque de Caxias é mais importante que os negros assassinados na Batalha dos Porongos, traição Farroupilha a um de seus batalhões mais heroicos em nome da paz com o Império. Sem falar na produção da geografia, do serviço social.

E filosofia, teatro, dança? Pois é, tudo isso,que impacta o cotidiano das cidades de formas muitas vezes ignorada, como a produção de eventos e de ações culturais e sociais nas cidades de até 200 mil habitantes que são praticamente a vida cultural local, vai virar lenda.

Há o impacto no ensino, pois com menos universidades de humanas haverá uma queda, ainda maior do que já existem no número de professores e isso impacta menos as escolas privadas, onde se mantém sempre um certo número de professores à mão, que as públicas, até que essa política faça o que pretende: extinguir a presença do ensino de humanas nos mais variados níveis do ensino.

A prática do governo Bolsonaro na educação é uma síntese do que é o governo no amplo espectro: um projeto de destruição da base social e do próprio tecido social rumo a um projeto de necrogoverno, voltado pra venda da morte, com alto elitismo e encastelamento de quem pode pagar circulado de auto defesa, no ninho de seus privilégios com a barbárie sendo o legado pros mais pobres e até pra classe média batoré que votou nele por que tinha pobre pegando o avião que ele hoje já não pode mais pagar porque sua venda de queijo, que ele achava que o colocava na mesma classe o Lehmanm, faliu.

Enquanto isso se põe em marcha tanto os liberais Bial e FHC, quanto a “esquerda” Tabata Amaral, cujo projeto para a educação dialoga com o desmonte proposto pro Weintraub, preferem jogar fogo no anti-comunismo calhorda adulando Mourão que acusar a barbárie pelo nome que tem. E a esquerda em sua maioria, especialmente o meio sindical e o lulo-petismo, fica à deriva jogando o peso das mobilizações para as comunidades de educação, universidades e estudante ignorando o papel central dessa agenda na resistência a Bolsonaro.

A esquerda também se omitiu na disputa contra a reforma da previdência, tendo sido pelo menos lerda no combate, inclusive batendo cabeça sobre “versões da reforma que atacasse realmente privilégios” sem apresentá-las e escusando-se claramente de ir para as ruas na velocidade e frequência necessária para produzir massa crítica para que as mobilizações ganhassem o peso e a frequência necessária.

Pior, salvo raras exceções, a esquerda impôs uma agenda sobre as reformas que reduziram a massa crítica e a frequência das mobilizações pela educação. Não sei esperando o que, mas a esquerda parou quando devia avançar, permitindo que Weintraub produzisse o “projeto” de futuro de uma educação onde o futuro é sua morte. Demos tempo para que ele respirasse, ele respirou e soprou o fogo do inferno sobre o projeto de educação para além do lucro.

A esquerda também se omite na busca sim de um “Fora Bolsonaro’ diante do vil crime que é a existência dessa massa miliciana no poder e os ataques ao povo, ao país, às minorias, ao meio ambiente EM TODOS OS ASPECTOS DO GOVERNO.

Hipnotizada pelas revelações do The Intercept sobre Moro e companhia, hipnotizada procurando Queiroz, a esquerda se reduz a mandatos e as redes sociais perdendo tempo e massa de acirramento da disputa criada desde maio com a explosão do 15M nos encheu de energia e nos apontou os caminhos.

Submetendo a agenda quente da política cotidiana à agenda fria do “Lula livre”, as esquerdas também submeteram a energia da transformação, que perpassa o debate, pelo menos o debate, sobre a derrubada de Bolsonaro à política frágil, fria e oportunista do parlamento e dos acordos possíveis que tentam minimizar os efeitos do Bolsonarismo via institucionalidade.

Óbvio que a libertação de Lula é uma agenda, óbvio que denunciar os processos ilegais que o aprisionaram é importante, mas também é óbvio que não é uma agenda central dentro do cotidiano de lutas que precisam salvar vidas de forma imediata, que lutem contra a aceleração da violência contra indígenas e ativistas ambientais, contra a destruição das universidades e contra a aceleração da política de insegurança genocida que o governo patrocina.

No dia da votação da Reforma da previdência tinha movimento fazendo tuitaço Lula Livre! Em meio a uma busca de encerramento das investigações sobre a execução de Marielle, e que tem relação com a suspensão das investigações sobre Flávio Bolsonaro (coincidência?), tem movimento fazendo tuitaço Lula livre.

Precisamos dessa agenda no tamanho que ela precisa ter: enquanto parte existente de uma agenda maior de luta por N agendas imediatas envolvendo dos LGBT aos indígenas passando pela universidade, é uma defesa da civilização contra a barbárie, onde Lula ser libertado, me desculpem, ocupa um lugar, mas não o trono principal do cenário.

Me importa muito mais, e não só por ser do PSOL, descobrir quem mandou matar Marielle e o quanto isso se intrinca com a própria existência da máquina que elegeu Bolsonaro e seus filhos e o quanto isso é parte de uma política de criem organizado imbricando no estado via milícias e que tem expansão cronica país afora sob os olhos cúmplices de um ministro da justiça venal.

Lamento se isso passa por secundarização de lutas ao contrário,mas não sei se notaram a casa tá caindo enquanto quem defende essa agenda ficou anos dizendo que as “lutas identitárias” e as lutas de “minorias radicalizadas com projetos irreais” eram quinta coluna da esquerda e agora tenta impor a agenda de defesa da libertação de Lula à agenda de defesa da civilização contra a barbárie fascista.

Óbvio que nem toda a esquerda papou mosca, nem todo mandato fico preso no papel pega mosca do passado, nem todo partido ficou olhando pra ontem ou deixou de produzir mobilização, mas o grosso da esquerda ficou esperando Godot.

Agora temos uma mobilização marcada para agosto, ela tem como foco a defesa das universidades, mas ela precisa se fazer construir de forma ampla incluindo o debate com a sociedade sobre como a política de Bolsonaro é, como um todo, um ataque à sociedade e não apenas às universidades. Aliás, é fundamental que a gente defenda as universidades demonstrando que um ataque a universidades é um ataque à venda do João, que o doce de Pelotas não virou patrimônio cultural escrevendo sozinho sua história, que as panelas de barro do Espírito Santo não viraram patrimônio cultural, e tudo o que envolve esse reconhecimento, por que um anjo ditou o texto a Moisés.

O futuro de nossa existência enquanto sociedade livre depende de um futura-se que envolve desbolsonarizar-mos o país. E isso envolve comprar a briga de expor que os 30% que o apoiam precisam ser reduzidos com a exposição de que estes são os defensores do sofrimento de 70% dos que não veem o governo como um governo digno do nome.

