A naturalização do estado e da eleição como elemento estrutural

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A naturalização do estado é um processo arraigado e produzido pelo reforço na cultura e pela educação formal dele como elemento que sustenta a realidade social e que possui uma inevitabilidade, a inevitabilidade do estado e da nação.

Fruto da formação dos estados nacionais e do conceito de cidadania advindo das revoluções liberais dos séculos XVIII e XIX, da invenção da tradição do estado como elemento inevitável à organização social, a naturalização das eleições, do voto e do estado é elemento que influi diretamente nos debates políticos, seja eles de cunho socialista, anarquista ou liberal.

A partir do momento em que o estado é algo dado, para além de sua existência factual, se elabora todo um processo estratégico de embate em torno das formas como que se lida com ele, seja pelo endosso para construção de ruptura, seja pelo endosso para reforma, seja pelo endosso pela manutenção, seja pela recusa do endosso pela negativa do voto e da participação nele.

O estado, visto como elemento natural da vida humana, é erigido como totem seja pela busca de seu uso para a transformação, seja por seu uso pela manutenção do status quo, seja pela criação dele como moinho de vento a ser removido.

E é nesta naturalização que repousa parte da redução do debate político em torno do estado e da aprovação ou negação do voto como ferramenta transformadora. O estado é discutido, combatido, é defendida sua reforma, mas ele jamais é abandonado ou se busca sua superação como paradigma.

O paradigma do estado naturalizado está intrínseco na percepção politica dos mais variados campos do embate político. Em qualquer cenário a importância do estado é endossada, inclusive por sua negação.

Especialmente nas eleições o estado domina mentes e corações ao tornar-se centro de todo e qualquer debate no âmbito político, de toda tarefa, secundarizando construções múltiplas de transformação social e humana, como a luta ambiental, por igualdade de gênero, por visibilidade trans*, por direitos civis LGBT, por igualdade racial. Tudo se torna secundário, a luta pelo ou contra o estado se torna central, jamais perpassando as ações transversais de sua superação ou transformação.

E especialmente entre anarquistas o estado se transforma em mais que um moinho de vento e espantalho perfeito, ele se torna presente na metodologia de debate e construção, que ao mesmo tempo que grita “Não vote, Lute!”, reforça as eleições como tarefa prioritária, criando uma centralidade das eleições com sinal invertido da dos partidos socialistas.

Tudo se torna uma ameaça paranoide à ideia de anarquia pelo simples fato de flexibilizar a centralidade das eleições e apontar a necessidade de desconstrução do voto como ferramenta a partir da desconstrução do paradigma da eficácia do estado e do papel central de seu endosso para a ótica política transformadora.

Ao centrar esforços na negação do voto pura e simples, sem construir um diálogo desconstrutor do papel estrutural do estado na cultura dos homens, os anarquistas acabam o endossando pela alteridade. Ao negarem-se a perceber o papel do estado como elemento naturalizado por séculos de construção ideológica pelas escolas, pelas igrejas, pelo trabalho, os anarquistas endossam o estado como figura central na vida humana. Não se avança na negação ao voto, mas não do eleitor, torna-se o eleitor como vaca braba tangida pelo estado e se assovia um mambo. Se age de forma autoritária excluindo qualquer reflexão que entenda a anarquia como um campo com enorme potencial de crescimento e que precisa prescindir do estado para sobreviver e se espalhar.

Quando negar o voto passa a ser central, o resto é secundário e o voto ganha um poder pela negação que não é enxergado, pois o estado, o voto, são naturalizados como parte integrante do cotidiano. Ao negar voto pura e simplesmente o anarquista torna-se endossador do voto, se dá a ele, às urnas, um poder que precisa ser eliminado pela negação.

Óbvio que não estou aqui dizendo que o voto não é importante, que não é importante a tarefa de negar o processo eleitoral como ferramenta, mas colocando que a negação do voto não pode prescindir da qualificação dessa negação como negação da servidão voluntária. E o não-voto não é central, ele é parte de um longo processo de lutas contra o estado e por auto-organização, que precisa ser centralizado como forma de propaganda político-ideológica.

Ou se nega o voto pura e simplesmente por que anarquista não vota? Se pergunta por que anarquista não vota? Ou se naturalizou o não voto como se naturalizou o estado?

O estado ai, na negação pura e simples do voto, permanece agindo, permanece agindo ao criar um anarquista de almanaque, imune às pressões cotidianas e avesso ao diálogo aberto sore sua negação do voto, do estado, do machismo, da homofobia e pautado pela construção da abolição da hierarquia. A negação do voto vira um fetiche ideológico, um totem tabu irremovível e inquestionável, em outras palavras, vira um nada libertário dogma.

Acaba-se negando-se o voto, mas trazendo-o como central pro espírito da anarquia e com ele trazendo o estado como central, o resto é secundário e acaba-se sendo o estado ao negar todo diálogo em torno do voto, mesmo que seja para negá-lo indo além dos facilitismos de chamar o eleitor de escravo, servo, etc. Opta-se, conscientemente, por uma metodologia de gueto, de manutenção ao redor do anarquista apenas dos puros.

Ai autores como Bookchin, ações como a dos anarquistas escoceses, canadenses e catalães que viam no plebiscito ou na participação pontual em eleições por anarquistas como ferramenta de intervenção, seja para a independência de um povo do jugo do imperialismo, seja pela participação em plebiscitos ou em conselhos como os de orçamento participativo, tudo isso vai pro lixo.

Nesse sectarismo o estado acaba sendo elemento predominante da prática política anarquista, não por negá-lo combatendo-o em saídas do estado, seja por ecovilas ou pelo anarco-sindicalismo ou okupas, mas por centrar-se na negação da institucionalidade pura e simplesmente.

A negação da institucionalidade acaba sendo ai uma opção pela luta institucional quase igual à opção dos partidos socialistas, só que com sinal contrário. Acaba-se fazendo da negação do voto opção estratégica e não tática, de forma idêntica ao que fazem partidos socialistas, só que pela negação do voto.

Ao fim e ao cabo não se combate o estado como se combate o machismo, a misoginia, a homofobia, o racismo, a transfobia, como estrutural, como um mal estrutural que deve ser desconstruído de dentro pra fora, indo além denegá-lo, mas deixando de reproduzi-lo.

Desta forma nega-se o estado pra fora, sem negá-lo pra dentro e assim o companheiro anarquista acaba sendo ele o estado. E ai ele é tão autoritário e hierárquico quando o que nega.

A busca pelo purismo ideológico, calando a diversidade e a polifonia, acaba sendo ai um elemento de hierarquização entre anarquistas que encontraram a iluminação libertária e anarquistas não plenamente convertidos. Não raro isso acaba sendo posto no plano do argumento de autoridade que incide sobre o outro com o argumento hierárquico do “Vai estudar!”.

Quando se comete essa hierarquização e política de gueto o anarquista nega mais do cerne da ideologia do que quem vota, pois atribui a si um guardião de uma pureza ideológica que nega a diversidade típica da ideologia anarquista e acaba sendo uma espécie de guardião de um conhecimento de sociedade secreta, um imitador de uma espécie de maçonaria ideológica.

E é sintomático que tendo o não-voto como cerne da política se ignore a misoginia, a homofobia, o machismo e o racismo praticado por companheiros anarquistas, que por seguirem a cartilha com correção recebem anuência por omissão de seus correligionários.

A eleição e o estado são naturalizados pela educação e pela cultura, para combatê-los é preciso mais que negar-lhes, é preciso sair do plano meramente utópico e partir para um diálogo prático da anarquia como fundamentalmente organizada a partir do hoje e onde o negar o estado é negar-lhe inclusive o domínio da ação política cotidiana, é negar-lhe a pauta política pela eleição.

