Creeptica – Cronos, de Guillermo Del Toro (1993)

Cronos, o filme que mostrou ao mundo a arte de Del Toro | Nerdssauros

A primeira informação que qualquer um que esbarre em “Cronos” precisa saber antes mesmo de ver é que se trata de uma obra-prima. 

 

Sim, Guillermo Del Toro inicia sua carreira cinematográfica metendo o pé na porta, introduzindo em inovações em um cinema de horror que por sua característica extremamente canônica por vezes tende a desprezar a originalidade.

 

Se o cineasta mexicano demorou a conseguir que Hollywood fosse com ele menos do que uma camisa de força, não é o que se vê em seu primeiro longa, que só encontra qualidade similar em “A Espinha do diabo”(2001) e um pouco inferior em “O Labirinto do fauno”(2006). 

 

Como filme, roteiro, direção e originalidade “Cronos” é um filme que só é superado na filmografia de Del Toro pela outra obra prima “A forma na água” (que ainda traz consigo brilhantes homenagens ao cinema como um todo e às artes plásticas, com uma cenografia e direção de arte que remete imediatamente às obras do artista plástico Edward Hopper).

 

Del Toro apresenta em “Cronos” a história de Jesus Gris (Federico Lupi), um antiquário apaixonado pela neta e que recebe em sua loja uma obra rara, que contém em sue interior um artefato desenvolvido em 1536 por um alquimista e que concede vida eterna a quem o detém.  

 

Gris percebe que saem de uma estatueta um tipo de besouro ou barata que acende sua curiosidade. Mexendo mexer nela, encontra um tipo de objeto que parece um besouro e nele fere o dedo. Depois desse evento ele começa a perceber que aparentemente está rejuvenescendo e segue utilizando de formas cada vez mais invasivas o objeto. Nesse meio tempo, um homem rico e enfermo chamado De la Guardia (Claudio Brook) procura de forma ensandecida ter a posse da estatueta, e com ela do objeto, para curar a sua vida e para isso usa seu sobrinho Angel (Ron Perlman) para procurá-la e utilizar os meios, legais e ilegais, disponíveis para obtê-la.

 

No decorrer do filme entramos em contato com inovaçẽos no cânone do horror, no debate sobre a imortalidade, seus preços e com abordagens novas a respeito dos cânones do Horror e de arquétipos fundacionais do próprio gênero. 

 

A construção cênica, as atuações, o roteiro, tudo aponta para um cineasta, produtor e roteirista extremamente preocupado,desde o primeiro filme, com novos aspectos do gênero pelo qual é apaixonado no âmbito dos detalhes. Del Toro inaugura uma perspectiva que escoa para novas formas de Horror também criadas por ele e Chuck Hogan em “The Strain” (2014).

A inquietude de Del Toro faz de “Cronos” um filme obrigatório e um clássico do cinema.

“Cronos” está disponível no Prime Video.

 

Os Zumbis de Romero tinham lado e classe

Uma das coisas mais comuns quando mencionam as massas de extrema-direita ocupando estradas e pedindo intervenção militar é compará-los a zumbis, em referência às criaturas presentes em The Walking Dead e nos filmes de George Romero.

 

O equívoco é compreensível, porque as hordas de gente branca com horror à diversidade que se pretende um movimento de máfias baseado em ódio tem a mesma falta de cognição que algumas das criaturas canibais dos filmes contemporâneos de horror.

 

A questão é que a partir da intervenção de George Romero na representação dos zumbis, a coisa muda de figura e a representação a que Romero aludia eram das massas trabalhadoras e não das criaturas sem cérebro que obedeciam às ordens de magos e feiticeiros.

 

Desde as primeiras produções cinematográficas os zumbis eram retratados como criaturas maléficas produzidas por feitiços, em referência ao vodu haitiano, a partir de uma intervenção mágica que reanimava mortos como escravos.

 

A professora Robin R. Means Coleman em seu “Horror Noire”  define essa perspectiva do zumbi como criatura filha do Vodu Haitiano como parte das representações racistas no cinema, a mesma que criou a defesa da KKK enquanto animalizava negros nas telas do cinema, a ponto de produzirem filmes em que mulheres negras copulavam e reproduziam filhos entre espécies com gorilas e outros antropoides e macacos.

