Vamos falar de pedágio urbano, amiguinhos?

Professor_Girafales

Bem, vou começar colocando que não vou dar exemplo nem de Londres, nem da Groelândia, nem do Rio e nem da cidade do Papai Noel no Polo Norte. Vou partir de princípios do conceito de pedágio urbano, beleza?

1 – Monetarizar o direito de ir e vir colocando um valor neste direito, ou seja, limitando o direito de ir e vir a quem pode pagar por ele é política popular? E problematizar isso é ser de direita? Olha, a volatilidade dos conceitos e categorias é enorme, mas essa me pegou de surpresa

2 – Monetarizar o direito de ir e vir colocando um valor neste direito, ou seja, limitando o direito de ir e vir a quem pode pagar por ele é uma política de redução de carros na rua ou de redução de carros de quem não pode pagar pela sua entrada nos belos centros das grandes cidades? Problematizar isso é ser elitista e de direita? É mesmo? Uau, surpreso de novo.

3 – Monetarizar o direito de ir e vir colocando um valor neste direito, ou seja, limitando o direito de ir e vir a quem pode pagar por ele é uma ação de política de redução de carros? Olha me parece mais eficiente reduzir a produção e o consumo de carros e de combustível fóssil a partir da redução de subsídios a ambos. Sim, amiguinhos, estou falando de aumentar o preço dos carros e do combustível fóssil (Que por mim era suspenso o uso por portaria).

4 – Vamos falar de transporte público? Monetarizar o direito de ir e vir colocando um valor neste direito, ou seja, limitando o direito de ir e vir a quem pode pagar por ele em um cenário de caos e falências dos transportes públicos é política de esquerda? opa, sós e for da neo-esquerda estrelada, porque sem uma medida prévia, e que levaria uns bons dez anos, de revisão de todo o sistema é IMPOSSÍVEL que uma Monetarizar o direito de ir e vir colocando um valor neste direito, ou seja, limitando o direito de ir e vir a quem pode pagar por ele não seja ela mesma a interrupção do direito de ir e vir dos mais pobre sou pior, sua precarização a partir de um transporte público incapaz de atendê-lo como o mínimo de civilidade.. E não, amiguinhos, não é o caso só do Rio, fica a dica.

5 –  Vamos falar de política de secessão no Rio de Janeiro?  Cês sabem que a secessão entre pobres e ricos é uma tradição carioca como o futevôlei, o chopp no fim da tarde, o samba, o suor, a cerveja, o arrastão em dezembro e a PM matando pobre? Pois é, inclusive tem um artigo mui bacaninha da Gizlene Neder, chamado Cidade, Identidade e exclusão social, que trata da lógica de secessão no início do XX que levou aos píncaros da construção de m corredor sanitário entre o Rio aquilombado  e o Rio aburguesado. Este corredor não foi apenas uma exceção, ele é a regra. A ideia de uma cidade partida é uma ideia que nasce com a república e que é implantada a partir da derrubada de cortiços para iniciar a expansão urbana moderna  no centro da mui leal. qualquer projeto que não seja um projeto nitidamente de esquerda nesta cidade é herdeiro de Barata Ribeiro, Pereira Passos e outros tecnocratas demolidores que entraram para a história como cabeças de ponte de uma política elitista. Paes se coloca como fã de Pereira Passos, é bom lembrar.

Então amiguinhos, vamos ter cuidado, nos informar, ser mais responsáveis sobre nosso volumoso dedo indicador a respeito de quem vai ou não para a direita ou sobre o “elitismo’ de quem é contra medidas que não são exatamente fáceis de serem identificadas como esquerda, e mais, não são exatamente fáceis de ser descontextualizadas de um projeto de cidade excludente que não nasceu ontem.

Aliá,s fica a dica: O projeto de cidade excludente do Rio de Janeiro que permeia toda a sua história é também um modelo de cidade para o Brasil, e não é de hoje.

É de bom tom para cagar regra ter o que cagar, fica a dica.

A verdade, o unilateralismo, a beleza, o índio, o negro e o black Bloc

images (1)Todo pensamento unilateral contém o inevitável autoritarismo. O entendimento de algo como uma verdade única, centrada em uma objetivação da realidade é automaticamente inibidor da diversidade e portanto da democracia.

Esta “ditadura” reflete-se na sociedade de muitas formas, desde a lógica do padrão de beleza unitário, que exclui gordas e negras do belo, até o entendimento da ideia de progresso como ligada intimamente ao aquecimento da economia, ao aumento de consumo, ao aumento e desenvolvimento das “forças produtivas”, como se fosse um ligar de uma locomotiva faminta e sem freios na direção do abismo.

201109070815340000004175Produzir significa acumular capital, conforme o pensamento hegemônico, produzir significa consumir matéria-prima e energia para que bens sejam construídos, consumidos em nome de um bem-estar intimamente ligado ao ter. Esta ideia de produção é o carro-chefe de uma ditadura de entendimento da realidade, de um pensamento único, que se vale da concepção que produzir, viver, ter, estar, morar são estados relacionados diretamente com a ideia de propriedade, com a ideia de economia com valoração de cada elemento ao redor do homem, inclusive ele, seja terra, ar, água, bichos, plantas, como se todos tivessem um preço, como se o valor de uso e troca fosse natural, nascesse com cada item da realidade ao redor do homem, líder máximo de uma lógica onde o homem é o centro do universo.

la-pensee-uniqueEsse entendimento é complementado com a recusa de percepção de qualquer outra forma de entender a realidade, de qualquer percepção cultural divergente, como passível de alguma “razão” ou sentido. A concepção de etnias indígenas da terra como parte de um organismo vivo, como elemento fulcral da existência deles para além da economia, da produção, do valor continente no uso da terra, vira anátema, pois bate de frente com a lógica, o pensamento único em torno do qual se ergue a economia e a lógica de vida ocidental, cristã, branca.

Outro aspecto da ditadura do pensamento único é a ótica do que é bom ou não para segmentos inteiros da população. Pobre morar na favela? Não pode e jamais passa na cabeça das pessoas a possibilidade urbanizar a favela, de que favela seja cidade. Greve? Atrapalha o trânsito. Proibir carro no centro das cidades? Atrapalha o direito individual da posse do automóvel, dane-se se o transporte coletivo permanece secundarizado em nome do individualismo egoísta, consumidor de combustíveis fósseis que aceleram os efeitos do aquecimento global. Lutar pelo fim dos combustíveis fósseis? Maluquice, a economia EXIGE crescimento e isso EXIGE energia, EXIGE, o conforto individual, a matriz energética em uso é o petróleo e não se fala mais nisso, energia renovável e alternativa são caras demais!