Se anarquista não vota ele menos ainda se centra na campanha anti-voto, que é sim parte de um arcabouço de lutas que deve ser central na propaganda ideológica.

Quando o “Não vote, Lute!” não aponta as lutas a serem lutadas é uma palavra de ordem vazia.

Quando o anarquista aponta o eleitor como servo ele age como senhor iluminista catequizador e não como libertador.

Por isso não voto, luto contra combustíveis fósseis, contra a homofobia, contra a misoginia. Não voto e luto, sem negar o eleitor e o diálogo para que este vá além de votar, se organize na luta cotidiana.

A luta contra o estado e a eleição necessita de sua desconstrução inclusive em nós.

Eu tenho nojo de ser branco

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Nasci branco, cresci branco, minha identidade branca jamais foi questionada ou ofendida ou humilhada, jamais me pôs pra andar no elevador de serviço, tampouco me levou a ser oprimido pela polícia ou a perder emprego por ser branco.

Ser branco não foi uma escolha e não me causa orgulho. Ser branco é um destino, algo que me foi imposto pela biologia. Ter orgulho de ser branco é como ter orgulho de não ser cadeirante ou orgulho por não usar óculos. É como ter orgulho por não ter nenhum tipo de mancha na carteira de privilégios. Branco e homem então é o alto da cadeia alimentar, se for rico é quase o morador do topo do Himalaia.

Não é difícil entender isso e uma mísera pesquisa no google dá margem à compreensão disso, desde pesquisa sobre renda até sobre ocupação de cargos públicos.

Como este texto enveredará pelo futebol podemos usá-lo como exemplo: No futebol há quase zero de dirigentes negros, técnicos negros, os negros participam como jogadores, seguranças, roupeiros ou torcedores. Negros como dirigentes e técnicos, supervisores, médicos? Pouquíssimos, quase zero.

Por que escrevo tudo isso? Porque o racismo é a mais abjeta forma de opressão que conheço. Racismo me enoja e cumplicidade com ele idem.

Adoraria optar por deixar de ser branco e ter mais que empatia com quem sofre racismo, mas não posso, nem me entendendo negro na cultura, na música, na fé, nos heróis. Essa suposta negritude que busco pra mim numa fantasia delirante é uma escolha que não me dá o ônus de ser negro.

Nos recentes episódio sobre Aranha, Torcida do Grêmio e a torcedora pega em flagrante cometendo racismo, estamos tendo o desfile completo do mais abjeto racismo e endosso ao racismo fazendo troça de nossa racionalidade e enrustido na defesa da honra gauderia ou de uma suposta paixão ao Grêmio.

Não amigos, amor ao time tem limite e o limite é quando o que tá me jogo é nossa própria construção de valores.

Nem o fluminense me faz ser cúmplice de racismo homofobia e machismo, o Fluminense não é mais caro pra mim que minha humanidade e minha luta contra toda forma de opressão.

É triste o que tá acontecendo com cumplicidade de Felipão, do Grêmio e da mídia. É triste a redução do ato racista a um “ato impensado” ou “teatro do Aranha”. Triste porque revelador. Revelador não só do país racista, da mídia racista de um Rio Grande do sul onde o racismo é o menos velado do país, mas triste porque se liga o foda-se do senso crítico em nome do senso comum.

E ai se vê gente de esquerda, socialista, anarquista, etc, gente “de bem” passando a mão na cabeça de racismo em nome da paz, do Papai Noel de Quintino, do Ursinho Puff, das boas relações, da honra gauderia e do amor ao Grêmio.

São “coisas do futebol”, assim como o machismo, a misoginia, a xenofobia, o elitismo que chamava o futebol dos pobres de sururu no início do século XX.

São coisas do futebol como o Bangu jamais ser reconhecido como pioneiro da luta antirracista, sendo secundado pelo Vasco e perseguidos ambos história afora por serem clubes populares, de base popular e fabril.

São coisas do futebol como a homofobia internalizada. São coisas do futebol os mitos e a mitificação que suspende do futebol sua responsabilidade como espelho do cotidiano da sociedade brasileira. E é por causa dessas “coisas do futebol” que todo combate às opressões no Brasil esbarra no sentimento de bom mocismo em relação à sociedade racista.

“Não vamos exagerar”, afinal “somos todos amigos”. As disputas políticas se tratam assim, tudo é mediado, pontuado, ela defende o Bolsonaro, mas é uma boa pessoa. Dai pra chamar racismo de “Ato falho” é um pulo.

É triste e meu asco só aumenta. Um asco composto por anos de construção antirracista sendo esbofeteado pela covardia mau-caráter de milhares de pessoas que optam conscientemente por endossar racismo a se autocriticarem.

Eu nunca tive orgulho de ser branco, ser branco não é motivo de orgulho por ser uma cor da pele.

Eu teria orgulho de ser negro, exige um esforço cotidiano pra manter-se humano e altivo, pra manter-se são e arrotando sua identidade na fuça de gente imbecil orgulhosa de ser parte do lixo humano da sociedade. Ser negro é motivo de orgulho porque ninguém é negro impunemente.

Ser branco me causa cada vez mais asco, asco e revolta pro ser parte de uma minoria privilegiada, obtusa, incapaz de empatia e que se apega a todo sentimento possível de unidade no privilégio para combater qualquer mínimo avanço na luta antirracismo.

Eu tenho nojo de ser branco.

Notas sobre anarquistas, socialistas, eleição e outras histórias..

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Essa é basicamente a transcrição de comentários em um tópico sobre anarquistas, política, Luciana Genro e eleições feitas em uma comunidade anarquista.

As chances de dar merda com o PSOL no poder são demais, enormes e próximas. Acho que na corrida eleitoral de 2016 já dá merda.

Há avanços do PSOL no tensionamento à esquerda do cenário político na mesma proporção que recuos. A burocratização não é pequena, o discurso mais radical agora só foi adotado pela perda de espaço em relação à Marina e ao Eduardo Jorge. Ao contrário de Plínio, se tentou dosar pra ser mais palatável ao eleitor médio, não dando, se foi pro caminho da crítica aberta.

Considero importante pra caramba existir essa demarcação, mas os limites dela são visíveis, ainda mais conhecendo a correlação de forças interna.

No cenário presidencial, por exemplo, Lucana Genro faz um bom trabalho e tensiona pela esquerda, mas no RS ela inclusive foi parte do discurso de criminalização de lutadores, mesmo tendo parte dos seus presos e criminalizados, diferenciando bons lutadores perseguidos de maus lutadores e criminalizando quem não fazia parte de sua tática.

Aliás, foi parte de quem disse que Black Blocs atrapalhavam as lutas e afastava pessoas das ruas, permitindo o eco á mídia que ocultava que o que afastava era a repressão policial. Também sei que houve um nítido afastamento do PSOL dos companheiros anarquistas no RS.

No RJ a principal figura pública foi aos jornais dizendo que o PSOL precisava isolar os Black Bloc, isso no momento em que o Santiago morreu e houve uma megaoperação midiática de criminalizar todos, do PSOL à FIP, e a Sininho entre outros era perseguida cotidianamente. Isso logo depois deu na prisão de uma pá de lutadores pela polícia e na perseguição à Bakunin (risos).

Nesse meio tempo o apoio e o combate à repressão foi feito pelo PSOL de forma enrustida, negando-se a concretamente apoiar lutadores barbaramente perseguidos de forma pública.

Como discordava politicamente deles, se fez um jogo obscuro de apoio, ajudando pela militância de alguns psolistas no DDH, etc sem se envolver e ser enfático publicamente contra a perseguição.

Fosse uma justificativa apenas política vá lá, mas parte do problema se deu porque FIP, anarquistas, etc, são oposição sindical no principal sindicato onde o PSOL atua no RJ.