 

Foi Romero quem primeiro produziu um tipo de zumbi cuja explicação para seu surgimento jamais foi dada, em que as massas de mortos eram fruto de algo indecifrável e que fazia com que os cientistas se perdessem na busca de explicação enquanto as histórias corriam, as pessoas se espremiam em casas de fazenda, shoppings, bunkers e a massa de mortos só aumentava.

 

Romero em entrevistas aos jornais estadunidenses no decorrer de sua carreira explicava que a inspiração para seus filmes foi “Eu sou a lenda” de Richard Matheson e que ele buscou em “A Noite dos mortos-vivos” refletir como as pessoas reagiriam a uma Revolução a qual não compreendiam.

 

Os Zumbis de Romero eram a classe trabalhadora, ocupando os espaços que não foram construídos para elas. Casas de Fazenda, Shoppings, Bunkers militares, cidades inteiras eram retomadas por quem sempre foi excluído delas, por quem sempre as construiu, mas não podia transitar nelas.

 

A imagem nos filmes é explícita, na maior parte das vezes os habitantes dos refúgios que barraram os zumbis vivem como viviam a classe média e a elite estadunidense, enquanto a massa fétida e apodrecida marchava lentamente para devorá-los. 

 

Ou seja, os Bolsonaristas são os ocupantes dos bunkers que ouvem rádios claudicantes dando notícias pouco acuradas sobre um mundo exterior tomado pelo que eles mais odeiam: o passado que volta para cobrar do presente as dívidas enterradas e que tentaram nos fazer esquecer.

 

Os habitantes dos bunkers sem diversidade, dos esconderijos do medo, comemoram lendas como refúgios onde a hegemonia branca limite ao ir e vir do que é diverso e horroroso para eles.

E no fim dos filmes eles devoram a si mesmos.

Bolsonaro e Stephen King

Há um lugar comum nas histórias de Stephen King que é o mal que surge e age de forma insidiosa nas sociedades até corrompê-la ou ameaçá-la de forma fatal.

 

Quem normalmente surge para enfrentar este mal insidioso e que se revela mortal é na maioria das vezes heróis da classe trabalhadora, clubes de perdedores formados por gordos, mulheres,negros, gagos, LGBTs, judeus e outras minorias políticas.

 

Seja em “It-A coisa” ou “A Dança da morte”, “Christine” ou “Carrie, a estranha”, o mal sempre é algo contido em uma série de fetiches ou perversões ocultas das sociedades ou de partes dela.

Este mal também está em “Zona morta’”, em que um político demagogo e popular é percebido por um vidente como o causador da destruição da humanidade pelo uso de armas nucleares. 

 

A luta contra o mal envolve professores, escritores, frentistas de postos de gasolina, bibliotecários,músicos, escritores, agricultores e outros tantos que percebem que o mal se insinua nas ruas, escolas, supermercados, no motorista que olha pro lado quando um jovem é esfaqueado ou um edifício finge que não vê abuso infantil.

 

No Brasil de 2022, a história real se assemelha àquela dos livros ficcionais de King, porque Bolsonaro encarna o resultado  do mal insidioso, que penetra nas famílias, igrejas, escritórios, escolas, universidades e apodrece o que toca.

 

Quem resiste a ele voltam a ser os heróis da classe trabalhadora, não só Lula, mas professores, frentistas, enfermeiros, escritores, artistas, gordinhas e gordinhos, negros e negras, LGBTs,mulheres, trans, judeus, hipocondríacos e outros tantos que entenderam o mal no interior de suas famílias,na perda de pais na pandemia.

 

Nestas eleições o clube dos perdedores venceu Bolsonaro, fez o Palhaço Parcimonioso gritar ao toque da coragem liderada por um ex-torneiro Mecânico presidente,por sem tetos e sem terras, por feministas, trans, lgbtqia+, negros e negras, indígenas que gritaram que não têm medo de Jair e seus truques de circo de horrores que chega com as pessoas de inverno. 

Os comensais da morte viram indígenas,pretos e pretas, LGBTQIA+, trans e trabalhadores sem teto e sem terra foram eleitos para ocuparem lugares antes impeditivos pra quem não latisse a gramática do fascismo.

