Escrevi no Twitter e compartilho aqui: Vargas não criou o Ministério do Trabalho por amor à causa ou bondade divina, mas porque o movimento operário e sindical estava talvez no momento mais forte da história nos anos que forma de 1917 a 1960, só comparável aos anos 1980 e 1990.
O PCB crescia absurdamente desde que Prestes se tornou dirigente, mesmo preso pós intentona Comunista, se enraizava nos anos 1930, o movimento operário e sindical tinha tido um extremo sucesso na primeira grande greve geral no país, a de 1917 e vinha em crescimento acelerado desde o fim do Império, mas ganhou fôlego extra nos anos 1920, especialmente sob influência da Revolução russa nos movimentos anarquista e comunista (nascente naqueles anos).
Os anos 1920 tinham junto com o movimento operário uma ebulição política que atingia a classe média recém-nascida e rachas nos pactos das oligarquias brasileiras, oque levava a um estado de ruptura plausível e que a Revolução de 1930 não conseguiu estancar de todo, levando à resistência armada inclusive, como a Revolução Paulista de 1932.
Diante de um quadro como esse era inevitável alguma tentativa de organização de instrumentos de controle e mediação com relação aos movimentos de trabalhadores, e a polícia como arma contra as mobilizações sociais já havia fracassado na primeira república. E Vargas a partir daí, e com inspiração no fascismo italiano, criou mecanismos de controle, tutela e mediação com relação aos trabalhadores a partir das leis trabalhistas e principalmente do Ministério do Trabalho.
As leis trabalhistas atenderam diversas demandas históricas dos trabalhadores, e não tem, nenhuma inspiração fascista, e arrefeceu a dinâmica de reivindicações do movimento operário, tirando certa força e protagonismo do movimento operário radical, já os instrumentos de fiscalização e controle pelo estado da vida sindical atacaram o coração do movimento laboral radical, tutelando-o economicamente a partir do imposto sindical, que facilitou a vida das burocracias, e reduzindo o grau de liberdade de organização, tornando ilegal oque não fosse tutelado pelo estado.
Vargas usou com maestria a arte aprendida com inspiração no castilhismo e no borgismo rio-grandense: movimentos de pêndulo onde o diálogo com as forças sociais dependiam da possibilidade delas atingirem o coração dos governos. De trabalhadores à elite os movimentos de repressão e cessão tornavam a vida das oposições um inferno, impedindo-as de agir em confronto sempre e permitindo que os apoios aos governos fossem duradouros e tivessem menos divisionismos, pois os governos mediavam e confrontavam em igual peso e força dependendo da correlação de forças.
Assim como Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros forma às armas e às negociações com elite, movimento operário e sindical e classes médias e, diferentes momentos, Vargas repetiu as ações, mas criou mecanismos de estado onde atendia reivindicações históricas por um lado, atacava a autonomia sindical por outro e por um terceiro campo reprimida duramente o movimento que se tentava organizar à parte da tutela estatal inclusive abrindo mão do imposto sindical e da vinculação com o estado.
Assim, o Ministério do Trabalho virou um enigma e um impasse, ao mesmo tempo que por diversas questões e atribuições também se tornava uma ferramenta de fiscalização do cumprimento das regulações do mundo do trabalho que vinham a ser reivindicações históricas dos movimentos operário e sindical. Ao mesmo tempo o organismo feito para tutelar e policiar o movimento também era instrumento de garantia das demandas históricas de suas hostes. O que fez com que os trabalhadores historicamente passassem a defender aquele que também era o instrumento de seu controle pelo estado.
A arte de Vargas não é pouca cosia, ela garantiu que haveria por parte do estado um perfil moderador entre trabalhador e patrão e isso foi mantido até mesmo pelos governos da ditadura civil-militar de 1964 e seu profundo anticomunismo.
O mesmo caminho tomou o Serviço de Proteção ao índio/FUNAI. Criado em 1910 e implementado em 1918 como parte dos mecanismos de afastamento da igreja católica de funções que tinham a necessidade de participação do estado, e fazendo ainda parte da separação entre estado e religião pós proclamação da república, o SPI se tornou FUNAI e parte do cotidiano da política indigenista do Brasil. Primeiro com um perfil de integrar o indígena de forma tutelar à sociedade nacional, depois para produzir meios para que os indígenas se desenvolvessem de forma autônoma, com respeito à sua cultura e valores como comunidades que ocupavam territórios da união e tinham na FUNAI meios de mediação com relação à sociedade nacional.
De forma parecida com o Ministério do Trabalho, o SPI/FUNAI foi de ferramenta de controle e tutela a garantidor de direitos, mesmo contendo elementos de retirada de autonomia da organização autóctone de povos indígenas. Os ministérios e secretarias relacionados à reforma agrária que desde 1985 se estabeleceram como formas mais ou menos mediadores das relações dos movimentos pela
terra com as políticas agrícolas do Estado Brasileiro, criando, em correlação com os Ministérios da Agricultura, mecanismos de algum tipo de mediação de conflitos entre agronegócio e sem-terra.