Aliás, essa ai foi a gota d’água pra minha saída do partido.

Tem uma avaliação que acho ruim de parte do discurso anarquista que é a do “está do lado do povo” ou “não está do lado do povo”.

Basicamente considero que todo socialista está em maior ou menor grau do lado das lutas populares, a divergência é tática e estratégica, não é de cunho moral ou de lado. Nós ou quem quer que seja entre os socialistas, quando estivermos na luta estamos do lado das lutas populares.

Na luta anti opressão é mais fácil ver anarquistas do lado dos partidos da esquerda socialista do que longe deles.

Na luta sindical há oposição óbvia, contra o estado idem, mas não dá pra dizer que os socialistas hoje estejam do lado do capital e longe do povo no sentido de defendê-lo.

Outro elemento é o “estar do lado do povo”. Via de regra confundimos defender os interesses das classes oprimidas e pela libertação do homem com estar do lado do povo. Estamos do lado do povo? Não. Estamos do lado da defesa de seus interesses. Estaremos do lado do povo quando o povo nos reconhecer como parceiros.

Então hoje infelizmente quem tá do lado do povo e é reconhecido pelo povo como parceiro não somos nós nem o PSOL, nem o PSTU, nem o PCB, na leitura do povo quem tá do lado dele é o PT.

O povo tá errado? Bem, na minha opinião sim, mas enquanto eu não convencê-lo disso é muita arrogância dizer que estou do lado dele e ele nem me vendo. É tipo namoro na pré-adolescência, o cara arruma uma namorada que não sabe que é namorada dele.

Sobre a honestidade da Luciana Genro e dos companheiros do PSOL,  eu acho que tem muita gente honesta lá, no PSTU, no PCB, como em todo movimento e partido.

Não acho que por serem lutadores que optam pela institucionalidade são desonestos automaticamente, aliás, nem o sujeito que milita no PT é automaticamente desonesto. É bom lembrar que estamos falando de pessoas que acreditam em seu projeto e que estão nas ruas. Há petistas ainda que lutam nas periferias do país e não são cooptados. São minoria do partido, mas não do espectro de lutas.Fazem um serviço meio sacana de manter uma mística socialista num partido ultraburocratizado, mas tão ali fazendo a luta.

No PSOL idem, tem gente honesta, muito, PSTU também, podem vir a se tornarem desonestos ou defenderem processos calhordas ou serem o endosso moral a projetos calhordas? Com certeza. Aliás, acho provável, mas as pessoas em si não são desonestas, acreditam no que falam e no que fazem, não buscam enriquecimento, não buscam uma posição de se tornaram capitalistas. Acho que a crítica não deveria passar por ai, mas pelo programa, pelo método, pela tética e pela estratégia.

Não adianta pagar de anarquista ou ecossocialista e não dar bom dia ao porteiro.

Semana_tragica

A reconstrução da política passa pela reconstrução dos modos de fazer política e de construir a ideia de política. Parece bazofia, mas é sério.

A política, como é entendida, é tida como naturalização da representatividade, da ideia de um sistema estatal, burocrático e onde democracia é a produção de delegação para a mediação entre quem vota e os ganhos de direitos, o estado, etc.

Se entende, portanto, política como a terceirização da própria vontade, depositada com fé nas urnas, aguardando que quem recebe o endosso para o exercício do poder contemple os desejos individuais e coletivos relativos a quem endossa.

Mas a política assim entendida não é restrita ao ato de votar, é restrita também como a externalização da própria responsabilidade e das lutas cotidianas. Ou seja, se entende a política como externa a si, como produzida pela relação das lutas cotidianas pra fora da gente e contra um ou vários inimigos externos, espantalhos produzidos pela necessidade prática de gerar moinhos de vento que agradem nossos Quixotes.

E é ai que a porca torce o rabo.

A luta política e a própria política entendida como algo externo, onde elegemos representantes de nossa vontade e atores que representam nosso papel concentrando vários papéis que lhe fornecem poder, externaliza questões que são de embate interno e externo.

Racismo e homofobia, machismo, misoginia e etnocentrismo nadam de braçada na gente, em nossos companheiros, nas lutas cotidianas, nos lugares de discurso e disputa política por excelência e permanecem sendo secundarizados, pois os inimigos sempre são eternos.

Os inimigos são o estado, são a direita, são os combustíveis fósseis, a recessão São sempre o outro, jamais nossa própria formação, nós mesmos e nossa participação no cotidiano político.

Por isso é fácil quem diz aos quatro ventos que quer transformar o planeta ignorar o próprio machismo, racismo, defesa de privilégios e se ofender com a dureza de quem combate isso com unhas, dentes, alma. Porque jamais se vê como parte do que se combate, jamais se cobra sinceramente que pra transformar o mundo é preciso também transformar-se e assumir a coerência necessária entre ideia e prática, ideia e ser.

Da mesma forma o fazer politica representa a imensa dificuldade de se transformar o locus privilegiado e hierárquico que foi construído em torno de nossa trajetória. Por isso é mato homens contra o aborto, brancos contra as cotas, socialistas a favor do petróleo, veganos machistas, socialistas e anarquistas punitivistas, anarquistas e socialistas homofóbicos, militantes e ativistas LGBT machistas e racistas, intelectuais produtivistas que se dizem ambientalistas achando que meio ambiente é só árvore, feministas transfóbicas e a lista é imensa.

Quando o inimigo é externo a nós, não interessa nossa própria desconstrução, o inimigo agora é outro. E isso se reflete na forma de se fazer política.

Pouco se apreende que diferenças entre lutadores sejam ultrapassáveis pelos pontos em comum e que é possível construir convergências. O inimigo sendo externo necessita de um foco que limita consensos e inclui entre inimigos todos os que criticam nosso modo de fazer política.

A lógica hierarquizada do fazer política não é apenas marxista ou de direita, é filha dileta da estrutura hierárquica, a mesma que pariu o estado. Ao eleger apenas o capitalismo como o grande vilão, e eleger como co-vilão tudo o que não luta contra o capitalismo da mesma forma como quem usa o processo hierárquico como mote, se estabelece a mesma lógica do inimigo externo e não se traduz o questionamento da hierarquia e da centralização como também um elemento estrutural a ser transformado.

E se o inimigo for a lógica civilizatória ocidental?

Da mesma forma que no racismo e no machismo, na homofobia, a negação da transformação por dentro do eixo hierárquico e centralizado como antípoda da liberdade é a secundarização da transformação do vertical em horizontal, é a negação da luta pela superação do estado ao negar-se superar o estado no interior dos próprios organismos que se dizem combatentes do estado e do capitalismo.

854565001213Nessa negação se constitui o eixo da incoerência da busca pelo comunismo com manutenção de estado tampão, pois essa busca estabelece que para se superar a verticalidade se mantém um espaço vertical de decisão coletiva, e esse espaço não contempla a desconstrução do estado no interior da cultura, ou seja, se nega a ideia da verticalidade e da centralidade opressora como estrutural, assim como o racismo, a homofobia, a misoginia. E ai o método é reflexo de um erro de origem.

O método de centralização e representatividade colocando como externo uma série de estruturas opressoras que devem ser transformadas, secundarizando sempre a maior parte delas em nome da derrubada do sistema, especialmente secundarizando a luta anti-hierárquica, autossabota a transformação estrutural.

Não se muda uma estrutura constituindo-se como seu espelho invertido. E por isso não se muda o estado sendo estado.

Da mesma forma não se muda a estrutura racista, machista, homofóbica, misógina, transfóbica sem mudar o eixo interno, da pessoa pro coletivo, do coletivo pro todo.

Por isso a reconstrução da política passa pela reconstrução dos modos de fazer política. E a reconstrução dos modos de fazer política passa pela reconstrução da ideia de política, de relação do indivíduo com o coletivo, da relação do indivíduo com a delegação de seu poder e com isso a reconstrução da ideia de política.