20090207_non.pensamento.unico.grandeE palavra em torno de muitas destas questões é “custo”, é a centralidade do “custo”, do aspecto monetário sobre todo e qualquer entendimento relativo à lógica do bem viver como mudança dos paradigmas de civilização, para além da precificação da vida, das pessoas, das cidades, da terra, das matas, do existir. O “custo” das coisas é central, o “custo” das coisas é o eixo em torno do qual giram a lógica que prioriza, hierarquiza o que deve ou não ter a economia direcionada para realizá-lo, ou seja, o que é prioritário para a população e sociedade é decidido em torno de “custo”.

E quem decide? Como se dá o processo “democrático” de decisão? Há democracia? Se chega ao todo todas as informações, todos os meios de decidir, o que está em jogo?

imagesPoderíamos elencar também problemas relacionados ao processo de veto à homossexualidade, de repressão à orientações sexuais diversas, à transsexualidade, à ideia do papel da mulher, à lógica de respeito à diversidade étnica, ao racismo, ao racismo ambiental e tantos outros efeitos da ditadura do pensamento único, que parte de uma hegemonia cultural elitista e chega aos jornais e Tvs e é reproduzida, naturalizada, tornada como um elemento dado da vida cotidiana, imutável, asfixiante.

E todo pensamento contra hegemônico é crime, é criminalizado.

Todo método contra hegemônico é crime, é afastamento do povo das lutas, é afastamento da regra, da lei, do bom comportamento, dos bons modos, do bom senso.

E é por isso que toda criminalização dos Black Bloc tem um pouco de navio negreiro.

A centralidade da questão Black Bloc para a esquerda

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Falar de black bloc está muito além de uma análise local, pontual sobre manifestações e ação direta. Muito além de discutir sobre método, sobre a concretização do processo revolucionário, sobre a famosa correlação de forças, sobre ascenso ou descenso de lutas.

Falar sobre Black Bloc é um cerne da crítica da relação entre Esquerda e institucionalidade, entre a Esquerda e a ordem, o estado penal, a percepção de base e da base, a ideia de democracia, a separação entre a reação do oprimido e a violência do opressor.

Como eixo de parte do discurso da esquerda socialista temos um mal-estar gigantesco com a ação direta pelo descontrole visível que tem sobre pessoas, jovens, que atuam de forma diametralmente oposta à sua lógica particular de ação e inclusive de centralismo.

Seja na USP ou na cinelândia, o atropelamento da esquerda pela conjuntura e pelas bases é nítido, chega a ser espetacular. Se diz que os Black Bloc “invadem”, “desobedecem” a “direção” dos atos e pro isso afastam (como se fosse universal) as pessoas dos atos e “justificam a violência policial” como se a Polícia militar precisasse de justificativa pra descer o sarrafo.

images (1)Para negar o que ocorreu em recentes assembleias quando a base do SEPE-RJ decidiu um manifesto em apoio aos Black bloc, culpam a base anarquista por ter inserido isso, ignorando que os demais da base o aprovaram. Para negar a relação íntima entre a base sindical dos professores e estes que os defendem/defenderam de bombas e do cassetete se apoiam nas declarações das direções, ignorando que nas bases há um profundo sentimento de gratidão, que há muitos professores, a maioria dos que conversei sendo do PSOL como eu, que viram e conversaram com os satanizados Black Bloc, e tiveram neles pedidos de autorização para atuarem na defesa dos professores, do acampamento na câmara, etc.

Para negar que há sim uma má vontade criminalizadora dos Black bloc se apoiam numa democracia feita sob medida pro discurso localizado nas universidades e não muito mais: Discutimos em assembleias e assembleias sobre o ato e decidimos. E o ato se ganhasse força de quem não participou delas, como faz? Criminaliza? Se fosse o MST? Se fosse o MAB, o MTST, o Movimento Hip Hop, a APAFUNK? E se fosse uma comunidade de periferia que em apoio à USP se deslocasse até o ato e por muitas razões razoabilíssimas, confrontassem os Policiais? Criminalizaríamos? Não compactuaríamos com as depredações?

black-blocs-2E a tez, a cor dos jovens Black Bloc? A lógica, o linguajar, a forma de andar, se vestir, pensar? Sabem? Querem saber? Porque em muitos casos, na minha ótica na maioria, são negros, jovens, precarizados, frutos da recente lógica desenvolvimentista que varreu o país com crediários e PRO-UNIS e que se serviu de muitos jovens para a propaganda do Brasil Grande e não lhes deu transporte, saúde, emprego, casa, saneamento, futuro. E esses jovens aprenderem a ler o mundo entendendo-se excluídos, entendendo-se fora do jogo, entendendo-se a carne mais barata do mercado.

Nesses jovens a raiva dá pra parar, pra interromper, mas a fome de vida, de luta de melhorar, de construir um mundo onde possam confiar em mais que neles mesmos e nos a seu lado, não dá pra interromper.

A raiva e a fome é coisa dos ômi.

E o que fazemos enquanto esquerda? E sim, estou falando do PSOL, partido do qual faço parte e cujas declarações públicas efetuadas na fundação Lauro Campos e PSOL-RS foram lamentavelmente amestradas, colocadas como similares ao discurso da ordem se não enfaticamente, por medo, por uma lógica de se separar da ação dos “Vândalos”, se separar do que a ordem entende como atrapalhador das manifestações “Pacificas”, E o que fazemos enquanto esquerda? Criminalizamos, se não legalmente, politicamente.

imagesEstas declarações públicas enquanto partido foram as únicas públicas, não houve declaração do PSOL nacional, ou dos demais estados, portanto fica como a cara pública de um partido onde esta questão está longe de vista pelo coletivo de acordo com a vertente citada acima.

É esta cara que o PSOL quer dar aos presos, criminalizados, espancados, que sofreram bala, que apanharam e respiraram gás para deter o avanço das tropas de choque, no Rio, no Cocó em Fortaleza, em Salvador, em Brasília? Que segura o avanço da polícia nas ocupações de prédios públicos Brasil e mundo afora? É este discurso que o PSOL quer comprar como seu?