 

Na marcha contra o ataque dos palhaços assassinos e genocidas, nossa canção os fez mexer seu saco de truques e tirar monstros do armário, mataram muitos, feriram orgulhos, dificultaram a vitória dos professores contra os assassinos,mas eles permanecem sangrando.

E se eles sangram eles morrem.

 

Ao contrário dos livros de King, nesta batalha nossos amigos jornalistas estão tendo setores grandes atrapalhando mais que ajudando ao enviesar a aposta analítica, dizendo que quando um dos nossos impõe uma distância de oito milhões de votos contra A Coisa, somos nós quem perdemos.

 

Não podemos cair nessa, temos que sair  na direção dos pântanos para mostrar pr’A Coisa que nossa unidade é nossa arma,nosso amor é nossa arma, nossa coragem é nossa arma,pois somos fortes juntos.

Isolados somos presa,juntos somos predadores.

Nossas armas são o amor e a inteligência.

Não podemos apontar com a mão, porque quem aponta com a mão esqueceu o rosto de seu pai.

Temos que apontar e atirar com a mente e não com a mão, porque quem atira com a mão esquece o rosto de seu pai.

Não podemos matar com as armas, porque quem mata com as armas esqueceu o rosto de seu pai, temos que matar com o coração.

Zumbis e a Revolução

O Horror tem uma característica que o filósofo Noel Carrol identificou como sua capacidade de reagir aos sistemas e sociedades apontando seus limites e fronteiras, mesmo quando escrito ou filmado sob o ponto de vista conservador.

Não, queridos amigos, o Horror não é sempre de esquerda, por mais que o fandom incell reclame que seja quando vê preto, mulher e LGBT sendo protagonistas, também jamais foi isentão ou de extrema-direita sempre.

Já vimos anti comunismo em “Vampiros de alma”(1956), um pessimismo quase niilista em “Invasores de corpos”(1978), uma ode à redenção contida nos complexos humanos em “A dança da morte” (1994) e uma paulada que discute os processos revolucionários na quadrilogia de Zumbis de George romero.

O Horror tem para todo mundo, para todos os escopos políticos: do liberal e da esquerda antirracista que vai amar “Corra!” (2017); dos que enxergam o grande debate sobre luto, abuso, maternidade e o peso de ser mulher em “O Babadook”(2014); do moralismo autoritário e conservador de muitos slashers; do elitismo dos clássicos góticos e do racismo escondido no “Candyman” original.

O que não tem no Horror é essa coisa reaça de não expor como os corpos são atacados, violados e transformados pelo sistema. Tudo o que o Horror não esconde é que mesmo quando o viés é conservador ele não mostra exatamente o melhor do conservadorismo e quando ele é um cinema engajado pela esquerda você não vai ver ali um processo revolucionário limpinho e sem sangue.

Quando Romero concebeu “A noite dos mortos-vivos” (1968) ele estava sob o impacto de ter lido “Eu sou a lenda”(1954) de Richard Matheson, e quis discutir ali como as pessoas reagem à revoluções que não conseguem entender. 

Sim, jovens, o Mestre tava fazendo um debate político pela esquerda naquele filme de zumbi.

Estragamos sua infância? Essa é a função deste site e do Horror, jovens! Da mesma forma desde 1974 com “Carrie”, Stephen king põe a classe trabalhadora como protagonista e heroína de seus romances. Já meteu o sobrenatural para ferrar o macho abusador agressor de mulheres, defendeu o aborto e pôs Deus em um nada simpático lugar de manipulador da humanidade como peça de seus joguinhos sobrenaturais contra a personificação do mal.

O Mestre do horror literário sempre pôs para foder com um viés de esquerda que seu amigo Peter Straub nem sempre segue ou curte, sendo um saudoso do Horror onde a classe operária tá ali pra ser bucha.

Tá sentado? Então segura essa de que o Jordan Peele tá longe de ser o primeiro a “lacrar” no cinema de Horror, porque ele inclusive se inspira em um sujeito complicado, mas que fez um filmaço sobre gestação, domínio sistêmico sobre o corpo feminino, abuso coletivo de mulheres, estupro,etc, e com tudo isso ainda faz da gestação algo tão obrigado, e naturalizado para ser um processo violento, que  Rosemary nem cogitou não ser mãe do filho do capeta em “O Bebê de Rosemay” (1968) de Roman Polanski.

