A libertação de Lula trouxe novos e velhos desafios à esquerda brasileira, mas em especial à esquerda que se construiu sendo oposição aos governos do PT pela esquerda.
O principal desafio é não cair no alinhamento automático confundindo unidade com uniformidade e construção de combate a Bolsonaro com aliancismo acrítico.
Lula é um óbvio reforço à oposição a Bolsonaro, mas alianças com o PT podem inclusive enfraquecer qualquer construção coletiva de resistência se não for acompanhada com a devida reflexão do ganho político imediato para a transformação de qualquer peso eleitoral, quando essa aproximação trouxer, em saldo organizativo pra uma oposição antifascista brasileira.
Lula é uma voz potente de oposição, mas ao iniciar colocando um respeito supostamente republicano à eleição de Bolsonaro com suas enormes tintas de fraude e disposição para ampliar a desestabilização política do país se fosse derrotado, disposição que permanece, é um tiro no pé.
Primeiro que Bolsonaro foi eleito com base em uma óbvia e documentada manobra de ampliação do golpe de 2016 e que organizou a depredação de reputações, o aprisionamento do primeiro colocado à eleição de 2018 com base em um inquérito no mínimo distorcido, pra não dizer falseado e fraudado. Segundo que nada na elite política e na mídia se dá no respeito à República e às instituições, pelo contrário, a escolha muito difícil de Estadão e companhia permanece em curso e patrocina até debates sobre destroçamento de cláusula pétrea para garantir a prisão de Lula novamente. Terceiro que o país em pleno destroçamento institucional, ambiental, moral, ético e político sob o governo Bolsonaro não tem garantia alguma de aguentar mais um ano que seja sob um governo criminoso e com digitais em vários crimes, não só de responsabilidade, incluindo entre eles suspeitas de participação no feminicídio político de Marielle.
Poderíamos escrever uma tese sobre os problemas da escolha de Lula, inciando pela tolice de achar que ele não partindo pra defesa da remoção de Bolsonaro seria tratado como algo palatável por quem quer que seja na mídia e elite, tanto que não foi, ma só principal é enxergar o motivo da fala, que nunca foi o cuidado dom a imagem, mas o apelo à conciliação, de novo.
Em um vinte de novembro que foi precedido por um deputado do PSL quebrando uma placa com um cartum que denunciada o genocídio do povo preto e outro do mesmo partido dizendo que negros são mais assassinados pela polícia porque tem mais criminosos entre eles, ambos contando com a proverbial covardia de Rodrigo Maia e das instituições, é sintomático deixar claro que a opção de Lula e do PT, que desde o início do ano explicitaram que tem como objetivo ver Bolsonaro sangrar, é um erro, como tantos outros.
Então o reforço na oposição o fogo cerrado nas políticas de paulo Guedes é um acerto, nos impõe a necessária crítica sobre até que ponto esse reforço se constitui de “um camisa dez em campo” como infantilmente declarou o presidente do PSOL em entrevista ao UOL.
A não ser que Juliano Medeiros esteja falando de um camisa dez estilo Ganso em um time do Guardiola, estamos cometendo um equívoco que se fosse pessoal estaria de boa, mas me parece ser coletivo, vide o anúncio de Freixo de que seria o candidato à prefeitura do RJ com o apoio do PT, sem consultar suas bases.
Freixo e Juliano tem todo direito de explicitar suas preferências, mas com o cuidado de se lembrarem que ainda fazem parte de um partido que não decidiu ainda publicamente se os vai acompanhar ou não, especialmente porque a não ser que eles entendam sua militância como meros entregadores de panfleto, ainda se precisam fazer congresso e conferências para decidir o que eles querem impor como fato consumado.
A questão mor é que temos problemas a resolver com o PT que perpassam por mais do que a autocrítica sobre a corrupção que jornalões exigem do partido. Isos lá é problema deles, PT e jornais.
Nosso problema é sobre as autocríticas necessárias às omissões e ações do partido com relação às questões ambientais, sobre direitos indígenas quilombolas, sobre a questão de gênero, sobre os direitos LGBT e de transgêneros; sobre o empoderamento de Bolsonaro, Feliciano e o PSC na CDHM; sobre o uso de uma militância digital pra assassinar reputações (inclusive as de Freixo e Jean) indo da homofobia ao racismo que até o surgimento das milícias bolsonaristas eram as mais rápidas do mercado.