Porque é preciso estar atento e forte, não há muito tempo de se temer a morte física enquanto a morte política não é apenas um fantasma assombrando a Europa. Não dá para esquecermos que questões internas se relacionam com questões externas, que um discurso aqui se relaciona com a cara do companheiro a seu lado em um ato acolá, e com as pontes, e com os diálogos e com as caras, os preços, a porrada no lombo.

Assim como à mulher de césar, não basta parecer esquerda.

Não dá simplesmente para esquecermos nosso papel como “Partido Necessário” em um debate cuja centralidade está, antes de apoiarmos ou não os Black bloc, em combatermos a violência do estado, a escalada autoritária da sociedade, que passa por Feliciano, Bolsonaro, exército no Leilão de Libra, Cabral, Paes, Wagner, Agnelo e Tarso.

Não foram os Black Bloc que prenderam nossos companheiros, foi a polícia.

Não foram os Black Bloc que nos chamaram de “Vândalos”, foi a mídia.

Queremos ser a esquerda que temerosa de ser radical, embora se diga radical, tem medo de assumir os riscos inerentes das posições políticas necessárias?

Queremos ser a esquerda que com medo da onda fica na areia comentando a onda e dizendo que o mar tá bravo? Ou que quer dirigir as ondas e não surfar nelas?

black-bloc3-400x230Queremos ser a esquerda que criminalizou a rebelião de Watts em 1965? Queremos ser a esquerda que condenou a luta armada na resistência à ditadura? Queremos ser a esquerda que diria que a Revolta da Vacina seria um erro, porque depredaria patrimônio público (Sendo tal público muitas vezes agências do Itaú)?

Que esquerda queremos ser? Domada ou revolucionária?

A revolução não cresce em árvore, e nem espera, não tem régua pra medir revolução, nem manual. E sim, é desorientador o processo de rebelião, revolução, revolta, é sim assustador, como é o primeiro ato sexual, como é a primeira onda nadada e surfada, como é a primeira vez que enfrentamos o desconhecido, assim como é natural apelarmos para a ordem e segurança sob a qual fomos educados anos a fio. O que não é natural, embora nada deva parecer natural, é passado o tempo ficarmos presos ao medo em vez de avançar e avançar para compreender, avançar para entender, avançar para dialogar.

O que não é natural é em nome de votos, cargos, posições sociais, financiamentos, ou sei lá o que mais, emularmos timidamente o discurso da ordem protegendo como patrimônio público a vitrine do Itaú. Culparmos os Black Bloc por atos não funcionarem cheios sempre, como se apenas o medo da violência afastasse as pessoas dos atos e não o dirigismo, e não o oportunismo e não o aparelhamento.

Porque o medo da violência não afasta as pessoas dos atos do Rio, carro-chefe do pau quebrando?

É uma pergunta cujas respostas fáceis são muitas, mas não será porque há uma demanda de opressão radicalizada esperando um diálogo amplo, maior e construtivo para além da formatação do outro em um igual a nós? Não será porque com toda a esquerda presente seja obrigada a democraticamente dialogar, pela obrigatoriedade de não implodir tudo em mil pedaços de nada? Não será porque há uma profunda crítica à violência do estado já enraizada na academia do Rio e que não cai na esparrela de esperar carinho de quem foi criado para ser capitão do mato oficial do Estado?

images (2)O que queremos ser? O que tememos? O que medimos como régua de nossos valores e posição públicas? A correção analítica que se não apoia não criminaliza e tenta explicar? Ou a posição acomodada que apenas reproduz o discurso que cai bem nos ouvidos da dona Benta do Sítio do Pica Pau Amarelo que adora ouvir falar em justiça social, contra a corrupção, sem problematizar muito tudo isso?

Vamos ser a esquerda que exige punitivismo penal? Vamos ser a esquerda que diz que os jovens presos nas manifestações são sim criminosos pois atrapalham nossos atos?

Se formos não contem comigo, não serei cúmplice de mais uma negação dos riots de Watts.

Das Contradições #issonãoésobreoblackbloc

cartaz-2006_652x408A discussão sobre Black Blocs, processo repressivo pelo estado e até sobre dialética, contradição capital/trabalho ou capital/natureza, tudo, absolutamente tudo, tende a uma lógica binária que passeia desde as intervenções de esquerda até as dificuldades interdisciplinares de entendimento entre as ditas ciências “naturais”, objetivas, e as ciências “humanas”, subjetivas.

Todos este processo acaba migrando para uma miríade de contradições que não raramente tende ao binarismo puro e simples, à lógica opositora, cuja centralidade acaba sendo um problema de ocupação de espaço e da lógica até política de entender-se pela alteridade radical.

2013061837627Para se opor ao “velho” sustenta-se o “novo”, para se opor à “naturalização” sustenta-se a “fluidez”, todos os pontos de intersecção por vezes são atulhados de explosivo plástico, retórico inclusive, que não ajuda muito na medição humana e textual disso que simplificamos ao chamar de “realidade” e portanto da diversidade de percepções deste mesmo real construídas pelo humano, pelo diverso.

Além do mar de jargões situantes de cada grupo em seu nicho de existência/atuação, que por vezes impede a compreensão de quem não nada naquele mar.

E ai temos o físico puto com o antropólogo que diz que a ciência é um “constructo social” e o antropólogo puto com o físico porque este defende a “objetividade” da ciência. As pontes entre ambos e a possibilidade tácita do termo para cada um ter o significado diverso e até antípoda, ou seja, o nº um entende “constructo” de um jeito diverso do que escreveu o nº dois, idem para o sentido inverso para o sentido de “objetividade”.

As problematizações diferentes de cada processo, de cada categoria, a lógica existente em cada grupo social e o peso para cada terminologia já renderem teses mil e permanecem rendendo, criando oposições onde não necessariamente existe.

Lute---Rubens-Gerchman---1967---foto-Rafael-Adorján-(3)[14]A ânsia de uma resposta definitiva para as contradições e até o anseio dialético de torná-las duais, quase maniqueístas, acabam ajudando muito. E ai temos a esquerda que não assume os Black bloc como parte dela pela necessidade de apontar a diversidade mais que o consenso, pela necessidade dual, maniqueísta de construir muros que separam e organizam taxionomicamente o mundo, que encaixotam, rotulam e apresentam pro mundo como “ó meu trabalho de feira de ciências!”.