Se a gente for criativo vai ver um papo parecido na construção da narrativa de “O mensageiro do diabo” (1955) de Charles Laughton, com Robert Mitchum fazendo um pastor estelionatário e feminicida que persegue, amedronta e tenta matar crianças para chegar perto de uma grana roubada pelo pai delas.

Tá tudo ali, da crítica à hipocrisia social, ao uso da religião como papo brabo para enrolar otário, até a forma como mulheres são via de regra subjugadas por uma sociedade quase tão cruel e cúmplice do feminicídio quanto o autor das mortes.

Por essas e outras que o fandom reaça que reclama da política no Horror está bastante equivocado porque ela tá lá desde quando o gênero começou. Ou vocês acham mesmo que o Drácula ser um conde não era em si um manifesto político enviesado que botava os nobres como vilões?

Não só era esse o papo como esse viés foi bastante popular até nos livros baratos que a classe operária comprava a um penny  na Inglaterra vitoriana.

Não foi à toa que Romero escolheu o gênero para falar de Revolução, levando para isso a estética dos gibis da EC Comics para a tela do cinema e enfiando naturalismo no sobrenatural, Zumbis são muito importantes como conceito de massa popular que toma o mundo e causa um estranhamento em quem não faz parte daquela multidão silenciosa e faminta.

Então quando você gritar “Viva la Revolucion!” tenha em mente que você pode estar propagandeando o apocalipse zumbi., E errado não tá!

A escrita política do Horror

Quando falamos de Horror pensamos em fantasmas, lobisomens, vampiros, zumbis, criaturas inomináveis, frutos de experiências científicas mal sucedidas entre outros arquétipos sobre o que nos dá medo.

Só que o horror é também uma exposição dos medos de cada sociedade em suas diferentes épocas históricas.

Assim, quando zumbis tornam-se os monstros mais presentes no cinema, TV e na literatura de horror, isso tem um significado político. Da mesma forma que o lobisomem pode ser uma metáfora que cabe também junto ao assassino serial com serras elétricas ou facões,. usando máscaras e todos são meios da fantasia lembrar um medo do outro que nos mata e viola.

O fascismo é retratado no Horror de diversas formas e em diferentes momentos.

Toda distopia é um filme de Horror, seja ela “Jogos Vorazes”, “O homem do Castelo Alto”, “Nós” ou “O Conto da Aia” e todo filme de Horror tem em seu interior monstros que podem ser metáforas do caldo cultural que alimenta o fascismo.

O palhaço Pennywise em IT é uma entidade que se alimenta de um mal que vive no interior da sociedade da cidadezinha estadunidense de Derry, no Maine. Está presente em massacres de colonos brancos contra indígenas, de multidão racista contra negros em uma boate e nos abusos da sociedade e dos pais contra seus filhos, seja o abuso sexual contra uma menina, o trabalho infantil ou o abuso psicológico de um menino por sua mãe com síndrome de Muchausen por proxy.

O horror em “Corra!” é o racismo em múltiplas camadas, falado em voz alta sob manto de civilidade, enroscado numa ciência absurda que faz dos corpos negros usáveis pelos brancos, explícito na violência que usa os próprios negros contra um dos que busca fugir da opressão e presente especialmente na sensação que causa a todos nós, pra muito além da empatia, quando o racismo mergulha o protagonista em uma prisão que está principalmente nele mesmo, em uma psiquê dobrada por todo o peso do racismo estrutural, mexendo no inconsciente, em toda sua estrutura e auto estima.

Até mesmo nas mais inocentes produções de Horror, em que desfilam as produções da Hammer e Amicus nos anos 1950 e 1960, o Horror é vestido da política em que a tez branca fala de religiosidade afro americana ou silencia e invisibiliza aldeões e trabalhadores em papéis sem voz, sem créditos, cuja função é servir de escada aos grandes atores. Da mesma forma quando lobisomens e Vampiros dificilmente são fruto de uma maldição vinda da Europa ocidental, mas criaturas que nascem sempre da “barbárie” do leste ou da Ásia.

A escrita política do Horror está em todo o horror, porque o medo é um poderoso combustível pra crítica, mesmo quando ele é usado de forma a estabelecer um discurso racista , elitista e até xenófobo.