A gente precisa parar de brincar de liberal de apartamento quando enfrentamos um governo que desmonta mais do que o estado, mas o aparato civilizatório, o debate político democrático, que ofende instituições históricas como o Itamaraty, que desmonta uma política de vinculação com a luta pelos direitos humanos que vem existindo desde os anos 1940 e que desmonta uma política de desenvolvimento científico que à duras penas sobreviveu desde Dom João VI à duas ditaduras, à crises econômicas e pode morrer sob as patas do cavalo huno de Bolsonaro.

A gente também precisa parar de se omitir no apontamento das responsabilidade de quem em nome de uma política de defesa da economia neoliberal se omite no apontamento da devastação bárbara do estado promovida pelos Bolsonaro.

São muitas as tarefas, são muitas as bandeiras e são muitas as demandas, mas elas convergem na busca de superação de um governo que derrete a olhos vistos inclusive em sua principal base de apoio e que já perdemos todas as desculpas supostamente democráticas que nos impedia de defender sua queda.

Breves comentários sobre o #15M e o #30M

D72QYY0XoAAW__D.jpeg

Os cortes orçamentários na educação feitos pelo Ministro Abraham Weintraub tiveram dois novos capítulos de resistência ao planejamento de destruição da educação feito pelo governo Jair Bolsonaro na figura do inepto ministro da educação e também ao próprio governo em si, reanimando os movimentos sociais e a esquerda a ocuparem as ruas.

O primeiro ato em 15 de maio teve uma força inesperada para governo e mídias, pondo mais de um milhão e meio nas ruas em todos os estados e mais o Distrito Federal, levando à chamada de outro ato neste dia 30 e obrigando o governo a responder com a convocatória de suas bases para defendê-lo, apenas sete meses depois de sua eleição.

Apesar dos esforços de governo, mídias e da ala liberal da própria oposição em superestimar o peso de manifestações a favor de Bolsonaro, a dinâmica de comparação entre seus adeptos e quem resiste a ele é de flagrante contraste.

No 15M as manifestações puseram milhões nas ruas. Provocando Bolsonaro a agir segundo sua natureza, dobrando a aposta e não só convocando atos a seu favor, como animando seu ministério a ampliar o grau de ataques, via AGU com ação no STF pedindo policiais nas universidades para reprimir professores “doutrinadores” via MEC com o ministro inacreditavelmente impondo um decreto que “proíbe manifestações políticas nas universidades” e sugere que pais e alunos denunciem professores.

Os atos a favor foram inacreditavelmente pequenos para um governo com apenas sete meses de eleito e cinco de vida, pressionaram o congresso com ataques a sua maior bancada, o Centrão, e ampliaram uma crise que forçou a apoiadores da Reforma da Presidência a tentarem pactos incluindo STF e Câmara via Rodrigo Maia e Toffoli para salvar a Reforma das ações do presidente da República. As ações de Bolsonaro, que se foram inteligentes ao ameaçar as Reformas foram um desastre ao provocar o congresso e ampliar a crise de relacionamento entre poderes, provocou novas derrotas na Câmara e Senado, jogaram a crise no colo do Presidente do STF, que estava livre de ataques fora do arco dos Bolsonaristas radicais e que agora tem associações de magistrados contra seu engajamento político partidário.

Pra piorar Weintraub cortou recursos que eram destinados ao Museu Nacional e ainda culpou a bancada do RJ pelos cortes, causando a ira inclusive entre deputados cariocas apoiadores do governo na Câmara. Não satisfeito editou decreto proibindo a autonomia das universidades na gestão de seus sites e impondo a ela suma proibição de manifestação política em suas dependências, com censura direta a professores e estímulo ao denuncismo pro parte de alunos e pais, atacando estudantes como se fossem “forçados a participarem de atos contra o governo”.

O resultado é que novamente as manifestações contra o governo foram maiores e com forte engajamento para além de partidos e movimentos de esquerda, envolvendo docentes, discentes, funcionários, reitores e comunidades na defesa da educação, com peso expressivo no RS, PR, RJ, SP, Nordeste como um todo e Distrito Federal, só tendo menor peso nos estados do Norte.

No dia 30 de Maio, hoje, que é quando escrevo esse texto, os atos tem menor tamanho que os do dia 15, mas mantém forte engajamento e uma enorme capilaridade, tendo forte presença em cidades do interior dos estados, como Pelotas, São Carlos, Feira de Santana e por ai vai. E com presença populacional que cobre um percentual enorme na relação com a população em geral. Se em Pelotas no dia 15 foram dez mil, no dia 30 não foram menos que cinco mil. Atos em São Carlos, Campina Grande, Feira de Santana,etc forma enormes para suas cidades. A presença de reitores em cidades como Pelotas tornam o peso político maior ainda e ultrapassa a crítica dos atos como partidarizados exclusivamente pela esquerda e ampliam o debate em torno da necessidade de defender o que é público.

As mobilizações mantiveram um forte engajamento mesmo sendo chamadas em um curto espaço e contando com o desestímulo de setores liberais que assustaram-se com o forte teor de resistência a mais que os cortes da educação, mas ao próprio projeto econômico do governo, que envolve também resistência à Reforma da Previdência, aos ataques a indígena,s LGBTs, mulheres, negros e negras,etc.

Não à toa hoje surge entrevista da deputada Tábata Amaral, uma das campeãs de uma “nova política não polarizada” que acha normal e bacana dizer que existe corte bom e possível para as universidades, na contramão da defesa do público que se estabelece como discurso necessário que parte da sociedade para as mobilizações pela educação. Tudo isso pela defesa de setores por ela representada de alguma Reforma da Previdência, contra a resistência popular à que mexam na Previdência social (55% da população brasileira é contra qualquer reforma).

Em uma conjuntura de crise econômica e inépcia do governo Bolsonaro, a movimentação de salvamento da Reforma da Previdência puxou o freio de mão de vários setores que resistiam a Bolsonaro, parte do Centrão e parte da “oposição propositiva (PDT de Tábata Amaral e Ciro Gomes, por exemplo), mas não foram eficientes na desconstrução da resistência pela educação.

Talvez porque assoberbados no aprendizado sobre como as democracias morrem se esqueçam de lutar pelo salvamento da pobre Democracia, ocupados que estão em atuar para o salvamento do mercado.

A questão é que se a análise sobre a esquerda nas mídias e parte da suposta esquerda progressista insiste em dizer que nada se faz, que quase tudo é uma redução ao petismo lulista e que não existe oposição, existe sim uma profunda movimentação de resistência que se não tem completamente as tintas partidárias na sua construção tem um forte DNA de uma multiplicidade de esquerda que remete a um lado de 2013 negligenciado nas análises sobre os movimentos de junho daquele ano: as ocupações de escola.