Talvez isso ocorra pela lógica de mecanicismo marxista que torna a dialética uma ferramenta menos usada do que propagandeada e mais, não criticada, como fez Bakhtin, pelo ponto de vista de na busca de síntese a dialética atropelar a polifonia e portanto perder o fio da meada do mapeamento do concreto.

Se a crítica no âmbito da metodologia marxista em sua ciência por um marxista como Bakhtin já dava chabu, imagina se a colocarmos sob o ponto de vista político?

2013061837876Porque a dialética enquanto método de análise do concreto acaba por vezes indo no vício mecânico e taxionômico de ocultar o que é múltiplo em nome de uma síntese revolucionária dada, objetiva, com todas as problematizações do objetivo, que atropela qualquer consenso entre os diversos.

A luta de classes bradada aos quatro ventos, jamais é vista pelas possibilidades mil de ter sido transformada, como fenômeno histórico que é, pelo decorrer do tempo e pela complexificação do concreto, das relações humanas, de trabalho, da vida.

A contradição capital/trabalho, filha da luta de classes, jamais é analisada sob o ponto de vista da superação dos limites da exploração, da lógica dos direitos da natureza e do entendimento do agravamento da contradição para a gravidade da oposição capital/natureza ou capital/vida.

E como um resultado previsível, cria-se a contradição entre as contradições. De um lado ecossocialistas apontando para a critica ao avanço das forças produtivas, com crítica entendendo-se como análise fina, e marxistas tradicionais entendendo ser necessário ampliar o desenvolvimento das forças produtivas superando as contradições capital/trabalho sem olhar muito para o resultado disso no plano da vida muito além do humano.

Outro processo é o da dicotomia quase automática entre métodos díspares de luta para a transformação social.

Em vez de entender a profunda polifonia entre metodologias de ação em atos, manifestações ou mesmo de compreensão de intervenção política para a transformação radical do sistema se opta por criação de muros intransponíveis entre os diversos em nome de uma disputa cega em torno da construção de nichos de atuação política que se autointitulam radicais, mas não enxergam um palmo da raiz à frente do nariz.

Contradições-felipe-ret-Evandro-Siol-Rap-em-CartazE muitos se dizem marxistas, muitos se dizem utilitários da dialética, formadores de construções a partir de Marx, quando no máximo fazem é uma construção semirreligiosa de um marxismo morto-vivo, mecânico, pouco avesso à complexidade e mais adepto à simplificação grosseira.

A divergência em torno do processo revolucionário e da metodologia para chegar até ele leva à muita gente a criar regras rígidas que deveriam caber em situações díspares, mas obviamente não cabem e vem aia contradição mestra de todas: Marxistas supostamente dialéticos não aplicando ao concreto suas teses construídas no abstrato, dado que tomam por concreto um abstrato mitológico construído por Lênin em 1917. Ou seja, “Marxistas” mandando às favas a dialética, mas trabalhando com um idealismo hegeliano travestido de Marxismo fazendo trottoir como discurso de esquerda.

E é por isso a ojeriza aos Black Bloc, aos autonomistas, aos anarquistas e, por que não, aos indígenas, camponeses, quilombolas que por acaso nem entendem exatamente o que significa a palavra “Capitalismo” ou “latifúndio”, mas lutam contra ele num anticapitalismo de encher os olhos de alegria de quem tá ai não para bater palma pra maluco dançar festejando na seita o sucesso de um DCE, mas para superar um sistema que nos obriga a gritar: Ecossocialismo ou Barbárie!

2A lógica da construção de partidos hierarquizados, organizados militarmente em nome de uma revolução que funciona quase como um processo escatológico, mitológico e messiânico, um advento, uma espécie de apocalipse religioso e político, uma revolução que matou o velhinho inimigo que morreu ontem, acaba por solapar qualquer tipo de análise do real que vá além do vício, do mecânico.

Ler? Só Trotski, Lênin, Moreno, jamais Benjamin, Marcuse, Thompson ou qualquer marxista não dogmático, ou pior, sequer ler não-marxistas.

E é por isso que os Black bloc assustam, não por terem respostas, mas por serem perguntas, perguntas ácidas, dolorosas, que nos obriga a ir além do mecânico, além das contradições unitárias, duais, binárias.

A dimensão da utopia, a revolução e os novos Lênins

 Road_to_utopiaTratar de mudança política não é exatamente simples, tampouco receita de bolo. A dimensão da transformação tem tantas miríades de sentidos possíveis subjetivos a serem lidos em atos, palavras e movimentos, que a simplificação de um método ou de uma ideia de estado, ou de mesmo uma só ideia de revolução é delírio simplificador.

Se ler a realidade concreta fosse fácil e apontasse para um só sentido unitário não haveria desde sempre um mar de pensadores mundo e história afora, cada um com sua percepção de uma realidade, de uma verdade ou até da não-verdade.

A questão é que cada contexto histórico, cada conjuntura, aponta sinais identificáveis de novas formas que a multidão de gentes por vezes denominada “povo”, “massa”, “massona” ou “povão” (quase sempre por quem se aparta dela para defini-la com distância segura) interpreta se não o real a ruptura com o que entende como sistema ou peso opressivo de alguma realidade.

Cada contexto histórico traz suas insurgências, traz suas permanências, traz suas rupturas e conservações e é necessário que cada pensador ou militante que pretenda transformar este real lê-las, olhá-las nos olhos, preocupados menos com encontrar a verdade verdadeira única de todas as coisas e mais com antecipar minimamente uma tática de intervenção que consiga atrair o máximo de gente possível para oque defende como eixo de ações transformadoras.

É, amigão, to falando de convencer pessoas que tua tática revolucionária é o lance.

img_ju427-06bNeste contexto atual, por exemplo, o próprio questionamento da relação entre movimentos, partidos e ativistas com o cotidiano político é questionado. A própria relação entre os movimentos, as pessoas e a atividade política é jogada aos leões em busca de demolir concepções quadradas de vida, de militância, de relação com vidros, vidraças, mundo, ambiente, amor, mídia.

