Pegar fogo nunca foi atração de circo, mas de qualquer maneira pode ser um caloroso espetáculo

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Escrevi no Twitter e compartilho aqui: Vargas não criou o Ministério do Trabalho por amor à causa ou bondade divina, mas porque o movimento operário e sindical estava talvez no momento mais forte da história nos anos que forma de 1917 a 1960, só comparável aos anos 1980 e 1990.

O PCB crescia absurdamente desde que Prestes se tornou dirigente, mesmo preso pós intentona Comunista, se enraizava nos anos 1930, o movimento operário e sindical tinha tido um extremo sucesso na primeira grande greve geral no país, a de 1917 e vinha em crescimento acelerado desde o fim do Império, mas ganhou fôlego extra nos anos 1920, especialmente sob influência da Revolução russa nos movimentos anarquista e comunista (nascente naqueles anos).

Os anos 1920 tinham junto com o movimento operário uma ebulição política que atingia a classe média recém-nascida e rachas nos pactos das oligarquias brasileiras, oque levava a um estado de ruptura plausível e que a Revolução de 1930 não conseguiu estancar de todo, levando à resistência armada inclusive, como a Revolução Paulista de 1932.

Diante de um quadro como esse era inevitável alguma tentativa de organização de instrumentos de controle e mediação com relação aos movimentos de trabalhadores, e a polícia como arma contra as mobilizações sociais já havia fracassado na primeira república. E Vargas a partir daí, e com inspiração no fascismo italiano, criou mecanismos de controle, tutela e mediação com relação aos trabalhadores a partir das leis trabalhistas e principalmente do Ministério do Trabalho.

As leis trabalhistas atenderam diversas demandas históricas dos trabalhadores, e não tem, nenhuma inspiração fascista, e arrefeceu a dinâmica de reivindicações do movimento operário, tirando certa força e protagonismo do movimento operário radical, já os instrumentos de fiscalização e controle pelo estado da vida sindical atacaram o coração do movimento laboral radical, tutelando-o economicamente a partir do imposto sindical, que facilitou a vida das burocracias, e reduzindo o grau de liberdade de organização, tornando ilegal oque não fosse tutelado pelo estado.

Vargas usou com maestria a arte aprendida com inspiração no castilhismo e no borgismo rio-grandense: movimentos de pêndulo onde o diálogo com as forças sociais dependiam da possibilidade delas atingirem o coração dos governos. De trabalhadores à elite os movimentos de repressão e cessão tornavam a vida das oposições um inferno, impedindo-as de agir em confronto sempre e permitindo que os apoios aos governos fossem duradouros e tivessem menos divisionismos, pois os governos mediavam e confrontavam em igual peso e força dependendo da correlação de forças.

Assim como Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros forma às armas e às negociações com elite, movimento operário e sindical e classes médias e, diferentes momentos, Vargas repetiu as ações, mas criou mecanismos de estado onde atendia reivindicações históricas por um lado, atacava a autonomia sindical por outro e por um terceiro campo reprimida duramente o movimento que se tentava organizar à parte da tutela estatal inclusive abrindo mão do imposto sindical e da vinculação com o estado.

Assim, o Ministério do Trabalho virou um enigma e um impasse, ao mesmo tempo que por diversas questões e atribuições também se tornava uma ferramenta de fiscalização do cumprimento das regulações do mundo do trabalho que vinham a ser reivindicações históricas dos movimentos operário e sindical. Ao mesmo tempo o organismo feito para tutelar e policiar o movimento também era instrumento de garantia das demandas históricas de suas hostes. O que fez com que os trabalhadores historicamente passassem a defender aquele que também era o instrumento de seu controle pelo estado.

A arte de Vargas não é pouca cosia, ela garantiu que haveria por parte do estado um perfil moderador entre trabalhador e patrão e isso foi mantido até mesmo pelos governos da ditadura civil-militar de 1964 e seu profundo anticomunismo.

O mesmo caminho tomou o Serviço de Proteção ao índio/FUNAI. Criado em 1910 e implementado em 1918 como parte dos mecanismos de afastamento da igreja católica de funções que tinham a necessidade de participação do estado, e fazendo ainda parte da separação entre estado e religião pós proclamação da república, o SPI se tornou FUNAI e parte do cotidiano da política indigenista do Brasil. Primeiro com um perfil de integrar o indígena de forma tutelar à sociedade nacional, depois para produzir meios para que os indígenas se desenvolvessem de forma autônoma, com respeito à sua cultura e valores como comunidades que ocupavam territórios da união e tinham na FUNAI meios de mediação com relação à sociedade nacional.

De forma parecida com o Ministério do Trabalho, o SPI/FUNAI foi de ferramenta de controle e tutela a garantidor de direitos, mesmo contendo elementos de retirada de autonomia da organização autóctone de povos indígenas. Os ministérios e secretarias relacionados à reforma agrária que desde 1985 se estabeleceram como formas mais ou menos mediadores das relações dos movimentos pela
terra com as políticas agrícolas do Estado Brasileiro, criando, em correlação com os Ministérios da Agricultura, mecanismos de algum tipo de mediação de conflitos entre agronegócio e sem-terra.

Mesmo quando foram capitaneados por opositores às políticas tidas como avançadas de ação em cada frente de batalha destes nas políticas de estado, representavam características do Estado Brasileiro que se enraizaram para o mal e para o bem, tornando-se parte intrínseca do bom funcionamento de qualquer governo.

Só que com Bolsonaro os setores mais radicalizados da elite entenderam que era hora de implodir o que consideram “travas ao funcionamento de quem trabalha”: vincularam a FUNAI ao ministério da agricultura, francamente anti-indígena, puseram um ruralista na reforma agrária e acabaram com o Ministério do Trabalho o colocando sob o Ministro – Juiz – Super Herói Moro.. O bonito disso é que todos eles eram mecanismos de proteção sim, mas não ao trabalhador.

Vargas, os positivistas e os governos pós-ditadura entenderam o óbvio: sem uma mediação do Estado e uma política DE ESTADO de gestão de conflitos, algo que via de regra é presente desde o Império, o bicho pega, bebê chora e mãe não vê.

E ninguém entendeu isso por amor à causa ou generosidade, mas porque pouca coisa é mais presente no Brasil que o barril de pólvora eterno das relações étnico-raciais, de classes, de gênero e trabalhistas.

Foi com base nisso que os positivistas da primeira república criaram meios de lidar com indígenas, depois de tomarem na cabeça com oitocentas revoltas como Canudos, Contestado, Revolta da Armada, Revolta da Vacina, Revolta da Chibata, e tentar organizar, primeiro nos estados e depois nacionalmente, meios de lidar com trabalhadores. Vargas chegou a isso nos idos de 1935 e Sarney em 1985 com a organização de meios de lidar com a reforma agrária.

E essa política de Estado de mediação e tutela está sendo com Bolsonaro atingida no coração.

Claro, há outras considerações para nos preocuparmos, mas outros escreverão estes textos, minha abordagem é apontar pra bobagem em curso.

Porque o movimento menos organizado que está sendo atacado por Bolsonaro é o sindical, que possui pelo menos cinco centrais sindicais e sindicatos em todo território nacional com variados graus de força e enorme poder de mobilização, mesmo enfraquecidos.

No lado dos defensores da Reforma agrária e fundiária o MST e MTST são extremamente organizados, sendo que o MST hoje é também uma força econômica na área de agroecológicos.

Indígenas estão on fire desde o primeiro governo Dilma e são fácil a vanguarda da resistência ao capitalismo agroexportador e predatório hoje em dia.

Juntem a isso o esvaziamento ou ataque direto ao movimento de mulheres aos movimentos LGBT+ com uma ministra misógina e homofóbica na secretaria de Direitos humanos, sob a qual estará a secretaria de mulheres e, se for mantida, a de políticas LGBT+.

E o que temos com isso tudo? O circo pegando fogo.

Acrescentem a nítida ameaça de punições ao Brasil por atos que atacam o acordo de Paris, reforçado no G20 e com impactos inerentes no dia a dia da OMC, e também problemas com a educação e o mercado da educação pelo patrocínio ao Escola sem Partido vindo do governo eleito (UNDIME e Fundação Lemann assinaram manifesto contra o ESP indicando que secretários municipais de educação e organizações empresariais não estão brincando na oposição ao projeto), além de reações dos mercados árabes à sugestão de transferência da embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém e temos um caldo cultural da zona.

O Governo Bolsonaro atirou para todos os lados e acertou, reforçado inclusive pela opção preferencial em bater de frente com partidos ao nomear nomes pertencentes a eles ignorando suas direções, como se fosse uma dinastia que chegou ao poder por direito divino.

Só que em vez de dinastia o que me parece é que teremos um circo, e pegando fogo, algo que nunca foi atração de circo.

Ao gerar prejuízos para a elite e revolta em setores organizados da população, pouca coisa é mais palpável que, pelo menos, um retorno ao clima pré-revolução de 1930, e sem a base de apoio das oligarquias de São Paulo e parte do país, como visto nas declarações de próceres de DEM e MDB, apenas o apoio fugas de uma população que quer, pra ontem de tarde, emprego e renda.

Dificilmente um conjunto de ataques aos trabalhadores, movimentos sociais, indígenas e sem teto e sem-terra ficarão sem resposta.

Dificilmente haverá apoio da comunidade política organizada na defesa de um governo que promete muitas guerras, mas não conta exatamente com um exército e nem garante entregar o carro-chefe desejado pela elite econômica: a reforma da previdência.