E mais precisamente hoje, sobre o alinhamento de Camilo e Rui Costa no Ceará ena Bahia com o discurso da necropolítica. Somos oposição ao PT e parte importante do país, fazemos como?
E no RJ, o PT que foi base fundadora e mantenedora de Cabral e cia até os 49 do segundo tempo, com Quaquá e Benedita sustentando essa graciosidade, vai ser solenemente empoderado com o esforço coletivo do PSOL carioca em ir na contramão dos amores do PT com Cabral e Paes, sendo escorraçado, chamado de nazifascista por blogueiros a soldo do petismo?
Não é mágoa de caboclo não, é entender como a gente explica na ponta o atropelo da cúpula.
Em Porto Alegre vamos explicar pra nossa própria militância e base que adoraremos receber o apoio do PT de Tarso Genro que persegui companheiros nossos com a brigada militar até suas casas em 2013?
Vamos achar bonito em Pelotas sairmos abraçados com o PT que com Marcola é sidekick, quase um Robin desnutrido, de um PSDB abraçado ao Bolsonarismo? Vamos achar que Marroni patrocinador de Marcola, é a última bolacha do pacote?
Poderia listar aqui onde começam os problemas e terminam as soluções por horas a fio, mas ficou entendido como é um problema a aliança acrítica. E aqui entra a motivação do debate sobre neostalinismo neste texto.
A ideia de uma causa soberana que atropela todas as outras, essa centralização decisória censória e silenciadora, de cima pra baixo à direita de quem está na esquerda, é a fuça do stalinismo redivivo pela conjuntura, mas vivente desde que Dirceu e cia resolveram perder na política interna para eleger o presidente da república.
Porque é a cara do stalinismo de galinheiro o revisionismo histórico pra vender uma narrativa, vai de quem trata a Coreia do Norte coof arol do socialismo e nega a existência do Massacre da Praça da Paz celestial como quem trata Lula como esquerda radical e revolucionária e produtor de um Estado de bem-estar social que ele nem implementou e nem avançou para além do mínimo, a ponto de permitir que TODAS as suas medidas positivas fossem revertidas em menos de dez anos.
Sim, o governo Lula foi o melhor da história do país, especialmente por ter sido um democrata em uma democracia, mas esteve aquém, mas muito aquém de bom sob o ponto de vista da esquerda.
Ah, mas não se governa sem ceder ao status quo? Esse é o agá revisionista mais escroto de todos os tempos, porque era possível discutir e dialogar com MDB e outras forças democratas sem cooptar e absorver a direita no interior do PT e empoderá-la nos estados e municípios. Vide a queda de participação do PT na câmara a cada eleição, e perda também de governos de estado e municípios também a cada eleição.
E não, não é coincidência, quando você opta por fortalecer menos sua base orgânica que caciques de oligarquias antigas do país pra assegurar uma base artificial que na primeira crise te passará a perna é exatamente o que acontece.
E foi o que aconteceu em 2016, porque o limite da conciliação, avisado pelo menos desde 2006 pelo PSOL e demais membros da esquerda, ia chegar, chegou e era disso que nosso pedido de autocrítica deveria falar aqui.
Corrupção? Efeito colateral.
O neostalinismo se reforça em um ambiente onde a louvação sebastianista ao ídolo supera a necessária análise da forte figura pública e a teoria perde espaço pra hagiografia (estudo da história de santos sob o ponto de vista da fé).
Lula é um ser controverso, mas é o nosso ser controverso, com isso ele é de suma utilidade como força de oposição ao fascismo e um ambiente em que a unidade NA LUTA ANTIFASCISTA se faz necessária, mas isso não pode ser transformado de forma acrítica em um processo de alianças eleitorais, especialmente em um quadro de diversidade orgânica e organizacional.
Nós temos problemas sérios de divergências programáticas com o PCdoB e o PT e não são na perfumaria.
O PCdoB votou a favor do acordo EUA-Brasil de uso da base de alcântara, atacando direitos de quilombolas e indígenas, nós somos frontalmente contra e nos alinhamos com a luta dos povos originários.