Afoitos em culpar 2013 pela queda da “Era de Ouro” da esquerda no governo, ignorando que os governos Lula e Dilam forma de centro, no máximo de centro-esquerda, analistas só enxergam naquele ano o gene da movimentação de direita que pariu MBL e Bolsonaro, ignorando as ocupações de escola e o avanço das lutas ditas identitárias.

E são aqueles que ocuparam escola que por sua vez ditam uma nova percepção das lutas hoje e atuam numa movimentação mais horizontal sem excluir atuações de partidos. A presença de uma juventude mais negra, mais periférica, mais LGBT, com forte presença de mulheres, e muitas mulheres negras, em cada ato é um dado mais que bem vindo na análise do que vem por ai.

Além disso, no que tange à experiência de uma classe trabalhadora em profunda discussão, praticamente no divã, do que é e como age com quem para se emancipar e viver bem, a presença em espaços de resistência de estudantes, servidores, terceirizados, professores e da sociedade em geral permite um grau de compartilhamento de experiências que tende a um avanço na conscientização política. A própria saia das universidades de seu canto no ringue, demonstrando para a sociedade seu peso no seu dia a dia, da saúde à economia, é um passo mais do que bem vindo para barrar projetos de destruição do público e recuo democrático.

As manifestações em seguida de Bolsonaro, Weintraub, General Heleno, dando dicas de que se triplicará a aposta na repressão às universidades tem forte potencial explosivo para ampliar um movimento que mesmo com repressão, frio, chuva não saiu das ruas e ganhou espaço vívido com presença em jornais de 126 cidades e 26 estados mais o DF. Este forte potencial explosivo ocorre com ampliação da resistência no congresso ao governo e de queda de popularidade em todos os setores da população.

Pra complicar a vida de Bolsonaro, se um movimento com menos de cem mil em todo o Brasil fez o congresso e o Centrão repensarem sua ofensiva contra seu governo, o que ele espera da manutenção de milhões nas ruas a favor da educação, com forte pressão de reitores, prefeitos e vereadores das cidades em que há universidades em 26 estados e no DF?

Se o peso das manifestações do dia 26, com números ínfimos na relação com a população e com o próprio eleitorado do governo, forma superestimadas, o que mídia, liberais,etc farão com a manutenção da resistência contra Bolsonaro,Weintraub e cia?

No xadrez das pressões é visível o menor peso numérico de Bolsonaro. O próximo movimento do governo pode ser sua ruína.

Das Revoluções e dos ventos de golpe

6961649.jpg

Há algum tempo me incomodam as falas que misturam o ser revolucionário a um tipo ideal de produtor de revoluções. Da mesma forma as Cassandras do mal maior, dos ventos devastadores das tragédias golpistas, cansam o observador com suas proclamas diárias da volta do Planeta dos Macacos.

Porque via de regra o que une os grupos é a tomada da História como um terreno dado, já lido, e cuja função eterna é produzir um mito do eterno retorno, como se a humanidade fosse uma espécie de Sísifo que no terreno da História se movesse apenas para carregar a pesada pedra da conjuntura até o topo para vê-la cair.

As revoluções nunca me parecerem produzíveis ou reproduzíveis de acordo com fórmulas estritas. E aqui tem uma não sistemática junção de leituras diversas da história e da teoria política pela esquerda.

De Marx a Thompson, de Ginzburg a Bookchin, de Natalie Davis a Michael Lowy, de Giovanni Levi a Daniel Bensaid, de Lênin a Trotsky, nunca consegui ler em nenhum dos que me influenciaram alguma forma de entendimento da revolução como uma obra passível de ser produzida, mas entendi-a como uma onda na qual quem estiver mais acurado na observação tende a possuir o caminho para liderar a navegação nela até o quebra-mar.

Claro, o problema pode ser o leitor, mas é um caminho de análise que sinceramente não consegue entender o tipo de dogmatismo que cita de cabeça trechos inteiros de Lênin, Trotsky e Marx e se recusa a analisar o processo dialético que faz com que seja impossível que a História se repita.

Não adianta citar o 18 Brumário de Luiz Bonaparte de Marx e depois ignorar o sentido da afirmação dele da História se repetir como farsa, ou seja, como uma falsificação histórica de um outro fato com fins simbólicos ou teatrais.

Neste texto ele constrói o significado de bonapartismo que nos leva a Bolsonaros e que tais como elementos que surfam em uma onda de popularidade organizada com específicos trejeitos de tragicomédia ou melodrama, e que tendem a tentar uma aproximação com o aspecto mitológico das relações políticas, mas sem jamais ser exatamente alguém do tamanho do mito que tentam reproduzir.

As revoluções, assim, são uma complexa junção de processos históricos que confluem em um tipo de transformação social, do estado às práticas cotidianas, que mudam de maneira global a sociedade em que ocorrem.

Essa junção de processos, pelas diversidades conjunturais e contextuais em que ocorrem, não tem jamais a mesma face em países, cidades e contextos diferentes. Sequer tem como condição sinequanon a vitória do movimento que a liderar.

Os elementos que as tornam possíveis, e que as definem, são as tempestades perfeitas que as fazem ocorrer entre a mobilização de uma ou mais classes contra o poder estabelecido. A explosão do processo revolucionário em si, as condições históricas que fazem com que as movimentações contra o sistema ganhem as ruas e as organizações dos enfrentamentos que a fazem tomar uma face transformadora visível são os elementos que fazem com que a tempestade perfeita exista e que a definem como portadora de um legado de processos anteriores, como a tomada de consciência por uma classe a partir do compartilhamento de experiências, a paulatina chegada de experiências comuns de mobilização, as transformações de valores que fazem com que a população se entenda como partícipe de uma determinada forma de ver e sentir o mundo.

Um exemplo? As ocupações de escolas, o crescimento da auto identificação populacional como negra, a maior aceitação da população LGBT(a partir de sua luta por visibilidade e direitos), o crescimento da identidade feminista entre mulheres pobres, a consciência de uma maioria negra de mulheres liderando famílias pobres, a maior presença nas universidades de negros e pobres, quase pretos de tão pobres e a identificação do sistema como inimigo (Para o mal e para o bem) são, todos, processos que fazem com que a classe operária, ou as classes operárias (incluindo a pequena burguesia, e sim isso é uma provocação), paulatinamente tomem para si o dever de fazer um estado que as inclua.

O próprio crescimento da extrema-direita como reação aos processos que incluem uma maior identificação de negros, LGBT, mulheres, trans,etc, como atores protagonistas de uma transformação do Brasil, e não só, é um elemento que indica o tamanho da transformação em curso.

Nesse sentido se encaixam as leituras sobre a conjuntura atual onde Jair Bolsonaro se coloca como impedido de governar e onde o congresso se impõe sobre ele barrando seus avanços, ao mesmo tempo em que as ruas demonstram que os limites da reação conservadora chegaram.