Parece que teremos um caloroso espetáculo.

A verdade, o unilateralismo, a beleza, o índio, o negro e o black Bloc

images (1)Todo pensamento unilateral contém o inevitável autoritarismo. O entendimento de algo como uma verdade única, centrada em uma objetivação da realidade é automaticamente inibidor da diversidade e portanto da democracia.

Esta “ditadura” reflete-se na sociedade de muitas formas, desde a lógica do padrão de beleza unitário, que exclui gordas e negras do belo, até o entendimento da ideia de progresso como ligada intimamente ao aquecimento da economia, ao aumento de consumo, ao aumento e desenvolvimento das “forças produtivas”, como se fosse um ligar de uma locomotiva faminta e sem freios na direção do abismo.

201109070815340000004175Produzir significa acumular capital, conforme o pensamento hegemônico, produzir significa consumir matéria-prima e energia para que bens sejam construídos, consumidos em nome de um bem-estar intimamente ligado ao ter. Esta ideia de produção é o carro-chefe de uma ditadura de entendimento da realidade, de um pensamento único, que se vale da concepção que produzir, viver, ter, estar, morar são estados relacionados diretamente com a ideia de propriedade, com a ideia de economia com valoração de cada elemento ao redor do homem, inclusive ele, seja terra, ar, água, bichos, plantas, como se todos tivessem um preço, como se o valor de uso e troca fosse natural, nascesse com cada item da realidade ao redor do homem, líder máximo de uma lógica onde o homem é o centro do universo.

la-pensee-uniqueEsse entendimento é complementado com a recusa de percepção de qualquer outra forma de entender a realidade, de qualquer percepção cultural divergente, como passível de alguma “razão” ou sentido. A concepção de etnias indígenas da terra como parte de um organismo vivo, como elemento fulcral da existência deles para além da economia, da produção, do valor continente no uso da terra, vira anátema, pois bate de frente com a lógica, o pensamento único em torno do qual se ergue a economia e a lógica de vida ocidental, cristã, branca.

Outro aspecto da ditadura do pensamento único é a ótica do que é bom ou não para segmentos inteiros da população. Pobre morar na favela? Não pode e jamais passa na cabeça das pessoas a possibilidade urbanizar a favela, de que favela seja cidade. Greve? Atrapalha o trânsito. Proibir carro no centro das cidades? Atrapalha o direito individual da posse do automóvel, dane-se se o transporte coletivo permanece secundarizado em nome do individualismo egoísta, consumidor de combustíveis fósseis que aceleram os efeitos do aquecimento global. Lutar pelo fim dos combustíveis fósseis? Maluquice, a economia EXIGE crescimento e isso EXIGE energia, EXIGE, o conforto individual, a matriz energética em uso é o petróleo e não se fala mais nisso, energia renovável e alternativa são caras demais!

20090207_non.pensamento.unico.grandeE palavra em torno de muitas destas questões é “custo”, é a centralidade do “custo”, do aspecto monetário sobre todo e qualquer entendimento relativo à lógica do bem viver como mudança dos paradigmas de civilização, para além da precificação da vida, das pessoas, das cidades, da terra, das matas, do existir. O “custo” das coisas é central, o “custo” das coisas é o eixo em torno do qual giram a lógica que prioriza, hierarquiza o que deve ou não ter a economia direcionada para realizá-lo, ou seja, o que é prioritário para a população e sociedade é decidido em torno de “custo”.

E quem decide? Como se dá o processo “democrático” de decisão? Há democracia? Se chega ao todo todas as informações, todos os meios de decidir, o que está em jogo?

imagesPoderíamos elencar também problemas relacionados ao processo de veto à homossexualidade, de repressão à orientações sexuais diversas, à transsexualidade, à ideia do papel da mulher, à lógica de respeito à diversidade étnica, ao racismo, ao racismo ambiental e tantos outros efeitos da ditadura do pensamento único, que parte de uma hegemonia cultural elitista e chega aos jornais e Tvs e é reproduzida, naturalizada, tornada como um elemento dado da vida cotidiana, imutável, asfixiante.

E todo pensamento contra hegemônico é crime, é criminalizado.

Todo método contra hegemônico é crime, é afastamento do povo das lutas, é afastamento da regra, da lei, do bom comportamento, dos bons modos, do bom senso.

E é por isso que toda criminalização dos Black Bloc tem um pouco de navio negreiro.

A dimensão da utopia, a revolução e os novos Lênins

 Road_to_utopiaTratar de mudança política não é exatamente simples, tampouco receita de bolo. A dimensão da transformação tem tantas miríades de sentidos possíveis subjetivos a serem lidos em atos, palavras e movimentos, que a simplificação de um método ou de uma ideia de estado, ou de mesmo uma só ideia de revolução é delírio simplificador.

Se ler a realidade concreta fosse fácil e apontasse para um só sentido unitário não haveria desde sempre um mar de pensadores mundo e história afora, cada um com sua percepção de uma realidade, de uma verdade ou até da não-verdade.

A questão é que cada contexto histórico, cada conjuntura, aponta sinais identificáveis de novas formas que a multidão de gentes por vezes denominada “povo”, “massa”, “massona” ou “povão” (quase sempre por quem se aparta dela para defini-la com distância segura) interpreta se não o real a ruptura com o que entende como sistema ou peso opressivo de alguma realidade.

Cada contexto histórico traz suas insurgências, traz suas permanências, traz suas rupturas e conservações e é necessário que cada pensador ou militante que pretenda transformar este real lê-las, olhá-las nos olhos, preocupados menos com encontrar a verdade verdadeira única de todas as coisas e mais com antecipar minimamente uma tática de intervenção que consiga atrair o máximo de gente possível para oque defende como eixo de ações transformadoras.

É, amigão, to falando de convencer pessoas que tua tática revolucionária é o lance.

img_ju427-06bNeste contexto atual, por exemplo, o próprio questionamento da relação entre movimentos, partidos e ativistas com o cotidiano político é questionado. A própria relação entre os movimentos, as pessoas e a atividade política é jogada aos leões em busca de demolir concepções quadradas de vida, de militância, de relação com vidros, vidraças, mundo, ambiente, amor, mídia.

A dimensão contestatória não tá ai para fingir que não vê a frase maldita cheia de homofobia do sujeito que em tese diz que quer mudar o mundo.

A contestação, caras pálidas, não tá vestindo o fraque mediado do fanfarrão da esquina, tampouco o papo brabo de que “povão é assim”.

A contestação quebra vidraça do Itaú,a contestação arrebenta a secadora do Xingu, invade usina, ocupa Câmaras, derrete leninismos de salão querendo mais que conversinha nas terras Quilombolas, na avenida Paulista ou na praça onde Feliciano-RS prendem pessoas que se beijam em um espaço público ocupado por ele indevidamente em nome de uma só vertente de uma só fé, atropelando a laicidade do estado, atropelando a democracia de um estado cujo emblemático simbolismo de um Pastor Deputado (jamais um Deputado Pastor) chamando a polícia para reprimir lésbicas se beijando EM ESPAÇO PÚBLICO é eloquente.

street_art_24A contestação não trata a dimensão do sonho como um “Além da Imaginação”, uma “Twilight Zone” promovida por esquerdóides, amiguinhos. A contestação chegou à sala de aula, e não na cabeça de estudantes, mas na de professores precarizados em greve numa das principais cidades do país.

A contestação tá na rua derrubando um dos governadores centrais para a política do PT e para concepção de cidade mercadoria, de mundo mercadoria, de Brasil Grande neodesenvolvimentista com fome de petróleo, com fome de carbono, de escolas, de postos de saúde, de consumo que nos consome enquanto gentes a trabalhar doze, treze, quatorze horas para pagar os carnês das dívidas enquanto deixamos a vida no prelo.

A contestação pegou a dimensão do sonho gritando que não era por vinte centavos enquanto militantes amestrados pro revistas, blogs e sites de partidos acostumados com a cadeira acolchoada do poder dizia se tratar de Vândalos e Baderneiros.

imagesA dimensão do sonho voltou numa contestação mascarada que lei nenhuma vai desmascarar e enquanto isso ainda existem citadores compulsivos de Lênin procurando pelo em ovo pra justificar qualquer coisa em nome de mandatos acomodados, acostumados a pedir em vez de exigir, a criar espantalhos para a fome de moral e bons costumes de quem pede o fim da corrupção como se pedisse pães franceses na padaria mais próxima.

E enquanto a dimensão do sonho renasce com utopias múltiplas, dissonantes e polifônicas, como deve ser, a exigência de novos Lênins é clara, imensa, nítida. Mas exigem-se novos Lênins com menos fome por construir estacas fundadores de novos países e novos estados, mas canais para o fluxo contestatório passar derrubando represas.

São precisos Lênins que construam o diálogo, um diálogo amplo, que aprendam, que ensinem, que se joguem, que quebrem, que requebrem, que riam, que sambem, que ouçam a polifonia menos buscando a síntese perfeita e mais aprendendo que ruptura pode sim rimar com gostosura, com liberdade, com vontade e com verdades, sim com s, por muitas, imensas, gigantes, que nunca dorme, que se soltam noite afora quebrando tudo até a última ponta para derrubar Cabrais e outros ditadores mal-acostumados a achar que a voz das ruas é rouca, enquanto sempre foi doce.

images (3)São precisos novos Lênins prontos a divertirem-se recuperando a utopia, a dimensão do sonho em que Garibaldis, Bakunins, Marx, Engels fizeram a primavera dos povos.