A dimensão contestatória não tá ai para fingir que não vê a frase maldita cheia de homofobia do sujeito que em tese diz que quer mudar o mundo.

A contestação, caras pálidas, não tá vestindo o fraque mediado do fanfarrão da esquina, tampouco o papo brabo de que “povão é assim”.

A contestação quebra vidraça do Itaú,a contestação arrebenta a secadora do Xingu, invade usina, ocupa Câmaras, derrete leninismos de salão querendo mais que conversinha nas terras Quilombolas, na avenida Paulista ou na praça onde Feliciano-RS prendem pessoas que se beijam em um espaço público ocupado por ele indevidamente em nome de uma só vertente de uma só fé, atropelando a laicidade do estado, atropelando a democracia de um estado cujo emblemático simbolismo de um Pastor Deputado (jamais um Deputado Pastor) chamando a polícia para reprimir lésbicas se beijando EM ESPAÇO PÚBLICO é eloquente.

street_art_24A contestação não trata a dimensão do sonho como um “Além da Imaginação”, uma “Twilight Zone” promovida por esquerdóides, amiguinhos. A contestação chegou à sala de aula, e não na cabeça de estudantes, mas na de professores precarizados em greve numa das principais cidades do país.

A contestação tá na rua derrubando um dos governadores centrais para a política do PT e para concepção de cidade mercadoria, de mundo mercadoria, de Brasil Grande neodesenvolvimentista com fome de petróleo, com fome de carbono, de escolas, de postos de saúde, de consumo que nos consome enquanto gentes a trabalhar doze, treze, quatorze horas para pagar os carnês das dívidas enquanto deixamos a vida no prelo.

A contestação pegou a dimensão do sonho gritando que não era por vinte centavos enquanto militantes amestrados pro revistas, blogs e sites de partidos acostumados com a cadeira acolchoada do poder dizia se tratar de Vândalos e Baderneiros.

imagesA dimensão do sonho voltou numa contestação mascarada que lei nenhuma vai desmascarar e enquanto isso ainda existem citadores compulsivos de Lênin procurando pelo em ovo pra justificar qualquer coisa em nome de mandatos acomodados, acostumados a pedir em vez de exigir, a criar espantalhos para a fome de moral e bons costumes de quem pede o fim da corrupção como se pedisse pães franceses na padaria mais próxima.

E enquanto a dimensão do sonho renasce com utopias múltiplas, dissonantes e polifônicas, como deve ser, a exigência de novos Lênins é clara, imensa, nítida. Mas exigem-se novos Lênins com menos fome por construir estacas fundadores de novos países e novos estados, mas canais para o fluxo contestatório passar derrubando represas.

São precisos Lênins que construam o diálogo, um diálogo amplo, que aprendam, que ensinem, que se joguem, que quebrem, que requebrem, que riam, que sambem, que ouçam a polifonia menos buscando a síntese perfeita e mais aprendendo que ruptura pode sim rimar com gostosura, com liberdade, com vontade e com verdades, sim com s, por muitas, imensas, gigantes, que nunca dorme, que se soltam noite afora quebrando tudo até a última ponta para derrubar Cabrais e outros ditadores mal-acostumados a achar que a voz das ruas é rouca, enquanto sempre foi doce.

images (3)São precisos novos Lênins prontos a divertirem-se recuperando a utopia, a dimensão do sonho em que Garibaldis, Bakunins, Marx, Engels fizeram a primavera dos povos.

Porque sempre precisamos de mais primaveras.

A desabolição

imagesNão nasci de pele preta, mas encantado com as pretas formas, línguas, mundos, deuses, sons, me empreteci como pretejido de um Itamar Assumpção que desconhecia ainda nos idos de 1988 quando vi “Tenda dos Milagres” em uma tela de TV.

Em “Tenda dos Milagres” enxerguei o Orixá do Anúncio visto pela Ialorixá cantada pro Caetano em “Santa Clara Padroeira da Televisão”. Em “Tenda dos Milagres” me reconheci preto.

Naquela época o primeiro impacto do que entendia como minha gente foi o entendimento pela fé que Xangô, Ogum, Oxóssi, Logun-Edé, Oxum e Iansã falavam mais pra mim do que Jesus e seus santos.

escravatura no BrasilUm segundo impacto foi quando já militante entendi que aquela opressão aos escravos em 1888 permanecia numa chibata de classe, numa chibata genocida, legal, instituída, protegida por uma estrutura cruel, violenta e que só seria removida com a espada de um Ogum feita de raça, graça, manha e tambor.

images (1)Eram idos de 1992 e um irmão de santo foi expulso de sala de aula por uma professora por estar com quelê, lenço amarrado na cabeça recém-feita para Ogum. Ali eu era apenas um irado e irracional estudante branco incapaz de entender com clareza o porque tanto me ofendia aquela estupidez, aquela ação imbecil. Ali eu me sentia ofendido, cruelmente ofendido e não apenas na sutileza da superfície da indignação racional, ali em me sentia chicoteado na cara, na alma, na fé, na história. Ali eu decidi ser preto.

Óbvio que essa decisão não me torna preto, não no sentido crasso, não no irmanar do ônus e do bônus, a mim é fácil fugir dos estereótipos pejorativos ligados ao negro, a mim é permitido desistir quando necessário, da pele preta. A mim, por ter a pele branca, foi dado o bônus da possibilidade covarde da omissão.

images (3)Porém no seio do que eu sou a decisão de ser preto se mantém, quando vejo o orixá no anúncio, quando ouço o trovão e tenho medo, amor, vontade de ser chuva, quando vejo na encruzilhada a proteção contra o mal e o mal que me é arma contra meus inimigos. A decisão de ser preto me deu o olho do que eu não via, o ouvido do que não ouvia, o som das pedras, da cachoeira distante, o medo, o horror, o dom, a glória e sobretudo a empatia, o ser o outro que nunca fui.

images (2)Quando me tornei preto me tornei gente, me tornei gay, me tornei mulher, me tornei sindrômico, me tornei transsexual, me tornei peão, me tornei lumpem, me tornei eu. Meu primeiro passo pra me despir dos privilégios que me eram facultados foi dado a partir de um Ojuobá de Jorge Amado descrito por uma irreconhecível Rede globo em Horário nobre, o passo definitivo veio pela resistência ante o preconceito racista de uma imbecil e os demais se fizeram pelo estudo e pela luta.