Porque se há erros na leitura das manifestações como vitórias exclusivas da esquerda, não há equívocos em tê-las como uma vitória de um tipo de percepção democrática que abre caminho para, ai sim, um avanço da esquerda sobre consciências que se perceberam compartilhando um terreno comum de experiências com quem antes era visto como inimigo.

Ao mesmo tempo outros indício como a movimentação do congresso, dos tribunais, ministério público, a guerra aberta no PSL, demonstram que mesmo no campo da direita há uma percepção dos limites do bonapartismo de Bolsonaro.

Essa movimentação não é fã da esquerda, e abre caminho para outra análise sobre a conjuntura futura, mas não é, e nem pode ser, insensível às ruas.

A trajetória do texto da Revolução á conjuntura não é à toa e é intencionalmente compartilhadora de uma noção geral para elementos conjunturais.

Estou dizendo com isso que há uma contextualização histórica revolucionária? Não, mas que existem elementos que podem vir a se tornar uma revolução, inclusive com as digitais das táticas, a meu ver equivocadas, do governo em confrontar mais do que o sistema, mas as ruas, não negociando sequer com quem lhes tem simpatia e negociava participação no projeto político mais que as filigranas do erário.

Não se pode tentar um golpe organizando um confronto aberto com as forças armadas como Bolsonaro faz e dilapidando o capital eleitoral com meses de inatividade e incompetência para apenas em Maio lançar mão do chamado às ruas para a resistência.

Bolsonaro aqui comete os mesmos erros do PT na reação ao impeachment em 2016. Lançaram mão de uma tentativa de mobilização nas ruas quando era tarde demais e quando perderam até a simpatia de quem poderia estar com eles na defesa do sistema porque construíram um governo que traiu as bases que os elegeu.

Dilma ainda tinha, via PT, uma base social forte que manteve um núcleo de resistência que quase atrapalhou os planos da elite aventureira e do Bolsonarismo que surfou na onda falsificada que culminou em sua vitória. Qual a base social do Bolsonarismo que o defenderá nas ruas?

Se nem a base social do PT foi suficiente para segurar as pontas de Dilma, terá Bolsonaro uma base que nas ruas tenha tamanho para impedir sua derrubada por um congresso que desistiu do governo e negocia direto com guedes, para a sobrevivência deste?

O teste dia 26 de Maio pode ser mais um insuflar das resistências ao governo Bolsonaro na dilapidação da educação e que marcaram atos para dia 30 de Maio, além de ser uma demonstração do real tamanho do inimigo para as forças que já estão abandonando o barco (De militares ao centrão, passando por MBL, Vem pra rua, Novo,etc).

As conjunturas são diferentes, mas os caminhos comparativos entre as inabilidades de Jânio, Collor, Dilma e Bolsonaro transformam a conjuntura atual na tempestade perfeita contra o Bolsonarismo e sequer chegamos em Flávio Bolsonaro e sua organização criminosa no gabinete (O termo escolhido pelo MP-RJ não foi à toa).

E as revoluções? Na conjuntura atual o que se impõe como dado é que os quadros são de paulatino compartilhamento de experiências nas classes trabalhadoras, de identificação de elementos caros à ela (educação e saúde) com um salto organizativo e de percepção do peso destes campos na economia, na cultura, na vida cotidiana.

Isso gera uma percepção do público (roubando um dado de observação do companheiro Célio da Comuna e do PSOL de São Leopoldo) não só nova, como identificável e, mais ainda, disputável.

A culminação narrativa do uber liberalismo como hegemonia cultural a partir das lógicas do empreendedorismo e redução do estado esbarra numa resistência firme e frontal pela primeira vez em, ouso dizer, décadas.

As ruas estão dizendo: Não mexam nas estruturas do estado, elas pesam pro meu cotidiano!

Esta estrutura cultural no entorno das mobilizações e dos atos são um dos elementos fundamentais para a compreensão de qualquer revolução.

As revoluções silenciosas nos comportamentos, nas construções culturais e percepções pela experiência tendem a se tornar explosivas quando passam pro passo seguinte das mobilizações, que é a ocupação das ruas e da política.

E neste sentido o caminho escolhido por Bolsonaro expande o cenário político para a conflagração, não necessariamente violenta, de percepções políticas. Põe pra jogo, como a gíria carioca, uma disputa política outrora dada como livre da esquerda pelo falecimento desta.

A esquerda diria que as noticias sobre sua morte foram manifestamente exageradas.

Não que a esquerda seja a vitoriosa nas mobilizações, mas pelo menos é uma das vitoriosas e se posiciona como elemento disputante do compartilhamento de experiências que explodiu no 15M.

A estética do 15M foi de esquerda, os gritos idem, a defesa do público também. Mas isso não torna nada disso como um ganho definitivo se a esquerda não se reaglutinar de forma radicalmente democrática para receber os novos participantes dos atos que manifestadamente resistem a formatos avesso à oxigenação das ruas.

O mesmo pode-se dizer do conclamação às ruas por Bolsonaro. Seu governo foi flagrantemente contrário ao que defendeu em campanha.

A liberação de armas e outras promessas de campanha não foram nada diante da ausência de uma postura que pelo menos uniria a direita, que respeitaria militares, que faria uma luta para mudar o país. O que se viu, todos viram, foi um caos movido por recalque e que atingiu as chances de crescimento social de pobres, as chances de ganho da elite, a própria ideia de corpo unido dos militares.

E isso diante de uma conjuntura de crise econômica de aumento do desemprego e do desespero, do trabalhador ao pequeno comerciante, que ainda viu a faculdade do seu filho atingida no coração, e seu filho sendo chamado de idiota útil.

Seria um contrassenso entender as resistências do congresso ao governo como dadas apenas pela fome de propina, seria uma negação da própria defesa pela esquerda da política como algo que via além do ganho pequeno e menor.

A resistência veio pela desconfiança de que o governo e seus chefes não iriam compartilhar nada do poder com as demais forças da própria direita. Que inclusive não havia, e não há, plano algum de nada além de destruir tudo o que foi organizado de 1988 em diante. E essa destruição significa a destruição de elementos fundamentais também para a própria elite que os sustenta.

A irresponsabilidade das apostas em Bolsonaro, de parte da elite econômica aos militares, se baseava na possibilidade de doma dele pelos grupamentos da extrema-direita com alguma ideia na cabeça. Não deu.

Primeiro que Bolsonaro e filhos tem uma visão imperial da presidência; segundo que os planos deles nunca foram o de viver na democracia, mas destruí-la qual Orban (Isso vem dos escritos do Celso Barros na Folha com os quais concordo); terceiro que o grupo, que é tido como olavista (à revelia do próprio oportunismo de Olavo que já pulou do barco),tem uma ideia que acreditam real que são majoritários na sociedade, embora tudo, pesquisas, votos e ruas, demonstrem o contrário.