O PT tem em seus governos de estado um alinhamento com o discurso da necropolítica na segurança pública, vide Rui Costa e policiais assassinos tratados como “artilheiros em frente ao gol” depois de uma chacina de gente preta.
Em 2018 o PT-RJ não apenas lançou Márcia Tiburi à governadora do estado, como além de a abandonar aos ventos fortes da canalhice ainda o fez por quadros seus apoiarem na surdina Eduardo Paes, do DEM. Quaquá ainda fez a gracinha de dizer que apoiaria o PSOL se o candidato fosse Freixo, como se ele na posição de destruidor do partido dos trabalhadores no RJ tivesse em posição de exigir qualquer cosia do partido de esquerda que mais cresceu no estado. O PT ainda usou de um artifício de confundir Chico Alencar com Lindbergh Farias como se fosse uma chapa que ajudou a eleger Flávio Bolsonaro e Arolde oliveira. E agente nem precisa falar aqui da participação do PT no empoderamento de milicianos com a filiação dos Irmãos Babu a partir da militância ligada à Benedita da Silva.
Ter em mente que onde for possível é interessante a unidade das lutas também se ruma unidade eleitoral tem um oceano de distância de tratar Lula como camisa dez de um tine que joga com uma organização ofensiva que parte da ponta esquerda e não do centro.
Lula pode ser um Gérson, jogando no meio cadenciando o jogo, mas o PSOL joga como Canhoteiro, avançando acelerado pela esquerda e driblando até chegar no gol, nosso jogo é rápido, de transição ofensiva, e não um jogo que devagar tenta envolver o adversário até a bola entrar na rede, esse necessário envolvendo a direita.
Precisamos de menos recursos pirotécnicos pra inventar uma unidade que não foi construída de baixo pra cima, sob pena de em caso de vitória ela ser de Pirro, e mais de um debate aberto, com menos culto à personalidade e mais programa, com menos revisionismo histórico e mais análise, com menos preocupação com a perfumaria da mitologia e mais com a compreensão histórica da conjuntura.
Um debate aberto sobre a unidade da esquerda é fundamental, mas enquanto não envolver o conjunto da militância construindo a resistência para além do voto e estabelecendo pontos de ação na prática cotidiana para além das campanhas eleitorais, o que estamos vendo é a redução da esquerda a um fã clube de figuras públicas. E isso não dura.
A conjuntura de hoje exige que enfrentemos duras batalhas, mas elas precisam partir da rua pro voto.
Não temos garantia alguma de que as eleições serão limpas, também precisamos enfrentar demandas atuais e concretas de resistência que são impostas pela conjuntura, desde o genocídio do povo preto à devastação ambiental, e precisamos fazer dessa luta uma produtora de saldo organizativo.
Agora, neste momento, estamos atrasados e Lula não vai ajudar nessa construção, pois não somos do PT.
O apoio a Freixo é o movimento óbvio, mas apoios à Sâmia ou a Fernanda Melchiona não são tão óbvios e podem não vir a ocorrer, mesmo nem PT nem o PCdoB terem em SP candidato competitivo e a Manuela ser competitiva, mas tendo uma base orgânica de construção menor que a do PSOL em PoA.
No RJ é mole ter “unidade” em torno de Freixo, só os oportunistas que buscavam cargos no suposto governo Paes ignoraram isso em 2018, menos interessados em construir resistência que poupança, mas que unidade é essa? Que custo terá?
Em Pelotas a presença do Marroni no palanque de Lula quando ele siau da prisão nos envolve em um debate se queremos estar do lado de quem foi franco patrocinador de uma política covarde de oposição ao PSDB na cidade.
Em uma cidade onde o único nome competitivo é o PSOL, o partido, vamos fazer policial washing no Partido dos Trabalhadores que desde o começo diz que tirar Bolsonaro é ruim porque nos daria Mourão de presidente?
O PSOL precisa discutir claramente e de baixo pra cima suas práticas e táticas relacionadas à sua ideia de unidade. Porque senão vamos de camisa dez das antigas em um time que precisa jogar em velocidade e pela esquerda.
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