Quem acha que o horror contemporâneo é “lacrador” porque fala de racismo, LGBTfobia, da maternidade como um fardo, da misoginia, não entendeu muito bem o gênero, nem as transformações que ele sofreu nos último setenta anos.

Creeptica: Numa noite escura (1982)

Numa noite escura poderia ser definido com o puro suco dos anos 1980,mas além de ser um e exemplar clássico do horror adolescente da “década que o bom gosto esqueceu”, com seus mullets e ombreiras, é um dos primeiros filmes estrelados pela excelente Meg Tilly.

Depois de Fama (1980), Tilly estreou Tex (1982) e depois este exemplar do horror oitentista, seguindo na carreira como a Mary Loomis de Psicose II (também de 1983) antes de explodir em 1985 com sua atuação como Irmã Agnes em Agnes de Deus (1985), papel pelo qual foi indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante.

Meg é irmã da também atriz e jogadora de pôquer Jeniffer Tilly, cuja trajetória é mais lembrada na filmografia de horror, embora também tenha uma sólida carreira cinematográfica participando de obras dos gêneros mais diversos.

Em Num noite escura, Meg é Julie Wells, uma jovem universitária que luta para ser aceita em uma irmandade que, por ter encantado o ex-namorado da líder do grupo, recebe o desafio de passar a noite em um mausoléu.

As irmãs, lideradas pela vingativa e ciumenta Carol Mason pretendiam assustar Julie com pegadinhas de mau gosto, o que ninguém esperava é estar neste mausoléu o supostamente morto Dr. Karl Raymarseivich, um telecinético que estudava bioenergia e aprendeu meios de sugar a energia das coisas vivas e buscar a vida eterna.

A partir da chegada das moças ao Mausoléu o que as irmãs tem é uma batalha por suas vidas movidas pelo uso por Raymarseivich de cadáveres como marionetes para causar o maior pânico possível nas jovens e facilitar a absorção de sua força vital.

Estas cenas são uma maravilhosa imersão nos efeitos práticos da cinematografia de horror oitentista e uma das boas coisas do filme;

O filme também tem Adam West fazendo uma luxuosa participação pequena como Allan McKenna, companheiro de Olivia McKenna, filha de Raymarseivich e peça central no terço final do filme, vivida por Melissa Newman, atriz mais famosa por sua atuação na TV.

Numa noite escura é perfeito para quem está afim de um horrorzinho leve, sem maiores pretensões e não é anacrônico na análise da produção cinematográfica mais antiga.

O roteiro inclusive permite mais avanços em filmes mais pretensiosos ou que busquem maior profundidade, mas aqui serve pro desejo imediato da produção: divertir.

Numa noite escura é uma bola de segurança pra quem quer um horror divertido e ainda tem uma sensacional Meg Tilly nos brindando com uma atuação séria mesmo neste filme sem nenhuma ambição além de ser divertido.

Numa noite escura está disponível na Darkflix.

Horresenha: Psicose – Robert Bloch (2015)

Psicose é mais que um clássico, é um eco sobre o horror que existe nos cantos mais claros da vida humana.

Uma obra seminal do horror contemporâneo, Psicose segue a simplicidade de Robert Bloch na exposição das paisagens de um mundo estadunidense que vai além das metrópoles, que ocupa estradas antigas e vicinais e dão ao horror uma face onde o monstro está a seu lado.

Com capítulos curtos e construído pelas trajetórias de não mais que cinco personagens, Psicose inicia sua parábola sobre os monstros que emergem da mente humana seguindo a trajetória de Mary Crane e sua aventura tentando chegar aos braços de seu amado Sam Loomis depois de ter furtado quarenta mil dólares do escritório onde trabalhava.

Mary seguiu um inteligente plano de despistamento, mesmo sendo elaborado rapidamente e que teve sucesso relativo até que seu caminho cruzou com o de Norman e Norma Bates em um motel de beira de estrada localizado “no norte do país”.

Seguindo Mary do Texas a Fairvale no Oregon onde vive seu namorado Sam loomis, Lila Crane e o Detetive Arbogast se juntam à trama e ao mundo que gira em torno do Motel e da mente dos Bates, criando as muitas maneiras de uma história curta nos surpreender e assustar.