Somem a isso a incompetência geral do governo em governar, pela ausência de qualquer noção a respeito do que significa a máquina pública, e que gerou uma enorme resistência da burocracia de estado, algo que de 1988 para cá ganhou uma faceta própria que nunca se viu na República.

Bolsonaro assim chama as ruas para defendê-lo tendo como base uma minoria com um tom flagrantemente golpista, algo que ele projeta sem uma base real, e que não teria, segundo jornalistas com proximidade com o mundo militar, apoio das casernas, ressentidas pelo confronto aberto e insuflado pelo presidente contra militares da ativa e da reserva que consideram líderes e que também atingem um corporativismo forjado há pelo menos cento e cinquenta anos.

A base de Bolsonaro voltou ao normal e ele se recusa a acreditar, perdido no mundo pessoal em que é fundamental gastar mundos e fundos para receber um prêmio imaginário numa cidade do Texas que não o acolheu, apenas para responder a um prefeito democrata de Nova York e à zoeira das redes sociais que ele ainda acha que domina.

Ao chamar sua defesa no dia 26, quatro dias antes da mobilização chamada antes por uma série de organizações e pela esquerda, Bolsonaro se obriga a ter uma maioria nas ruas que tende a não ter, diante do fracasso numérico das últimas manifestações chamadas por eles e pelo flagrante racha no que o elegeu (Do MBL ao Lobão). E se obriga numa aposta em que se perder só lhe resta a renúncia, saída honrosa, ou apostar a fundo contra um congresso que não vai demorar muito tempo em aceitar pedidos de impeachment.

E as revoluções? Bem, elas se produzem em processos complexos de danças e contra danças, pesos e contrapesos.

1917 só foi possível por 1905. 2013 produziu dos ocupa escola à ascensão de uma direita das ruas. 2019 aponta para uma nova faceta de processos mais complexos e que envolvem uma dinâmica de consolidação de transformações culturais de longo prazo.

Quando índios e padres e bichas, negros e mulheres e adolescentes fazem o carnaval é preciso entender que o que se contrapõe a eles são os homens exercendo seus podres poderes.

Invariavelmente nessa dança as bases carnavalescas se impõem.

A destruição das universidades é a destruição da economia

bolsowein

Bolsonaro e Abraham Weintrab tem problemas freudianos com as universidades, típicos aliás, dos medíocres e autoritários.

Bolsonaro foi um militar ruim que foi colocado na reserva depois de ter planejado ataques, e não foi punido por divergências da justiça militar, considerada constantemente como excessivamente condescendentes com o julgamento dos seus, em relação às provas de que foi ele o autor de croquis e dos planos de por bombas em quartéis e na estação de tratamento de água do Guandu, responsável pelo abastecimento de água da cidade do Rio de Janeiro e do Grande Rio em Geral.

Bolsonaro inclusive admitiu no julgamento no Superior Tribunal Militar “em 1987 ter cometido atos de indisciplina e deslealdade para com os seus superiores no Exército” falando da questão supracitada. Por esta questão foi condenado em primeira instância e absolvido em segunda, não por unanimidade, porque os juízes não ficaram totalmente convencidos de que ele foi autor dos planos,embora ele os tenha enviado à Veja e depois recuou, como sempre, quando a repercussão o atingiu em cheio. O julgamento está na íntegra publicado no Estadão, com áudios,etc. Isto não o livrou de ser posto na reserva, abrindo espaço para uma tão medíocre carreira política quanto foi como militar.

Como aluno e militar era considerado agressivo e excessivamente ambicioso, e que tentava ” permanentemente (…) liderar os oficiais subalternos, no que foi sempre repelido, tanto em razão do tratamento agressivo dispensado a seus camaradas, como pela falta de lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argumentos”.

Um oficial medíocre, com problemas de comando, indisciplinado e com atitudes pouco inteligentes e que para obter melhorias salariais planejou atos terroristas, hoje é um presidente medíocre, com sérios problema de recalque em relação a quem tem mais sucesso que ele, ou teve mais sucesso teórico, intelectual, foi oficial melhor, ou tem mais meios de ler a realidade do que ele.

O inacreditável desta mediocridade é que nem chegando onde poucos chegam, a Presidência da República, ele consegue pensar em algo que não seja por em curso uma vingança que evidencia seu recalque. Já o fizera com relação a Rubens Paiva, cujo recalque o fez mentir não só sobre sua participação na perseguição à Lamarca como envolver Rubens paiva nessa questão, faz com os mortos e desaparecidos da ditadura, tenta destruir tudo o que seus antecessores construíram. Os ataques às universidades tem menos de qualquer medida de ajustes por concepções políticas e planejamento do que um ódio a quem não o elogia ou o toma por mito do que outra coisa.

O militar medíocre, com problemas de comando e excessivamente ambicioso tem mesmo que ter ódio à crítica, porque ela desnuda um incompetente que derrete a olhos vistos e é obrigado a apelar à medidas equivalentes a gritos em um debate pra tentar ganhar na marra. Não vai.

Os ataques às universidades são parte de sua queda e o desnudam como homem medíocre.

Weintraub é um outro caso de mediocridade. Sua vida acadêmica foi chocantemente incompetente, com casos de autoplágio na publicação de  um mesmo artigo em revistas diferentes, apenas traduzindo-o, uma vida acadêmica medíocre com notas baixas em disciplinas básicas da economia, péssimas relações com a universidade em que dá aula, inclusive que levaram a seu irmão, também professor da UNIFESP a processar alunos, e perder, porque este em discussão o chamaram de fascista.

Abraham Weintraub foi alvo de sindicância interna por suspeita de usar indevidamente o logotipo da instituição em consultorias, além de ter processado o próprio pai tentanado interditá-lo em disputa por herança, pois o pai havia legado esta à sua mãe e tinha relações próximas com Thiago Taborda Simões, alvo da operação Chiaroscuro da Polícia Federal, que investiga lavagem de dinheiro e sonegação fiscal.

O interessante do novo reacionário é que ele em 2014 foi um eleitor de Marina, e seu pai foi perseguido pela mesma ditadura que Bolsonaro elogia hoje, o que dá margem à percepção de que sua conversão ao olavismo tem uma percepção utilitária com relação à chegada ao poder, mas isso é outra questão.

A questão é que ao atacar universidades, responsáveis pela formação de professores e por 99% da pesquisa científica, e institutos federais, cujo desempenho na educação o coloca em um nível acima do da média nacional e em grau europeu e coreano de qualidade, além de custarem menos e terem desempenho melhor que o xodó de Bolsonaro, as escolas militares, Bolsonaro e Weintraub atingem com uma tacada só a educação e a economia.