Por isso não basta se declarar libertário, ambientalista, socialista, ecossocialista ou inca venusiano. É preciso atuar e tem de atuar de fora pra dentro transformando todo o raio de comportamento e pensamento em uma ação prática cotidiana transformadora. Idem mudar a própria relação entre indivíduo e coletivo, coletivo e estado.

Não basta construir uma lógica de emancipação via planejamento democrático ou intervenção municipalista libertária sem transformar a relação entre coletivo e indivíduo, no plano da construção da horizontalidade e do questionamento a si mesmo e seu papel de reforço e reprodução de opressões e predações ambientais.

Não basta construir uma lógica de emancipação sem enxergar a si mesmo como parte da cultura hierarquizada de fábrica nascida no século XIX e se opta por não se transformar da origem produtivista e centralizada, hipernegadora do indivíduo e da liberdade, fiel na fé no progresso e no desenvolvimento das forças produtivas sem considerar recurso naturais, culturas e relações não ocidentais, formas sensíveis de relação com o mudo e o outro. Não adianta pregar uma emancipação que não se retira da própria ideia civilizatória hierarquizada e avessa ao outro.

Não adianta pagar de anarquista e ecossocialista reduzindo tudo á economia, ignorando ecologia, sendo contra o aborto, sendo contra as cotas, achando bonito só desfilar no Leblon.

Não adianta pagar de anarquista ou ecossocialista e não dar bom dia ao porteiro.

A política como espaço de socialização

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Sempre fiz e discuti política com dois elementos bastante presentes: A paixão e o senso de responsabilidade.

A paixão conduzia as ações e os pensamentos com uma intensidade que me é comum em todos os campos da minha vida. O senso de responsabilidade entendia que a política é a ferramenta de transformação da minha vida, da vida coletiva. que cada ação tem um eco e esse eco contribui pra vitória e para a derrota das ideias e da transformação da vida das pessoas. Ou seja, cada passo, cada ato tem um ônus e um bônus.

A quem acha que a ideia de me assumir anarquista foi um processo súbito, Ledo Ivo engano. A concessão foi à vida partidária, e uma longa com concessão de mais de dez anos, o processo súbito foi em 1998 acordar e entender que não me organizando como anarquista, não atuando no cotidiano não vendo espaço pra isso estava abdicando de ser um ator no processo de transformação social. Em 1998 optei por militar em partido, entendendo ali que precisava me organizar para influenciar politicamente, assumindo o ônus e o bônus da escolha, entre eles a hierarquia e a disciplina partidária. Como bônus um espaço de influência, um aparelho de influência cotidiana, um espaço de aprendizado.

A conjuntura em 1998 era uma conjuntura de profundo refluxo e de duas porradas na cabeça da esquerda nas eleições de 1989 e 1994, além do anarquismo ter sido atingido por duas ditaduras e pelo avanço da esquerda partidária de tal forma que seu espaço de organização havia sido reduzido de forma enorme. Antes disso havia militado em um coletivo autônomo na universidade, que defendia a autogestão, que atuava estudando clássicos anarquistas, mas que durou poucos anos.

Ao optar pela vida partidária abdiquei de muita coisa e abdiquei de uma autonomia que a disciplina não permitia. Primeiro no PT e depois no PSOL atuei de independente a sendo parte de correntes políticas internas e a que mais permitia autonomia tinha o limite da organização coletiva, ou seja, não permitia pela responsabilidade envolvida em fazer parte de um grupo que estava em um partido a autonomia que coletivos anarquistas possuem.

Em resumo optar por uma organização partidária não foi um passeio no parque, teve sues ônus e bônus, idem a opção pela militância anarquista e sua diversidade e falta de centralidade, tudo precisa de adaptação e entendimento pontual das diferenças.

A questão é que em todos os momentos e decisões arquei com o papel que exercia, entendia o tamanho da responsabilidade e agia com isso. Política não era um espaço de socialização e de exercício de uma consciência política feita sob medida para exibição no Cowntry Club.

Isso não faz de mim herói ou diferente, mas explica a ideia da paixão e da responsabilidade, explica o porque a construção da consciência passa antes pelo entendimento do papel da política na vida das pessoas.

Endossar opiniões, opções de voto, omissões, tudo isso funciona como alimento do processo político não sai no xixi, não é uma festa.

Quando se omite conscientemente a opção por uma lógica política neoliberal, omissa na questão LGBT, etc, em nome do que quer que seja se faz uma opção direta que endossa práticas políticas de governos. Não tem mimimi depois.

Política não é chá das cinco. A cobrança de posturas é parte fundamental dela.

Da mesma forma que se cobra consciência política do pobre que troca voto por tijolo, é preciso que intelectuais professores e jornalistas que trocam seu voto pela simples recusa a qualquer opção anticapitalista de superação do petismo, sejam cobrados pela sua opção consciente pelo neoliberalismo.

O operário que troca seu voto por tijolo tem uma ação política construída dentro de um arco de relações sociais, de solidariedade comunal inclusive, que tem muito pouca opção de fé em sistema, de pensamento estratégico e age com as armas que tem. Desorganizado ele tem muito mais noção dos limites de sua ação política e do papel do voto que o intelectual que finge não ver abraços de candidatos a militares, agronegócio e pastores homofóbicos.

Então, antes de falar em patrulha é interessante quem toma posições políticas públicas que entenda seu papel dentro do arco de disputas políticas, sua influência, sua atuação dentro do arco de táticas de disputa e assuma sua responsabilidade ao cumpri-lo.

Ao optar pela luta cotidiana e não pelo eleitoral preciso de uma ação de conscientização muto mais feroz, preciso de uma ação de diálogo que aponte para a luta dos indígenas no Paraguai, no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, no Peru ou em Belo Monte como uma luta integrada, como uma luta que opõe um conjunto de lutadores de anarquistas a socialistas partidários contra quem defende direta ou indiretamente o avanço do agronegócio e da mineração que a todos expõe e mata.

Ao optar pela organização descentralizada e pela campanha pelo voto nulo sei exatamente o que deixo de endossar, o porquê disso, o quanto opto conscientemente por não contribuir para a eleição de gente que é sim lutadora, o quanto influencio para ampliar a negação do sistema e especialmente o quanto isso prejudica quem se organiza em partido em posições minoritárias.

Quando opto por bater em Dilma e Marina e evitar bater diretamente nos partidos de esquerda não é simplesmente omissão. É tática. Não é ignorar o papel danoso que os partidos de esquerda assumem no endosso do sistema, é entender que esse papel ainda é um pape de confronto contra inimigos superiores. Esse papel não é por si só motivo para que abandone o que entendo ser fundamental, a negação do sistema, mas é um papel que precisa ser ao menos identificado como gradualmente menos píor que o das candidaturas majoritárias.

Bater em Dilma e Marina é bater nas principais candidaturas do capital hoje. Bater em Luciana, Iasi e Zé Maria é discutir o quanto contribuem para a permanência da disputa política nos moldes atuais ao cometerem inúmeros erros, deixarem de fora alguns elementos programáticos fundamentais, endossarem o sistema eleitoral e o estado, terem sido cúmplices em maior ou menor grau da criminalização dos ativistas não partidários, etc. Este bater tem de ter e vista diferenciar o locus onde atuam cada grupo. Algum deles é esperança? Não exatamente, mas Dilma e Marina são inimigas diretas.

A diferença entre eles é que socialistas partidários não estão no mesmo campo de defesa do estado que Dilma e Marina, atuam na luta anticapitalista, embora defendem o estado e isso deva ser combatido. Dima e marina são vieses diferentes do capitalismo e da gestão do estado, do apoio ao agronegócio.