Bloch escreve em um estilo bastante direto, usando a linguagem comum da classe trabalhadora estadunidense, sua relação com dinheiro, com a polícia, com a honra e com a morte, cria de maneira hábil viradas na história que nos lembram porque inspiraram Hitchcock a adaptar o livro.

Psicose é um clássico e deleita até quem já viu o filme do gênio Britânico mais de uma vez, inclusive faz com que as viradas de roteiro do filme sejam bastante compreendidas por existirem no livro, embora em película várias passagens tenham sido suavizadas.

A obra de Bloch, inspirada no caso de Ed Gein, nos ensina os caminhos que inspiraram a contemporânea literatura de horror em língua inglesa e como esta se deu a partir de cenários comuns para os mais pobres, retirando o horror de castelos góticos e colocando-o na casa comum do povo trabalhador.

Psicose pode ser adquirido na Darkside Books em uma edição belíssima.

Horresenha: O Cemitério – Stephen King (1984)

Difícil descrever qualquer livro de Stephen King de forma genérica ou deixar de elogiar sua construção de personagens e cenários.

King é um dos maiores, senão o maior, embaixador do Maine. O estado do norte dos EUA é mais que um cenário, é um personagem que respira, fala, age.

Em O Cemitério, King posiciona o Maine como seu lugar e o ergue como um personagem sutil, que faz dos bosques seu corpo, do vento sua voz e da cultura e pessoas sua circulação, sua alma.

Mesmo tendo visto as duas versões do livro adaptadas pro cinema tive com O Cemitério as mesmas surpresas e drama que Louis, Rachel, Ellie e Gage Creed tem no decorrer do livro.

A descrição das distâncias, dos aeroportos, do sotaque do Maine, da universidade, da natureza, do mundo mágico que ronda seus habitantes e traz a memória dos Mic macs e sua mitologia, a ameaça do Vendigo, tudo se acumula no talento de escritor que tinha no King dos anos 1980 uma locomotiva de criatividade e nos põe na vida de personagens com os quais nos identificamos, porque fazem parte de nossas vidas, da nossa classe.

Contando histórias de trabalhadores e suas experiências, de quem divide cervejas em suas varandas e medos em suas lendas, King cria em O Cemitério uma assustadora parábola sobre a mortalidade, seus limites, sobre o luto e a luta de classes no luto.

O Cemitério não é clássico apenas pelos filmes que inspirou, mas por ser um dos mais criativos trabalhos de Stphen King, uma belíssima jornada que põe o pé no chão dos heróis da classe trabalhadora em contato com o horror cósmico e a loucura que pode vir pelas mãos da morte e do contato entre a consciência humana e o universo que ultrapassa os véus de nossa compreensão.

O Cemitério pode ser adquirido diretamente pelo selo Suma de Letras da Companhia das Letras, responsável pelas edições nacionais de Stephen King.

Horresenha: O evangelho de sangue (2015) de Clive Barker

Capa da edição da Darkside

Clive Barker tem um estilo primoroso de escrita e de invenção de horror. Candyman (originalmente publicado em 1985 com o título The Forbidden) ou Hellraiser inovaram literatura de horror, reunindo elementos dos clássicos góticos com notas do horror literário que invadiu as livrarias dos anos 1960 em diante, e fizeram a alegria dos amantes do horror ao tornarem-se filmes de sucesso nos anos 1990, icônicos e canônicos, e que influenciam a cinematografia de horror até hoje.

Em seu “O Evangelho de Sangue”, Barker dá mais um passo ao adotar um estilo que cria sua versão de inferno e sua mitologia própria para o tema do oculto e da relação de seu cenobita Pinhead com o mundo que habita e o mundo dos humanos.

No livro, Harry D’Amour é escolhido pelo Monge do inferno para ser a testemunha de seu Evangelho e junto com sua mentora Norma, seus amigos Caz, Dale e Lana passam por poucas e boas entre o mundo dos humanos e o lar dos perdidos, lidando com fantasmas traidores, demônios, magia e batalhas infernais.

A trajetória de D’Amour e do Monge do Inferno se cruzam de muitas formas diferentes e criam um ambiente fantástico que lida mais com uma aventura de horror do que com o horror puro, como uma espécie de Senhor dos Anéis pervertido.

