Todo pensamento unilateral contém o inevitável autoritarismo. O entendimento de algo como uma verdade única, centrada em uma objetivação da realidade é automaticamente inibidor da diversidade e portanto da democracia.
Esta “ditadura” reflete-se na sociedade de muitas formas, desde a lógica do padrão de beleza unitário, que exclui gordas e negras do belo, até o entendimento da ideia de progresso como ligada intimamente ao aquecimento da economia, ao aumento de consumo, ao aumento e desenvolvimento das “forças produtivas”, como se fosse um ligar de uma locomotiva faminta e sem freios na direção do abismo.
Produzir significa acumular capital, conforme o pensamento hegemônico, produzir significa consumir matéria-prima e energia para que bens sejam construídos, consumidos em nome de um bem-estar intimamente ligado ao ter. Esta ideia de produção é o carro-chefe de uma ditadura de entendimento da realidade, de um pensamento único, que se vale da concepção que produzir, viver, ter, estar, morar são estados relacionados diretamente com a ideia de propriedade, com a ideia de economia com valoração de cada elemento ao redor do homem, inclusive ele, seja terra, ar, água, bichos, plantas, como se todos tivessem um preço, como se o valor de uso e troca fosse natural, nascesse com cada item da realidade ao redor do homem, líder máximo de uma lógica onde o homem é o centro do universo.
Esse entendimento é complementado com a recusa de percepção de qualquer outra forma de entender a realidade, de qualquer percepção cultural divergente, como passível de alguma “razão” ou sentido. A concepção de etnias indígenas da terra como parte de um organismo vivo, como elemento fulcral da existência deles para além da economia, da produção, do valor continente no uso da terra, vira anátema, pois bate de frente com a lógica, o pensamento único em torno do qual se ergue a economia e a lógica de vida ocidental, cristã, branca.
Outro aspecto da ditadura do pensamento único é a ótica do que é bom ou não para segmentos inteiros da população. Pobre morar na favela? Não pode e jamais passa na cabeça das pessoas a possibilidade urbanizar a favela, de que favela seja cidade. Greve? Atrapalha o trânsito. Proibir carro no centro das cidades? Atrapalha o direito individual da posse do automóvel, dane-se se o transporte coletivo permanece secundarizado em nome do individualismo egoísta, consumidor de combustíveis fósseis que aceleram os efeitos do aquecimento global. Lutar pelo fim dos combustíveis fósseis? Maluquice, a economia EXIGE crescimento e isso EXIGE energia, EXIGE, o conforto individual, a matriz energética em uso é o petróleo e não se fala mais nisso, energia renovável e alternativa são caras demais!
E palavra em torno de muitas destas questões é “custo”, é a centralidade do “custo”, do aspecto monetário sobre todo e qualquer entendimento relativo à lógica do bem viver como mudança dos paradigmas de civilização, para além da precificação da vida, das pessoas, das cidades, da terra, das matas, do existir. O “custo” das coisas é central, o “custo” das coisas é o eixo em torno do qual giram a lógica que prioriza, hierarquiza o que deve ou não ter a economia direcionada para realizá-lo, ou seja, o que é prioritário para a população e sociedade é decidido em torno de “custo”.
E quem decide? Como se dá o processo “democrático” de decisão? Há democracia? Se chega ao todo todas as informações, todos os meios de decidir, o que está em jogo?
Poderíamos elencar também problemas relacionados ao processo de veto à homossexualidade, de repressão à orientações sexuais diversas, à transsexualidade, à ideia do papel da mulher, à lógica de respeito à diversidade étnica, ao racismo, ao racismo ambiental e tantos outros efeitos da ditadura do pensamento único, que parte de uma hegemonia cultural elitista e chega aos jornais e Tvs e é reproduzida, naturalizada, tornada como um elemento dado da vida cotidiana, imutável, asfixiante.
E todo pensamento contra hegemônico é crime, é criminalizado.
Todo método contra hegemônico é crime, é afastamento do povo das lutas, é afastamento da regra, da lei, do bom comportamento, dos bons modos, do bom senso.
E é por isso que toda criminalização dos Black Bloc tem um pouco de navio negreiro.
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