E por que? Primeiro que a alegação de que focará no básico e fundamental é lorota e cinismo, porque essa função é dos municípios, com um suporte econômico da união via FUNDEB, que tem um financiamento próprio e diferente dos das universidades. Segundo que as universidades públicas são quem forma os professores em sua maioria, tendo os cursos de licenciatura das universidades privadas um desempenho pior de ocupação de espaços no mercado e nas escolas públicas que as universidades públicas em geral.

Em terceiro caso é um fato que institutos federais e universidades tem um enraizamento e uma interiorização óbvia diante do fato de que temos só de universidades 68 em todo o território nacional, com um corpo docente, discente e de funcionários que são parte central de economias inteiras de cidades grandes, pequenas, médias e até de metrópoles como Rio ou São Paulo.

Ao atacar as universidades o ministro e o presidente inepto não atacam apenas professores “doutrinadores”, servidores “comunistas” e alunos “doutrinados, comunistas e drogados”, mas o corpo de funcionários terceirizados, os funcionários e proprietários de pequenos negócios que giram em torno das universidades (Xerox, papelarias, cafés, bares e restaurantes), os proprietários de casas que alugam para estudantes formarem suas repúblicas, os fornecedores dos comércios, e até os de energia, internet, telefonia e água das cidades.

Qualquer pessoa com capaz de ligar lé com cré vai perceber que o impacto na destruição de um setor tão estratégico pro país, na educação, pesquisa e na economia, via criar mais problemas em um país em plena crise econômica, e em que o governo procura mamadeiras de piroca em vez de tentar qualquer coisa digna do nome de planejamento para resolver a crise além de prometer magia via reforma da previdência.

Mas Bolsonaro nunca teve programa, certo? Não foi eleito por isso e Weintraub não entende patavinas de economia, menos ainda de educação, é óbvio.

A questão é que defender a universidade pública não é uma mera defesa de “doutrinação”, é defesa da economia das cidades, do desenvolvimento científico e da democracia, e é esperado que nossa resistência seja do tamanho e peso que é necessário pára que as universidades não sejam alvo de uma conjunção de mediocridade, incompetência e estupidez chamada Governo Bolsonaro.

Contradições universitárias: sobre docentes e sua distância da classe trabalhadora.

O_tradutor.jpg

O movimento sindical como um todo tem problemas sérios, muitas vezes mais importantes e graves do que o costumeiro movimento de aburguesamento e peleguismo de todos os sindicatos.

A burocratização relacionada à institucionalidade, sindicatos inclusive, é algo fartamente estudado, então tem debate a seu respeito, inclusive na obra de Lênin. Dá pra achar no Google.

Sindicatos de docentes universitários são um extremo exagero desse processo.

O grau de alcance da mobilidade de classe a partir da aquisição de títulos causa uma profundamento da distância entre trabalhadores especializados, como os docentes, e não só, e os demais trabalhadores.

Não à toa são comuns os casos de extremo desprezo por docentes universitários do trabalho de docentes da ponta (Médio, fundamental e básico); pouco ou nenhum engajamento em questões cruciais como o escola sem partido (agora há um movimento maior das ADUFes nessa direção porque, e só porque o ESP chegou nas universidades); um profundo desprezo ao trabalho de funcionários terceirizados, servidores e trabalhadores mais humildes; pouco ou nenhuma atuação no trabalho cotidiano de base política em núcleos, bairros e cidades, além de um comportamento que não liga pra atuar mantendo a precarização do trabalho de profissionais liberais.

Isso não é exclusivo dos docentes universitários sindicalizados, óbvio, mas nestes sindicatos isso ganha um extremo brilho, como se uma divindade irônica marcasse com marcador de texto verde limão essa contradição.

Mestres, e eu sou um, doutores, mestrandos e doutorandos, graduados e graduandos reproduzem isso também, não me iludo (tudo permanecerá do jeito que tem sido, transcorrendo, transformando…).

A questão é, já diria Lênin: o que fazer?

Não tem resposta fácil, e muitos dos companheiros docentes e acadêmicos vai apenas solenemente ignorar estas questões, como via de regra ignoram seu racismo, machismo, LGBTfobia e outras contradições inerentes à sua postura aparente de esquerda e parte de uma sociedade em transformação e que exige transformações.

E por que isso? Porque a tão propalada consciência de classe de nossas constantes pesquisas, leituras, discursos, falas e posturas públicas por vezes não é concreta, nada demais segundo a própria abordagem de Thompson para a questão.

Porque consciência de classe presume um compartilhamento de valores e experiências para com a classe que se diz ter uma relação e uma consciência em comum, segundo o Edward.

Um docente universitário compartilha mais experiências e valores para com a classe operária, os batalhadores, o precariado ou com a elite das cidades? A resposta tem uma relação profunda para com o local de moradia de docentes e da classe trabalhadora nas cidades.

Porque a gente sabe que classe tem CEP.

Essa distância produzir distanciamento de experiências, e com isso de consciência de classe, é normal, lamentavelmente normal, o que não é normal é a postura de gente com uma base analítica e ferramental teórica fudida fingir que não vê isso e ignorar as necessárias avaliações das contradições, para porem-se à prova e transformarem-se para exigirem uma transformação sistêmica como alegam quererem.

Assim como o negro que faz da luta antirracista fica puto quando apontam sua misoginia e machismo, a classe dos docentes universitários fica puta quando exposta publicamente em sua prática de destronamento do bom senso no âmbito da construção de uma relação amigável entre discurso e prática no que tange à construção da consciência de classe.

E essa aberração entre prática, teoria e consciência de quem em tese deveria dominar o ferramental teórico para entender e transformar sua postura é algo que torna muito difícil retomar a construção de alguma ação digna do nome para reverter as seguidas derrotas que a esquerda tem no dia a dia.

Ou vocês acham que o funcionário da universidade que vota em Bolsonaro não é parte dos que odeiam a universidade e a tomam por fábrica de militantes e indigna de financiamento porque recebe um tratamento de cão por parte dos que no organograma do trabalho lhe são hierarquicamente superiores e de esquerda?

E o que falar do tratamento dado por docentes universitários a profissionais de supermercado, padaria, etc? Os porteiros que são tratados como sub nitrato de pó de merca votam no candidato do professor ou contra o professor? Ele considera o professor um trabalhador? Eu duvido de todas as respostas positivas a estas perguntas.

O professor de ensino médio ou básico ou fundamental entende o professor universitário como seu companheiro na maioria dos casos? Eu duvido muito.

Como entenderiam os docentes universitários como trabalhadores se eles falam, se movem, tratam outros trabalhadores, como a pequena burguesia trata?

Pois é.

Nesse sentido de que classe é a ala docente que subiu na vida e tornou-se docente universitária? Da mesma classe trabalhadora do professor de fundamental, básico e médio que ganha um piso de 900 reais no Estado do Rio Grande do Sul? Eu duvido.