Por isso é fundamental entender o tamanho de nossa responsabilidade e o quanto a política como espaço de socialização é FOTO-7_Inauguracao-do-Trapichao-Lamenha-Filho-Pele-e-Napoleao-Barbosa-1970um ataque à luta cotidiana. Tornar a política um teatro de discurso rebaixado, um desfile de bottons que pouco significam além da exibição de consciência política como se fosse resplendor de fantasia de carnaval, é lamentavelmente uma faceta da sociedade do espetáculo e um tiro na cabeça da responsabilidade política e da ação política. É a negação do assumir a responsabilidade da mensagem que se passa.

Ao assumir o papel de endosso do sistema que s opte ao menos pelo papel de transformá-lo e não o de manter a lógica de opressões e de exploração em voga nos governos que se sucedem. Que ao menos se sinalize uma ideia de transformação. Quando se opta apelas pelo assessório e pelo vislumbre da exposição da posição política chique da choperia oque se assume é que política pra quem faz isso é a supressão da responsabilidade coletiva, é apenas afirmação de uma individualidade vaidosa e arrogante.

Votar é abrir mão do poder pessoal em nome da representação deste poder por outro. Um outro que não só não tem nenhuma garantir de exercê-lo como quem votou deseja, como tem o aval de controlar o estado e o monopólio do uso da violência. E esta violência seja ativa ou passiva, afeta mais do que a individualidade. Assim como a gestão da economia.

Abrir mão do poder pessoal pra endossar recuo é uma irresponsabilidade gigante, ainda mais se a política é tratada como piada de salão.

Sobre Marina x Dilma ou Apenas Parem!

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Tirem-me algumas dúvidas, caros Marinistas. Quem construiu Belo Monte e Jirau? Dilma? Ok, correto. E quem se orgulhou em rede nacional de as ter licenciado quando era ministra do Meio ambiente do governo Lula? Marina. Pois, é.

Quem fez pressão para a liberação dos transgênicos? Lula e Dilma? Ok, correto. E quem se orgulhou em rede nacional de jamais ter sido contra os transgênicos e quem era ministra do Meio ambiente do governo Lula quando se liberou? Marina.

Sobre Banco Central e política econômica, etc, está no programa, idêntico ao do PSDB, por ter sido feito por crias do PSDB, o que não faz de Dilma melhor.

Só não me venham com o papo de que estão procurando alternativa, pois se estão é uma alternativa à direita de Dilma no campo econômico e idêntica a ela na maioria dos demais. No que difere não tem exatamente ganho qualitativo ou desvio de rota do neodesenvolvimentismo predatório, especialmente para indígenas e quilombolas. Estes tem como garantia um governo Marina que perpetuará boas relações com o agronegócio, ou seja, não vai frear o ataque a indígenas, etc. Não sou eu quem diz, é ela, em rede nacional, em encontro com ruralistas e etc.

Agora, querem permanecer apoiando? Boas festas e feliz ano novo, só assumam que é ideológico. Alternativas há com programas diferentes.

A opção por um programa nada ou quase nada diferente do de Dilma, especialmente para LGBT, e no que é diferente consegue ser pior, mesmo com todos os avisos, com todas as análises, configura uma opção ideológica. E digo mais: uma opção ideológica consciente de direita, capitalista, liberal, individualista, coxinha, zona sul, de uma “esquerda” que trata a política como espaço de socialização e não como espaço de luta.

“Ah, mas Luciana Genro recebe dinheiro da Gerdau!” , “Ah, mas Zé Maria é radical demodé!”, “Ah, mas Iasi é irrelevante e não abraça a questão ambiental!”…e seguem os trezentos argumentos sempre exigindo de quem tá à esquerda da opção ideológica o que for possível para que estes se aproximem da posição ideológica ou o que for impossível mesmo, para afastar a possibilidade de voto em alternativa programática.

O problema de Dilma para essas pessoas não é o programa, são pontos do programa. Aliás, nem isso, dado que a migração para Marina não quer sequer observar a similaridade gritante entre os programas. Fosse Dilma menos truculenta e mais enrustida na opção por abraçar Sarneys e por entubar em LGBTs, etc, a galera permaneceria como cheeerleader do governismo.

Jaspion“Ah, mas eu voto em Marina e voto/votei no Freixo!” e não notou mesmo a similaridade de discursos e de posição no cenário político? Jura que não nota porque o voto em Luciana te dá tanto asco? Porque se for lance de receber dinheiro de empresa recomendo ver a prestação de contas da campanha de 2012. Se for programa entre Freixo e Luciana aí complica porque não tem diferença nenhuma, tem a diferença da postura pública de busca de trânsito na mediação com o PT de um e negação disso por outra. E aí a opção por Marina e não por Luciana é eloquente.

O que salta aos olhos é que do voto nulo ao voto em PCB, PSTU, PSOL tem uma série de opções ideológicas pela esquerda, mas a opção é pela Marina e a opção é pela Marina com ataques à esquerda ou dramatização dos ataques recebidos chamando a esquerda de linha auxiliar do PT, mesmo com todos os avisos do programa recuado, a insistência que é uma aposta (como se fosse), para não assumir viés ideológico é um troço gritante. Gritante e irresponsável.

Interessante que jamais se aposta na esquerda.

Irresponsável porque opta por apostar do alto de uma situação social que lhe permite tratar política como corrida de cavalo e como trotoir pela rua da amargura e da mágoa de caboclo. A opção responsável e consciente pelo voto, pelo não voto ou pelo voto nulo é fábula aí. Não se assume uma política, se assume uma “radicalidade” pirracenta e nada radical, com muito mais de udenismo moralista chocado de ver “tudo que tá aí” enquanto caminha na praia do Leblon ou faz plano pra balada em restaurante caro.

No fim e ao cabo não se tem responsabilidade nenhuma concreta com mudança, com transformação, não se mexe concretamente para lutar contra mudanças climáticas, contra a TKCSA, contra a criminalização da homofobia, contra a dilapidação da educação…tudo isso é merda. A questão aí é um jogo novelesco, uma dramaturgia política onde heróis e vilões passeiam na urna em nome da satisfação pessoal da consciência política blasé exibida no convescote de domingo.

Se choca com a morte de homossexuais por homofobia? Porra nenhuma! Se se importasse votava na esquerda ou votava nulo e não em Dilma ou Marina.

Se importa com o meio ambiente? Nem por um caralho! Se se importasse não votaria nem em Dilma predatória nem em Marina condescendente e privatizadora de florestas, nenhuma delas com NENHUM programa de combate às mudanças climáticas, desmatamento zero, política de mobilidade sustentável, política indígena que combine demarcação com reconhecimento de identidade e programa de resgate identitário, idem para quilombolas. Nenhuma das duas sequer tangencia programa de transição energética, nadica.

Então vamos deixar de hipocrisia, please? Se no pós-2010 pagou-se muito de “eu fui enganado” e “eu não sabia” apesar de todos os avisos recebidos enquanto se chamava Plínio de “senil”, Zé Maria de Irrelevante e Ivan de “anacrônico”, no pós-2014 não vai colar. Os recuos de Marina são idênticos e ocorrem mais cedo que os de Dilma. E pior, com um programa neoliberal para ampliar o pesadelo.

Vão permanecer tratando política como convescote e espaço de socialização? Bacana, assumam então o viés ideológico classe média sofre, neoliberal, individualista, udenista e irresponsável, parem de pagar de esquerda, pois na hora do voto não são de esquerda e faz tempo.

Ah, eu voto nulo, a quem interessar possa e já descrevi isso aqui.

PS: comentários são moderados.

Coisas que me tiram do sério sobre aborto

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Eu tenho bloqueio mental, sério, um grave bloqueio mental com argumentos e com quem consegue discutir vida em um amontoado de células. Minha crença é contra, mas minha crença se baseia em conhecimento anterior à ciência, testes, mais testes, evidências, pesquisa, etc.