Porque sempre precisamos de mais primaveras.

Brasil: Um País de esqueletos no armário #desarquivandoBR

tumblr_m2clmrKfeC1qejpkbo1_500A história do Brasil é repleta de esqueletos no armário, do impedimento do encontro das muitas faces da verdade ocultadas em armários, gabinetes, medos e pavores dos que comandam a pátria mãe tão distraída.

Da Abolição a Canudos, do Contestado à Revolta da Vacina, da Revolta da Chibata à Vargas, de Vargas a 64, de 64 até 2013, o número de esqueletos no armário só aumenta, fazendo com que o país necessite de muitas comissões da verdade para extirpar as manchas indeléveis que permanecem nítidas em sua história e são reproduzidas no cotidiano da sociedade através das eras.

Charge 1As torturas nas delegacias de hoje são frutos da reprodução das práticas das tantas ditaduras ou do passado escravista onde o outro devia ser reduzido pela dor à uma peça obediente para que o controle social fosse efetivo?

As mortes cotidianas de jovens negros são fruto da política das ditaduras sendo mantidas com as mesmas táticas e diretrizes ou da criminalização de negros e pardos como pobres, e portanto criminosos, que se iniciou ainda no pré-abolição?

imagesA secessão entre pobres e ricos, as restrições de protestos, as restrições de expressão, a violência cotidiana com relação a direitos das minorias majoritárias, a manutenção na porrada dos padrões de comportamento em uma disciplina social ferrenha, autoritária e violenta são fruto dos resquícios da ditadura de 64 ou dos muros invisíveis erguidos para justificar a escravidão e manter o controle social sobre escravos, pretos, pobres e mulheres por uma sociedade escravista onde o macho adulto branco não fazia a menor questão de não reivindicar seu lugar no topo da cadeia alimentar?

São muitas as perguntas e nenhuma das respostas deveria ignorar que cada esqueleto guardado no armário torna o Brasil um país com uma das sociedades mais injustas do mundo, e que não só não resolve seus problemas do passado como se esforça para alimentar o faminto armário de mais esqueletos para a manutenção da nódoa de lama e sangue a qual nomeia História.

images3A manutenção dos ossos no armário não permite o reconhecimento da história do Morro da Providência e a presença fundamental daquela população onde está para manutenção da memória dos primeiros atingidos pelas inúmeras reformas urbanas do Rio de Janeiro e pela memória da guerra do Paraguai e Canudos.

A manutenção dos esqueletos no armário permitiu que João Cândido morresse na miséria, sendo mantido pela marinha como criminoso, mesmo tendo sido um herói da luta antirracismo naquela força armada.

jt11_ditaduraA fome do armário de ossos também mantém a lógica de resistência a uma fictícia guerra entre comunistas e a “nação” que produz Bolsonaros e Felicianos e também mantém Canudos e Contestado como anátemas para um exército acostumado e pisar na cabeça da população que cisma em fugir de uma ordem platônica erguida pela corporação e cujo lema Ordem e Progresso não se furta a atropelar peles pretas e pobres que por acidente estejam em seu caminho.

militaresarquivosditaduOs esqueletos no armário também mantém até um governo, onde boa parte de seus membros é vinculado diretamente à resistência contra a ditadura de 1964, refém de um pragmatismo torpe e cúmplice da manutenção dos esqueletos dos mortos e desaparecidos pela ditadura militar ocultos sob camadas e camadas de arquivos fechados e cujo teatro da Comissão Nacional da Verdade nem de leve pensa em remover o pó que os oculta, um pó repleto da tradicional injustiça de nosso Estado, de nossa Pátria, que devia ser fratria e nem mátria é.

ditadura1Enquanto os homens exercem seus podres poderes o armário permanece alimentado de esqueletos, alguns muito antigos, e o país rico, que se pretende sem pobreza, segue batendo em índios, negros, gays e mulheres. Segue mantendo a injustiça e prosseguindo sob uma lenga lenga de “Mudamos a vida das pessoas” deixando os rastros de sangue de uma ausência de qualquer mediação entre a violência conservadora do status quo e os inúmeros atingidos pelo seu voraz caminho de enriquecimento dos barões e amigos do rei.

esqueleto limparEnquanto os homens exercem seus podres poderes e buscamos fazer renascer nosso carnaval o grito de “Apesar de você” segue preso numa garganta acostumada a romper o silêncio da paz de cemitérios que é nosso país na marra, na rua, numa raça que só quem possui a estranha mania de ter fé na vida poderia ter.

Os arquivos são muitos, os esqueletos são muitos e serão mantidos fechados enquanto não entendermos que a morte dos Juvenais e Raimundos, de tantos Julios de Santana, se refletem no Xingu, em Belo Monte, na Providência, em Manguinhos, no Capão Redondo, em Porto Alegre, no Mato Grosso, na Avenida Paulista.

frase-se-voce-nao-se-pode-livrar-do-esqueleto-que-esta-no-seu-armario-e-melhor-que-o-ensine-a-george-bernard-shaw-154307Para amanhã ser outro dia é preciso que entendamos quem manda na chave dos armários onde os esqueletos estão guardados, é preciso que entendamos quem se mantém guardando os esqueletos desde o Império e ainda hoje, em um governo do ex-Partido dos Trabalhadores, possui o poder para continuar alimentando-o com novos ossos.

ditaduraÉ preciso que lembremos sempre a memória de tempos onde lutar por seu direito era um defeito que mata, e para isso é preciso que lembremos o tamanho do armário de ossos, os tantos ossos ali ocultos, que lembremos quem guarda a chave, para que o abramos e deixemos sair nossos heróis que não morreram de overdose, mas de História, e nos aguardam para que os façamos ver o sol nascer a nosso lado, como memória, como verdade, como justiça.

Post participante da VII Blogagem Coletiva #desarquivandoBR..

Dos ódios – Sobre religião, conjuntura conservadora e esquerda

imagesA síntese da existência só Marcos Felicianos e Malafaias não é nada simples e por isso mesmo não pode, e nem precisa, ser reduzida à meras questões de religião.

O adágio “A religião é o ópio do povo”, repetido como mantra por legiões de socialistas “marxistas”, ganha ao ter de si excluído o contexto a condenação da religião de automático, a fé em si, como ferramenta de dominação dos mais pobres, que por conseguinte não passam de ovelhas assustadas, incompetentes, covardes e, porque não, completamente idiotas.

Ao terem diante de si os Felicianos Malafaias da vida e seus inúmeros seguidores e repetidores das loucuras odientas proferidas pela dupla, os discípulos do simplismo marxista ganham quase que um presente divino para a manutenção da repetição descontextualizada do adágio quase sacralizado “A religião é o ópio do povo”.

Essa guerra religiosa entre fiéis de Felicianos Malafaias e Marxianos do sétimo dia no entanto é apenas um péssimo Vaudeville que oculta questões muito maiores e que talvez nos ajudem tanto a compreender o adágio “A religião é o ópio do povo” em seu contexto, quanto a entender que o problema todo é muito mais amplo e complexo do que a religião.

Michel Lowy em seu texto “Marxismo e religião: ópio do povo?” nos dá uma dica que o problema é mais complexo inclusive em Marx ao nos explicar que:

é claro que qualquer perturbação histórica das condições sociais provoca ao mesmo tempo a perturbação das concepções e das representações dos homens e por conseguinte das suas representações religiosas”. Este método de análise macro‑social terá uma influência duradoura sobre a sociologia das religiões, mesmo para além do movimento marxista”.

Neste trecho Lowy cita de Marx que a religião é um dos aparelhos usados pela ideologia dominante para exercer sua dominação, ela não é em si, no plano da fé, a dominação ou o efeito dela, mas é um aparato, um mecanismo utilizado para a dominação assim como “O direito, a moral, a metafísica, as ideias políticas,etc. Ou seja, Lowy deixa claro ao analisar Marx que o adágio “A revolução é o ópio do povo” estava longe de isolar a fé como elemento opiáceo por si só, mas que ela é, junto com outros elementos, um mecanismo de uso pela elite dominante para controle social.

Marx mesmo no trecho citado indica que mudanças na conjuntura histórico-social alteram a religião e seu papel no plano social, de influência das massas. Por isso nenhuma fé é imune às mudanças históricas e tampouco seus fiéis, pastores e simpatizantes são nascido em marte, produzidos em caixas de sapato e importados posteriormente para nosso planetinha. A religião, assim como o direito e a ideologia política, refletem a conjuntura histórico-social, refletem o arcabouço cultural em andamento, refletem seu tempo.

Como aparato ideológico a Religião é o ópio do povo tanto quanto a TV ou o jornal, quanto o churrasquinho na laje ou o Varguismo e o Lulismo. O efeito opiáceo, no sentido de produtor de delírio, indicado por Marx então permite até outras interpretações que abundam no plano da justificativa cultural da religião ser uma arma de alienação consciente e temporária, via torpor da consciência, quanto o vinho ou místicas político-partidárias.

Grosso modo: Religião não nasce em árvore, não sai da tumba amaldiçoando o populacho da estupidez delirante, ela é um produto que além de não ser monolítico reflete a conjuntura e se torna a voz dela em muitos aspectos, é um dos aspectos visíveis da ideologia dominante, hegemônica, assim como a aversão ao Funk.