Barker cria uma cenografia fantástica, grandiloquente, para seus Evangelhos e faz da aventura uma forma de produzir uma arquitetura literária capaz de fornecer a seu Horror um universo, permitindo inclusive novas obras com os desdobramentos possíveis da aventura.

Impossível não ler o livro e não perceber diálogos com a obra de Neil Gaiman, ainda que de forma bastante divergente e até distorcida, mas os pontos de contatos existem e fazem deste livro uma produção bastante agradável de ler e menos assustadora que fantástica.

Há problemas de ritmo no livro por vezes, e a busca de construção de universo esbarra na própria dimensão que a obra pretende ter, mas O Evangelho de sangue cumpre um papel de definir o Cenobita mais famoso do universo de Barker como personagem e protagonista, além de ser uma marca fundamental nesta ala dos personagens de Clive.

Embora não seja o melhor Barker é um livro muito interessante e pode ser lido inclusive por quem desconhece as obras anteriores.

Vale a leitura.

O livro pode ser adquirido na editora Darkside

Qual o rosto do horror?

Difícil dizer quando o horror ficcional saiu da tela e tornou-se uma parte do cotidiano.

Horror é um gênero que transita da fantasia pra metáfora e talvez pro realismo sem uma dose controlada de cuidado entre as fronteiras.

A diferença entre o Horror e o horror é que o segundo não veste-se com faces monstruosas para causar nas plateias a ojeriza, o asco ou o pavor que atormenta nossas almas.

Estas fronteiras, no entanto, eram mais perceptíveis nos primórdios da produção de Horror, seja a literária ou na cinematográfica ou teatral.

Entre “Frankestein ou O Prometeu moderno”, “O Castelo de Otranto”, “O Vampiro”, “Carmilla” e “Drácula”, haviam maiores ou menores graus de metáforas e críticas aos tempos e costumes em que as obras forma escritas.

Nenhuma destas metáforas era tão explícita quanto Stephen King nos entrega em “Rose Madder” ou Clive Barker esfrega em nossas faces em “Candyman”.

A dura, mas poética, crítica de Mary Shelley aos movimentos da ciência e do progresso é de uma polidez gigante comparada ao murro que crítica à violência contra a mulher abraçada no racismo, na homofobia e na brutalidade policial que King nos oferece.

Também é difícil ver “A Górgona” ou “Drácula, o vampiro da noite” da mesma forma depois de “A Noite dos mortos vivos”, “Eles vivem” e “Corra!”.

A perspectiva que o Horror possuía nos primeiros produtos deste sub gênero ficcional era a do rosto branco e europeu, de elite, que viajava pelo mundo e descobria horrores indizíveis.

A face do horror contemporâneo, que nasce bebendo o sangue do vampiro iluminista, não é mais a do cavalheiro inglês.

O Novo Horror é o da classe operária que descobre o Horror nas fábricas fechadas, nos conjuntos habitacionais vandalizados e abandonados à própria sorte pela era Tatcher.

O Horror está nos apartamentos onde a classe operária é confinada com sua pobreza e as monstruosidades que a miséria deixa como legado.

Essa nova face do Horror estabelece um novo parâmetro de pavor, abandona o monstro exógeno e nos alerta pro legado da séculos de racismo,escravidão e dos escombros da luta de classes.

Palhaços assassinos são criaturas ante diluvianas super poderosas, mas usam os ódios humanos, as maldições das opressões e abusos como forma de nos dominar e devorar.

As vítimas do racismo gritam para que corramos antes de nos tornarmos mais uma ferramenta de gente branca que só quer os corpos dos negros e negras.

Entender o Horror que rompe muros quando Ben é o primeiro herói negro de um filme de horror em 1968, no mesmo ano do assassinato de Martin Luther King, não é compreender apenas o novo cinema do gênero.

Entender o novo Horror é entender como a compreensão da cinematografia de horror ultrapassou sua origem na elite para embarcar para o eixo de sua gênese.

Se o Horror é face da crítica ao mundo antigo, o Novo Horror é a face da crítica ao nosso mundo.

Tratar o cinema de Horror atual como “lacração” é ignorar todo o processo que desemboca em um novo Horror que tem pelo menos sessenta anos.

A face do Horror contemporâneo é a face das transformações sociais que tiraram mulheres, negros e negras e pessoas LGBTQIA+ dos cantos escuros do papel de coadjuvantes ou vítimas.