Então experimentam a vida de forma díspare deste professor não universitário, reproduzem um trato com o outro que não lhe é da mesma classe diferente do professor comum, porque temos de enxergá-lo como partícipe de uma consciência de classe em comum se suas experiências são distantes, e muito distantes, da nossa a ponto dessa categoria nos tratar como subalternos?

E é nesse sentido que os companheiros das associações docentes universitárias poderiam tentar, com seu volumoso ferramental teórico, algo mais simples de entender do que entender Witgenstein: o que caralhos vocês acham que estão fazendo enquanto sindicato e organização político-social que não conseguem reverter a tendência ao desprezo à profissão docente como um todo e ao tratamento das universidades como elitistas e formadas por membros da elite entre seus professores?

Por que mesmo vocês fingem que não vêem que vocês são, para alunos, servidores e demais funcionários, um mundo externo a eles?

Como vocês não entenderam ainda que não lhes enxergam como parte da classe trabalhadora e por vezes vocês formam eleitores do Bolsonaro?

Não é minha a lógica teórica que retira a parte autoproclamada da  classe trabalhadora quem não compartilha de experiências, valores e cotidiano dela, é E.P. Thompson em sua obra, especialmente “A peculiaridade dos Ingleses”, mas há elementos presentes em “A formação da classe operária trabalhadora inglesa” e “Costumes em comum”.

Em “A peculiaridade dos Ingleses” tem, na página 107, um trecho fundamental pra começarmos a entender:

Classes não existem como categorias abstratas – platônicas -, mas apenas à medida que os homens vêm a desempenhar papéis determinados por objetivos de classe, sentindo-se pertencentes a classes, definindo seus interesses tanto entre si mesmos como contra outras classes.

Dá pra considerar que os docentes universitários tem objetivos de classe e pertencem à mesma classe do desempregado que vive de bico e fica desesperado pra ter pão no dia seguinte? Eu duvido.

Era só isso,desculpe o tamanho do desabafo.

Os tempos da política e da história: massacres, crise da masculinidade, armas e o ódio como valor.

DISCO D - AS MINHAS IMAGENS 456

Escrever sobre política e tempo é interessante porque a lógica cartesiana normal põe o tempo como uma dinâmica linear e, além da física, a história, há tempos, já trabalha com a ideia de diversas temporalidades funcionando em paralelo.

O que isso significa? Significa que o processo de percepção do tempo varia de acordo com a dinâmica e conjuntura do momento em que indivíduos e grupos sociais vivenciam.

Um exemplo rápido? A arquitetura, por exemplo, era utilizada no Brasil com tempos diferentes, estilos mais contemporâneos ao início do século XX, tinham diferentes tempos de utilização dependendo do lugar. Se no Rio de Janeiro, São Paulo e até Pelotas, os estilos arquitetônicos mais modernos eram utilizados à farta já no último quarto do século XIX, no interior da Bahia por vezes só se começa usar o neoclássico já nos fins da década de 1930, e o art decó, que teve um boom nos anos 1920, só aparece quase nos anos 1940.

O tempo da ciência também varia,descobertas recentes da física na Europa do início do século XX demorariam anos até serem aceitas de forma mais ampla no Brasil, especialmente apenas pós anos 1930. Da mesma forma que a tecnologia  até os anos 1980 demorava para entrar em uso no Brasil mesmo sendo já comuns nos EUA e Japão por quase uma década antes. O uso de aparelhos reprodutores de VHS, já em uso no fim dos anos 1970, só começaram a serem usados largamente no Brasil no fim dos anos 1980. Com o tempo o atraso de chegada da tecnologia acompanhou a revolução nos transportes e nas comunicações que chegou a ser quase simultâneo. Primeiro o CD, depois o DVD chegaram com um intervalo curto, de poucos anos, hoje o Iphone é lançado simultaneamente, as atualizações de software e hardware dos computadores idem.

Até a década de 1990 os filmes estadunidenses, os hoje chamados blockbusters, demoravam meses para estrear em cinemas de cidades médias do interior, hoje tem uma diferença de dias, se é que não estreiam de forma simultânea.

O tempo dos costumes já atua em outra dinâmica, vemos costumes contemporâneos irromperem paralelo à manutenção de costumes medievais ou até anteriores. A própria estrutura da masculinidade como provedora, fornecedora de varões cuja força suprime a divergência, que se resolve na lógica do guerreiro medieval e antigo, que submete o diferente e mulheres é uma permanência de tempos imemoriais, mais precisamente do tempo das escrituras, reforçada pro valores medievais, mas que remetem à antiguidade.

Enquanto isso a construção dos costumes da compreensão da diferença e da divergência, da existência de individualidade,s identidades, sexualidades e culturas múltiplas, mal traduzido no conceito guarda chuva de “pautas identitárias” ou “multiculturalismo”, são processos cujo valor remete à crítica da razão e do predomínio da ideia de progresso e evolução que se inicia no XIX, explode num quadro de lutas de descolonização, de conquista de direitos civis para mulheres, negros e negras, indígenas, culturas que estão sob domínio imperialista,etc.

Essa janela de tempo compreende desde as críticas à ideia de civilização, progresso e razão feita pro intelectuais europeus da metade do século XIX em diante, até as lutas pelos direitos civis dos negros estadunidenses, que se inicia na guerra da secessão e prossegue até hoje, com conquistas enormes no fim do século XIX e,nos anos 1960 do século XX; passando pelo pan africanismo, que se inicia no século XIX e chega a um patamar mundial no século XX; pelo feminismo, que em suas múltiplas vertentes se origina no século XVIII e se transforma a cada período até hoje, constituindo vertentes com diversos viéses; pela luta LGBT,etc.

Nesse conjunto de transformações há as críticas de Nietzsche e Benjamin, incluindo Marx e passando até Annales, pelos intelectuais do pós-guerra, como Foucault, Thompson e Stuart Hall, há a obra de Angela Davis e Simone de Beauvoir,etc,etc,etc. Mas o fundamental é que há uma ruptura social, que se estabelece em crescente ataque a uma lógica de costumes que perdurou de tempos imemoriais até hoje, sendo absorvida pelo capitalismo como sempre o foi pelas classes dominantes. O irônico é que a ruptura e o ataque também forma abraçados pelo capitalismo, mas isso é outra história.

A questão é que os tempos diferentes dos valores se chocam e produzem ondas políticas que varrem o mundo e que dificilmente são facilmente definíveis nos termos de direita e esquerda. Não porque flutuem, mas porque são valores que se chocam de forma transversal, atingindo elementos de ambos os espectros ideológicos, que possuem uma fragmentação enorme, muito maior do que gostam seus membros, no trajeto da própria ideia de fragmentação do indivíduo que os mais ortodoxos acham que é uma definição da irrealidade do concreto, quando nunca foi, mas isso também é outra história.