As provocações embutidas nos vários parágrafos não são a toa, é porque parte da hojeriza dirigida à religião, e classificando denominações inteiras, teologias inteiras, em caixinhas reduzidas, rasas, nada mais são que preconceitos de cunho elitista com os fiéis das denominações .

Os pentecostais são divididos entre ladrões (Pastores) e idiotas (fiéis) menos pelas características analisadas in loco destes indivíduos em suas manifestações e mais por generalizações que entendem que um pastor da Assembleia de Deus em Madureira é igual a um Feliciano, dado que ambos são pastores e da mesma denominação. Da mesma forma só há idiotas na plateia, só idiotas e a teologia da prosperidade é uma armação para a conquista de dinheiro, apenas isso.

Ao colocar desta forma os explicadores da religião e “iluminados” que veem a verdade não conseguem identificar em milhões de pessoas e quadros conjunturais diferentes as inúmeras variáveis possíveis na composição social das congregações, do quadro pastoral, de cada religião, da estrutura política montada por ela ou a que ela tem acesso e mais, da conjuntura cultural geral da sociedade brasileira e mundial hoje.

A solução via generalização seria genial se não fosse uma bobagem reducionista e que não explica nada.

Como explicou tio Marx a religião é vinculada à sua realidade social e responde a ela de acordo com as transformações culturais que esta lhe apresenta. A religião é, antes de mais nada, uma forma de ler o concreto a partir de um filtro não científico. A religião reage ao concreto e estabelece explicações a partir disso.

As religiões não se furtam a construirem respostas em um quadro de profunda guinada conservadora mundial após os anos 1960, onde uma revolução cultural mundial levou à profundas transformações no status quo desde no plano das relações afetivas até nas relações jurídicas, onde a lógica do sexo não monogâmico, a luta por direitos dos LGBT, negros, ampliação do eco do feminismo velho de guerra, o surgimento dos movimentos anticolonialistas, de valorização dos direitos dos povos originários se expandiram ao máximo no rescaldo da guerra fria que ainda se organizava no pós-segunda guerra onde medidas extremadas de repressão eram mundialmente rechaçadas depois da derrota das totalitárias Alemanha Nazista e Itália Fascista.

O Maio de 1968 foi um marco cultural fácil de ver e de ser reivindicado, assim como Stonewall, marcha dos milhões com Luther King, Cidade do México,etc, mas também foi, foram, marcos de um momento de expansão democrática das lutas e do sentimento mudancista e “revolucionário” que já incomodava não só a elite conservadora como a população que se via perdida diante de velozes transformações culturais que modificavam a própria rede de explicações do real que eram mantidas por eles pelo uso comum da cultura.

Na América Latina as ditaduras formam o elemento acabado da resistência político-cultural conservadora, mas o avanço de governos republicanos e de uma pregação antiliberal nos EUA, repressão na Itália, Alemanha, França e Inglaterra, tudo isso já era parte do movimentos das forças conservadoras de retomada de sua hegemonia abalada por movimentos múltiplos político-culturais que buscavam dentro da guerra fria criarem um mundo diferente.

O reflexo disso foi ao fim dos anos 1970 as eleições de Tatcher e Reagan na Grã-Bretanha e EUA como marco de definição política da hegemonia conservadora que se gestou em reação às transformações culturais dos “anos de ouro” pós-segunda guerra. Essa hegemonia conservadora assume a direção de duas potências e a liderança do golpe fatal numa decadente URSS que ainda tenta uma sobrevida em ações imperialistas e busca resistir às pressões internas por maior liberdade e mudanças econômicas, mas que cai ainda na década de 1980 abrindo o espaço para não só a consolidação da hegemonia ideológica neoliberal como para a cristalização a partir dela de um novo conservadorismo de cunho ultra-capitalista.

Se na América Latina esses movimentos foram menos claros nos anos 1980 de um sentimento desafogado de libertação das duras ditaduras militares, eles não foram, no entanto, menos eficientes. A partir da lei da anistia o sentimento de expansão da liberdade de que era o momento de libertação do povo Brasileiro o que se reorganizava como resistência era o rescaldo dos movimentos e organizações que forma triturados por uma máquina de destruição estatal chamada Ditadura Militar. Os principais quadros de organizações e movimentos foram mortos, os prováveis elementos de renovação idem. A teologia da libertação era severamente perseguida pelo aparato eclesiástico comandado por João Paulo II e sofria baixas constantes.

Com uma igreja incapaz de responder de forma competente aos anseios religiosos populares, com a dificuldade e o preconceito envolvidos no envolvimento com as religiões afro-brasileiras, com a ausência de movimentos de esquerda abertos ao diálogo para além do marxismo-leninismo clássico e a queda paulatina da esquerda religiosa, a teologia da prosperidade nadou de braçada em um quadro de paulatina crise econômica e cuja exigência de resignação das teologias mais tradicionais não encontrava mais eco em barrigas vazias e sem esperança de um povo bastante sofrido.

Neste rescaldo de ditadura crescem as igrejas neopentecostais no Brasil e crescem vivendo também a necessidade de um diálogo com um povo mergulhado em uma ideologia conservadora e também reticente quanto à “modernidade” das drogas, do sexo livre, dos LGBT publicamente expostos à sua frente. Vale dizer que nas décadas de 1980 e 1990 mesmo no seio da esquerda e dos movimentos progressistas a resistência a estes temas não só não eram isoladas como ainda hoje existem e muito no interior de quem em tese deveria se organizar de forma mais libertária.

Neste quadro a teologia da prosperidade nasce como uma resposta plenamente inserida no contexto cultural neoliberal crescente, ela nasce a partir de uma lógica simples onde “Se Deus está contigo você será próspero” e é construída não só a partir da simples pregação de mantras funcionais no cotidiano, mas também pela criação de uma rede de solidariedade e compartilhamento de experiências, e também de resultados, econômicos que acaba criando uma situação de plena resposta da fé ao cotidiano do fiel. Um fiel tem sucesso e o compartilha, por vezes gerando empregos, com outros da mesma denominação, e isso acaba virando uma espécie de “egrégora’ positiva, que atrai novos fiéis, que se entende agora também inseridos na sociedade, não só na sociedade local da igreja, mas também refletindo em sua maioria valores competitivos em voga no seio geral da sociedade.

Enquanto a elite e a classe média mergulhavam na autoajuda e na espiritualidade “libertária”, que se lida com cuidado também é um eco da hegemonia cultural neoliberal, no discurso da sustentabilidade ambiental reduzida a soluções individuais, a maior parte da população que se desligava das religiões tradicionais buscava a aceitação social e a melhoria da qualidade de vida na teologia da prosperidade e nas igrejas neopentecostais.

A teologia da prosperidade portanto não pode ser lida apenas como um discurso malandro de gênios da lucratividade estelionatária, ele tem também o eco e a expansão baseada em um ethos coletivo e um ethos coletivo que tinha íntima ligação com o ethos social em voga. A legitimidade dela está no fato de ser um discurso teológico construído a partir de uma leitura organizada do real, da conjuntura local e de se manter dentro de uma organizada expansão social que vai além do golpe fácil e do planejamento amplo de enriquecimento de um grupo reduzido, ela é um caso claro de consolidação de uma resposta religiosa a uma conjuntura cultural socialmente estabelecida.

A teologia da prosperidade não difere da lógica competitiva do mercado, não é um alienígena dentro da lógica capitalista e nem filha ilegítima da Ética protestante e do espírito do capitalismo. Ela é na verdade irmã dileta via religião da produção de uma ideologia de cidade, cotidiano, cultura, sexo, laços familiares e comunitários que permeia toda a ação do capitalismo nos anos 1990/2000.

A teologia da prosperidade é irmã da construção das cidades-mercadoria ou do desenvolvimentismo consumista. Não à toa as forças políticas organizadas em torno destas manifestações da hegemonia ideológico neoliberal são também aliadas políticas em suas organizações partidárias.

Enquanto isso se estabelecia a esquerda conduzia-se em um paulatino abandono de suas bandeiras originais e fragmentações, com tudo isso escondido na expansão do PT rumo à ordem e à opção preferencial pelo eleitoral, trazendo também a cooptação dos movimentos sociais independentes que se viram reféns desta lógica e ainda se mantém.

O que hoje se estabelece de convergência entre a esquerdas petista (e parte do PSOL e REDE) e o conservadorismo no âmbito visível do eleitoral é também fruto de uma ampla convergência social e de um quadro onde a lógica conservadora se estabelece como regra, consolida-se como hegemônica no mais cruel quadro de hegemonia ideológica e da derrota da esquerda pós-1989, como se fosse o rubicão das forças libertárias.

Feliciano e Malafaia são o exemplo acabado deste processo, são a ponta do iceberg de um processo histórico mais amplo que suas denominações religiosas e são também exemplos máximos de um conservadorismo que se não fosse religioso seria sindical, partidário. São figuras que se consolidam como liderança não por serem diferentes, mas por serem iguais. Se consolidam como lideranças não por serem pastores, mas por refletirem o conservadorismo de sua base. E não cabe a eles transformarem esta base, cabe a nós.

Para dialogar com esta base precisamos entendê-la e também entender que diálogo não significa concessão.

Para combater uma hegemonia ideológica o pior caminho é reforçar sua resistência via reprodução com sinal trocado de preconceitos. Transformar a fé em uma manifestação de estupidez para combater o conservadorismo dos atores é ignorar o alvo, o conservadorismo, pelo preconceito que se tem contra a fé.