Pior, nego se baseia num livro escrito há milênios e pior ainda, em um livro cuja interpretação da Igreja aprovava o aborto até poucos séculos atrás.

E piora, quem é Kardecista e contra o aborto se baseia na opinião de um suposto espírito que supostamente ditou o conhecimento a um suposto médium.

Não, eu não duvido da existência de espíritos, nem nada disso, mas o suporte lógico de quem é contra o aborto e a legalização é baseado em nada.

O consenso científico sobre o limite do aborto, até 12 semanas, é sustentado por experimentação repetida, comprovada e sob julgamento da comunidade científica a partir de procedimentos mínimos comprováveis de terem sido feitos e passíveis de reprodução por outro.

E isso é reproduzido milhares de vezes, não são fenômenos isolados, não são um médium que recebe o apoio de centenas e até milhares de pessoas que jamais tentaram dialogar com o mesmo espírito que ele e comprovar este diálogo, que permanece sendo parte dos mistérios aceitos tacitamente como válidos pelos seguidores de determinado credo.

Respeito o conceito dos mistérios de cada fé, o que não respeito é que o conceito de mistérios de cada fé e da origem misteriosa do conhecimento da fé se sobreponha a uma imensa gama de conceitos científicos comprovados, estabelecidos como conhecimento a partir da comprovação pela comunidade científica não pela aceitação de mistérios, mas pela reprodução de experiências que tiveram o mesmo resultado da experiência original e que sim foi objeto de tentativa de refutação e negação.

Além do mais sua fé, nossa fé, a fé de quem quer que seja, não tem direito nenhum a se impor como lei a outrem. A fé é direito seu, enfie ele onde você quiser, mas a concepção dela sobre direito dos outros é irrelevante e é mais irrelevante ainda quando se baseia em uma gama de categorias de pensamento incapazes de resistir a qualquer observação científica séria por mais de cinco minutos.

A ciência erra? Ô se erra, mas ela erra e é exposta porque está sujeita a controle por seus pares e fora da comunidade científica, que tem de publicizar as descobertas e manter procedimentos verificáveis.

A fé se dispõe a isso? Não, jamais. E pior quando se tenta expor a fé a critérios de verificação não raro quem o tenta acaba sendo atacado como um intolerante e em um debate receber uma série de ad hominem e construção retórica rebaixada, que parte de sofismas para se apresentar como lógica.

E por que isso? Porque o conceito de verdade que embasa a argumentação da fé é misterioso e incapaz de ser exposto a um processo de verificação que garanta sua vericidade, por isso os argumentos não podem ir além do direito individual à fé, ao auto engano, ao estabelecimento da suspensão da descrença.

E sim, sou extremamente impaciente com isso. Tenho fé nos Orixás, acredito neles e tenho provas individuais de sua existência, jamais poderia provar pra outro a existência deles, mas acredito neles, e mesmo isso não me leva a levar a sério proibições religiosas da minha fé sobre ato A, B ou C, minha proibição aceita são a dos limites éticos e limites científicos dos atos.

Estes limites estão intimamente interligados e são coirmãos na lógica da sociabilidade, da ideia de convivência libertária, etc. O limite ético do aborto está na relação entre quem tem ou não vida e que vida se pretende manter viva ou não. Não consigo compreender quem entende que um feto sem terminações nervosas e comprovação de consciência tem mais direito à vida que uma mulher adulta plenamente consciente. O limite científico do aborto é o que comprova a existência de vida em um feto, a ciência diz que ela pode ser identificada a partir do desenvolvimento de um sistema nervoso central e a partir dai da dor, da consciência, da formação do indivíduo. Fora disso é aposta.

Juntando o limite científico e o ético é possível definir quem é contrário ao aborto, e sim falo do ato e da legalização, exacerba o direito de sua fé, exacerba o limite ético do julgamento do outro e a partir do julgamento, que sempre é uma reprodução da lógica de controle e do cerceamento social, oprime. Oprime e atua como extensão social da punição de quem faz ou deseja fazer o aborto por ter feito sexo sem o intuito de engravidar e ter filhos.

Por que digo isso? Porque o julgamento do aborto não é sobre a vida, é sobre o uso da mulher de seu corpo, e o fato de o sexo para as mulheres conter o risco da gravidez.

Ou seja, a gravidez é algo que a mulher é obrigada a manter por ser, segundo a fé, sua obrigação e sua “dádiva”. Com isso a mulher fazer sexo e engravidar dá a ela a obrigação de manter esta gravidez, dane-se a vontade dela. O ato sexual não foi pra isso? Dane-se ela, ela engravidou e isso é sagrado, é um dever que ela sofra nove meses com isso!

Os limites ético e científico do aborto são irrelevantes pra quem é contra o ato e sua legalização, porque o que tá em julgamento aqui não é o ato do aborto é o rompimento da obrigação imposta à mulher de uma castidade que jamais tente ter prazer dado que o sexo para ela é algo a ser feito apenas para a obtenção da gravidez e se ela foi ter prazer e por acaso engravidou que carregue consigo a gravidez que é ao fim e ao cabo a única função que interessa que a mulher tenha.

Esse é o cerne da negação do aborto, é controle sobre a mulher, satanizada desde Adão, e sobre a função única dela: Ter filhos. E esse cerne é um cerne religioso, teológico e de ética teológica, não precisa e nem quer comprovação científica ou debate científico e nem controle público sobre como se constroem as bases lógicas de seu argumento.

Por isso que minha aversão a quem se põe contra o aborto é uma aversão ética e política, por que quem nega o aborto e sua legalização é um militante da conservação, do status quo e da opressão sobre a mulher. Não há meio termo aqui, toda lógica ética envolvida a negação do aborto é uma lógica de opressão, anticientífica, anti cidadã, antiliberdade.

Toda essa estrutura é uma estrutura construída para dinamitar o ganho de direitos e de liberdade das mulheres sobre seus corpos, o ganho de direitos e de debate cívico sobre eles.

O debate sobre o aborto é antes de tudo um debate sobre liberdade e uma liberdade isonômica, quem é contra o aborto é contra direitos que não sejam contemplados na sua fé em Deus e em seus privilégios e portanto é meu inimigo.

 

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Algumas questões à Marina e a seu eleitorado

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Algumas coisas são sintomáticas e a metodologia de debate político demarca e demarca muito. Após um texto de Luciana Genro sobre Marina choveram ataques que foram do texto ser “Linha auxiliar do petismo” até comparações com textos da Fernanda Torres que batem na Marina pela direita. Sobre os argumentos nenhum comentário, ou seja, não se contra-argumenta, se ataca o crítico.

Duas coisas sobre isso, até pela similaridade com os métodos petistas do lulismo dilmista:

1 – Basicamente toda critica à Marina é desqualificada sem nenhuma resposta? Tem precedente e é ruim.

2 – Ad hominem contra quem critica? Tem precedente e é ruim.

E de resto zero de menção à André Lara Rezende, ausência de política ambiental para além de carta de intenções, zero de menção sobre Friboi e ANJ, zero de menção sobre o peso do Itaú na campanha.

Se isso é alternativa à Dilma é em que? Acenos distantes sobre apoio à união homossexual que não é a defesa do casamento civil igualitário? Nenhuma palavra sobre a promessa de 2010 de pôr a legalização do aborto pra ser decidida em plebiscito? Menção à sustentabilidade sem dizer como? Programa neoliberal com Gianetti concordando em método com Armínio Fraga?

Não é alternativa não, amigo.

