Horresenha – Love: a história de Lisey

Quando comecei a ser um leitor voraz de Stephen King, pensei em ter as constantes experiências do horror que só o mestre da escrita do medo poderia nos fornecer. Obviamente não foi um julgamento precipitado, mesmo começando por sua produção clássica, escrita durante os anos 1970, e tendo choques posteriores com suas paulatinas mudanças de estilo e complexidade de escrita.

O Stephen King de “Carrie” ou “Christine”, não é o mesmo de “Rose Madder” e nenhum deles se parece com o King de “Love: a história de Lisey”, que dialoga muito mais com a trilogia Bill Hodges, com “Outsider” e especialmente com a coletânea “O Bazar dos sonhos ruins” do que com seu contemporâneo “Revival”.

Se em “Revival” King bebe na lagoa dos seus primórdios e homenageia seus antecessores, em especial Mary Shelley, em “Love”, King nos doa toda sua junção fantástica de horror, fantasia e sensibilidade com a maturidade de seu trabalho contemporâneo e com uma amorosa prosa que homenageia o ato da escrita, da mesma forma que ironiza seu engessamento pela academia e seu jogo de vaidades por vezes irresponsáveis.

Em “Love”, o mestre nos conta a história de Lisey e Scott Landon, um casal que compartilha um imenso amor acompanhado por mundos exóticos, criaturas mágicas,dídivas, sangue e loucos fãs ameaçadores e assassinos.

O pano de fundo dessa história de amor contempla variadas camadas de horror com um cuidado feroz em relatar a vida no Maine e da Pensilvânia, o aconchego caipira do sotaque e do modo de vida de cada cidade, de Derry a Castle Rock no Maine, passeando pela venda do Mulie  perto de Pittsburgh.

“Love” não é um livro que pede uma leitura esfomeada como “Outsider” ou “revival”, talvez por ser possivelmente o mais dramáticos dos horrores de King, e talvez não seja recomendado aos afoitos leitores mais jovens, cuja ideia de amor seja mais sexual do que a ligação que faz casais terem mesmo quando por vezes o sexo não é mais o  laço mais profundo entre eles.

Quando “Love” transita entre nosso mundo e Booy’a Moon, ele também navega por camadas de amor e de invenção,de imaginabilidade e sonho, de carinho, cuidado e escrita. 

A perspectiva da lagoa da invenção ( Ou da imaginação? Ou da criação? ou do sonho?) é um tremendo caminho que liga quem atua escrevendo com um livro sensível,delicado e que escreve sobre amor entre as pessoas e entre elas e livros e o ato de escrever, mas é também mais que uma metáfora, é uma declaração de amor à capacidade humana de produzir e de beber no mar da imaginação as criações que nascem brincadeiras e por vezes virma romances.

O livro não é perfeito, tem vários problemas de ritmo e não tem as melhores decisões na costura da parte de horror e fantasia com a necessária verossimilhança a respeito do mundo real e das ameaças nele constantes. 

O antagonista humano participa muito pouco para trama e a explicação sobre 

sua motivação tenha sido não apenas desnecessária, como didática demais, parecendo filme da Marvel que precisa explicar pro leitor toda a biografia do sujeito em vez de nos permitir entender o que já nos explicou Kevin Williamson com seu Bill Loomis em “Pânico”: às vezes não tem motivação nenhuma pro assassino.

A presença do Garoto Espichado de Scott tem o lado incrível da construção lovecraftiana, porém falha na mesma linha da presença de Jim Doole, passa uma ideia de que se adiou o confronto e as descobertas por páginas demais, e que quem precisava de mais descrição e presença teve menos doque deveria, e não estamos falando do caçacatra maluquete.

De todo modo, “Love” é um livro de Stephen King, um livro maduro e que faz uma fantástica ponte entre o amor e o horror e que se não está no topo do ranking de suas melhores obras, está longe do fiasco e nos entrega uma sensível descrição do amor e deu lado luminoso e seu contraponto sombrio que fazem com que relacionamentos sejam construtos que deixam legados firmes em nossa história.