A construção da reação à hegemonia conservadora precisa deixar de ser teoricamente conservadora e limitada à arabescos produzidos em cima de dados mal lidos e de senso comum remasterizado. Só assim vamos além do ódio, e agiremos taticamente para retomar uma hegemonia perdida nos anos 1960.

A esquerda, o gueto, o PSOL e a galera

Por Gilson Moura Junior

imagesExiste um problema na esquerda brasileira que exige de nós uma análise mais profunda que impressionismos localizados.

Há uma profunda necessidade de mudança estrutural na esquerda e esta mudança passa pela rediscussão teórica, passa pelo repensar da organização e pela opção consciente de manter uma relação com a institucionalidade burguesa com um profundo grau de autocrítica. Vou mais longe, é preciso que se reconstrua a discussão sobre o papel da democracia sob o ponto de vista da democracia burguesa e que exija também a manutenção da democracia como valor universal da esquerda, com a recondução dos valores democráticos conduzidos pela mão de um debate à esquerda.

A questão não é só de mudança estrutural do PSOL, mas da própria esquerda marxista no Brasil e talvez no mundo. Esta demanda inclusive é uma demanda que está dada é desde a queda do muro de Berlim.

Estamos tentando, estamos na luta, é preciso sim refletir sobre o papel do PSOL nisso, e mais, do papel da Esquerda pós-PT, da crise do socialismo no mundo. Não é só o PSOL, o PSOL é um dos elementos de uma crise até mundial da esquerda.

how_communism_worksA esquerda mundial está em crise, buscando rumo, desde os anos 90, desde o avanço do neoliberalismo e capitulação de parte da esquerda à social democracia. O PSOL faz parte disso com o agravante de ter sido alvo de duas tsunamis que atingiram a esquerda, a crise mundial da esquerda e a crise do PT.


O PSOL pode ser inclusive lido como fruto seminal da crise iniciada no meio dos anos 1990 dentro do PT e que junto com a crise mundial da esquerda marxista engessou boa parte dela no eleitoralismo e na luta institucional. Há inclusive o risco do PSOL nem superar isso, e um risco nada pequeno, caindo na vala comum da burocratização e cooptação do estado burguês como outras experiências mundo afora.

A lógica de que “precisamos sair do gueto” vem desta mudança ocorrida desde meados dos anos 1990 aqui no Brasil, via PT, da esquerda ancorar seu projeto na institucionalidade. Ai o sindical virou correia de transmissão do eleitoral, o Movimento Estudantil idem, o movimento Feminista idem e por ai vai. Até o MST de certa forma é atraído para esta lógica e se engendra de tal forma que se perde no imobilismo.


20120719032823_cv_randolfe_gdeNesse sentido a insistência de parte do PSOL, representada pela ala onde as referências são a Vereadora Marinor Brito e o Senador Randolfe Rodrigues, a respeito do sair do gueto é fruto da identificação do “sair do gueto” com sucesso eleitoral. Também confundem penetração e capilarização política com voto em eleição. Por isso o desespero e isso é um problema de fundo, fruto da miopia que não enxerga a necessidade de busca de construção de uma contra hegemonia e por isso repete como farsa os caminhos do PT.

Se perde a possibilidade de transformação e oxigenação das lutas, das organizações, para ampliar a participação popular e disputar mentes e corações com um neoliberalismo que no Brasil tá muito mais enraizado que em outras experiências, dado que como não se aprofundou tanto quanto na Argentina, por exemplo.

images2Na ânsia de obter o resultado eleitoral, visto como tática única, se acaba sendo absorvido pela hegemonia neoliberal, se é absorvido pelo mesmo viés do neoliberalismo que não é demonizado como antes depois de ser objetivamente confundido com ações “de esquerda” por uma máquina de propaganda do governo petista.

O Neoliberalismo mascarado por políticas de compensação assim se torna “palatável” e ao cair na busca do eleitoralismo puro e simples se opta por não contrapô-lo a partir de uma política de contra hegemonia, se opta por reduzir à critica a ele com pavor de perder um possível voto.

Por isso os governos do PT não são confrontados com uma resistência popular por terem mantido o eixo macroeconômico com ajustes de gestão do capitalismo para incluir programas de, tímida, redistribuição de renda. Por isso os governos do PT tem parte da oposição de esquerda a eles atuando timidamente no que tange à profundidade da crítica ao modelo de gestão do capital levado a cabo por eles.


prostituta01Por isso a busca de “sair do gueto” acaba se confundindo menos com uma busca de construção de um discurso contra hegemônico e mais com uma conquista de uma base social do PT dentro do discurso abraçado hoje pelo PT e pelo convencimento não pela oposição política, mas pela oposição moral, sem no entanto rediscutir estruturalmente a hegemonia neoliberal mantida pelo PT com reformas na forma.


Como o horizonte político de boa parte da esquerda se enraizou no eleitoral, na institucionalidade, a lógica passa a se basear na conquista da institucionalidade, de votos e de penetração eleitoral nos campos que o PT deixou pra trás, só que para isso não se pensa estruturalmente numa estratégica de contra hegemonia, se busca a reprodução para conquistar quem o PT perdeu sem modificar o discurso de forma a clivar a hegemonia ideológica mantida pelo PT.

“Sair do gueto” ai é ir pra galera, seguindo o fluxo, não buscando se opor a ele.


images4Além disso, há um aspecto que não se prende só no discurso de “sair do gueto”, poucas correntes do próprio PSOL e da esquerda pensam para além do eleitoral. Mesmo o PSTU, o mais radical dos partidos antes do limite do delírio do PCO, tem o marco eleitoral como âncora. E não sei se o problema é organização, no sentido de instâncias,etc.

Talvez o problema seja antes de tudo redefinição do papel da esquerda, discutir a fundo isso e mais além, definir de forma clara uma concepção de partido que funciona doa a quem doer no PSOL e de atuação de esquerda pra fora do PSOL.

Sem uma rediscussão profunda inclusive do próprio marxismo enquanto teoria política, repensando e reavaliando opções táticas tradicionalmente levadas a cabo por organizações, partidos e movimentos, especialmente enfatizando uma crítica da relação entre socialismo e estado, socialismo e meio ambiente, socialismo e gênero, socialismo e racismo e socialismo e democracia, a repetição como farsa das falhas anteriores não é um risco pequeno.

images3Sem uma profunda retomada do socialismo como bandeira estratégica e reformulado a partir da radicalização democrática e da reformulação à luz das contribuições teóricas historicamente construídas no plano do marxismo e com o acréscimo da crítica às obras de Lênin, Trotsky, Rosa Luxemburgo levadas a cabo por teóricos que tem em vista as transformações por que passou o mundo desde o início do século XX e em especial pós-queda da URSS, sem isso a tendência é a permanência desta crise na esquerda e a manutenção de uma relação de repetição ad eternum da absorção pelo estado burguês e pelo capital de quem se propôs transformar a realidade.

As redes Sociais, Greta Garbo e o Irajá

600011_448556878488474_1368254391_n_largeEscrever sobre política me é muito caro.

Aprendi com meu velho pai a dureza de ter uma oposição frontal, dura, ideológica em minha própria casa. O respeito, porém, jamais foi ausente e mesmo ele sendo um velho liberal de cores anarquistas, e tendo ele uma persona autoritária que a muito custo domava pela fiel coerência aos princípios de Voltaire aliada ao fato de ser policial civil a coisa não era exatamente fácil de manter-se nos princípios do respeito, mas se mantinha.

E se mantinha não pela doçura dos “leite com pêra”, mas pelo conjunto de compreensão de liberdade como fundamental ao cotidiano aliado a uma cultura resistência que vinha até de antes, do espírito duro, libertário e louco da velha Violeta, sua mãe e minha avó.

Esse aprendizado fez pra este escriba, com uma persona tão autoritária e dura quanto a do pai, um sujeito que com as iras advindas do sangue dos Moura Henrique, nascer o entendimento que por mais dura que fosse, tenha sido ou venha a ser a política cotidiana, a lógica do respeito ao outro deva permanecer a qualquer custo.

408172_492363070774521_1614724830_nXingamentos me soam menos como desrespeito do que a ação subreptícia de significar o outro como um desqualificado, ainda mais quando esta desqualificação tende a conter um viés “moral” ou “moralista”, ainda mais quando esta “moral” assume o víes do sexismo, misoginia, racismo ou homofobia. A meu ver mandar o outro “tomar no cu” numa discussão política sempre pesou menos do que tratar o outro como idiota. A ira justificava xingamentos, mas não a redução do outro a um estúpido.

Com o tempo fui percebendo que a saúde do debate precisa de menos ira e mais “respiração”. A ira não é boa companheira do debate político, ela envenena tanto quanto os preconceitos. Xingar não é legal, embora terapêutico.

stalinEstas reflexões são feitas no calor de um momento onde a luta política ganha cores “stalinistas” diante da opção direta pelo espírito de milícia, que em tempos radicais como os nossos tendem a ter também uma cor conservadora , pra não dizer fascista, em detrimento do espírito da defesa, por mais dura que seja, de projetos políticos antagônicos.

A opção por uma ideia de “ame-o ou deixe-o” aliada a um louvor irracional à figuras públicas de maior ou menor peso político concreto é frontal ataque ao espírito democrático da luta política, e mais ainda, é um frontal ataque ao espírito democrático das ditas redes sociais.