Que sustentabilidade estamos falando? É uma sustentabilidade que investirá em mudança radical de matriz energética com substituição dos combustíveis fósseis em um programa de 20 anos de substituição por matrizes limpas? É uma sustentabilidade que mudará os modais de transporte para modais sustentáveis como transporte sobre trilho e integração intermodal com bicicletas? É uma sustentabilidade que descentralizará a produção agrícola com investimento na agroecologia familiar, em reforma agrárias e reorganização da distribuição de alimentos país afora reduzindo as emissões de carbono de transporte? É uma sustentabilidade que reorganiza a produção industrial e investimentos para redução da obsolência programa? É uma sustentabilidade que INTERROMPE o programa nuclear brasileiro e desativa Angra 1, 2 e 3?

E sobre energia? Teremos a descentralização do sistema energético e seu gerenciamento com planejamento democrático das decisões sobre geração e consumo?

Que sustentabilidade é essa?

E vamos além, o que Marina, A “alternativa”, fará de diferente de Dilma no que tange á dívida pública? Terá auditoria? Terá revisão da relação com o sistema financeiro?

E sobre habitação, terá apoio à redução do deficit habitacional com programas de habitação feitos pelo estado em conjunto com a sociedade e com transparência e não pelo mercado, sendo um braço da reforma urbana necessária pra inclusive atacar as causas das mudanças climáticas? Grandes terrenos serão desapropriados para assentar famílias que sofrem para pagar aluguel, residem em situação de risco e/ou em locais atingidos pelo racismo ambiental e pela injustiça social?

E sobre economia, Marina defende decrescimento ou planejamento democrático da economia ou defenderá princípios liberais de gestão da economia, hipercentralizado e desregulamentado?

E sobre indígenas e quilombolas? Teremos uma política de demarcação agressiva e reconhecimento de etnias e remanescentes sem que o agronegócio seja consultado? E sobre pescadores artesanais, ribeirinhos, atingidos por barragens, teremos uma política de justiça ambiental que os contemple e resolva o enorme passivo socioambiental em torno destes grupos?

E sobre mulheres, teremos uma política de reconhecimento da necessária legalização do aborto, de cuidados de saúde? E sobre Trans*, que política teremos? E LGBT?

Todos estas perguntas são perguntas de quem contesta o governo Dilma e o PT, Aécio e o PSDB, mas vai além, contesta o sistema e trabalha com soluções discutidas na sociedade, na academia, nos movimentos para problemas concretos do cotidiano, da sociedade brasileira e mais, da própria manutenção da vida na Terra.

São perguntas que quem quer ser alternativa tem de responder, a não ser que a alternativa seja apenas retirar Dilma do poder, e ai não contem comigo e assumam a escolha de lado, que não é o de alternativa nenhuma, nem ao sistema, nem ao estado, nem nada.

Até lá o jogo do espantalho construído como método pelo neo-petismo ao ser reproduzido por quem apoia Marina diz muito sobre os objetivos desta militância, e acreditem, não é bonito.

A verdade, o unilateralismo, a beleza, o índio, o negro e o black Bloc

images (1)Todo pensamento unilateral contém o inevitável autoritarismo. O entendimento de algo como uma verdade única, centrada em uma objetivação da realidade é automaticamente inibidor da diversidade e portanto da democracia.

Esta “ditadura” reflete-se na sociedade de muitas formas, desde a lógica do padrão de beleza unitário, que exclui gordas e negras do belo, até o entendimento da ideia de progresso como ligada intimamente ao aquecimento da economia, ao aumento de consumo, ao aumento e desenvolvimento das “forças produtivas”, como se fosse um ligar de uma locomotiva faminta e sem freios na direção do abismo.

201109070815340000004175Produzir significa acumular capital, conforme o pensamento hegemônico, produzir significa consumir matéria-prima e energia para que bens sejam construídos, consumidos em nome de um bem-estar intimamente ligado ao ter. Esta ideia de produção é o carro-chefe de uma ditadura de entendimento da realidade, de um pensamento único, que se vale da concepção que produzir, viver, ter, estar, morar são estados relacionados diretamente com a ideia de propriedade, com a ideia de economia com valoração de cada elemento ao redor do homem, inclusive ele, seja terra, ar, água, bichos, plantas, como se todos tivessem um preço, como se o valor de uso e troca fosse natural, nascesse com cada item da realidade ao redor do homem, líder máximo de uma lógica onde o homem é o centro do universo.

la-pensee-uniqueEsse entendimento é complementado com a recusa de percepção de qualquer outra forma de entender a realidade, de qualquer percepção cultural divergente, como passível de alguma “razão” ou sentido. A concepção de etnias indígenas da terra como parte de um organismo vivo, como elemento fulcral da existência deles para além da economia, da produção, do valor continente no uso da terra, vira anátema, pois bate de frente com a lógica, o pensamento único em torno do qual se ergue a economia e a lógica de vida ocidental, cristã, branca.

Outro aspecto da ditadura do pensamento único é a ótica do que é bom ou não para segmentos inteiros da população. Pobre morar na favela? Não pode e jamais passa na cabeça das pessoas a possibilidade urbanizar a favela, de que favela seja cidade. Greve? Atrapalha o trânsito. Proibir carro no centro das cidades? Atrapalha o direito individual da posse do automóvel, dane-se se o transporte coletivo permanece secundarizado em nome do individualismo egoísta, consumidor de combustíveis fósseis que aceleram os efeitos do aquecimento global. Lutar pelo fim dos combustíveis fósseis? Maluquice, a economia EXIGE crescimento e isso EXIGE energia, EXIGE, o conforto individual, a matriz energética em uso é o petróleo e não se fala mais nisso, energia renovável e alternativa são caras demais!

20090207_non.pensamento.unico.grandeE palavra em torno de muitas destas questões é “custo”, é a centralidade do “custo”, do aspecto monetário sobre todo e qualquer entendimento relativo à lógica do bem viver como mudança dos paradigmas de civilização, para além da precificação da vida, das pessoas, das cidades, da terra, das matas, do existir. O “custo” das coisas é central, o “custo” das coisas é o eixo em torno do qual giram a lógica que prioriza, hierarquiza o que deve ou não ter a economia direcionada para realizá-lo, ou seja, o que é prioritário para a população e sociedade é decidido em torno de “custo”.

E quem decide? Como se dá o processo “democrático” de decisão? Há democracia? Se chega ao todo todas as informações, todos os meios de decidir, o que está em jogo?

imagesPoderíamos elencar também problemas relacionados ao processo de veto à homossexualidade, de repressão à orientações sexuais diversas, à transsexualidade, à ideia do papel da mulher, à lógica de respeito à diversidade étnica, ao racismo, ao racismo ambiental e tantos outros efeitos da ditadura do pensamento único, que parte de uma hegemonia cultural elitista e chega aos jornais e Tvs e é reproduzida, naturalizada, tornada como um elemento dado da vida cotidiana, imutável, asfixiante.

E todo pensamento contra hegemônico é crime, é criminalizado.

Todo método contra hegemônico é crime, é afastamento do povo das lutas, é afastamento da regra, da lei, do bom comportamento, dos bons modos, do bom senso.

E é por isso que toda criminalização dos Black Bloc tem um pouco de navio negreiro.

A centralidade da questão Black Bloc para a esquerda

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Falar de black bloc está muito além de uma análise local, pontual sobre manifestações e ação direta. Muito além de discutir sobre método, sobre a concretização do processo revolucionário, sobre a famosa correlação de forças, sobre ascenso ou descenso de lutas.

Falar sobre Black Bloc é um cerne da crítica da relação entre Esquerda e institucionalidade, entre a Esquerda e a ordem, o estado penal, a percepção de base e da base, a ideia de democracia, a separação entre a reação do oprimido e a violência do opressor.

Como eixo de parte do discurso da esquerda socialista temos um mal-estar gigantesco com a ação direta pelo descontrole visível que tem sobre pessoas, jovens, que atuam de forma diametralmente oposta à sua lógica particular de ação e inclusive de centralismo.