O tempo da política se abraça em diversos eventos do tempo dos costumes, e reflete em seus textos e discursos o processo a partir ou da ruptura ou da manutenção, incluindo os que no fundo tentam conciliar os dois mundos e somam-se mais ou menos a um dos lados a depender de sua trajetória e produção de sentidos.

As eleições da extrema-direita nos tempos recentes se produzem como respostas de alas ada população a um crescimento de uma ruptura visível nos valores como se estabelecem desde sempre e em escala nunca antes vista. Talvez seja mais que uma gestação de um novo mundo, talvez já seja o parto e a própria ideia de revolução que se propagou durante muito tempo e que se esperava que fossem grandes eventos com choro, ranger de dentes e coros esfarrapados d’A Internacional, mas que surge como passeatas de mulheres, trans, travestis, LGBTS, negros e negra,s indígenas, aborígenes, mulheres parindo em parto natural e amamentando em público e lutando por este direito.

Como não parece em nada com um evento escatológico, um Apocalipse ao som de  Mercedes Sosa, tem inclusive resistência da própria esquerda menos afeita a perceber em si os rastros do cavaleiro medieval, do homem branco cujo fardo era domesticar os silvícolas.

O lance, parceiro, é que a dança tá no salão e é preciso dançá-la para não dançar.

A extrema-direita, e isso foi identificado pelo grande amigo cujo pseudônimo Fernando L’Overture é facilmente encontrado pelo Twitter, por sue lado busca uma identidade histórica que remete a tempos antigos e medievais, reivindicam grandes batalhas contra muçulmanos na Europa dos trezentos ou seiscentos, falam de identidades nacionais em contraponto com as internacionais e matam, sustentando suas lutas com base no discurso de limpeza étnica travestida de nacionalismo e em ataques terroristas ou pontuais  a membros alvo, ou de minorias ou de grupos religiosos ou nacionalidades estrangeiras a seus países.

A reivindicação de identidade e de um passado idealizado ocidental macho adulto e branco é o principal elo com o fascismo clássico e faz desse novo fascismo o cavalo de batalha da longa luta cultural do tempo dos costumes em conflito. Para cada direito não branco cisheteronormativo conquistado há umas célula da cultura de ódio que vai reivindicar batalhas antigas e uma branquitude que nunca existiu pra justificar um massacre com forte apelo freudiano.

Nesse choque de tempos e culturas há processos que independem da vontade consciente de grupos políticos e isso é notável no cotidiano, na produção cultural, na própria realidade das periferias, pequenas e médias cidades, favelas,etc, para além dos textos, acadêmicos ou não, cheios de adrenalina e impressionismo que culpam o vento, a Internet ou o Bob Esponja Calça Quadrada, por um tipo de ódio que sempre esteve aí e que hoje se organiza em resistência a processos que já estão aí pelo menos há dois séculos.

 A cada mulher que se percebe a grande provedora dos seus, que se pretende e se faz independente, digna de entender que tem direitos, consciente de seu papel na sociedade e do poder de sua ação para a transformação, cai um tijolo do muro das lamentações incel que se pretende dominante e só é boquirroto.

Sim, este texto deu um passinho à frente na análise, não é definitivamente uma tese, e se propôs a comemorar que, independente do chilique incel, o tempo do choque produz monstros para quem acha que é válido defender limpeza étnica macha adulta, branca e brocha,m como valor.

E o tempo da cultura é, hoje, um tempo onde os valores de uma antiguidade e medievalidade que nunca existiu forma pro saco, porque como elas mesmo dizem: ninguém vai voltar para armário, senzala ou fogão.

Os massacres são, antes de qualquer explicação psicologizantes, atos políticos com um discurso. De Columbine a Nova Zelândia, passando por Suzano, os ataques são frutos de um discurso político que se elegeu defendendo que há uma superioridade cisheteronormativa branca e que é válido “metralhar os petralhas”, que significam toda a resistência a estes valores que caem dia a dia a cada mulher, negro e indígena que vai à luta pro seus direitos. E, ó, são milhões, viu?

De Trump a Bolsonaro, são muitos os sintomas de uma reação reacionária a um processo histórico que atinge até culturas milenares que nunca foram bastante afeitas à expansão nos direitos das ditas minorias (Arábia Saudita tá aí pra isso), e que tentam não se dobrar a uma maré que nem o capital quer enfrentar (Adoro a indústria cultural nesse sentido, ela percebe antes o que tem que fazer pra não morrer). Só que era preciso combinar com os russos.

Por isso salta aos olhos a ideia de que a esquerda precisa dialogar com quem patrocina a reação porque elegeu-se um sujeito simpático a milicianos, racista, misógino e LGBTfóbico, quando, por motivos óbvios, ela precisa dialogar com o que o mundo aponta, com a maré que transforma tanto que já obrigou à minoria reacionária a se organizar e gastar trilhares de dólares para vencerem eleições e tentarem,s em sucesso, segurar na porrada uma transformação que tá na casa do vovô fascista que morreu ontem.

Eles mataram Marielle por que podiam? Sim, mas também porque temiam.

 Eles quebram placas em sua homenagem por um pavor brocha mal dissimulado, eles rasgam adesivos, eles piram na casinha citando Celso Daniel, que além de ser um problema do PT já foi resolvido, supostos mandantes da facada em Bolsonaro, caso resolvido e com o criminoso preso e apontamento de inexistência de mandantes, ou Patrícia Acyoli, cujo mandante e assassinos forma presos, mesmo a contragosto de Flávio e Jair Bolsonaro que meio que justificaram sua execução dizendo que ela desrespeitava os PMs, na maioria criminosos.

E eles fazem tudo isso porque pouco se importam com a morte de qualquer um desses, eles fazem isso porque perdem a cada dia o frágil domínio sobre a cultura que eles tentam manter.

É medo, é fruto de um pavor que se reflete na própria face do presidente a cada entrevista (apavorado pro estar ali e achando que seria mais fácil bancar o macho fodão), no exagero de um Itamaraty que ataca ativista como se a ONU fosse o Whatsap, nas tolices de ministros.

E um medo diante do óbvio: independe da vontade consciente até da própria esquerda lidar com uma transformação que irrompeu mundo afora com as lutas pelos direitos de quem nunca os teve e que não vão recuar nem em nome de Deus nem na ponta de uma lança, nem na base de bala.

A reivindicação de Braudel aqui, foi ele quem iniciou a ideia de temporalidades diferentes, veio por obra e graça disso: processos históricos de tal monta, onde a mudança é de planos culturais de longa duração, não são produzidos nem do dia para a noite, menos ainda paráveis apenas por desejo de poderosos ou grupos sociais temporariamente empoderados.

E é nas margens desse Mediterrâneo que encontraremos o melhor canal para que a esquerda navegue pelo Mare Nostrum.