Guia_do_Militante_VirtualDesde 2006 se constrói nas redes sociais uma rede de apoio aos governos Lula/Dilma. De início um processo que nasceu voluntário e que acabou desaguando em 2010 no movimento dos blogueiros progressistas, ganhou cores “profissionais” quando com uma certa obviedade o Partido dos Trabalhadores legitimamente entendeu que havia no ambiente virtual um espaço de atuação como agitação e propaganda vital em tempos de avanço da presença da internet no Brasil.

A organização de uma militância virtual, ou a organização da militância na virtualidade, foi um passo necessário, legítimo e fundamental na defesa da própria liberdade da rede (Vide a resistência à lei Azeredo).

montra1_1Este movimento partiu também de uma ideia que ganhou fôlego com os movimentos anticapitalistas que “nascem” em Seattle em 1999 e que usaram a rede para se organizar e constituir na internet um espaço de amplo debate e circulação de ideias.

A virtualidade ai ganha um extremo peso de resistência à força da mídia tradicional e uma caracterização de ampliação do eco de movimentos que eram ocultos das linhas dos jornais e cuja força de agitação e propaganda era solapada diante do desigual combate entre folhas mimeografadas e jornais impressos e disponíveis para milhões. Com a  internet o jogo ficou mais pesado pro lado da mídia “antiga’ que tinha contra si agora uma rede que “viralizava” informações e resistia aos ataques aos movimentos com raça. amor e muita capacidade de organizar-se rapidamente com as novas tecnologias.

wto_seattle_99Os acontecimentos nos anos 2000 passavam agora a ter na rede uma arma de contra-informação, Isso foi ficando mais claro no fim da primeira década dos 2000 com os movimentos anticapitalistas e altermundialistas que enfrentavam a crise e articulavam movimentos com o uso da rede deixando tontas as forças conservadoras, os estados e a mídia. A primavera Árabe, o movimento Occupy, os riots de Londres, tudo isso foram eventos que são quase um desaguar deste processo.

Os partidos de esquerda mundialmente perceberam isso e o PT não se fez de rogado, ainda mais sabedor de que tinha contra si a velha mídia golpista, e construiu para si um aparato de defesa que tinha a legítima preocupação com a velha imprensa que matou Getúlio. Paralelo a isso e se jogando na vida da institucionalidade o PT seguiu nomeando juízes pro STF, financiando a mesma mídia que combatia pela via da organização virtual e cometendo erros atrás de erros no plano do enfrentamento aos monopólios midiáticos, mas isso é outra história.

dsc_0821Desde 2010 mais ou menos a construção de uma rede de resistência para combater o aparato virtual que o PSDB constituiu para abater “em pleno vôo” a candidatura do “poste” Dilma Roussef, utilizando qualquer arma legítima ou ilegítima à mão, de ataques políticos concretos a ataques abaixo da linha da cintura com a abertura da caixa de pandora da misoginia, homofobia e terrorismo anti-aborto., ganhou não só fôlego como ar de prioridade para o PT, e nisso ele obteve sucesso não só ao enfrentamento às armas tucanas, mas também na luta contra a oposição feroz que a grande mídia havia construído.

Dilma Presidente2A partir dai o PT também percebeu que havia um mar a ser conquistado e que não havia somente a oposição conservadora contra si, mas uma oposição de esquerda formada por uma ampla gama de críticos mais ou menos radicais e que habitavam legendas partidárias, pequenas, organizações não-governamentais, movimentos sociais não alinhados e um partido que saido de suas entranhas ousou lançar candidatos a presidência que apontavam com ou sem moralismo udenista seus erros de trajetória, o PSOL.

Ainda organizados na sanha do combate ao inimigo mor tucano e tendo construído a ideia de que as redes sociais eram uma espécie de Mare nostrum Vermelho, os petistas se lançaram a um combate que reduzisse as pressões de esquerda que surgiam nas redes sociais fossem elas legítimas ou não. E tiveram sucesso em parte. Construíram um mundo onde quem não estava com eles contra eles estava, gerando um universo cujo pensamento único era bem vindo e mantido por figuras públicas mantidas para gerar um combate ininterrupto a tudo o que lhes oferecia resistência.

2032012092422Imbuídos da experiência concreta na eliminação de resistências internas do partido ao projeto majoritário encabeçado por José Dirceu, extenderam para a militância cotidiana o espírito neo-stalinista de expurgarem das redes tudo o que fosse contrário ao projeto governista. Levando para as redes as táticas de sucesso feitas no interior do PT a arma virtual acumulada para o combate aos tucanos se fez agora presente para um combate à todas as forças resistentes ou de apoio claudicante ao projeto de país que defendem.

Neste meio tempo a própria conjuntura e opções políticas do Partido dos Trabalhadores aumentou a resistência ao tal projeto, inclusive dentre aliados da própria esquerda e membros do próprio PT.

MpSeja no combate por um salário mínimo maior, seja no combate ao novo código florestal, ou contra Belo monte ou por uma legislação de proteção aos LGBT, de garantia das lutas de gênero, todas as forças que denunciaram ou resistiram às ações da cúpula petista e seus governos foram incluidos nos rótulos de “Tucanos” ou “psolentos’ em uma ação que emulava as táticas usadas pelos tucanos contra eles próprios durante a campanha Dilma Roussef em 2010.

Sem pudor ou respeito à trajetória do partido, o acúmulo de forças de ação, de agitação e propaganda virtual, simbolizada por perfis coletivos controlados pelo embrião da #redePT13 (Organizada e finalmente constituída em 2012) e por uma bem azeitada relação com blogueiros profissionais, atores famosos e figuras públicas da academia, voltou-se para garantir que não houvesse dissenso na sustentação do governo Federal, governos Estaduais e municipais apoiados ou controlados pelo PT.

veneno1O resultado disso foi o agravamento do envenenamento das relações nas redes sociais ao ponto de mesmo os mais moderados opositores serem tratados como “inimigos de classe”, tachados como nazistas, como se viu fartamente na campanha do rio de Janeiro quando um Marcelo Freixo pouco mais que republicano simbolizou o demônio ultra-esquerdista para eles, ou como “senis”, como é cotidianamente chamado o honrado deputado Chico Alencar.

Além disso o uso freqüente de fakes para manutenção de uma rede de assassinatos de reputações (termo cunhado pelo Jornalista Luís Nassif) foi emprestada da ideia Tucana de uso das redes sociais para servirem sem nenhuma vergonha a uma lógica de atuação nas redes que inclusive perdeu paulatinamente o sentido político e ganhou mais cores de ações individuais de “lideranças” políticas virtuais no combate a quem consideram desafetos.

A nova Rede que o PT construiu tornou-se uma réplica stalinista da rede tucana, e perdeu o controle e o limite do político, causando ataques inclusive a notórias lideranças políticas do próprio PT, como Eduardo Suplicy, Olívio Dutra e Tarso Genro, que em diferentes momentos ousaram manter atitudes de crítica ao projeto majoritário, mesmo sendo apoiadores deste.

tumblr_m41r9lVouP1qbm69go1_1280A dúvida é  se para manter o mare nostrum virtual não se está perdendo mais e mais portos ao se optar pelo estrangulamento do debate político para tornar a vida virtual um mar de esgoto a céu aberto.

O ganho político me parece reduzido à vitórias de pirro em pequenas escaramuças onde figuras públicas se assumem apenas deslumbrados assumidores de ônus pesados de se manter para abater  qualquer grau de oposição minimamente organizadas, seja abatendo militantes  de base com calunias homofóbicas e misóginas, seja afastando o militante orgânico que tem objeção ao tratamento de lideranças políticas como Olívio Dutra, seja afastando o individuo da classe C que vê com nojo o uso das redes para ataques imorais a outros seres humanos, seja a classe média aturdida com o embrutecimento das relações ou o intelectual moderado que vêo rebaixamento do debate como um sinal de que as coisas não vão bem internamente.

341017889_640Paralelo a isso o mundo gira e outros partidos constituem-se como opção eleitoral e também de diálogo virtual optando por uma conquista paulatina de peso no cenário virtual com um comportamento propositivo e que vê com certo susto parte da militância cotidiana virtual ligada ao PT barbaridades como o tratamento da questão LGBT e feminista como perfumaria e um assunto como o aquecimento global ser tratado com bobagens com “O PISOL (sic) é contra o calor!”.

É impressionante o tipo de ataques que publicações de setoriais do PSOL sofrem, mesmo tendo fontes  baseadas em notas do próprio PT. O nível político da militância que se assume petista nas redes chega ao risível de dizer que uma nota do Núcleo Agrário do PT é “PIGPISOL”.

meninaOs limites do respeito foram ultrapassados, foram tornados um tipo de escárnio que deixa marcas profundas no cotidiano de uma militância política de esquerda acostumada a uma vida anterior em um partido dos trabalhadores era um marco da diversidade de ideias marcadas pelo respeito ao outro.

Enquanto isso novas realidades se constroem e é lamentável ver que o que era uma legítima arma de contra-hegemonia legitima e inspiradora de ações de outros partidos, a lógica da ocupação virtual pela esquerda, virou Greta Garbo e acabou no Irajá.

PS: Antes que algum maledicente entenda a menção à Greta Garbo como alguma ironia homofóbica informo que trata-se de um uso estilístico do nome de uma peça chamada “Greta Garbo, quem diria, acabou no Irajá!

O próximo baile só em Realengo…

MapaOSertaoCariocaMagalhaesCorrea1933O desafio de atuar como lutad@r neste mundo não é fácil. A lógica da adequação não é bolinho e é uma das facetas mais duras da vitória do neoliberalismo nos anos 80/90.