Seja na USP ou na cinelândia, o atropelamento da esquerda pela conjuntura e pelas bases é nítido, chega a ser espetacular. Se diz que os Black Bloc “invadem”, “desobedecem” a “direção” dos atos e pro isso afastam (como se fosse universal) as pessoas dos atos e “justificam a violência policial” como se a Polícia militar precisasse de justificativa pra descer o sarrafo.

images (1)Para negar o que ocorreu em recentes assembleias quando a base do SEPE-RJ decidiu um manifesto em apoio aos Black bloc, culpam a base anarquista por ter inserido isso, ignorando que os demais da base o aprovaram. Para negar a relação íntima entre a base sindical dos professores e estes que os defendem/defenderam de bombas e do cassetete se apoiam nas declarações das direções, ignorando que nas bases há um profundo sentimento de gratidão, que há muitos professores, a maioria dos que conversei sendo do PSOL como eu, que viram e conversaram com os satanizados Black Bloc, e tiveram neles pedidos de autorização para atuarem na defesa dos professores, do acampamento na câmara, etc.

Para negar que há sim uma má vontade criminalizadora dos Black bloc se apoiam numa democracia feita sob medida pro discurso localizado nas universidades e não muito mais: Discutimos em assembleias e assembleias sobre o ato e decidimos. E o ato se ganhasse força de quem não participou delas, como faz? Criminaliza? Se fosse o MST? Se fosse o MAB, o MTST, o Movimento Hip Hop, a APAFUNK? E se fosse uma comunidade de periferia que em apoio à USP se deslocasse até o ato e por muitas razões razoabilíssimas, confrontassem os Policiais? Criminalizaríamos? Não compactuaríamos com as depredações?

black-blocs-2E a tez, a cor dos jovens Black Bloc? A lógica, o linguajar, a forma de andar, se vestir, pensar? Sabem? Querem saber? Porque em muitos casos, na minha ótica na maioria, são negros, jovens, precarizados, frutos da recente lógica desenvolvimentista que varreu o país com crediários e PRO-UNIS e que se serviu de muitos jovens para a propaganda do Brasil Grande e não lhes deu transporte, saúde, emprego, casa, saneamento, futuro. E esses jovens aprenderem a ler o mundo entendendo-se excluídos, entendendo-se fora do jogo, entendendo-se a carne mais barata do mercado.

Nesses jovens a raiva dá pra parar, pra interromper, mas a fome de vida, de luta de melhorar, de construir um mundo onde possam confiar em mais que neles mesmos e nos a seu lado, não dá pra interromper.

A raiva e a fome é coisa dos ômi.

E o que fazemos enquanto esquerda? E sim, estou falando do PSOL, partido do qual faço parte e cujas declarações públicas efetuadas na fundação Lauro Campos e PSOL-RS foram lamentavelmente amestradas, colocadas como similares ao discurso da ordem se não enfaticamente, por medo, por uma lógica de se separar da ação dos “Vândalos”, se separar do que a ordem entende como atrapalhador das manifestações “Pacificas”, E o que fazemos enquanto esquerda? Criminalizamos, se não legalmente, politicamente.

imagesEstas declarações públicas enquanto partido foram as únicas públicas, não houve declaração do PSOL nacional, ou dos demais estados, portanto fica como a cara pública de um partido onde esta questão está longe de vista pelo coletivo de acordo com a vertente citada acima.

É esta cara que o PSOL quer dar aos presos, criminalizados, espancados, que sofreram bala, que apanharam e respiraram gás para deter o avanço das tropas de choque, no Rio, no Cocó em Fortaleza, em Salvador, em Brasília? Que segura o avanço da polícia nas ocupações de prédios públicos Brasil e mundo afora? É este discurso que o PSOL quer comprar como seu?

Porque é preciso estar atento e forte, não há muito tempo de se temer a morte física enquanto a morte política não é apenas um fantasma assombrando a Europa. Não dá para esquecermos que questões internas se relacionam com questões externas, que um discurso aqui se relaciona com a cara do companheiro a seu lado em um ato acolá, e com as pontes, e com os diálogos e com as caras, os preços, a porrada no lombo.

Assim como à mulher de césar, não basta parecer esquerda.

Não dá simplesmente para esquecermos nosso papel como “Partido Necessário” em um debate cuja centralidade está, antes de apoiarmos ou não os Black bloc, em combatermos a violência do estado, a escalada autoritária da sociedade, que passa por Feliciano, Bolsonaro, exército no Leilão de Libra, Cabral, Paes, Wagner, Agnelo e Tarso.

Não foram os Black Bloc que prenderam nossos companheiros, foi a polícia.

Não foram os Black Bloc que nos chamaram de “Vândalos”, foi a mídia.

Queremos ser a esquerda que temerosa de ser radical, embora se diga radical, tem medo de assumir os riscos inerentes das posições políticas necessárias?

Queremos ser a esquerda que com medo da onda fica na areia comentando a onda e dizendo que o mar tá bravo? Ou que quer dirigir as ondas e não surfar nelas?

black-bloc3-400x230Queremos ser a esquerda que criminalizou a rebelião de Watts em 1965? Queremos ser a esquerda que condenou a luta armada na resistência à ditadura? Queremos ser a esquerda que diria que a Revolta da Vacina seria um erro, porque depredaria patrimônio público (Sendo tal público muitas vezes agências do Itaú)?

Que esquerda queremos ser? Domada ou revolucionária?

A revolução não cresce em árvore, e nem espera, não tem régua pra medir revolução, nem manual. E sim, é desorientador o processo de rebelião, revolução, revolta, é sim assustador, como é o primeiro ato sexual, como é a primeira onda nadada e surfada, como é a primeira vez que enfrentamos o desconhecido, assim como é natural apelarmos para a ordem e segurança sob a qual fomos educados anos a fio. O que não é natural, embora nada deva parecer natural, é passado o tempo ficarmos presos ao medo em vez de avançar e avançar para compreender, avançar para entender, avançar para dialogar.

O que não é natural é em nome de votos, cargos, posições sociais, financiamentos, ou sei lá o que mais, emularmos timidamente o discurso da ordem protegendo como patrimônio público a vitrine do Itaú. Culparmos os Black Bloc por atos não funcionarem cheios sempre, como se apenas o medo da violência afastasse as pessoas dos atos e não o dirigismo, e não o oportunismo e não o aparelhamento.

Porque o medo da violência não afasta as pessoas dos atos do Rio, carro-chefe do pau quebrando?

É uma pergunta cujas respostas fáceis são muitas, mas não será porque há uma demanda de opressão radicalizada esperando um diálogo amplo, maior e construtivo para além da formatação do outro em um igual a nós? Não será porque com toda a esquerda presente seja obrigada a democraticamente dialogar, pela obrigatoriedade de não implodir tudo em mil pedaços de nada? Não será porque há uma profunda crítica à violência do estado já enraizada na academia do Rio e que não cai na esparrela de esperar carinho de quem foi criado para ser capitão do mato oficial do Estado?

images (2)O que queremos ser? O que tememos? O que medimos como régua de nossos valores e posição públicas? A correção analítica que se não apoia não criminaliza e tenta explicar? Ou a posição acomodada que apenas reproduz o discurso que cai bem nos ouvidos da dona Benta do Sítio do Pica Pau Amarelo que adora ouvir falar em justiça social, contra a corrupção, sem problematizar muito tudo isso?

Vamos ser a esquerda que exige punitivismo penal? Vamos ser a esquerda que diz que os jovens presos nas manifestações são sim criminosos pois atrapalham nossos atos?

Se formos não contem comigo, não serei cúmplice de mais uma negação dos riots de Watts.