Hoje ainda me sinto perdido em meio a aproximação concreta da luta anti-racista via companheiros do Instituto Búzios e via partido, porque por mais que a decisão tenha sido concreta, o ser preto por decisão e não por condição objetiva não me permite o ser completo. Sou mutilado da inexistência da negritude de per si.

E lendo e relendo as abolições nunca vindas completas, sempre apartadas da realidade pela resistência absoluta da sociedade a permitir que seus privilégios, chibatas, senzalas, sejam demolidas, me vejo perdido na liberdade opressiva dos que se sentem senhores.

1192741358_fDesabolido da liberdade de resistir me sinto morto, morto na necessidade meio brocha de subjugar alguém acorrentado ou por masmorras ou por misérias, ou por uma lógica redutora de quem não é branco como o resto da matilha é reles coisa.

Se não tenho a existência da negritude de per si, ao me ver branco sofro a desabolição da escravidão, me sinto senhor, e ai me sinto cativo em uma rede de miasmas, de crimes, de castrações, de medos, de falsa evolução, de falsa hegemonia, uma hegemonia de cetro e não de pleno direito a si mesmo.

Na desabolição de mim mesmo, na desabolição da negritude emprestada me vejo como a mediocridade de uma superioridade dependente de guardas armados, de feitores, de padres, ignorante do outro, dos songai, dos malineses, dos ganeses, dos iorubá, dos ashanti, dos daomé.

Ao me desabolir da negritude e retornar à condição de uma superioridade mantida a fórceps da limitação do outro por trapaças e preconceitos, me sinto morto, morto na negação da África e ai morto na negação de mim.

osvaldo-cruz-29Ao me desabolir me sinto menos Prata Preta e mais Pereira Passos, menos Osvaldão e mais Médici. Menos Zumbi e mais Domingos Jorge Velho, e me sinto menor, mais morto, mais torto, menos gente.

Nesse treze de maio, um treze que comemora um documento assinado que foi fruto de sangue, manha e dança, luta e amor, horror e suor de pretos e pretas que em trezentos anos de escravidão conquistaram a ferro e fogo seus direitos escritos ou não, ainda vemos a chibata broxa do senhor branco retirando demarcação de terras indígenas e quilombolas, tornando aquele documento saudoso em mais um de tantos outros documentos assinados com a tinta ficcional do poder, uma tinta que não concretiza o viver dos homens, que não vai além da lorota que as elites contam para si mesmas para fingirem que dormem tranquilas.

Nesse treze de maio vimos Hoffmans e Roussefs, que representariam o passo adiante da abolição definitiva, mostrarem a desabolição da vida política, indo além de nossos piores pesadelos, indo além do que nosso inimigos anteriores nos causaram, indo além do que nosso medo de mais uma traição permitia sonhar.

osvaldo-cruz-32-thumb-1E nesse treze me lembro de Zumbi, me lembro de Prata Preta, me lembro de Oxóssi dizendo “Eu sou Oxóssi, comigo ninguém acaba!” e me sonho preto, e me espero preto, para que um dia a mancha de ser branco suma do corpo, da alma, em uma vitiligo ao contrário, uma vitiligo causada por um desejo de desenbranquecimento, para que a verdadeira abolição chegue pra todos, pra mim, pra ti, pra todo o Xirê.

Brasil: Um País de esqueletos no armário #desarquivandoBR

tumblr_m2clmrKfeC1qejpkbo1_500A história do Brasil é repleta de esqueletos no armário, do impedimento do encontro das muitas faces da verdade ocultadas em armários, gabinetes, medos e pavores dos que comandam a pátria mãe tão distraída.

Da Abolição a Canudos, do Contestado à Revolta da Vacina, da Revolta da Chibata à Vargas, de Vargas a 64, de 64 até 2013, o número de esqueletos no armário só aumenta, fazendo com que o país necessite de muitas comissões da verdade para extirpar as manchas indeléveis que permanecem nítidas em sua história e são reproduzidas no cotidiano da sociedade através das eras.

Charge 1As torturas nas delegacias de hoje são frutos da reprodução das práticas das tantas ditaduras ou do passado escravista onde o outro devia ser reduzido pela dor à uma peça obediente para que o controle social fosse efetivo?

As mortes cotidianas de jovens negros são fruto da política das ditaduras sendo mantidas com as mesmas táticas e diretrizes ou da criminalização de negros e pardos como pobres, e portanto criminosos, que se iniciou ainda no pré-abolição?

imagesA secessão entre pobres e ricos, as restrições de protestos, as restrições de expressão, a violência cotidiana com relação a direitos das minorias majoritárias, a manutenção na porrada dos padrões de comportamento em uma disciplina social ferrenha, autoritária e violenta são fruto dos resquícios da ditadura de 64 ou dos muros invisíveis erguidos para justificar a escravidão e manter o controle social sobre escravos, pretos, pobres e mulheres por uma sociedade escravista onde o macho adulto branco não fazia a menor questão de não reivindicar seu lugar no topo da cadeia alimentar?

São muitas as perguntas e nenhuma das respostas deveria ignorar que cada esqueleto guardado no armário torna o Brasil um país com uma das sociedades mais injustas do mundo, e que não só não resolve seus problemas do passado como se esforça para alimentar o faminto armário de mais esqueletos para a manutenção da nódoa de lama e sangue a qual nomeia História.

images3A manutenção dos ossos no armário não permite o reconhecimento da história do Morro da Providência e a presença fundamental daquela população onde está para manutenção da memória dos primeiros atingidos pelas inúmeras reformas urbanas do Rio de Janeiro e pela memória da guerra do Paraguai e Canudos.