Ao nos derrotar no plano internacional com ações de profundo ataque aos direitos dos trabalhadores europeus/estadunidenses nos anos Tatcher/Reagan, atingindo o movimento socialista e a esquerda onde eram mais organizado, e delegar aos porta-vozes do consenso de Washington na América Latina e Ásia o papel de espalhar a “boa nova” por nossas plagas o Neoliberalismo não só legou um receituário de medidas políticas e macroeconômicas no âmbito dos estados e da institucionalidade, como também nos deixou a herança da vitória no plano da ideologia, da mentalidade.

O lado mais torpe do Petismo e a lei de GoldwinA derrocada do PT nos anos 2000 ocorreu com capitulação completa, chegando ao ponto da privatização como vemos no caso dos Aeroportos; Estagnação do processo de desapropriação de terras para a reforma agrária, inclusive recuando e reformulando o INCRA de forma a enfraquecê-lo mais e mais, além de descentralizar suas ações e instâncias deliberativas permitindo maior pressão de chefetes políticos locais (Leia-se coronéis do PP/PMDB); A destruição de todo o aparato de proteção ambiental simbolizado pelo IBAMA; A integração cada vez maior da direita no Governo Federal e governos municipais via absorção do PP e do PSD, com possibilidade da Agrosenadora Kátia Abreu, a colunista agroambientalista que odeia indios, conquistar um ministério e a ressuscitação de Paulo Maluf com a conquista para o PP da secretaria de Habitação da cidade de São Paulo. Tudo isso ganhou tintas de fatality do pensamento neoliberal nas esquerdas brasileiras, que perdem sua principal referência para a prática e modus operandi da direita tradicional, levando a existir no seio dos movimentos sociais um caos desorganizador, um conflito constante para quem tenta uma retomada das ações e a reorganização da esquerda socialista.

10set2012---o-candidato-do-psol-a-prefeitura-do-rio-de-janeiro-marcelo-freixo-conversa-com-jovens-em-bangu-na-zona-oeste-da-cidade-1347325170779_956x500Neste contexto ver a onda de resistência que tomou conta de Fortaleza e do Rio  em 2012 é um bom alento, e ver mais, que esta onda ganha contornos de organicidade ao perceber-se o movimento de manutenção dela na construção de comitês de resistência na cidade do Rio e retomada de núcleos anteriormente desativados ou pouco atuantes, é uma grata surpresa para este 2013 que se apresenta complicado e tenebroso.

Em um quadro de crises que se juntam em um caótico e assustador preview do apocalipse ambiental e econômico, perceber que muitos não ajoelham-se diante do canto da sereia da burocratização pseudo-pragmática é um interessante plus na alma militante.

Sem FantasiaNo último dia cinco de janeiro alguns destes lutadores se reuniram na Zona Oeste do rio de Janeiro, sob o escaldante sol de Bangu, para refundar o Núcleo do PSOL Zona Oeste I. Este grupo se reúne logo após as festas de fim de ano para tentar ser um marco para a luta socialista em um dos mais inóspitos ambientes para a ação militante, que se vê diante de um enraizado mundo de capitanias hereditárias da direita conservadora combinada com o Neo-PT, e um quadro onde a omissão do poder público vive abraçada com o poder paralelo paramilitar de milicianos.

#Eblog, muito mais que virtual: Anticapitalista e libertárioUma galera que se propõe a fazer um bloco de Carnaval meio samba, meio marcha das vadias, meio parada Gay logo no início de Fevereiro para agitar os marcos da luta com o santificado sabor sambado da luta não tá ai a neném, nem disposta a à cada reunião fazer um minuto de silêncio, mas tá disposta a enfrentar os dilemas de lutar em uma região onde a arma fala mais alto, onde o poder público só aparece a cada dois anos e apesar de ser o destino prioritário dos pobres diabos que perdem suas casas para passar a especulação imobiliária removedora de pobres, ainda é a região com menos estrutura de saúde, saneamento, transporte e educação da Glamourosa Cidade Olímpica.

A felicidade do negro ainda é uma felicidade guerreiraUma região chave onde como bem disse o companheiro Nilvio: Uma região que precisa do PSOL que precisa desta região para chacoalhar a burocracia e se jogar na luta cotidiana, organizando a resistência.

Dai já tem gente, já tem site, já tem twitter, Fan Page no Facebook e muita disposição. Por que vocês sabem,né? Quem não salta em Engenho de Dentro vai pro próximo baile, que é só em Realengo.

PSOL E SEU ARCO CINZENTO DE ALIANÇAS: NÃO PASSARÃO!

Nota do Setorial LGBT do PSOL sobre as alianças eleitorais do partido em 2012 aprovada na reunião do setorial realizada no X Encontro Nacional Universitário da Diversidade Sexual (ENUDS):
PSOL E SEU ARCO CINZENTO DE ALIANÇAS: NÃO PASSARÃO!
Das últimas eleições sai vitorioso um PSOL construído nas lutas, no diálogo com diversos movimentos sociais e amplos setores da sociedade. Um partido socialista, militante, com um projeto político de esquerda capaz de aglutinar as reivindicações e as lutas da classe trabalhadora explorada, das populações tradicionais, mulheres, negros, LGBTT e pessoas com necessidades especiais de todo o Brasil. Foi assim que o PSOL obteve este ano cerca de 2,39 milhões de votos para candidatos a prefeito só no primeiro turno, elegeu 49 vereadores e foi ao segundo turno em duas capitais. Tudo isso fortaleceu o partido como o mais sólido agrupamento de oposição ao governo Lula/Dilma e à direita conservadora “tradicional” representada principalmente pelo campo DEM/PSDB.
Por outro lado, quando analisamos o perfil e o arco de alianças estabelecidas em certas candidaturas do PSOL, constatamos que coexistem internamente projetos distintos no que se refere à construção de um partido de esquerda socialista. Basta observar que muitas candidaturas do partido, mesmo aquelas que não eram LGBT, foram firmes em relação à pauta da diversidade sexual e não se renderam a lógica conservadora e pragmática na busca de votos. Estas candidaturas reafirmaram o compromisso do PSOL com a luta contra as opressões, pela laicidade do Estado e no combate ao conservadorismo e ao fundamentalismo religioso que atacam a população LGBT e os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Dentre essas candidaturas, destaque para o primeiro candidato a prefeito assumidamente homossexual do Brasil, o professor Renan Palmeira, do PSOL João Pessoa, cuja coragem e coerência política reafirmam o espaço das LGBT no cenário político nacional.
No entanto, muitas alianças construídas ainda no primeiro turno colocaram o PSOL lado a lado com legendas conservadoras. Foi o caso da coligação Unidade Popular em Macapá, da qual fazia parte o Partido Trabalhista Cristão (PTC) e o Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), este último, integrante da bancada religiosa do Congresso Nacional. Para piorar, no segundo turno, a coligação encabeçada pelo candidato Clécio Luís aceitou o apoio do reacionário e racista DEM, em uma enorme demonstração de falta de respeito às resoluções congressuais do partido e sem que nenhuma instância de direção nacional tomasse uma iniciativa para impedir tal afronta.
Também é preocupante a aliança com o PT e o apoio da alta cúpula petista à candidatura majoritária do PSOL em Belém. Essa situação custou caro a toda militância do PSOL, em especial às militantes LGBT, que há dez anos enfrentam um duro processo de cooptação e institucionalização do movimento imposto pelos governos Lula e Dilma. Esse processo, aliado às alianças eleitorais do PT com setores fundamentalistas, que ampliaram sua bancada no Congresso Nacional de forma significativa na última década graças a sua vinculação ao Governo Lula, resultou em uma desastrosa política de flexibilização dos direitos LGBT, como ficou claro no episódio do veto da Presidenta Dilma ao Kit Escola Sem Homofobia em 2011. Enquanto isso, centenas de LGBT são assassinados todos os anos no Brasil – foram 266 só no ano passado – número que deve ser superado em 2012, segundo dados da ONG Grupo Gay da Bahia.
Outro fato não menos indigesto para a militância do PSOL nas últimas eleições foi a aparição da ecocapitalista e homofóbica Marina Silva em algumas candidaturas de destaque do partido, como a de Edmilson Rodrigues para prefeito em Belém e de Jefferson Moura para vereador no Rio de Janeiro. Marina, que durante a campanha presidencial de 2010 se recusou a segurar uma bandeira do arco-íris para demonstrar apoio à causa LGBT, está aliada a alguns dos setores mais conservadores do neopetencostalismo brasileiro. Não faz sentido que o PSOL, na condição de referência nacional na luta contra a homofobia, se vincule a uma liderança de traços tão conservadores.
Esses fatos demonstram a incompreensão de alguns setores que constroem o PSOL no que diz respeito ao papel estruturante das opressões para a exploração capitalista. Em nome do vale-tudo eleitoral, esses setores não pensam duas vezes antes de flexibilizar a pauta LGBT, colocando o partido na vala comum do fisiologismo político. O combate à homofobia, assim como o combate ao machismo e ao racismo, não pode ser tratado como um apêndice do programa partidário, tampouco como uma luta setorial cuja tarefa é de responsabilidade de um pequeno grupo de militantes de base. Ela deve ser uma discussão central para todos os militantes, como já foi diversas vezes na curta história do nosso partido. Um bom exemplo foi o protagonismo das mulheres no II Congresso em 2009 para garantir a permanência da resolução sobre a legalização do aborto e o beijo gay exibido durante o programa de TV do partido na campanha eleitoral de 2010. Nessas ocasiões, o que vimos foi um PSOL coerente com seu programa fundacional, que não tem medo de avançar na construção de um polo de esquerda verdadeiramente antiracista, antimachista e antihomofóbico.
Apesar de tudo, o resultado das eleições nos mostra que foi esse PSOL quem saiu vitorioso das urnas. Dos 49 vereadores eleitos pelo PSOL, 14 foram eleitos sem nenhuma coligação proporcional; 19 coligados com o PCB e/ou PSTU; e apenas 8 com coligações com outros partidos do leque de alianças aprovado pelo DN (aí incluídos tanto partidos do campo do governo federal, partidos de direita como o PPS e legendas de aluguel de direita, que foram aprovadas pelo DN contra nosso voto). Além disso, foram eleitos outros 7 vereadores filiados ao PSOL em coligações que incluem partidos de direita fora do leque de alianças aprovado pelo DN. Isso significa que, na prática, os melhores resultados eleitorais foram obtidos sem concessão programática, alianças oportunistas ou pragmatismo eleitoral.
Diante desta situação, e tendo em vista a necessidade de fortalecer um PSOL verdadeiramente socialista, militante e compromissado com o combate às opressões, exigimos que o Diretório Nacional do Partido, em sua próxima reunião, tome as medidas necessárias para ouvir, analisar, se posicionar e se possível expulsar os vereadores e dirigentes responsáveis por restas alianças espúrias. Pedimos ainda a todos as militantes LGBT do partido que se recusarem a coadunar com essa grave situação, que subscrevam esta carta e divulguem o conteúdo em seus estados de atuação.
Setorial LGBT do PSOL
Assinam esta carta xs militantes:
Evelyn Silva (Niterói-RJ)
Rodrigo Cruz (Campinas-SP)
Tulio Bucchioni (São Paulo-SP)
Dário Neto (São Paulo-SP)
William Santana Santos (São Paulo-SP)
Henrique Condesso Nicodemo (Poá-SP)
Gustavo Mineiro (Fortaleza-CE)
Cesar Fernandes (Curitiba-PR)
Leandro Galindo (Niterói-RJ)
Warley Martins (Rio de Janeiro-RJ)
Eduardo Gomes Pereira (São Paulo–SP)
Frederico Sosnowski (São Paulo-SP)
Bruno Zaidan (São Paulo-SP)
Vitor Gregório (São Paulo-SP)
Matheus Pacheco (Rio de Janeiro-RJ)
L. Tunã Nascimento (Niterói-RJ)