Mesmo quando foram capitaneados por opositores às políticas tidas como avançadas de ação em cada frente de batalha destes nas políticas de estado, representavam características do Estado Brasileiro que se enraizaram para o mal e para o bem, tornando-se parte intrínseca do bom funcionamento de qualquer governo.
Só que com Bolsonaro os setores mais radicalizados da elite entenderam que era hora de implodir o que consideram “travas ao funcionamento de quem trabalha”: vincularam a FUNAI ao ministério da agricultura, francamente anti-indígena, puseram um ruralista na reforma agrária e acabaram com o Ministério do Trabalho o colocando sob o Ministro – Juiz – Super Herói Moro.. O bonito disso é que todos eles eram mecanismos de proteção sim, mas não ao trabalhador.
Vargas, os positivistas e os governos pós-ditadura entenderam o óbvio: sem uma mediação do Estado e uma política DE ESTADO de gestão de conflitos, algo que via de regra é presente desde o Império, o bicho pega, bebê chora e mãe não vê.
E ninguém entendeu isso por amor à causa ou generosidade, mas porque pouca coisa é mais presente no Brasil que o barril de pólvora eterno das relações étnico-raciais, de classes, de gênero e trabalhistas.
Foi com base nisso que os positivistas da primeira república criaram meios de lidar com indígenas, depois de tomarem na cabeça com oitocentas revoltas como Canudos, Contestado, Revolta da Armada, Revolta da Vacina, Revolta da Chibata, e tentar organizar, primeiro nos estados e depois nacionalmente, meios de lidar com trabalhadores. Vargas chegou a isso nos idos de 1935 e Sarney em 1985 com a organização de meios de lidar com a reforma agrária.
E essa política de Estado de mediação e tutela está sendo com Bolsonaro atingida no coração.
Claro, há outras considerações para nos preocuparmos, mas outros escreverão estes textos, minha abordagem é apontar pra bobagem em curso.
Porque o movimento menos organizado que está sendo atacado por Bolsonaro é o sindical, que possui pelo menos cinco centrais sindicais e sindicatos em todo território nacional com variados graus de força e enorme poder de mobilização, mesmo enfraquecidos.
No lado dos defensores da Reforma agrária e fundiária o MST e MTST são extremamente organizados, sendo que o MST hoje é também uma força econômica na área de agroecológicos.
Indígenas estão on fire desde o primeiro governo Dilma e são fácil a vanguarda da resistência ao capitalismo agroexportador e predatório hoje em dia.
Juntem a isso o esvaziamento ou ataque direto ao movimento de mulheres aos movimentos LGBT+ com uma ministra misógina e homofóbica na secretaria de Direitos humanos, sob a qual estará a secretaria de mulheres e, se for mantida, a de políticas LGBT+.
E o que temos com isso tudo? O circo pegando fogo.
Acrescentem a nítida ameaça de punições ao Brasil por atos que atacam o acordo de Paris, reforçado no G20 e com impactos inerentes no dia a dia da OMC, e também problemas com a educação e o mercado da educação pelo patrocínio ao Escola sem Partido vindo do governo eleito (UNDIME e Fundação Lemann assinaram manifesto contra o ESP indicando que secretários municipais de educação e organizações empresariais não estão brincando na oposição ao projeto), além de reações dos mercados árabes à sugestão de transferência da embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém e temos um caldo cultural da zona.
O Governo Bolsonaro atirou para todos os lados e acertou, reforçado inclusive pela opção preferencial em bater de frente com partidos ao nomear nomes pertencentes a eles ignorando suas direções, como se fosse uma dinastia que chegou ao poder por direito divino.
Só que em vez de dinastia o que me parece é que teremos um circo, e pegando fogo, algo que nunca foi atração de circo.
Ao gerar prejuízos para a elite e revolta em setores organizados da população, pouca coisa é mais palpável que, pelo menos, um retorno ao clima pré-revolução de 1930, e sem a base de apoio das oligarquias de São Paulo e parte do país, como visto nas declarações de próceres de DEM e MDB, apenas o apoio fugas de uma população que quer, pra ontem de tarde, emprego e renda.
Dificilmente um conjunto de ataques aos trabalhadores, movimentos sociais, indígenas e sem teto e sem-terra ficarão sem resposta.
Dificilmente haverá apoio da comunidade política organizada na defesa de um governo que promete muitas guerras, mas não conta exatamente com um exército e nem garante entregar o carro-chefe desejado pela elite econômica: a reforma da previdência.
Parece que teremos um caloroso espetáculo.
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