A manutenção dos esqueletos no armário permitiu que João Cândido morresse na miséria, sendo mantido pela marinha como criminoso, mesmo tendo sido um herói da luta antirracismo naquela força armada.

jt11_ditaduraA fome do armário de ossos também mantém a lógica de resistência a uma fictícia guerra entre comunistas e a “nação” que produz Bolsonaros e Felicianos e também mantém Canudos e Contestado como anátemas para um exército acostumado e pisar na cabeça da população que cisma em fugir de uma ordem platônica erguida pela corporação e cujo lema Ordem e Progresso não se furta a atropelar peles pretas e pobres que por acidente estejam em seu caminho.

militaresarquivosditaduOs esqueletos no armário também mantém até um governo, onde boa parte de seus membros é vinculado diretamente à resistência contra a ditadura de 1964, refém de um pragmatismo torpe e cúmplice da manutenção dos esqueletos dos mortos e desaparecidos pela ditadura militar ocultos sob camadas e camadas de arquivos fechados e cujo teatro da Comissão Nacional da Verdade nem de leve pensa em remover o pó que os oculta, um pó repleto da tradicional injustiça de nosso Estado, de nossa Pátria, que devia ser fratria e nem mátria é.

ditadura1Enquanto os homens exercem seus podres poderes o armário permanece alimentado de esqueletos, alguns muito antigos, e o país rico, que se pretende sem pobreza, segue batendo em índios, negros, gays e mulheres. Segue mantendo a injustiça e prosseguindo sob uma lenga lenga de “Mudamos a vida das pessoas” deixando os rastros de sangue de uma ausência de qualquer mediação entre a violência conservadora do status quo e os inúmeros atingidos pelo seu voraz caminho de enriquecimento dos barões e amigos do rei.

esqueleto limparEnquanto os homens exercem seus podres poderes e buscamos fazer renascer nosso carnaval o grito de “Apesar de você” segue preso numa garganta acostumada a romper o silêncio da paz de cemitérios que é nosso país na marra, na rua, numa raça que só quem possui a estranha mania de ter fé na vida poderia ter.

Os arquivos são muitos, os esqueletos são muitos e serão mantidos fechados enquanto não entendermos que a morte dos Juvenais e Raimundos, de tantos Julios de Santana, se refletem no Xingu, em Belo Monte, na Providência, em Manguinhos, no Capão Redondo, em Porto Alegre, no Mato Grosso, na Avenida Paulista.

frase-se-voce-nao-se-pode-livrar-do-esqueleto-que-esta-no-seu-armario-e-melhor-que-o-ensine-a-george-bernard-shaw-154307Para amanhã ser outro dia é preciso que entendamos quem manda na chave dos armários onde os esqueletos estão guardados, é preciso que entendamos quem se mantém guardando os esqueletos desde o Império e ainda hoje, em um governo do ex-Partido dos Trabalhadores, possui o poder para continuar alimentando-o com novos ossos.

ditaduraÉ preciso que lembremos sempre a memória de tempos onde lutar por seu direito era um defeito que mata, e para isso é preciso que lembremos o tamanho do armário de ossos, os tantos ossos ali ocultos, que lembremos quem guarda a chave, para que o abramos e deixemos sair nossos heróis que não morreram de overdose, mas de História, e nos aguardam para que os façamos ver o sol nascer a nosso lado, como memória, como verdade, como justiça.

Post participante da VII Blogagem Coletiva #desarquivandoBR..

Falta mais que água no Rio de Janeiro

f_118488Qualquer historiador meia boca que tenha contato com a história do Rio de Janeiro sabe que falta de água é um problema gigantesco, antigo e perpetuado na cidade. Apesar das obras de Carlos Lacerda terem minimizado o problema ao efetuar a construção do complexo do Guandu, os problemas não foram interrompidos, especialmente na ampla área territorial que compreende as zonas norte e oeste.

Nos últimos vinte anos, no entanto, o crescimento da cidade ampliou o problema e a ineficiência na gestão da CEDAE pelo governo do estado, com a cumplicidade omissa dos diversos mandatos que passaram pela prefeitura, foi também ampliando.

Desde os (des) governos Garotinho e Rosinha a CEDAE passou por um processo de transformações que, mesmo com a renomeação para nova CEDAE, não só não alterou o quadro de problemas no abastecimento de água como apontam para uma preocupante lógica de desmonte com precarização que classicamente precedem a privatização dos serviços de água e esgoto do Estado.

EduardoPaes2A partir da lógica privatizante clássica do neoliberalismo maquiado pelos (des) governos aliados do social liberalismo petista, os serviços de abastecimento de água e esgoto pioraram demais nos últimos anos.

É naturalizada a falta de água no subúrbio e na zona oeste, assim como são naturalizadas as práticas de descaso completo com o atendimento das reclamações e com explicações a respeito da falta de água.

Com as obras das Trans (Transcarioca, Transoeste) o problema aumentou e sem nenhum tipo de explicação por parte dos órgãos públicos e concessionária. Há informações de interrupção do fornecimento de água entre dez horas da manhã e onze horas de noite, cotidianamente, para desespero da população que sofre para tomar um mísero banho, especialmente no alto verão da cidade.

S_rgio_CabralPara completar o descaso a falta de energia virou um hábito nas zonas norte e oeste, com a Light, concessionária (ir)responsável por este serviço, atuando de maneira incompetente e de forma até insidiosa buscando a partir de registros individuais de ocorrência categorizar os problemas como de foro individual, casa a casa, quando na maioria das vezes é regional, atingindo de quatro a oito quadras até mesmo a bairros inteiros destas regiões.

Assim nem o hábito do uso de bombas d’água pelos moradores, calejados na situação de falhas de abastecimento, consegue dar conta desta tragicomédia cotidiana.

imagesAlém da gravidade óbvia do péssimo serviço a omissão das autoridades é gritante. Não se vê o recém reeleito prefeito Eduardo Paes, eleito capitaneando um amplo consórcio eleitoral com dezenove partidos, ter qualquer tipo de ação que atue de forma a exigir que os habitantes da cidade não sejam expostos a tal descaso. Menso ainda se vê, lê ou ouve qualquer fala do atual (des) governador Sérgio Cabral diante da óbvia incompetência e desrespeito da concessionária que pretende privatizar no que tange ao atendimento da população.

imag7esTalvez por estarem mais interessados na venda da cidade, na privatização dos serviços e no atendimento dos interesses de amigos empresários como Eike Batista e de empresas como a Delta, a CCR (Afiliada Odebrecht), os atuais mandatários prefiram ignorar a população que majoritariamente os elegeu e manter o lucrativo plano de responsabilização da Copa do Mundo e das Olimpíadas pelas ações que interessam a seus parceiro$$ e que tornam a cidade mais palatável ao visitante estrangeiro e à ciranda lucrativa que com lenços na cabeça zombam do trabalhador que diariamente sofre com sua interessada omissão.

images2Diante disso o que esperar das agências reguladoras que atuam menos no sentido de promoverem ações e mais no sentido teatral de fazerem cena, escada, para a permanência da lucratividade de concessionárias incompetentes?