Qualquer coisa de intermédio

A identidade do indivíduo não é algo exatamente simples de identificar, quanto mais a de um grupo ou de uma sociedade.
A miríade de formas identitárias que influenciam a construção das identidades não permite que se entenda de forma simplória o que é uma pessoa,um grupo, um coletivo,uma sociedade
O existir como homem, mulher, trans*, negro, branco, indígena, morador de Madureira, Ipanema, Porto Alegre, Pelotas, não obedece a uma simples determinação geográfica, étnica, de gênero, transgênero ou de cerne biológico.
Identidades individuais ou coletivas não nascem apenas de motivações isoladas, são um conjunto de inter influências que são também traduzidas politicamente e também se organizam e traduzem na relação com o outro, na chamada alteridade.
Identidades são construídas sim, mas antes de serem construídas no laboratório das boas intenções são interações construídas coletivamente, socialmente, historicamente e se alteram para além do controle bem intencionado da intelectualidade menos atenta a limites que permeiam nossa cultura de análise da realidade.
Universalizar conceitos pode ser mais arriscado que pular sem paraquedas do alto do Everest, ainda mais se o lastro concreto não tem uma base maior do que um palpite bem intencionado.
A identidade da população negra  como Povo Negro, por exemplo, é uma modernidade  construída no decorrer dos anos  do século XX em especial e lutou, se bobear ainda luta, contra a carga pejorativa desta categoria enquanto termo aplicado à escravos e redutor da diversidade que existia para além do fenótipo.
A categoria Negro reduzia toda a população de pele negra a membros de uma só identidade, estuprando a diferenciação entre Minas, Iorubás, Gêge, Daomé, Sudaneses, Criolos (negros nascidos no Brasil),etc.  A categoria Negro no século XIX também reduzia livres e escravos a uma mesma população, ignorando suas diferenças.
Salvo engano esta carga negativa ainda persiste e ainda divide opiniões entre a população negra mesmo após todo o trabalho militante que buscou agrupar todas as lutas dos afro-brasileiros via Movimento Negro Unificado. E mesmo após todos estes anos ainda existem lutadores que buscam a construção de outra identidade das lutas anti-racistas sob a categoria povo Preto.

Essa identidade negra ou preta  é um exemplo de como categorias construídas socialmente, com base em um misto de ação intelectual e militante, da base popular e da base intelectual, não tem nem elas mesmas uma unanimidade na construção de si mesmas como termo síntese das lutas de uma determinada população. 
E nem considerei a população não militante que não utiliza este tipo de categoria explicativa como definidora de identidade e utiliza as diversas outras categorias sociais que são utilizadas para definir a população afro-brasileira, como negão,  crioulo, pretinho, neguinho, pessoa de cor,etc, e não as tem como pejorativa como a população militante. Também não considerei quem não entende essa luta como válida, nem tampouco vê a si mesmo como alvo da discriminação e/ou opressão.Tampouco considerei questões culturais, que variam demais pra fora do confortável eurocentrismo de parte das ciências, inclusive as humanas.
Ou seja, a lógica da formação de identidades, especialmente sob o ponto de vista político, não é 
bolinho.
Podemos usar também a lógica de categorização do real a partir do feminismo também e vamos dançar em cima de categorias que incluem ou não a luta de classes,o viés racial,etc, e esta dança vai conter contradições, diversidades e como movimentos organizados têm imensa complexidade na construção de suas própria identidades, mesmo com lastro social, histórico, mesmo com amplo apoio coletivo, numérico até, e mesmo assim com tudo isso não conseguem nessa complexidade inibir o fato de apesar de parte da identidade tornar-se hegemônica ela não é unanime.
A ideia de construção da identidade coletivamente não é exatamente uma forma de imposição ou artificialização da identidade, ela é feita a partir de decisões coletivas que se organizam na luta concreta e pelas oposições e relações com a alteridade, inclusive com opositores, se consolida como identidade hegemônica.
Ninguém define uma população como Negra, por exemplo,  e sai assoviando.
A lógica vanguardista  de adotar soluções de cima pra baixo como elemento de alteração do real é um vício que não anima apenas marxistas-leninistas ferrenhos, ele tem seus efeitos nos mais fiéis fãs de Foucault, que mesmo ignorando a complexa teoria do amado mestre, insistem em construir uma luta que se propõe concreta através de uma visão que entende o real como uma forma de texto que alterando o verbo altera a correlação de forças.
Além dessa visão vanguardista levar a uma ideia de que o mundo pode ser alterado como uma espécie de frase de efeito ou numa crença de que “as palavras tem poder”, há também um outro aspecto dela que é a lógica de que as pessoas, populações inteiras até, precisam da luz  da intelectualidade “capacitada”.
Essa lógica da tutela pela vanguarda  de populações inteiras é muito presente na ideia de que o povo precisa da vanguarda  para ter “consciência”, como se o intelectual fosse um anjo que desce da super estrutura trazendo a semente do pé de feijão pra João, enquanto este intelectual está mais pro sujeito que ri do pobre João quando este vende a vaca para ter uma semente mágica, mesmo depois do pé de feijão o levar a um reino onde o pobre João conquista sua riqueza.
À ideia da formação política se acrescenta um pouco assumido senso de que o outro não raciocina ou que lutas precisam de nós para terem visibilidade e que para isso é necessário mais do que discutir possíveis transformações de percepção do real, mas impor uma percepção do real de cima pra baixo, considerando esta imposição uma lógica quase que zapatista de libertação.
Se parte da construção artificial da identidade ou do que é o outro para depois impor esta percepção ignorando as reações da alteridade, consideradas como anátemas por desafiar algo tão legitimamente endossado no mar das boas intenções.
É a partir daí que a lógica do intelectual na torre de marfim se constrói com toda força e vapor. Porque a percepção da vanguarda de que o real é o que ela pensa ser fica mais forte do que a identificação de demandas concretas, inclusive sob o ponto de vista cognitivo e que tenham eco inclusive entre a população que se pretende atingir.
Na sanha de construir um novo mundo se busca construir um novo outro, só que ignorando que este outro já existe, em um mundo que já existe.

Se parte para uma idealização hegeliana, uma construção quase que platônica de uma realidade paralela, um mundo hermeticamente fechado, travado na ideia de sua sensacional clareza de percepção do real e voraz classificador de qualquer reação concreta como anátema, como inimiga, mesmo se esta for construída por dúvidas pertinentes, racionais, científicas até, politicas até, no campo próximo ideológico.

Na sanha de ser o outro pelo outro se esquecem do alto da vanguarda  a mediação entre identidades, a ideia do intermédio, do pilar da ponte de tédio que vai de si mesmo ao outro (Obrigado Mário de Sá Carneiro). 
Ao esquecer que na relação de alteridade não se é nem a si mesmo, tampouco o outro, e se é um misto social de construção de identidades e ações, a vanguarda  trai a si mesma na sanha da transformação global e acaba sendo um pastiche de transformação chamado gueto.
Isso vale na luta operária, na luta LGBT, na luta Feminista, em qualquer luta.