O que esperar do consórcio presidencial, também sócio de prefeitura e governo do estado, que se diz voltado à “transformação da vida dos mais pobres” e que se cala diante do descalabro que está em curso no Rio de Janeiro?

Absolutamente nada.

sergio-cabral-filho-0001Sócios do sitiamento da cidade pela Odebrecht-CCR, concessionária que atua em todos os modais de transporte de massa se não diretamente via metrô/Trem/Barcas como concessionárias dos pedágios do estado; sócios dos interesses de Eike Batista e Fernando Cavendish; sócios eleitorais e econômicos dos interesses de empreiteiras e bancos que os financiam nas eleições, e que são regiamente pagos por obras de extensão da tripa chamada metrô, Belo Monte,etc, os atuais governantes preferem calar-se e manter menos a governança que protegeria os mais pobres e mais a roda da fortuna atendida por suas ações.

25set2012---o-prefeito-do-rio-de-janeiro-e-candidato-a-reeleicao-eduardo-paes-pmdb-visitou-a-escola-municipal-andre-urani-na-comunidade-da-rocinha-1348581444786_956x500E diante deste quadro o que resta à esquerda é organizar a população e buscar resistir ao trator das reformas urbanas que só atendem os lucros e expõem a população a falta de água, à falta de luz, ao descasos dos transportes, ao avanço das remoções, ao tempo perdido em ônibus cheios e mal aparelhados, ao tempo onde é jogado como sardinha em lata nos vagões superfaturados de trens e metrôs.

Falta mais que água no Rio de Janeiro, falta muito mais.

images4Nos cabe enquanto isso lembrar ao Prefeito e governador que a memória popular, ao contrário do que diz o mantra despolitizado e conservador, se mantém viva, e costuma vaiar em blocos quando o sorriso cínico aparece no carnaval.

Pereira Paes e a História como farsa

A história cíclica não me apetece como conceito, inclusive entendo que Marx colocava a história se repetindo como farsa  para apontar seu uso como justificativa “mítica”, ou seja, usada para o cotidiano “colar” da imagem de um individuo ao líder carismático de plantão, gerando herdeiros, cópias e demais atores da farsa dramática da “repetição” do tempo.
Há algum tempo vários candidatos a gerente Municipal da Cidade do Rio de Janeiro, os antigos prefeitos da época em que política era discutida  como disputa de alternativas de poder e não do melhor administrador da máquina estatal capitalista, tentam inventar a repetição de Pereira Passos,o homem do “Bota Abaixo”, aquele que “modernizou” o Rio de Janeiro  copiando Paris e inventando um cordão sanitário que iniciou a Cidade Partida analisada por Zuenir Ventura em livro Homônimo e explicada por Gizlene Neder em seu artigo Cidade, Identidade e Exclusão Social, quando uma rede de proteção foi erguida através de prédios policiais em uma linha que ia da Lapa até o Rio Comprido, definindo o espaço da Elite ( a Zona Sul do Rio dos bairros de Botafogo, Flamengo, Catete e Glória) e o Espaço da “ralé” (onde a população pobre do Rio vivia, a maior parte da Zona Norte e áreas do Centro). A Lapa era a região de Fronteira,onde o povo podia ir após trabalhar e enquanto se dirigia para suas casas para suas “saideiras”.
Daquela época pra cá muitas administrações se passaram aprofundando a exclusão social, aumentando o abismo que dividia a cidade entre a Zona Urbanizada e o mundo chamado hoje de pós túnel,depois da construção do Túnel Rebouças. Os Mandatos seguidos de César Maia e da Turma do CM (Conde, Eduardo Paes, etc ) se propuseram em vários discursos ser a continuação consciente desta lógica,tendo a chance inclusive de repetir o “Bota abaixo” do Pereira Passos após a justificativa da “remoção salvadora” dos populares das Favelas atingidas pelas chuvas e da necessidade de mudanças radicais na cidade devido às olímpiadas e a Copa do Mundo de 2016 e 2014 respectivamente.
Com a tragédia das chuvas e a “modernização Olímpica” o retorno do discurso da população atrapalhar o desenvolvimento da cidade retorna como farsa,mas uma farsa proposital, políticamente ordenada e oportunamente aproveitada para que as “Otoridades” possam posar de “Dirigentes Preocupados” e “modernizadores” de uma Cidade carente de muito mais que remoção de favelas,onde o transporte público é radicalmente privatizado e de péssima qualidade,em especial nas regiões onde vive a população pobre, na favela onde o poder publico jamais pisou, a não ser equipado de fuzis, e onde o espaço público só recebe choques de ordem onde não está uma elite que tenta manter-se, também como farsa, qual nobres distantes de um populacho sempre abandonado.
Assim a história Cíclica só existe realmente quando lemos que desde Lima Barreto (Correio da Noite, Rio, 19-1-1915. (Toda Crônica, de Lima Barreto, Editora Agir)
as enchentes faz vítima uma população que só entende o poder público como aquele que chega de trator,que incendeia favelas pra remoção para lugares distantes, ou que embeleza uma cidade que só existe para o pobre como pano de fundo de sua exploração. A cada tragédia de chuvas se percebe que a única segurança pro pobre é a da morte, ou trágica ou após uma vida inteira de exploração.
A busca de remoção das favelas é um atestado de  desprezo pela vida e cultura dos que habitam as favelas, quando se sabe há muito que a urbanização dos espaços  com a criação de um eixo de segurança contra acidentes naturais e com o respeito ao espaço historicamente habitado,onde laços de parentesco e com a terra são profundos elementos de fundamentação da identidade da população que lá habita. Além disso coloca a remoção como panacéia, como se tudo e todos fossem moradores de áreas de risco e como se interesses imobiliários fortes não perambulassem por baixo dos panos e planos dos Gerentes do Rio de Janeiro. Enquanto isso as ocupações irregulares das encostas do Leblon, Gávea pelos donos da cidade e quejandos são solenemente ignoradas pelos farsantes que forçam a repetição da história, não como fato consumado,mas como drama encenado com profundos e obscuros interesses.